quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Setor Mineral – Voltar para Avançar

O Código de Mineração, promulgado em 1967, propiciou o mais importante fluxo de descobertas minerais do país. Capitais internacionais no início, seguido por investimentos governamentais e privados, permitiram a descoberta e implantação de várias minas em Carajás (Fe, Mn, Au, Cu, Ni), Trombetas (Al), Paragominas (Au) Catalão (P, Nb), Tapira (Nb, P, Ti), Serrinha (Au), Araxá (U) Lagoa Real (U), Puma-Onça (Ni) Pitinga (Sn), Niquelândia (Ni), Barro Alto (Ni), Cana Brava (Amianto). Pode ser dito que excetuando o ferro de Itabira, todo o patrimônio mineral brasileiro que ocorreu foi construído sob a vigência, do atual código de mineração. Não interpretem tais argumentos como se aqui estivesse sendo dito que o mesmo não poderia ser melhorado.
Da implantação do código de 1967 até o momento, o setor mineral passou por cinco momentos de estresse, quatro deles decorrentes da insensatez governamental:

1.    Criação da Reserva Nacional do Cobre
2.    Reserva Garimpeira de Serra Pelada
3.    Nacionalização da Exploração Mineral
4.    Novo Marco Regulatório
5.    Desastre Ecológico de Mariana

A reserva Nacional do Cobre instituída pelo Decreto nº 89.404, de 24 de fevereiro de 1984, resulta de uma cruel combinação de ignorância geológica, corporativismo estatal e nacionalismo infantil. Uma possível correlação geológica entre Carajás e uma grande área na fronteira do Pará com o Amapá, levou alguns militares a convencerem o governo de que criando uma reserva nacional do cobre, resolveria nossa crônica dependência de metais básicos (cobre-zinco-chumbo). O problema certamente não foi resolvido. Tal decisão, ao contrário, criou uma enorme instabilidade jurídica, visto que a área já continha direitos minerários de algumas empresas. Os direitos minerários não foram respeitados em flagrante agressão ao código de mineração. Nada ganhamos com isso, pois impedimos investimentos empresariais, favorecemos a atividade garimpeira, que de cobre, nunca produziu um grama sequer. O mais absurdo é como isso pode ter permanecido até hoje, constituindo uma situação em que um erro geológico foi oficializado por lei. A não revogação dessa insensatez só pode ser creditada à total inexpressividade política do nosso setor mineral.

A invasão das áreas da Vale, com direitos minerários, por garimpeiros, levou a explosão do garimpo Serra Pelada. O falso Eldorado nada deixou além de um rastro de miséria, endemias e um melancólico poço onde o mosquito da malária prolifera impunemente. Mais uma vez, a demagogia e desrespeito à lei levou o setor mineral a uma situação de insegurança jurídica, que tanto mal provoca a esse setor, por si só, carregado de riscos e dificuldades. Na verdade, o episódio Serra Pelada foi apenas um dos inúmeros desrespeitos ao código de mineração. No texto constitucional de 88, ficou explicitado o favorecimento à garimpagem em detrimento da atividade empresarial. Em 1980 éramos o quarto produtor mundial de ouro, hoje somos o décimo quinto, comprovando mais uma vez a nossa fragilidade setorial diante das decisões demagógicas.

Na crise de 2008, os fundamentos do sistema capitalista foram apressadamente questionados pelos idólatras do Estado. Alguns países produtores de bens minerais (Peru, Austrália, Zâmbia, Mongólia), em um momento de pouca lucidez, viram a oportunidade de incrementar receitas e exercer maior controle sobre suas “riquezas minerais”. Para isso, correram em direção aos aumentos de impostos e introduziram mudanças restritivas e de cunho nacionalistas em suas respectivas legislações minerais. Aqui demos a nossa contribuição aos ventos mundiais por maior tributação, regulação e penalização aos “especuladores”. O governo, tomando como base o setor petrolífero e reivindicando a defesa dos interesses nacionais, propôs um novo marco regulatório para mineração que substituiria o “obsoleto” código de 1967. 

O novo marco regulatório parte de um diagnóstico até razoável: 1) Há uma clara desproporção entre o numero de áreas requeridas e o volume de recursos efetivamente aplicado em exploração, 2) Algumas empresas, usando artifícios legais mantêm indefinidamente direitos minerais que deveriam ser transitórios. Certamente ambos os aspectos são profundamente prejudiciais ao setor e à sociedade, pela simples razão de que ambos retardam o fluxo de descoberta de novas jazidas. Não tendo descobertas não haverá mina, produção, emprego, divisas, desenvolvimento etc. Se o governo acertou no diagnóstico o remédio foi totalmente inadequado.

Imaginei que tínhamos aprendido com os erros constitucionais de1988. A constituição cidadã ao nacionalizar o risco, penalizou justamente a etapa de maior incerteza da atividade mineral. Com a Emenda Constitucional nº 6 /95, reparamos tal equívoco trazendo de volta os investimentos, empregos e descobertas. Parece ser do nosso DNA aprender apenas com o sofrimento e não com os exemplos. O novo marco regulatório ao propor o término do direito de prioridade na exploração, repete melancolicamente os erros de 1988, agora com uma argumentação ainda mais incompreensível. O certo é dizer que o novo marco como está, inviabiliza totalmente as atividades de exploração mineral em novas áreas do território nacional.

É verdade que o novo marco não nacionaliza e tão pouco estatiza, mas ao usar o setor petrolífero como modelo comete um monumental equívoco. Do ponto de vista científico, os procedimentos exploratórios para o setor petrolífero e de metais são genericamente similares. Temos que saber onde os minérios ou o óleo se formou, como ele migrou, e finalmente onde se depositou. Mas do ponto de vista econômico e empresarial há uma distinção gigantesca entre os dois setores.  O custo de um único poço da Petrobras no Pré-Sal pode equivaler ao que é gasto em exploração por ano pelas três maiores mineradoras mundiais.

Dos cinco momentos de estresse citados logo no inicio deste texto, apenas o último não foi induzido ou provocado pelo Estado. Não foi responsabilidade do estado o terrível acidente de Mariana. Mas não há como eximi-lo de sua parcela de responsabilidade. Responsabilidade dos dirigentes e de políticas públicas que permitiram a destruição lenta e progressiva do DNPM. Há trinta anos mostrávamos a inadiável necessidade de modernizarmos e sanearmos essa instituição, para que ela fosse capaz de atender suas atribuições institucionais. Nada foi feito e sua capacidade de fazer cumprir a lei e seu dever de alertar para possíveis negligências empresariais foram inteiramente inviabilizados.  

O que causa estranheza, é que os problemas estruturais e conjunturais do setor mineral brasileiro vêm sendo apontados e criticados há mais de trinta anos. E por que nada é resolvido? Infelizmente porque ainda não aprendemos que leis e novos marcos não resolvem problema algum. Ao contrário, trazem insegurança jurídica afugentando principalmente os investimentos exploratórios. Se novas leis resolvessem nossos problemas, já tínhamos dizimado a corrupção, miséria e 50 mil assassinatos por ano. Acreditamos que os principais problemas do nosso setor seriam plenamente resolvidos se os órgãos públicos cumprissem seus deveres institucionais e as empresas não procurassem brechas jurídicas para defenderem unicamente interesses pontuais. É sempre assim. O setor público não cumpre suas obrigações diante do contribuinte e transferimos as responsabilidades para algum advogado de plantão preparar um novo projeto de lei.

Por que o DNPM aceita renovações totalmente injustificadas tecnicamente? As mesmas permitem aos detentores de pedido de pesquisa e alvarás manter sob os seus domínios milhares de hectares. Por que os órgãos ambientais, muitas vezes conduzidos por forte viés antimineração, protelam injustificadamente a liberação das licenças, às vezes até mesmo por interesses políticos?  A questão fundamental do setor mineral no Brasil não é o número de áreas requeridas, mas do capital efetivamente aplicado na prospecção e pesquisa. Não será com sofismas que resolveremos os inúmeros problemas deste importante setor. O mesmo necessita de uma profunda reestruturação dos órgãos públicos, de algumas adaptações no Código e de efetivo cumprimento da lei. Sem isso, não teremos novas descobertas e, consequentemente, a implantação de novas minas. Esse é o único meio do setor trazer benefícios econômicos e sociais.

Há trinta anos já dizíamos no Jornal O Globo (Abril de 1988): “A dinamização do setor mineral brasileiro passa por medidas que incentivam a aplicação de capitais de risco, venham de onde vierem, e principalmente pela modernização do aparelho estatal para que fiscalize a aplicação com rigorosidade absoluta, punindo quem não cumpre o Código de Mineração. Em relação ao setor, devemos empreender profundas mudanças. Estas passam necessariamente pela consolidação do DNPM como um Bureau of Mines, e da transformação da Companhia de Pesquisas e Recursos Minerais (CPRM) no serviço geológico nacional, similar aos EUA, Canadá, Austrália, Finlândia.” O serviço SGB foi criado, mas os produtos por ele gerados estão longe de apresentarem a mesma qualidade técnica ou científica dos países citados.

A aprovação de medidas contrárias à mineração quase sempre decorreu de alianças entre parlamentares tanto à esquerda quanto à direita, portanto, não é fruto de um posicionamento ideológico. Pagamos um elevado preço pelo desconhecimento entre os parlamentares e a própria sociedade do que é o setor mineral, o qual é tido como sinônimo de riqueza fácil e desgraça ambiental. Fugir do debate, se omitir ou levar ao governo meramente demandas pontuais sempre relacionadas com impostos têm sido a principal razão pela nossa insignificância política. Quem representa o setor mineral?

Necessitamos ter uma visão sistêmica do setor onde a exploração mineral deve ter um papel fundamental, pois ela é o inicio de tudo. Temos que retomar o ordenamento jurídico de 1967, modernizando totalmente o DNPM através da informatização e restabelecendo padrões éticos inegociáveis. É essencial implantar um sistema tributário inteligente que contemple a ciclicidade da produção mineral (“banda tributária”). Temos que enfrentar as deficiências científicas e técnicas do SGB-CPRM, dando continuidade às reformas estruturantes pelo qual passou a instituição nos últimos três anos. O resto é com os investidores. Só assim avançaremos, estancando o desemprego e o desinvestimento que, há algum tempo, assola o setor mineral brasileiro em um quadro internacional de absoluta desfavorabilidade à mineração.

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