Mina de ouro abandonada, em Apiaí, transforma-se em atração turística
Proposta de pesquisador do Instituto Geológico transforma área degradada em atração turística, gerando renda para a comunidade.
Uma antiga mina de ouro, desativada em 1942, constituía para o Município de Apiaí um passivo ambiental que oferecia graves riscos à população, especialmente por se localizar próximo à área urbana. Mesmo a sua transformação em área de utilidade pública, em 1998, não amenizou o problema, pois a prefeitura local não dispunha de recursos para desapropriá-la.
Esta história, que tinha todos os ingredientes para ser mais um exemplo de descaso, começou a caminhar para um final feliz, em 2002, quando o geólogo Hélio Shimada, do Instituto Geológico, órgão da Secretaria Estadual do Meio Ambiente – SMA, propôs à Prefeitura de Apiaí o aproveitamento turístico da mina, seguindo o exemplo de experiências de sucesso em outros países. O geólogo citou, ainda, o exemplo do Parque das Pedreiras, em Curitiba, no Paraná, reconhecido internacionalmente como exemplo de recuperação ambiental de áreas degradadas.
Com o apoio do prefeito Emilson Couras da Silva, que ocupava o mesmo cargo na época, foi negociada a aquisição da área, em 2003, pela Camargo Corrêa Cimentos que a doou para a prefeitura. “Assim se iniciou a efetiva implantação do Parque Natural Municipal do Morro do Ouro, com uma área de 540 hectares”, explica Shimada.
O objetivo era a transformação de um passivo ambiental em opção de renda, explorando principalmente o ecoturismo, criando a oportunidade para jovens atuarem como monitores, devidamente treinados pela prefeitura. Além disso, o projeto visava à preservação da área de mananciais da cidade formada pelo conjunto de drenagens do Morro do Ouro.
Hoje, após a implantação de uma infraestrutura que inclui trilhas de caminhadas e um centro de informações, a antiga mina constitui um importante atrativo turístico, tendo recebido cerca de 6.500 visitantes em 2007. O parque promove, ainda, atividades de educação ambiental e recebe, para fins didáticos, estudantes de Geologia da Universidade Estadual Paulista – UNESP, de Rio Claro, que têm no local a oportunidade de desenvolver estudos de iniciação científica.
Segundo Shimada citando dados da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais – CPRM, o Morro do Ouro apresenta minérios de ouro em forma de veios de quartzo cortando os xistos, contendo sulfetos de ferro e cobre, e limoníticos, formado por quartzito enriquecido com óxidos de ferro. O ouro está contido nas estruturas cristalinas dos sulfetos metálicos que, quando oxidados, apresentam o metal na forma livre, em partículas de dimensões variadas.
A implantação do parque temático, ainda em andamento, demandou a criação de um grupo de trabalho com profissionais de diversas especialidades, que procedeu ao levantamento e análise de informações técnicas e históricas. A elaboração e execução do projeto envolveram não somente a seleção e preparação das galerias para a visitação, mas o resgate dos processos de extração para serem expostos ao público, por meio de painéis, maquetes, fotos e textos.
Assim, o visitante poderá, além de percorrer com segurança as galerias e as dez trilhas existentes, apreciar as amostras geológicas e biológicas, e adquirir artigos como fotos, cartões postais, pôsteres e outros.
Projeto-modelo
Para Shimada, o sucesso da experiência do Parque Natural Municipal do Morro do Ouro poderá estimular iniciativas semelhantes em todo o país, onde existem muitas minas desativadas, subterrâneas e a céu aberto, com potencial de aproveitamento turístico. O próprio pesquisador do Instituto Geológico avalia que as antigas minas de chumbo e prata da região, algumas das quais nos domínios do Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira – PETAR possuem um potencial turístico-didático.
Poderiam compor um interessante “Circuito das Minas do Alto Ribeira”. “Por se encontrarem em região economicamente carente, poderiam ser transformadas em atrativos turísticos complementares aos naturais, como as já conhecidas cavernas e, ao mesmo tempo, exerceriam importante função educacional a respeito do aproveitamento de recursos naturais não renováveis e suas relações com o meio ambiente”, afirma.
O geólogo cita vários exemplos em outros países, onde esses sítios ganham utilização alternativa, adquirindo uma nova função social e econômica. Shimada se entusiasma ao falar da Mine Land Osarizawa, em Kazuno, na Província de Akita, no Japão, que teve a oportunidade de conhecer pessoalmente. “A mina de minério de cobre e ouro funcionou durante 1.200 anos, encerrando suas atividades em 1978, sendo transformada em atração turística, recebendo mais de mil visitantes por dia, com faturamento superior a US$ 5 milhões por ano, somente com a venda de ingressos”, salientou.
São 700 km lineares de galerias subterrâneas, das quais 1.700 m foram preparados para visitação, com iluminação especial, passarelas, corrimões e até escadas rolantes para garantir conforto e segurança aos visitantes. Estes recebem gravadores com fones de ouvido na entrada, por meio dos quais ouvem a narração do histórico da mina durante a visita. Painéis ilustram o funcionamento da mina em seus vários períodos.
Todas as atividades da mina são simuladas por meio de bonecos de dimensões humanas, alguns dos quais possuem sensores de presença, movimentando-se com a aproximação dos visitantes. No final do circuito, os visitantes sobem uma escada rolante e desembocam numa grande loja de “souvenirs”. Um museu com a maquete da mina, seu histórico, seu funcionamento e amostras de minério e outras rochas da mina, além de restaurantes e lanchonetes, completa o pólo turístico.
Outros exemplos citados são as galerias de antigas minas subterrâneas de sal, em países do Leste europeu, que têm sido utilizadas em terapias de moléstias respiratórias. No Brasil, Shimada cita os exemplos de Mariana, MG, onde a antiga mina de ouro da Passagem recebe visitação turística intensa, e de Curitiba, PR, que criou o Parque das Pedreiras, que abriga o Espaço Cultural Paulo Leminski e a Ópera de Arame, que recebem milhares de visitantes todos os anos, inclusive do Exterior.
Desativação da mina
Os relatos históricos revelam que o potencial aurífero da localidade é conhecido desde os tempos coloniais, possivelmente desde 1675, quando bandeirantes fundaram a Villa de Apiahy e abriram lavras a céu aberto para a extração de minérios secundários, resultantes do intemperismo do minério primário e sua desagregação, que proporcionaram a liberação, transporte e deposição das partículas de ouro.
A exploração intensiva da área começou em 1885, quando a empresa Resende & Cia. encomendou pesquisas que apontaram a viabilidade econômica da propriedade do Morro do Ouro. Várias tentativas de exploração da mina não surtiram os efeitos esperados, até que, em 1922, David Carlos MacKnight e seus sócios adquiriram as propriedades do Morro do Ouro e Água Limpa, abrindo 1.600 m de galerias e recuperando 6,5 kg de ouro por meio de amalgamação até o ano de 1924. O metal recuperado tinha 76% de ouro e 24% de prata.
Em 1939, a mina e seus imóveis foram arrendados à Cia. de Mineração de Apiaí, com participação de capital japonês, pelo prazo de 15 anos com opção para outros 15. No prazo de um ano, foram abertos 2.500 m de galerias, de onde foram retiradas cerca de 10.000 t de minério com um teor médio de 5 g/t. Segundo registros do CPRM, as reservas da jazida foram estimadas em 100.000 toneladas de minério. O tratamento do minério consistia em britagem, moagem e recuperação do ouro grosso por amalgamação com mercúrio. O ouro fino era recuperado por cianetação, onde o metal era dissolvido em solução de cianeto de sódio e, após filtragem, recuperado por precipitação com adição de zinco. Trata-se de processo ainda muito utilizado nos dias atuais.
Mas, em 1942, com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, a mina foi paralisada por força do Decreto Lei nº 4.166, que determinou o confisco dos bens dos súditos do Eixo Alemanha-Itália-Japão. Em 1945, foi determinada a liquidação extrajudicial da empresa, mas em 1960 a União reconheceu que os legítimos donos da empresa não eram súditos do Eixo, devolvendo o remanescente do empreendimento à Cia. de Mineração de Apiaí.
Porém, a longa paralisação havia provocado o colapso no sistema subterrâneo de galerias, inviabilizando o reinício da lavra conforme o plano original. Somando-se a isso, as condições desfavoráveis do mercado do ouro na época levaram a empresa a abandonar o empreendimento.
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