domingo, 18 de junho de 2017

No meio da caatinga tinha uma mina

No meio da caatinga tinha uma mina

A primeira história que espalhou foi a de que estava caçando um tatu-peba e o bicho, naquele momento dramático de fuga, escondeu-se num buraco. Com a pata traseira, lançou-lhe a pedra violeta, para seu assombro. Mas agora conta que não foi nada assim. Que na verdade viu duas pombinhas brancas, salvou-as de um gavião, e entendeu ali o recado. Era Deus, era o Divino Espírito Santo indicando que ele acharia a terra prometida. Falou da visão para a mãe e saiu a pé, anunciando que iria encontrar um garimpo. Andou alguns quilômetros da roça onde vive até a serra onde encontrou ametistas, sem que para isso precisasse cavar mais que “um palmo de fundura”.
O povo diz que Edmário dos Santos, 35 – conhecido ali desde sempre como Galego e há coisa de um par de meses como “Rei do Garimpo” –, passou foi tempo sozinho catando a pedra, de esperteza ou usura, e que só espalhou o tesouro quando tomou umas cachacinhas e não aguentou mais ficar sem vangloriar-se. Mas na versão ungida, ele conta que permaneceu uma semana só no silêncio. “Com oito dias falei, porque Deus estava me cobrando. Não é mina de riqueza, mas de sobrevivência”.
Na sua palavra mesmo muita gente não acreditou. Era tido por vagabundo porque há tempos tinha abandonado a plantação de tomate e cebola da família, argumentando que só prestavam para salada, e andava por aí à toa, agarrado mais a “Pituzinha”, como chama a aguardente. Valeram mais as fotografias das ametistas graúdas, que se espalharam pelas redes sociais, e aí foi um tal de chegar gente à até então anônima Quixaba que não se parou mais.
O povoado fica distante 54 km da cidade de Sento Sé, no extremo norte da Bahia. A estimativa da prefeitura é que oito mil pessoas tenham ido à cidade em busca da sorte grande, de tudo que é canto do país, o que representa um aumento de 20% na população. Só na rede municipal de ensino foram 100 novas matrículas no mês de maio. Esturricado pela seca, com situação de emergência reconhecida pelo Ministério da Integração Nacional, o município viu nas ametistas a esperança de movimentar a economia combalida. Na churrascaria Canoas, ponto de encontro dos negociantes de pedra, era mais que comum ficar a noite inteira sem vender nem um picolé para um menino que passasse. Hoje, o restaurante fatura R$ 800, R$ 1 mil na hora da janta.

Avenidas e ruas

Os caminhos que levam ao garimpo só com muita boa vontade podem ser chamados de estrada. Até as caminhonetes sofrem para trafegar pela areia fina, daquelas que rendem um poeirão por menor que seja o passo. De moto ou carro pequeno, corre-se o risco de atolar. Já os sacolejos são certos, não importa o veículo ou a sorte. Há dois jeitos de chegar: pelo lado original da serra, onde Galego encontrou as primeiras pedras, ou pelo seu verso. Alguém com justeza pensou que se a ametista estava dando em uma face da montanha, capaz que também desse na outra, e foi lá cavar para ver se não era o caso. Bastava seguir a linha, o veio. As duas bandas mostraram-se violetas e cintilantes, de tal modo que atualmente a nova frente, onde é mais fácil encontrar água, supera a primeira em número de garimpeiros e de cortes, como chamam os buracos que abrem pela serra – há os que já cheguem a 20 metros.
É deste lado que está a avenida Remanso, onde o movimento é intenso a qualquer hora do dia, a ponto de não ser raro presenciar um engarrafamento. A placa que indica o nome da rua é de papelão, está presa a um toco de madeira. Quem a pendurou ali foi Marcelo Lopes, 19, que a batizou em homenagem à sua cidade natal, Remanso, vizinha a Sento Sé. Fez questão até de escrever o número do seu casebre, 43, mas isso aí não sabe explicar o porquê. “Escolhi na doida mesmo”.
Em Remanso, Marcelo comprava e vendia animais, mas quando ouviu falar da jazida, achou que era mais negócio mudar de ramo. Foi arriscar, sem saber nada de garimpo. Aliou-se com gente mais experiente. Com 16 dias de serviço, seu corte estava em sete metros. Ainda não tinha “pintado”, como se diz por lá. “Já achei cristal branco, que é o caminho dela, é o sinal”.
Em meio à brabeza da caatinga, centenas de barracos feitos de paus de madeira e cobertos por lona margeiam a avenida e as ruas transversais, igualmente identificadas por placas de papelão. Aqui e ali, mercadinhos vendem de comida a ferramentas. E já há também os bares, a mesa de sinuca, os puteiros. É como estar vendo o nascimento de uma cidade, onde o cumprimento oficial não é um bom-dia, mas boa sorte.
Há ali um poço, mas a água não é tratada. Para beber, paga-se R$ 5 por 20 litros. Com a escassez, já se imagina que não dá para tomar banho todos os dias, apesar do calor sufocante. A temperatura chega fácil aos 35 graus. E, como não há energia elétrica, é difícil conservar os alimentos. Essas dificuldades só tangenciam a aridez do próprio serviço, a labuta de cavar buracos na terra feito tatu-peba, içando de lá os obstáculos que podem ou não levar às ametistas.
É de se pensar que tanta dureza levaria ao garimpo apenas os encurralados por necessidades de sobrevivência ou os que buscam pedras valiosas por profissão, mas esse está longe de ser o caso. Um homem aparece dizendo que é cantor e veio do Ceará; o outro, dono de ótica em Sobradinho; aquele ali funcionário público de Juazeiro; e o da ponta, quase ao pé da serra, lá naquela lona amarela, tem uma distribuidora de bebidas em Sento Sé mesmo. O corte é de Dão, e está produzindo bem, indicam. E Dão, onde é que está? “Lá embaixo”, diz seu parceiro de trabalho. A reação automática é olhar para a rua, mas “embaixo”, no garimpo, quer dizer no buraco.
Ele sobe os oito metros que o separam da superfície para dar uma palavrinha. Adão Silva, 47, conta que estava no garimpo há trinta e poucos dias, veio logo que soube da notícia. Apesar do cansaço, diz que está mais que satisfeito. “Estou tirando aqui em um dia o que eu tirava em um ano no comércio”. Ametista boa, de valor comercial, é a que tem um pião grande, limpo, com um tom profundo de violeta, sendo pião a parte afunilada da pedra, que lembra mesmo o brinquedo de criança.

Piões e Tostões

Pois com os piões que retira com relativa facilidade da areia fina do seu lote, Dão já chegou a ganhar R$ 20 mil por dia, dinheiro dividido entre os três homens que trabalham com ele e ganham diferentes percentagens. Um deles é Amarildo Nascimento, que estava trabalhando num garimpo em Novo Horizonte, na Chapada Diamantina, quando viu no WhatsApp as ametistas que estavam brotando em Sento Sé. Reparou logo que era “da boa” e viajou de rompante.
A sorte não alcançou a todos, longe disso. Dão estima que espalhados pela serra e adjacências existam 200 serviços/cortes/buracos/lotes – dê o nome da sua preferência, que todos servem – e desses apenas 30 estejam produzindo. O entorno da sua lona fica cheio de mulheres sentadas em cima de uma areia branca cheia de pontos lilases. É a rebarba da produção. Elas catam as pedras e escolhem as melhores entre as piores, que são usadas para artesanato.
Assim conseguem tirar um “tostãozinho”, como diz Luísa da Silva, 22, que para estar ali deixou os dois filhos, de 6 e 2 anos, em casa, aos cuidados dos parentes. “Choro de saudade”. Por semana, ela consegue R$ 150, R$ 180. O marido também está lá, trabalhando num corte em cima da serra.
Um homem musculoso de camisa rosa se aproxima de Dão perguntando se ele tem pedra para vender. Dão explica que a produção do dia já está reservada para outro comprador, e que não gosta de desfazer acerto. Jeziel Pinto rebate que, sendo assim, ele pode reservar as ametistas do dia seguinte para ele. Que paga bem e quer levar tudo que tiver. Conta que as pedras vão para a Ásia, pelas mãos de um chinês, e diz que já andou por minas em tudo que é canto do mundo, até na África. “Lido com pedra em mais de 20 países”, gaba-se. Quase se desculpa por estar ali, um lugar “muito rústico”, negociando ametistas, e não perde a oportunidade de dizer que seu negócio mesmo é mexer com esmeralda, pedra com maior valor comercial.
Mas se é de ametistas a conversa e a jazida, conta que costuma pagar entre R$ 200 e R$ 300 pelo quilo da pedra bruta. “Essa história de pagar R$ 1.500, R$ 2 mil, que se diz por aí, é o quilo da pedra já apurada, martelada. Porque o povo mistura muito... Você compra 30 quilos de uma pedra e aproveita 15 quilos. Botam as pedras boas junto com as ruins”. Mas há casos de se pagar R$ 200 e até os R$ 2 mil por uma única pedra.
Os compradores se espalham pelos hotéis de Sento Sé e alguns que decidem ficar mais tempo alugam casas por valores que chegam a R$ 1.500 por mês. Merca-se nos restaurantes, nos bancos da praça e até nas calçadas. Olhe ali o chinês agachado, avaliando ametistas com a luz da lanterna do iPhone.
Elson Pimentel, dono da Pâmela Joias e único lapidário de Sento Sé, está que não se aguenta de tanto serviço. Quer contratar pelo menos dois ajudantes o quanto antes. Está saindo de casa cinco horas da manhã e voltando às nove da noite, ouvindo reclamação da mulher, e ainda assim não estava conseguindo receber nenhuma encomenda em que o cliente estivesse com pressa. O prazo de entrega tinha passado para no mínimo oito dias. “Está chegando muita pedra. Meu problema hoje é tempo. É o que eu tô pedindo pra eles”. Tinha na loja 10 quilos de ametistas para fazer a serragem, a formação, tirar os defeitos. “Tem que ficar limpa, perfeita”.
Na sua joalheria, onde antes a filha faltava dormir no balcão, tão fraco era o movimento, um pingente violeta grande de ametista lapidada, daqueles de ostentar mesmo a riqueza, custa R$ 450. “É uma pedra vendida no quilate. Um grama tem cinco quilates. Em média, o quilate da ametista custa R$ 80”, explicou. Diz que a ametista de Sento Sé é melhor até que a de Caetité, no oeste da Bahia, com a qual tinha costume de trabalhar. “E lá é bem mais difícil de tirar. O povo que veio ficou espantado, porque lá só dá pedra boa com 70 metros em diante, e aqui o povo tá tirando com menos de 10 metros. Foi algo que veio na hora certa. A cidade estava morrendo”.

Acertar na loto

Muitos dos serviços na Serra da Quixaba não estão delimitados nem mesmo por uma tirinha fina, mas todo mundo ali parece saber o que é de quem. Não há registros de brigas pela posse dos cortes, mas claro que cada um trata de vigiar o seu. Seguindo um tino de mais de quarenta anos de garimpo, Marleide de Jesus, 54, foi andando para além da serra, na direção do morro adiante, e diz que “caiu em cima da pedra”. “Primeiro veio o pião branco, depois apareceu o corado”, diz, referindo-se ao cristal branco e às ametistas. “Num dia só, enchi dois sacos de pedra. Foi uma bênção. A crise tava demais”.
Embaixo da lona laranja onde garimpa, botou uma cama de casal e um cobertor de oncinha, para ter um pouco mais de conforto. Banho só de três em três dias, mas ela não reclama. “Essa é a vida que eu mais amo. Viveria aqui pra sempre”. A família toda está por lá trabalhando, e Marleide diz que ainda ajuda quem chega precisando. “Outro dia mesmo eu dei dinheiro pra um que veio sem nada, não achou nada e estava querendo voltar pra casa”.
Ela já andou por Serra Pelada, no Pará, pelas minas de Novo Horizonte e pela Cabeluda, primeira mina de ametista descoberta em Sento Sé, ainda na década de 1940. “Sei catar, sei lapidar, sei vender. De pedra eu sou a rainha”. Depois de se bater em muita serra ganhando pouco dinheiro, diz que agora foi abençoada por Jesus. “É como se eu tivesse acertado na loto, praticamente”. Nos vinte dias em que estava morando ali, Marleide conta que já faturou cerca de R$ 330 mil.
Além de ganhar com as pedras que vende, recebe pelos cortes que arrendou e pelas ferramentas que aluga. Nada, nem por um minuto, foge ao seu controle. Se tem uma divisão de pedras para fazer, ela é a primeira a pegar a calculadora, e dá um jeito de ficar com os melhores piões. Não foge de briga. E conta que vai mais ali por cima ainda, em outra serra próxima, porque sente que está perto de encontrar outra terra prenhe de ametistas.
No último dos três dias que a Muito passou em Sento Sé, surgiu um boato de que um homem tinha morrido no garimpo. Que a corda que o pendurava tinha se soltado do carretel e ele não teria resistido à queda no buraco. “Isso foi hoje? Porque ouvi essa mesma história na semana passada”, disse um garimpeiro. Outro contou que não tinha visto nada de anormal naquele dia, mas que era capaz de o caso ter acontecido mesmo. “Vai ver deram um jeito de esconder o corpo, para não atrair a fiscalização e não correr o risco de a mina ser fechada”.
Não é preciso ser especialista para notar que a segurança no local é precária. Os buracos são próximos e muitos não têm qualquer proteção no entorno, um risco para as crianças que perambulam por ali e podem tropeçar, para alguém que esteja alcoolizado ou para um sujeito são mesmo, num dia de distração e pouca fortuna. Além disso, à medida que os cortes vão se aprofundando, aumenta o perigo de soterramentos, já que muitos ali são aventureiros sem grandes conhecimentos do ofício. Os efeitos de um acidente seriam potencializados pela falta de equipamentos básicos de proteção, que a maioria não usa. Não bastasse tudo isso, há grandes pedras lançadas sem cerimônia pelos garimpeiros morro abaixo, que podem alcançar algum desavisado.

Razão e sensibilidade

A responsabilidade pela fiscalização do garimpo é do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). O órgão esteve na Serra da Quixaba no dia 16 de maio. A visita contou com a presença de Raimundo Sobreira, superintendente do DNPM na Bahia. Duas semanas antes, ele tomava posse no departamento, no mesmo dia em que ouviu falar da jazida pela primeira vez. Cuidou logo de agendar a viagem. Antes e durante a visita, o medo dos garimpeiros era que a mina fosse fechada até ter a situação regularizada, mas por uma questão de “sensibilidade” da sua parte, Raimundo diz que isso não aconteceu. “Eu e os técnicos compreendemos que ali a gente iria causar um caos social. Foi uma permissão que não é correta, mas que ocorreu em função da seca, de o povo estar passando fome. É para eles ganharem um dinheiro, a família se alimentar, viverem felizes. Foi essa a razão”.
Para que o garimpo seja de fato legalizado, antes será preciso organizar uma cooperativa de garimpeiros. É essa cooperativa que irá requerer do DNPM a Permissão de Lavra Garimpeira (PLG). A outorga está condicionada à prévia licença do órgão ambiental competente e deve demorar no mínimo 90 dias até ser concedida, contando a partir do requerimento.
À prefeitura de Sento Sé cabem as ações sociais, de infraestrutura e defesa civil. Já a segurança é tarefa do Estado. O município, de quase 13 mil km², tem 20 policiais que atuam em regime de plantão.
No dia 30 de maio, Raimundo se reuniu na sede do DNPM em Salvador com a prefeita de Sento Sé, Ana Passos (PSD), e com alguns secretários da prefeitura, para acertarem os ponteiros. Entre eles estava Juvenilson Passos, que comanda a pasta de Administração, é marido de Ana e ex-prefeito da cidade. Era Juvenilson quem falava por Ana na maior parte do tempo. No encontro também estava presente José Evangelista de França, conhecido como Nego de Marina, representando os garimpeiros.
Boa parte da reunião, acompanhada pela Muito, transcorreu no sentido de orientar José Evangelista dos documentos que precisava reunir para formalizar a cooperativa, e de como posteriormente deveria requerer a PLG ao DNPM. A área onde está o garimpo é atualmente da União – caducou nas mãos de um terceiro por falta de pagamento de taxas anuais. Para o garimpo, estima-se o bloqueio de 200 hectares.
No diagnóstico feito durante a primeira visita à região, os técnicos do DNPM indicaram a necessidade de ações de fiscalização urgentes no garimpo. Devem voltar à Quixaba ainda este mês, em data não divulgada. “Se nós soubermos de algum ato de situação de risco efetivo para a atividade garimpeira e para a segurança dos trabalhadores, não hesitaremos em aplicar à lei”, diz Adiel Veras, geólogo do DNPM.
Adiel também lembra que o que se encontrou até agora em Sento Sé é o que chama de ametista “randômica”. “São pequenos cristais disseminados no solo ou na parte superficial do subsolo. A fonte primária ainda não foi descoberta”. O caso é que essa fonte primária pode ou não estar lá na serra. “Isso vai depender da geologia. O que pode ter acontecido ali é que esse material erodiu e foi jogado nas encostas. Se for o caso, é um estoque pequeno, que pode acabar em três, quatro, seis meses. Agora, se for realmente descoberta uma massa consistente, prolongada, com ametistas em abundância e de qualidade, aí sim o garimpo poderá se firmar como um elemento duradouro de produção”. As pesquisas empíricas e especialmente o desejo de Dão lhe dão a certeza de que aquilo ali é mina até para o tempo dos seus netos.

Madeira abaixo

As estruturas de quase tudo que se vê no garimpo da Quixaba, casebres, serviços, cercas, são feitas de troncos do que eram árvores nativas da região. O desmatamento é visível. O secretário de meio ambiente de Sento Sé, Izamar Reis, disse que a prefeitura iria elaborar um Plano de Recuperação de Áreas Degradadas (Prad), a ser assinado pela futura cooperativa, e que distribuiu mudas nativas para que os garimpeiros replantassem áreas já abandonadas. Parece pouco. Há 15 anos, pesquisadores e ambientalistas pedem que a área onde está a serra das ametistas e o seu entorno, numa extensão de quase oito mil quilômetros quadrados, seja transformado em uma unidade de conservação, o Parque Nacional do Boqueirão da Onça, com o propósito de preservar a caatinga, único bioma exclusivamente brasileiro.
O parque seria a maior reserva nacional fora da Amazônia. Um estudo realizado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) apontou que a área no noroeste da Bahia possui a maior continuidade de habitats naturais da caatinga para a onça-pintada, ameaçada, segundo a pesquisa, pela caça, empreendimentos ligados ao agronegócio e à mineração. “A exploração mineral por meio de pequenos garimpos artesanais de um lado e atividades exploratórias por grandes empresas mineradoras de outro degradam extensivamente os habitats desta região, além de aumentar consideravelmente a densidade humana”, apontou o relatório.
Num seminário realizado em fevereiro deste ano, o ICMBio, órgão responsável pela criação e manutenção das unidades de conservação, afirmou que o processo de constituição do parque já estava em “fase adiantada”. Muito procurou o Instituto para saber mais detalhes sobre o processo e suas implicações no garimpo da Quixaba, mas não houve resposta até o fechamento desta edição.
O topo do verso da serra onde Galego encontrou as primeiras ametistas, em meados ou ‘finalmentes’ de abril, está branquinho da areia que os garimpeiros foram retirando da terra e acumulando ali. É tão escorregadia que eles puseram cordas ao longo do caminho, para dar apoio à extenuante subida de pouco mais de 1.200 metros. De lá de cima, depois de se recuperar o fôlego (calma, só mais um pouco!), dá para apreciar a vila que se formou no pé do garimpo e a vastidão do lugar, até parar os olhos nas águas do rio São Francisco que repousam adiante. Enquanto isso, pode-se chupar um picolé, um geladinho ou uma bebidinha, vendidas ali em cima mesmo.

Temos wi-fi

Um garimpeiro escorado numa pedra no meio da serra conversa com os amigos pelo WhatsApp. Também manda fotos das pedras que encontrou. Para utilizar o wi-fi que um empresário de Juazeiro instalou ali, movido à energia solar e eólica, paga R$ 20 por dia, R$ 50 por semana ou R$ 150 por mês. São esses os planos e o serviço já conta com 150 clientes. “O povo tá tudo doido aqui atrás dessa internet”, diz Edson Feitosa, 50, irmão do dono. Ele conta que a família irá expandir o serviço para a outra banda do garimpo. Edson, que vendia roupa em Juazeiro, cavou um buraco no chão mesmo, ali ao lado da parafernália do wi-fi, para ver se dava sorte de achar alguma pedra. Mas está pensando seriamente em dar a moto para um cabra em troca dos 7% que ele tem num corte lá em cima da serra. “O bagulho é doido. Quando começa a dar é de monte, é pra enricar. Depois eu compro o carro que eu quiser. Daqui, eu só saio com dinheiro”.
Mais à frente, um caminhão juntava a mudança de um bar. Silvia Souza, 23, e outras duas mulheres com que tocava o negócio, cansaram da falta de água e de energia. Isso sem contar outras agonias. “Para fazer o número dois, tem que ir lá em Londres, para não ficar cheiro ruim por aqui”, ri. Achou que o dinheiro ia compensar tantas faltas, mas viu que não era para tanto. Ia voltar para Remanso e talvez reabrisse o bar no garimpo de Quixaba, mas só aos fins de semana.
O fluxo de gente indo e chegando é constante. Silvia lembra de um rapaz que cavou 12 metros e não achou ametista, desistiu e arrendou o buraco. O garimpeiro que lhe ocupou o lugar cavou mais três metros e achou pedra adoidado. É assim, vai da sorte e da persistência de cada um – mas nem toda persistência dará em sorte. Ou em ametista.
Nos hotéis da cidade, multiplicaram-se as ligações de gente de outros estados perguntando se o negócio tá fácil mesmo, se dá para ficar rico. Roberto Esplanada atendeu outro dia um telefonema desses de um homem de São Paulo, que ficou entusiasmado com o que viu numa reportagem na televisão. Era uma resposta que não tinha como dar, vai da estrela de cada um. Mas o que ele realmente acha é que está havendo certo exagero. “Todo mundo na cidade só fala em ametista, mas você não ouve dizer de alguém que já tenha comprado uma moto, um carro, uma casa com o dinheiro que fez lá no garimpo”.

Massa da tapioca

Os cortes de Galego e seu pai, Evaldo Santos, nunca pararam de produzir desde o dia da descoberta. As histórias de que ficaram ricos espalharam-se por tudo que é canto, o que tira o sono de Adélia Santos, mãe de Galego. Tinha o costume de cochilar de tarde, mas abandonou o hábito, por medo de chegar “gente ruim para fazer maldade”. “Os compradores deixam o carro aqui na roça e o povo diz que é nosso. Diz que a gente tá guardando 800 quilos de pedra. Isso existe? E se existisse, eu ia lá deixar meu outro filho, que foi operado do coração, estar lá em cima da serra?”. Quando era mais moça, Adélia garimpava na mina de Cabeluda, Galego ia menino pegado nela.
Numa prosa que mais parece de pescador, Galego diz que já chegaram a oferecer R$ 1,5 milhão pelo seu corte, mas que não o vende por dinheiro nenhum do mundo. O primo que veio de São Paulo para trabalhar no garimpo comenta com desdém, e sabe-se lá que verdade: “Se já saiu mais que isso, pra que vender?”. E o outro primo emenda: “Agora a gente chegou na pedra escura mesmo, na boa, na massa da tapioca”.
Sentindo-se iluminado por Deus, Galego diz estar espalhando a bênção. Que já teve dias de distribuir R$ 3 mil de pedra e que vai vender sua moto para comprar uma cadeira de rodas para uma mulher que o procurou com o pedido. “Ela tocou meu coração”. Tira os óculos para chorar melhor. Confiante, sente que vai encontrar outro garimpo, dessa vez de esmeralda. “Quantos eu quiser, meu pai vai me dar”.



Fonte: A tarde on line

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