Pesquisadores localizam gruta explorada há quase 200 anos por Peter Lund
Por uma clareira entre as árvores do cerrado, janela com não mais de cinco metros, o cientista dinamarquês Peter Wilhelm Lund (1801-1880) descreveu, em 1835, a paisagem que viu da boca da gruta Lapa da Forquilha, em Baldim, na Região Metropolitana de Belo Horizonte: “Tem-se do lado direito do caminho vista para uma alta cadeia de montanhas que se estende para longe da plantação e deve ser a Serra da Lapa (atualmente Serra do Cipó)”. A cavidade natural está entre as 10 primeiras exploradas por Lund em Minas Gerais, onde o estudioso fez descobertas de fósseis de hominídeos e animais, como a preguiça-gigante e o tigre-dentes-de sabre. Mas, mesmo com o mapeamento feito pelo dinamarquês – tido como o pai da espeleologia (estudo de cavernas) e da paleontologia (estudo de fósseis de seres vivos do passado) brasileiras –, 180 anos se passaram e, depois de várias mudanças de nome, a localização da caverna acabou perdida. Essa situação perdurou até meados do ano passado, quando um grupo de espeleólogos, químicos, biólogos e outros cientistas mineiros redescobriu a gruta perdida do doutor Lund.
A formação tinha sido rebatizada como Gruta da Fortuna e a certeza de se tratar da cavidade sumida veio com a sobreposição dos mapas feitos pelo europeu e as medições modernas, apresentadas no 33º Congresso Brasileiro de Espeleologia, em julho do ano passado. A equipe de reportagem do Estado de Minas foi até a gruta, redescoberta em projeto do Centro Universitário Newton Paiva, para refazer os caminhos de Lund pelos corredores estreitos de calcário, que precisam ser protegidos por ainda conterem tesouros históricos e científicos.
A primeira cena que se vê da entrada da caverna é de fato a imponente Serra do Cipó, o que remete a uma irresistível sensação de se admirar a mesma paisagem vislumbrada por Lund no século 19. “Quando comparamos os mapeamentos e vimos que mais de 80% batiam com perfeição com os registros de Lund, não tivemos mais dúvidas de que tínhamos redescoberto a Lapa da Forquilha. Refazer os passos perdidos de Lund é uma satisfação indescritível, faz o espeleólogo arrepiar por baixo do macacão”, comemora o espeleólogo e doutorando em química Luciano Faria, um dos responsáveis pelo achado. Apesar de sua importância, a caverna não se encontra protegida por nenhuma iniciativa do poder público e marcas de depredação, pichações e rabiscos são perceptíveis.
Quando o cientista dinamarquês esteve na Lapa da Forquilha, não chegou a encontrar fósseis de exemplares da megafauna pré-histórica, mas registrou que mineiros vinham extraindo salitre da caverna para a indústria da pólvora nos 50 anos anteriores. Ao contrário dos instrumentos usados no século 19, como tochas, barômetros e mapas, o uso de bússolas, coordenadas de GPS, trenas, lanternas e outros equipamentos modernos possibilitaram localizar e mapear mais salões e corredores que os descritos por Lund. Em um deles, pesquisadores descobriram em meio ao guano (material formado por fezes de morcegos em decomposição), sob a fratura de uma rocha, um esqueleto completo de um roedor pré-histórico. “Entrei em contato com paleontólogos e outros especialistas de universidades, mas a situação acaba sendo a mesma da espeleologia: não há recursos para que venham aqui e não posso remover os ossos para levar para serem identificados, pois poderia danificá-los. Enviei fotos e disseram se tratar de roedor”, afirma Faria.
Outro exemplar animal também chamou a atenção, por não ter sido reconhecido em outros ambientes. Trata-se de um pequeno mosquito com menos de dois milímetros, que o espeleólogo supõe ser um troglóbio – espécie que vive exclusivamente no ambiente de cavernas. “Ainda é preciso estudar o espécime, mas as indicações são de que seja um exemplar que vive exclusivamente nesta caverna, não sendo encontrado em nenhum outro ambiente externo”, disse.
ENTRE MORCEGOS E TESOUROS HISTÓRICOS A Lapa da Forquilha tem uma entrada baixa e pequena se comparada a outras grutas, como a da Lapinha (em Lagoa Santa) ou a de Maquiné (em Cordisburgo). Mas nos primeiros metros já se veem pendendo do teto várias estalactites e até colunas formadas pelo gotejar de milhares de anos da água com calcário dissolvido. Logo na entrada, uma ossada de bezerro em decomposição foi encontrada, mas nem mesmo isso pode ser removido. “Os micro-organismos da caverna se alimentam desses restos e por isso o que entra na gruta acaba se tornando parte dela”, observa Luciano Faria. Mais abaixo, descendo por salões em rocha escura de onde brotam formações brancas delicadas, os primeiros vestígios arqueológicos dos mineradores de salitre da época do Brasil império: próximo a um amontoado de pedras chamuscadas de um antigo fogão, os cientistas encontraram uma jarra e parte de um grande pote de cerâmica. Mais fundo, marcas de picaretas e outros instrumentos riscaram as pedras e uma antiga gamela de madeira usada para colher detritos de salitre ainda está preservada.
Cada metro caverna adentro exibe mais sinais da presença dos morcegos hematófagos (que se alimentam de sangue), sobretudo por seus excrementos cobrirem quase tudo, do solo às paredes estreitas por onde é preciso se esgueirar, por vezes rastejar. O cheiro de amônia comprova a decomposição do sangue pelos mamíferos alados, que fazem voos rasantes a poucos centímetros das cabeças dos exploradores. Nesse material orgânico proliferam vários organismos, como cupins, larvas de insetos e fungos.
Um dos salões impressiona pela forma de caveira e mais adiante, depois de passar sobre pontes de madeira com sabe-se lá quantas décadas de idade, chega-se a um corredor desabado que também foi descrito pelo doutor Lund. Um túnel de menos de dois palmos de altura, por onde só se passa rastejando, é agora o novo desafio dos estudiosos, por levar a áreas ainda não mapeadas da caverna, como se fossem um complemento ao trabalho que o dinamarquês começou. “Nosso papel agora é descrever esses espaços que encontramos para mapear a gruta como um todo”, afirma Faria.
Fonte: EM
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