O ouro do rio Xingu
A mineradora canadense Belo Sun quer extrair 60 toneladas do metal precioso das margens do rio e, para isso, vai investir US$ 1 bilhão. Mas os imensos riscos sociais e ambientais levantam dúvidas sobre a viabilidade do negócio no coração da Amazônia
O garimpo, assim como os jogos de azar, é um vício. Para muitos moradores da Vila Ressaca, uma pequena comunidade localizada às margens do Rio Xingu, no Pará, só isso explica alguém se arriscar a descer dezenas de metros em um buraco instável, preso a um cabo de aço, dia após dia, ano após ano. “Dá para ganhar muito dinheiro no garimpo”, afirma Eguinaldo Silva, o Naldo, morador da Ressaca, ex-garimpeiro e hoje piloto de lancha, ou “voadeira”. “Só que, do jeito que se ganha, se gasta.” Pelas ruas de terra da vila, enlameadas nessa época do ano por conta das chuvas constantes, as histórias dos tempos de glória dessa corrida do ouro se repetem.
No bar do Gilson, um bêbado proclama os números do negócio, em altos brados. “Hoje, quem consegue dois gramas de ouro tem sorte”, afirma o ébrio, resoluto. No posto de saúde, a recepcionista Luciene Silva confirma a derrocada da atividade. “Meu marido trazia para casa 120, 130 gramas por semana. Hoje, quando sobram duas é muito”, diz a moradora, resignada. Mata adentro, no entanto, as precárias operações mineradoras são tão comuns quanto os agrupamentos de bois a se movimentar lentamente pelas pastagens, vegetação que, há algum tempo, substituiu as densas florestas amazônicas como a paisagem predominante na região.
Acontece que o ouro rareou, mas não acabou. Ao contrário. Ele só está incorporado em rocha dura, ou sã, como dizem os geólogos, na camada logo abaixo do solo mais raso, o saprólito, inalcançável pelos métodos rudimentares dos garimpeiros. Para extraí-lo é necessário profissionalizar. O modo de vida crédulo do local, que confia a própria sorte na manipulação a mãos limpas do mercúrio, metal pesado, altamente tóxico e capaz de separar o ouro do solo, precisa dar lugar aos engenheiros e seus equipamentos pesados. É aí que entra a mineradora canadense Belo Sun.
Listada na bolsa de Toronto, principal praça de comércio da mineração mundial, a empresa está instalando no município de Senador José Porfírio, onde fica a Ressaca, uma operação de grande porte, que consumirá investimentos de US$ 1 bilhão. A meta é extrair 60 toneladas de ouro no período de 12 anos, o suficiente para mais do que duplicar o valor aportado e colocar a mina entre as cinco maiores do País. “É uma região com grande potencial”, afirma Mauro Barros, diretor-geral da companhia no Brasil. Os planos são de começar a produzir em 2019. Mas, para isso, a Belo Sun terá de superar disputas jurídicas e desconfianças.
Em uma área altamente desgastada pela construção da Usina de Belo Monte, a mina de ouro aparece como a nova grande ameaça ao meio ambiente a aos modos de vida ribeirinho e indígena. Os canadenses têm ao seu lado o Governo do Pará, que já autorizou a instalação, e uma lógica econômica que promete gerar milhares de empregos e milhões de reais em impostos. Os números do mercado e o histórico de projetos na região, no entanto, levantam dúvidas sobre os benefícios dessa exploração. O projeto está em fase avançada. Em fevereiro deste ano, a Belo Sun obteve a licença de instalação do empreendimento. Mas, pouco depois, a Defensoria Pública do Estado obteve uma liminar suspendendo a operação.
A alegação era de que a mineradora não colocou em prática os planos de remoção da população que será atingida pelo empreendimento, além de ter adquirido terras federais que, na verdade, haviam sido destinadas à reforma agrária, ainda nos anos 1980. Na terça-feira 21, a desembargadora Célia Regina de Lima Pinheiro, do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, caçou a liminar, mas condicionou o início da operação à retirada das famílias da área de influência da mina. Se conseguir superar a pendenga jurídica, a Belo Sun terá 12 anos, a partir do início da mineração, para retirar o máximo de ouro que conseguir do local.
Após esse período, ela ficará responsável por recuperar e monitorar os efeitos da sua operação por oito anos. Considerando que o projeto foi iniciado em 2010, com as atividades de prospecção e análise, serão 31 anos de trabalhos, para um faturamento estimado em mais de R$ 6 bilhões. Tudo o que envolve o projeto é polêmico. A começar pela questão ambiental. O ouro, como é de se imaginar, não é muito fácil de extrair. O processo industrial em grande escala, apesar de mais organizado, não é muito diferente do garimpo. Primeiro, cava-se o solo.
A rocha, então, é triturada e transportada para a unidade de separação. Em vez do mercúrio, o elemento utilizado para retirar o metal do solo é o cianeto. Para cada tonelada de rocha cavada, obtém-se um grama de ouro. Os planos da mineradora são de criar duas “cavas”, a Ouro Verde e a da Grota Seca. A primeira localiza-se a 106 metros do Rio Xingu, a segunda, a um pouco mais: 427 metros. Ao lado delas, haverá o que se chama “pilha de estéril”, que é, basicamente, solo amontoado. Dois lagos de contenção acumularão água da chuva, para abastecer a planta de beneficiamento, onde se produz o ouro.
À esquerda da Ouro Verde ficará a barragem de rejeitos. Construída com a própria rocha extraída das cavas, a barragem receberá tudo o for retirado do solo e não referir-se a ouro ou outro metal de valor. Ao final do projeto, ela terá recebido 60 milhões de toneladas de lixo. Apenas 1.500 metros separam as águas do Xingu dessa lama. O risco é considerado alto. Caso a barragem se rompa e a lama escorra para o rio, os prejuízos são incalculáveis. A comparação inevitável é com a tragédia de Mariana, no Rio Doce.
Mas, apesar do volume ser o equivalente a um terço do que vazou em Minas Gerais, a região onde fica a mina de ouro, na chamada Volta Grande do Rio Xingu, é muito mais complexa e já está bastante prejudicada pela construção de Belo Monte. “Apesar dos danos serem altos, a chance de o rompimento acontecer é remota”, aposta Barros. “Multiplicando uma probabilidade pela outra, você tem o risco alto, mas é seguro.” Responsável por conceder a licença, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (Semas) afirma que está sendo prudente.
Em nota enviada à DINHEIRO, o órgão diz que estão sendo exigidos da mineradora “uma série de planos e programas de mitigação”. Segundo Barros, os impactos são inevitáveis. A questão é saber se os ganhos provenientes do projeto compensam suas alterações sociais e ambientais. “Na minha visão, compensam”, afirma o executivo. “Vamos trazer desenvolvimento para a região.” Esse desenvolvimento está ancorado em números, como os R$ 10 milhões anuais que o município de Senador José Porfírio, de 11 mil habitantes, terá à disposição para investir, graças aos impostos pagos pela mineradora. Ou os 600 empregos diretos, e mais de mil indiretos, que serão gerados pela operação.
Essa lógica econômica, por outro lado, é questionável em diversos pontos. “Todo esse ouro deverá ser destinado à exportação, ficará muito pouco de imposto aqui”, afirma Écio Moraes, diretor executivo do Instituto Brasileiro de Gemas e Metais Preciosos (IBGM). O Brasil é o 10o maior produtor de ouro do mundo, ao lado da Indonésia, com uma extração de 95 toneladas no ano passado – considerando a cotação atual do metal, de US$ 1,1 mil por onça troy, isso equivale a um faturamento de US$ 3,7 bilhões. O mercado é liderado pela China, que produziu 460 toneladas. A Austrália, segunda colocada, extraiu 271 toneladas. As cinco toneladas da Belo Sun fariam pouca diferença ao País.
O setor também não conta com uma cadeia de negócios das mais extensas. Metade do ouro extraído no mundo, o equivalente a pouco mais de 2,1 mil toneladas, se destina à produção de joias. Os demais consumidores são os investidores, que respondem por cerca de um quarto do total, os bancos centrais, e a indústria eletrônica, que comprou, no ano passado, apenas 253 toneladas. O mercado interno demanda pouco, entre 16 e 17 toneladas. A maior parte para abastecer as grandes joalherias nacionais, como H.Stern e Vivara. Elas compram, basicamente, de pequenos garimpos.
As grandes minas brasileiras, como a de Paracatu (MG), operada pela também canadense Kinross, que recentemente ampliou sua produção anual para 15 toneladas, destinam-se ao mercado externo. “O Brasil tem um grande potencial em mineração de ouro”, afirma Moraes, do IBGM. “Mas, infelizmente, a lógica por aqui ainda é a da época de colônia.” Lógica, por sinal, talvez seja a palavra mais temida na região. Há tempos que os moradores locais são reféns de racionalidades alheias, que parecem trazer pouco benefício, ou, ao contrário, condenar modelos centenários de existência ao ostracismo, em troca de ganhos econômicos duvidosos.
Maior cidade da região, com 110 mil habitantes, Altamira é um modelo perverso de como o desenvolvimento parece mais excluir do que incluir. O município foi diretamente afetado pela construção de Belo Monte, a terceira maior hidrelétrica do mundo, o que se reflete em seus números. De 2010 a 2014, seu PIB cresceu de R$ 842 milhões, para R$ 3,9 bilhões. A renda per capita saltou de R$ 8 mil para R$ 37 mil. Mais de 80% da população, no entanto, ganha menos de dois salários mínimos. A violência, por outro lado, explodiu. A taxa de homicídios da cidade subiu de 60,9 para 124,6 por 100 mil habitantes, entre 2010 e 2015. A remoção das pessoas em função da construção da usina teve um efeito negativo na economia local.
“Todo dia eu sofro”, afirma Maria Elena Araújo, uma das moradoras de Altamira que teve de deixar sua casa. “Antes eu morava ao lado do centro, agora preciso andar oito quilômetros.” Muitos dos RUCs, como são chamados os reassentamentos urbanos construídos pela Norte Energia para abrigar os afetados, estão longe do rio, que garantia a subsistência de boa parte dessas pessoas, que hoje se veem desocupadas. “Todos esses projetos, de Belo Monte a Carajás, estão sobre as costas do povo paraense”, afirma Antonia Melo, ativista da ONG Xingu Vivo, que defende os interesses de ribeirinhos e indígenas.
APREENSÃO Esse risco agora paira sobre o povo da Vila Ressaca e da Vila Galo, que terão de ser removidos. Luciene Silva espera com ansiedade o momento. “É um tiro no escuro”, diz a recepcionista. O que ela gostaria era ficar perto do rio, em um lugar igual ao que mora. “Aqui é tranquilo, dá para criar os filhos soltos.” Para Marcelo Salazar, articulador da ONG Instituto Socioambiental (ISA) na região, imaginar que é possível conciliar a atividade mineradora com o modo de vida local é uma utopia. “São dois mundos que não podem existir simultaneamente. Ou é um, ou outro”, afirma Salazar.
O ISA desenvolve programas que exploram o extrativismo ambiental, de castanhas, por exemplo, com o objetivo de criar cadeias sustentáveis de negócio. É essa economia que, para Salazar, deveria estar sendo incentivada. A Belo Sun diz que entende essa realidade, e tem planos para contribuir com essa cadeia. A lógica parece correta. Mas, na prática, a história da indústria do ouro na Volta Grande do Rio Xingu vai contra esse raciocínio. A descoberta do metal por ali se deu no início do século 20. Os primeiros garimpos se instalaram na década de 1950.
Nos anos 1980 e 1990, vieram os grandes grupos, entre eles o TVX Gold, uma dos primeiros grandes empreendimentos do empresário brasileiro Eike Batista, que também naufragou. Um pouco antes, uma empresa chamada Verena Minerals passou a explorar o local. Em junho de 2010, seus acionistas se reuniram em Toronto para definir mudanças em sua estrutura acionária e rebatizar a companhia. O nome escolhido: Belo Sun. “Eu acredito que eles não vão cometer os mesmos erros de Altamira, no mesmo lugar”, afirma Luciene, exercitando a velha arte de viver da fé, talvez a maior habilidade local.
Assista ao vídeo:
No bar do Gilson, um bêbado proclama os números do negócio, em altos brados. “Hoje, quem consegue dois gramas de ouro tem sorte”, afirma o ébrio, resoluto. No posto de saúde, a recepcionista Luciene Silva confirma a derrocada da atividade. “Meu marido trazia para casa 120, 130 gramas por semana. Hoje, quando sobram duas é muito”, diz a moradora, resignada. Mata adentro, no entanto, as precárias operações mineradoras são tão comuns quanto os agrupamentos de bois a se movimentar lentamente pelas pastagens, vegetação que, há algum tempo, substituiu as densas florestas amazônicas como a paisagem predominante na região.
Acontece que o ouro rareou, mas não acabou. Ao contrário. Ele só está incorporado em rocha dura, ou sã, como dizem os geólogos, na camada logo abaixo do solo mais raso, o saprólito, inalcançável pelos métodos rudimentares dos garimpeiros. Para extraí-lo é necessário profissionalizar. O modo de vida crédulo do local, que confia a própria sorte na manipulação a mãos limpas do mercúrio, metal pesado, altamente tóxico e capaz de separar o ouro do solo, precisa dar lugar aos engenheiros e seus equipamentos pesados. É aí que entra a mineradora canadense Belo Sun.
Listada na bolsa de Toronto, principal praça de comércio da mineração mundial, a empresa está instalando no município de Senador José Porfírio, onde fica a Ressaca, uma operação de grande porte, que consumirá investimentos de US$ 1 bilhão. A meta é extrair 60 toneladas de ouro no período de 12 anos, o suficiente para mais do que duplicar o valor aportado e colocar a mina entre as cinco maiores do País. “É uma região com grande potencial”, afirma Mauro Barros, diretor-geral da companhia no Brasil. Os planos são de começar a produzir em 2019. Mas, para isso, a Belo Sun terá de superar disputas jurídicas e desconfianças.
Em uma área altamente desgastada pela construção da Usina de Belo Monte, a mina de ouro aparece como a nova grande ameaça ao meio ambiente a aos modos de vida ribeirinho e indígena. Os canadenses têm ao seu lado o Governo do Pará, que já autorizou a instalação, e uma lógica econômica que promete gerar milhares de empregos e milhões de reais em impostos. Os números do mercado e o histórico de projetos na região, no entanto, levantam dúvidas sobre os benefícios dessa exploração. O projeto está em fase avançada. Em fevereiro deste ano, a Belo Sun obteve a licença de instalação do empreendimento. Mas, pouco depois, a Defensoria Pública do Estado obteve uma liminar suspendendo a operação.
A alegação era de que a mineradora não colocou em prática os planos de remoção da população que será atingida pelo empreendimento, além de ter adquirido terras federais que, na verdade, haviam sido destinadas à reforma agrária, ainda nos anos 1980. Na terça-feira 21, a desembargadora Célia Regina de Lima Pinheiro, do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, caçou a liminar, mas condicionou o início da operação à retirada das famílias da área de influência da mina. Se conseguir superar a pendenga jurídica, a Belo Sun terá 12 anos, a partir do início da mineração, para retirar o máximo de ouro que conseguir do local.
Após esse período, ela ficará responsável por recuperar e monitorar os efeitos da sua operação por oito anos. Considerando que o projeto foi iniciado em 2010, com as atividades de prospecção e análise, serão 31 anos de trabalhos, para um faturamento estimado em mais de R$ 6 bilhões. Tudo o que envolve o projeto é polêmico. A começar pela questão ambiental. O ouro, como é de se imaginar, não é muito fácil de extrair. O processo industrial em grande escala, apesar de mais organizado, não é muito diferente do garimpo. Primeiro, cava-se o solo.
A rocha, então, é triturada e transportada para a unidade de separação. Em vez do mercúrio, o elemento utilizado para retirar o metal do solo é o cianeto. Para cada tonelada de rocha cavada, obtém-se um grama de ouro. Os planos da mineradora são de criar duas “cavas”, a Ouro Verde e a da Grota Seca. A primeira localiza-se a 106 metros do Rio Xingu, a segunda, a um pouco mais: 427 metros. Ao lado delas, haverá o que se chama “pilha de estéril”, que é, basicamente, solo amontoado. Dois lagos de contenção acumularão água da chuva, para abastecer a planta de beneficiamento, onde se produz o ouro.
À esquerda da Ouro Verde ficará a barragem de rejeitos. Construída com a própria rocha extraída das cavas, a barragem receberá tudo o for retirado do solo e não referir-se a ouro ou outro metal de valor. Ao final do projeto, ela terá recebido 60 milhões de toneladas de lixo. Apenas 1.500 metros separam as águas do Xingu dessa lama. O risco é considerado alto. Caso a barragem se rompa e a lama escorra para o rio, os prejuízos são incalculáveis. A comparação inevitável é com a tragédia de Mariana, no Rio Doce.
Mas, apesar do volume ser o equivalente a um terço do que vazou em Minas Gerais, a região onde fica a mina de ouro, na chamada Volta Grande do Rio Xingu, é muito mais complexa e já está bastante prejudicada pela construção de Belo Monte. “Apesar dos danos serem altos, a chance de o rompimento acontecer é remota”, aposta Barros. “Multiplicando uma probabilidade pela outra, você tem o risco alto, mas é seguro.” Responsável por conceder a licença, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (Semas) afirma que está sendo prudente.
Em nota enviada à DINHEIRO, o órgão diz que estão sendo exigidos da mineradora “uma série de planos e programas de mitigação”. Segundo Barros, os impactos são inevitáveis. A questão é saber se os ganhos provenientes do projeto compensam suas alterações sociais e ambientais. “Na minha visão, compensam”, afirma o executivo. “Vamos trazer desenvolvimento para a região.” Esse desenvolvimento está ancorado em números, como os R$ 10 milhões anuais que o município de Senador José Porfírio, de 11 mil habitantes, terá à disposição para investir, graças aos impostos pagos pela mineradora. Ou os 600 empregos diretos, e mais de mil indiretos, que serão gerados pela operação.
Essa lógica econômica, por outro lado, é questionável em diversos pontos. “Todo esse ouro deverá ser destinado à exportação, ficará muito pouco de imposto aqui”, afirma Écio Moraes, diretor executivo do Instituto Brasileiro de Gemas e Metais Preciosos (IBGM). O Brasil é o 10o maior produtor de ouro do mundo, ao lado da Indonésia, com uma extração de 95 toneladas no ano passado – considerando a cotação atual do metal, de US$ 1,1 mil por onça troy, isso equivale a um faturamento de US$ 3,7 bilhões. O mercado é liderado pela China, que produziu 460 toneladas. A Austrália, segunda colocada, extraiu 271 toneladas. As cinco toneladas da Belo Sun fariam pouca diferença ao País.
O setor também não conta com uma cadeia de negócios das mais extensas. Metade do ouro extraído no mundo, o equivalente a pouco mais de 2,1 mil toneladas, se destina à produção de joias. Os demais consumidores são os investidores, que respondem por cerca de um quarto do total, os bancos centrais, e a indústria eletrônica, que comprou, no ano passado, apenas 253 toneladas. O mercado interno demanda pouco, entre 16 e 17 toneladas. A maior parte para abastecer as grandes joalherias nacionais, como H.Stern e Vivara. Elas compram, basicamente, de pequenos garimpos.
As grandes minas brasileiras, como a de Paracatu (MG), operada pela também canadense Kinross, que recentemente ampliou sua produção anual para 15 toneladas, destinam-se ao mercado externo. “O Brasil tem um grande potencial em mineração de ouro”, afirma Moraes, do IBGM. “Mas, infelizmente, a lógica por aqui ainda é a da época de colônia.” Lógica, por sinal, talvez seja a palavra mais temida na região. Há tempos que os moradores locais são reféns de racionalidades alheias, que parecem trazer pouco benefício, ou, ao contrário, condenar modelos centenários de existência ao ostracismo, em troca de ganhos econômicos duvidosos.
Maior cidade da região, com 110 mil habitantes, Altamira é um modelo perverso de como o desenvolvimento parece mais excluir do que incluir. O município foi diretamente afetado pela construção de Belo Monte, a terceira maior hidrelétrica do mundo, o que se reflete em seus números. De 2010 a 2014, seu PIB cresceu de R$ 842 milhões, para R$ 3,9 bilhões. A renda per capita saltou de R$ 8 mil para R$ 37 mil. Mais de 80% da população, no entanto, ganha menos de dois salários mínimos. A violência, por outro lado, explodiu. A taxa de homicídios da cidade subiu de 60,9 para 124,6 por 100 mil habitantes, entre 2010 e 2015. A remoção das pessoas em função da construção da usina teve um efeito negativo na economia local.
“Todo dia eu sofro”, afirma Maria Elena Araújo, uma das moradoras de Altamira que teve de deixar sua casa. “Antes eu morava ao lado do centro, agora preciso andar oito quilômetros.” Muitos dos RUCs, como são chamados os reassentamentos urbanos construídos pela Norte Energia para abrigar os afetados, estão longe do rio, que garantia a subsistência de boa parte dessas pessoas, que hoje se veem desocupadas. “Todos esses projetos, de Belo Monte a Carajás, estão sobre as costas do povo paraense”, afirma Antonia Melo, ativista da ONG Xingu Vivo, que defende os interesses de ribeirinhos e indígenas.
APREENSÃO Esse risco agora paira sobre o povo da Vila Ressaca e da Vila Galo, que terão de ser removidos. Luciene Silva espera com ansiedade o momento. “É um tiro no escuro”, diz a recepcionista. O que ela gostaria era ficar perto do rio, em um lugar igual ao que mora. “Aqui é tranquilo, dá para criar os filhos soltos.” Para Marcelo Salazar, articulador da ONG Instituto Socioambiental (ISA) na região, imaginar que é possível conciliar a atividade mineradora com o modo de vida local é uma utopia. “São dois mundos que não podem existir simultaneamente. Ou é um, ou outro”, afirma Salazar.
O ISA desenvolve programas que exploram o extrativismo ambiental, de castanhas, por exemplo, com o objetivo de criar cadeias sustentáveis de negócio. É essa economia que, para Salazar, deveria estar sendo incentivada. A Belo Sun diz que entende essa realidade, e tem planos para contribuir com essa cadeia. A lógica parece correta. Mas, na prática, a história da indústria do ouro na Volta Grande do Rio Xingu vai contra esse raciocínio. A descoberta do metal por ali se deu no início do século 20. Os primeiros garimpos se instalaram na década de 1950.
Nos anos 1980 e 1990, vieram os grandes grupos, entre eles o TVX Gold, uma dos primeiros grandes empreendimentos do empresário brasileiro Eike Batista, que também naufragou. Um pouco antes, uma empresa chamada Verena Minerals passou a explorar o local. Em junho de 2010, seus acionistas se reuniram em Toronto para definir mudanças em sua estrutura acionária e rebatizar a companhia. O nome escolhido: Belo Sun. “Eu acredito que eles não vão cometer os mesmos erros de Altamira, no mesmo lugar”, afirma Luciene, exercitando a velha arte de viver da fé, talvez a maior habilidade local.
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https://www.jusbrasil.com.br/diarios/3525447/pg-40-secao-1-diario-oficial-da-uniao-dou-de-07-12-1983
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