Como a vida começou
A origem da vida na Terra, há mais de 4 bilhões de anos, é uma das questões fascinantes da ciência. Até porque a vida não é algo inevitável em qualquer mundo.
A terra está repleta de vida. Ela transborda em cada canto e cada fenda. Um punhado de terra de jardim contém bilhões de microorganismos de formas elegantes, ativamente ocupados com suas complexas microatividades. Do gélido topo do monte Everest até os tórridos efluentes que jorram do interior da Terra ao chão dos oceanos, existem por toda a parte formas de vida refinadamente adaptadas às suas peculiares circunstâncias.
Há seres que deslizam, rastejam, flutuam, planam, nadam, escavam, caminham, galopam ou apenas ficam imóveis e crescem verticalmente durante séculos. Alguns pesam 100 toneladas, mais a maioria é menor que um bilionésimo de grama. Há organismos capazes de enxergar sob luz infravermelha ou ultravioleta; e há seres cegos que percebem o ambiente envolvendo-se num campo elétrico. Alguns armazenam luz solar e ar; alguns são plácidos comedores de pastagens; outros caçam sua presa com garras, dentes e venenos neurológicos. Alguns vivem uma hora e, alguns, um milênio.
Sua harmonia com o ambiente é marcante. Mesmo os micróbios estão longe de ser estúpidos: são capazes de aprender com a experiência. E os humanos no momento, a forma de vida dominante penetraram as mais remotas regiões do planeta, refizeram sua superfície e até, hesitantemente, saíram em direção ao espaço. De onde veio essa gloriosa profusão de vida? Quando se examina de perto as superfícies de mundos vizinhos, como a Lua e Marte, não se encontra nenhuma prova de existência sequer da mais modesta forma de vida. Claramente, a vida não é algo inevitável em qualquer mundo. Como começou? E quando?
Se observamos rochas antigas e sedimentos, cujas idades tornaram-se bem conhecidas graças à datação radiativa e outras técnicas, encontramos vida muito tempo atrás. Em princípio, podemos entender como a vida evoluiu desde seus começos mais antigos e simples até profusão e complexidade que agora ornamentam nosso pequeno planeta. Com exceção do minúsculo presente momento nos 4,6 bilhões de anos da história da Terra, nunca existiram quaisquer humanos. Houve tempo em que os gigantescos bichos- preguiças mascavam as copas das árvores na América do Sul. Houve tempo em que répteis temíveis caminhavam nas praias de um grande mar interior no que é hoje a parte oeste dos Estados Unidos. Houve tempo em que a única vida animal em terra eram insetos e vermes.
Antes do surgimento de qualquer coisa parecida com a atual figura dos continentes, manadas de trilobites (crustáceos) caçavam no fundo soa antigos oceanos. É houve um tempo ainda antes disso um tempo que abarca a grosso da existência do planeta -, quando não havia criaturas grandes o suficiente para serem vistas, quando tudo que era vivo era um microorganismo. É preciso realmente ir muito para trás até 4 bilhões de anos no passado antes de achar uma época em que não havia microorganismos. Mas essa é quase a época de formação da própria Terra.
Os mais antigos sinais de vida no planeta encontram-se em rochas cuja idade varia entre 3,5 bilhões e 3,8 bilhões de anos. Não é fácil achar tais sinais e a maioria das descobertas ocorreram apenas nos últimos vinte anos. É possível que se venha a descobrir pistas e vestígios de micróbios ainda mais velhos. Os achados até agora parecem ter pertencido a microorganismos bem desenvolvidos, provavelmente avançados demais para terem sido os primeiros seres vivos.
A vida deve ter-se originado ainda antes. Mas a Terra tem apenas 4,6 bilhões de anos e em sua primitiva história aquecida por dentro e bombardeada por fora apresentava um ambiente inapropriado para as franzinas e delicadas manifestações de vida. Isso deixa apenas um pequeno intervalo de tempo, algumas centenas de milhões de anos no máximo, para que a vida tenha surgido na primitiva Terra.
Que se deseja saber exatamente quando se pergunta sobre a origem da vida? Não estamos falando de humanos ou mamíferos ou qualquer dos organismos com os quais convivemos no dia-a-dia. Ao contrário, estamos nos perguntando sobre a origem daquelas características comuns a todas as formas de vida conhecida. É notável que, até onde vai nossa compreensão, cada organismo na Terra baseia-se nas mesmas poucas moléculas orgânicas, das quais duas se destacam. Seus nomes já pertencem à linguagem cotidiana: quase todos ouvimos falar delas. Chamam-se proteínas e ácidos nucléicos.
As proteínas controlam a química e a arquitetura de cada célula. Toda enzima é uma proteína. Elas determinam o ritmo segundo o qual outras moléculas interagem. Elas guiam o metabolismo. Os ácidos nucléicos são as moléculas-mestras da vida. Com apenas umas poucas possíveis exceções, contém toda informação hereditária, todo conhecimento sobre como um organismo deve produzir uma nova geração do mesmo tipo de seus pais. Os ácidos nucléicos determinam quais proteínas devem ser feitas e quando. Também possuem a assombrosa propriedade de fazer cópias idênticas de si mesmos a partir de blocos de construção moleculares cuja síntese haviam dirigido. São as eminências pardas moleculares por trás da vida na Terra.
Compreender a origem das proteínas e dos ácidos nucléicos certamente não é o mesmo que compreender a origem da vida, mas é um passo importante nessa direção. As moléculas em questão são enormemente complicadas. Mesmo uma simples proteína pode ser feita de alguns milhares de átomos hidrogênio, carbono, nitrogênio, oxigênio e, ocasionalmente, enxofre.-., agrupados segundo uma precisa configuração.muitas proteínas e a maioria dos ácidos nucléicos são ainda mais complicados. Essas moléculas, naturalmente, devem ter evoluído elas próprias, se tornando mais sofisticadas e aumentando grandemente em complexidade ao longo de 4 bilhões e tanto de vida na Terra. Assim, de que maneira simples ácidos nucléicos podem ter surgido na historia inicial do planeta?
O Universo consiste na maior parte de átomos de hidrogênio e hélio. Acrescentando-se carbono, nitrogênio e oxigênio, tem-se 99 por cento da massa do Universo. O Sol, Júpiter e os outros planetas gigantes, as estrelas, as galáxias até o gás e a poeira no espaço entre as estrelas são feitos principalmente de desses átomos. A Terra, por outro lado, compõe-se basicamente de silício, oxigênio,alumínio e ferro. Isso quer dizer que nosso planeta e os outros pequenos mundos que compreendem o interior do sistema solar são anomalias cósmicas. Apesar disso, os cientistas possuem provas excelentes de que a Terra se formou da mesma enorme nuvem giratória de gás e poeira da qual emergiram o Sol, rico em hidrogênio, Júpiter e o resto do sistema solar.
Por que os mundos do interior do sistema solar são tão diferentes agora? É quase certo que a resposta seja “porque eles são pequenos”. Da Terra atual, hidrogênio e hélio escapam rumo ao espaço. Nas franjas mais distantes da atmosfera da Terra, esses átomos ultraleves se deslocam rapidamente após colidir com átomos mais pesados. No tumulto das colisões moleculares na alta atmosfera, eles são os que mais tendem a adquirir velocidade de escape. Como um foguete voando a mais de 11 quilômetros por segundo, escapam da gravidade terrestre como um pequeno gotejamento de gás adentrando o quase-vácuo interplanetário.
Em contraste, a Lua e Mercúrio são tão pequenos, sua gravidade tão fraca que tem sido incapazes de reter qualquer atmosfera e muito menos algo remotamente parecido com um oceano. Em tais mundos, provavelmente nunca houve o menos ponto de apoio para o surgimento da vida. Por outro lado, hidrogênio, hélio e gases mais pesados não escapam de Júpiter, por exemplo, porque a massiva gravidade desse planeta mentem presas para sempre mesmo as moléculas mais simples, mais leves e mais rápidas.
A Terra, formada originalmente por típica matéria cósmica, deixou escapar quantidades enormes de hidrogênio e hélio. hoje, não sobrou quase nada. A atmosfera da Terra primitiva deve ter sido rica em gás hidrogênio e outros átomos quimicamente combinados com hidrogênio. O interior da Terra era, provavelmente rico em materiais similares que, muito tempo depois, devem ter sido trazidos à superfície por processos geológicos. Mesmo hoje, há vestígios de metano e outros gases ricos em hidrogênio ainda borbulhando em direção à superfície da Terra desde o remoto interior.
Assim, se quisermos entender a origem das proteínas e ácidos nucléicos, não podemos imaginar que a atmosfera da Terra primitiva fosse parecida com a atual. Em todo o caso , o oxigênio molecular na atual atmosfera é produzido por plantas verdes e plantas verdes, naturalmente, não poderiam ter existido antes da origem da vida. Com tais raciocínios, o respeitado químico norte-americano Harold Urey e Stanley Miller, seu estudante de graduação na Universidade de Chicago no começo dos anos 50, prepararam um frasco de vidro contendo as moléculas ricas em hidrogênio que deveriam existir na primitiva atmosfera da Terra: hidrogênio, metano, amônia e água . (o velho ficou de fora porque não participa de reações químicas.)
No fundo do frasco, um pouco de água foi mantido fervendo, e uma carga elétrica talvez similando relâmpagos na Terra primitiva atravessou gás em cima. Com fervura mais rigorosa, tornou- se nitidamente rosa. Urey e Miller, muito excitados, observaram a cor mudar. Não havia dúvida de que moléculas orgânicas mais complexas tinham sido feitas a partir materiais muito simples, ricos em hidrogênio.
Experiências similares produziram dezenas de aminoácidos a matéria-prima das proteínas – e todas as bases contendo e hidrogênio que compõe os ácidos nucléicos. Aprendemos que as proteínas e ácidos nucléicos surgem a partir de uma ampla variedade de condições, desde que os gases precursores sejam ricos em hidrogênio. E a descarga elétrica não é a única fonte de energia adequada – também servem luz ultravioleta, calor, raios gama, o estrondo ou as ondas de choque provocadas pelo impacto de meteoritos. No laboratório de Leslie Orgel, no Instituto Salk, em La Jolla, Califórnia, o processo foi levado parcialmente ao estágio seguinte: ácidos nucléicos simples foram encontrados no tubo de ensaio dirigindo a síntese de moléculas complementares meio caminho andado para fazerem cópias idênticas de si mesmos.
Uma palavra sobre terminologia: moléculas como proteína e ácidos nucléicos são chamadas orgânicas porque constituem a vida não porque somente a vida as sintetize. Como Urey, Miller e outros antes dele demonstram, o estofo da vida pode ser feito por processos naturais não- biológicos. Atualmente, dizer que uma molécula é orgânica significa apenas que ela contém átomos de carbono.
Do ponto de vista de um biólogo do século XIX, os sucessos de experiências como as de Urey e Miller são espantosos. ” É a pena se bobagem pensar atualmente na origem da vida”, escreveu Charles Darwin. ” É como pensar na origem da matéria.” Quão surpreso ele ficaria hoje! Há muito ainda por fazer. Ninguém realizou uma experiência como essa para, ao final, descobrir uma criatura, por mais simples que seja, rastejando para fora do tubo de ensaio. Muitos mistérios persistem. Não se sabe como sair dos ácidos nucléicos em instruíram a formação das primeiras proteínas – um problema chamado a origem do código genético. Não se entende a origem da primeira célula um evento provavelmente muito mais complexo do que a origem da vida.
Esses passos adicionais podem levar décadas ou séculos para serem reconstruídos em laboratório. Mas é bom lembrar que a pesquisa moderna sobre a origem da vida têm apenas uns 35 anos. A natureza levou dezenas ou centenas de milhões de anos e dispunha de uma arena muito maior para realizar suas experiências. Nós até que nos saímos muito bem nesse breve período de pesquisa moderna. Há cientista atordoados com a nossa profunda ignorância a respeito de muitas fases dessa questão. Eles acham que jamais se conseguirá entender seus aspectos mais complexos e, por isso, anseiam por uma intervenção extraterrestre ou mesmo divina. Mais tais idéias não resolvem o problema da origem da vida: apenas adiam o momento de enfrentá-lo. Embora de modo algum subestimando a profundidade de nossa ignorância, é espantoso o quanto já aprendemos. Entender a origem da vida já não parece tarefa impossível. O progresso iniciado com Urey e Miller permanece como um marco da ciência moderna, o da compreensão do Universo e de nós próprios.
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