quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Após fim de reserva, grupo amplia lobby por mineração em áreas indígenas

Após fim de reserva, grupo amplia lobby por mineração em áreas indígenas


Encorajado por ações recentes do governo federal que reduziram áreas protegidas na Amazônia, um grupo de deputados estaduais da região intensificou o lobby em Brasília para permitir a mineração em terras indígenas. O movimento – que tem como grande articulador um deputado do PT e é apoiado por um prefeito indígena do Amazonas – é criticado por organizações que representam povos da região e temem os impactos da atividade.
A BBC Brasil acompanhou uma reunião na quinta-feira na sede da Funai (Fundação Nacional do Índio) entre o presidente do órgão, Franklimberg Ribeiro de Freitas, e uma delegação com 11 membros do Parlamento Amazônico, entidade que agrupa legisladores dos nove Estados da Amazônia Legal. Marcado para tratar de questões ligadas a indígenas na Amazônia, o evento não contou com a presença de nenhum indígena e teve como principal tema a defesa da mineração nos territórios desses povos.
O encontro ocorreu um dia após o presidente Michel Temer extinguir por decreto a Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca), na divisa entre o Pará e o Amapá – decisão que abre o caminho para o avanço da mineração numa área de mata fechada e vizinha a duas terras indígenas. Após reações negativas, Temer publicou na segunda-feira um novo decreto. O documento manteve a extinção da Renca, mas deixou mais clara a proibição da mineração nas terras indígenas e unidades de conservação que se sobrepõem à reserva, exceto se a atividade estiver prevista no plano de manejo da unidade.
Principal articulador do movimento pró-mineração em terras indígenas, o deputado estadual Sinésio Campos, do PT do Amazonas, disse à BBC Brasil que o novo decreto não altera os planos do grupo e que seguirá tentando convencer o Congresso a regulamentar o tema. Campos afirma que Temer cometeu uma “trapalhada” ao extinguir a Renca sem explicar o gesto e ao apresentar um novo decreto após as reações negativas. Segundo ele, as críticas teriam sido menores se o governo tivesse dialogado antes de anunciar a decisão.
Também presente à reunião na Funai, o deputado estadual Naldo da Loteria, do PSB de Roraima, disse à BBC Brasil que a extinção da Renca animou o movimento pró-mineração, embora o encontro tenha sido agendado antes do decreto original. Para ele, a decisão sinaliza “que o governo está preocupado em destravar a burocracia que tanto atrapalha o desenvolvimento da Amazônia”.
Segundo o deputado, outras ações do governo Temer – como a redução da Floresta Nacional do Jamanxim (PA) e a edição de uma Medida Provisória que facilita a regularização de terras (apelidada por ambientalistas de “MP da grilagem”) – estimularam o agendamento do encontro com o presidente da Funai. ”Sentimos que o momento é favorável e viemos reforçar nossa posição. Já que o governo não tem popularidade, que entre na história por modernizar o país”, ele diz.
Na reunião, Naldo disse que Roraima – onde áreas indígenas são 46,2% do território – foi “inviabilizada economicamente” por demarcações e que a regulamentação da mineração reduziria os conflitos causados por garimpos ilegais. “Hoje só não existe garimpo em terra indígena que não tem ouro”, afirmou.

Mendigos ricos

Segundo a Constituição de 1988, a mineração em terras indígenas só poderá ocorrer se for regulamentada por lei específica, o que jamais ocorreu. Mesmo assim, vários desses territórios convivem há décadas com o garimpo ilegal – atividade associada a conflitos, à poluição dos rios e à disseminação de doenças.
Hoje só é permitido em terras indígenas o garimpo artesanal, sem uso de máquinas nem produtos poluentes. ”Enquanto não puderem explorar as riquezas de suas terras, os índios serão mendigos ricos”, afirmou na reunião Sinésio Campos, do PT. Na presidência da Funai desde maio, o general Franklimberg Ribeiro de Freitas disse aos deputados que a regulamentação da atividade era do interesse de vários povos indígenas. Ele afirmou que “99,9%” dos indígenas do Alto Rio Negro (AM) e dos povos Suruí e Cinta Larga das Terras Indígenas Sete de Setembro e Aripuanã (ambas na divisa entre Rondônia e Mato Grosso) “querem a regularização pelo Congresso Nacional da exploração dos recursos minerais”.
  • Mas ele disse que o atendimento do pleito não dependia da Funai, e sim do Congresso, e que a mineração não seria uma alternativa para todas as comunidades indígenas do país. “É preciso considerar a vocação econômica de cada território”, disse Franklimberg, destacando grupos que têm explorado atividades como o turismo, a criação de peixes e a coleta de castanha.
Única na reunião a destoar do coro pró-mineração, a deputada Cristina Almeida, do PSB do Amapá, se disse preocupada com o impacto da extinção da Reserva Nacional de Cobre e Associados nas terras indígenas Waiãpi e Rio Paru d’Este. Segundo ela, o decreto de Temer pode provocar uma “explosão no desmatamento e acarretar aumento de conflitos”. Franklimberg respondeu que não haveria exploração de minérios nas duas áreas indígenas, justamente porque a atividade ainda não está regulamentada.

Exemplo canadense

O deputado Sinésio Campos saiu satisfeito do encontro. Ele afirma que, em gestões anteriores, a Funai não aceitava nem discutir o tema, o que impedia o avanço das negociações. Agora, diz esperar que o órgão se empenhe no convencimento dos congressistas. “Hoje demos um grande passo.”
Proposto pelo senador Romero Jucá (PMDB-RR) para regulamentar a mineração em terras indígenas, o Projeto de Lei 1.610 tramita no Congresso desde 1996. Em 2015, o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), criou uma comissão especial para discutir a matéria, cuja relatoria foi entregue ao deputado Édio Lopes (PMDB-RR), aliado de Jucá. Mas as discussões avançaram pouco.
Um assessor de Lopes disse à BBC Brasil que o deputado tenta convencer a Presidência da Câmara a recriar a comissão para que os trabalhos continuem, já que alguns membros do grupo deixaram a Casa e precisam ser substituídos. Sinésio Campos diz que o momento é oportuno para retomar as tratativas. Em março, ele foi convidado pelo ministro de Minas e Energia, Fernando Bezerra Filho (PSB), para acompanhá-lo em visita a uma das maiores convenções mundiais sobre mineração, no Canadá. Para Campos, a legislação canadense pode ser um modelo para o Brasil.
“Índios canadenses usam o dinheiro da mineração para financiar universidades e outras melhorias para eles mesmos. Não queremos uma mineração predatória, só queremos condições mais dignas para as comunidades”, afirmou. O deputado diz que, se a mineração em terras indígenas for regulamentada no Brasil, comunidades que não queiram a atividade poderão vetá-la.

Prefeito indígena

Entre os apoiadores da regulamentação está um afilhado político de Campos em São Gabriel da Cachoeira, município do Amazonas com 30 mil habitantes e onde 76,6% da população é indígena. Um dos poucos prefeitos indígenas do país e membro do povo tariana, Clóvis Curubão (PT) se elegeu prometendo lutar pela causa. Em maio, ele disse à BBC Brasil que ONGs eram responsáveis por bloquear a regulamentação do tema.
“Elas [ONGs] só pensam em fazer conferência, mas nosso povo não vive só de palavra: queremos educação, saúde, transporte, uma vida melhor. O índio está no século 21: usa motor, usa tudo. Não dá para voltar ao passado.  O prefeito diz que, ao mesmo tempo em que modernizariam as comunidades, os lucros da mineração ajudariam a preservar a cultura local, pois haveria mais recursos para o ensino de línguas indígenas e a organização de festas tradicionais.
Hoje comerciante, Curubão trabalhou como garimpeiro e foi um dos fundadores de uma cooperativa indígena pró-mineração. Ele diz ter decidido concorrer a prefeito após ter seu pleito pró-regulamentação rejeitado por organizações indígenas e políticos de São Gabriel da Cachoeira. “Todo mundo tinha medo de falar em mineração, então fomos a Manaus pedir ajuda aos políticos de lá.” Sinésio Campos abriu as portas do PT amazonense a Curubão e ajudou a coordenar sua candidatura vitoriosa.

‘Equivocado e leviano’

Organizações indígenas brasileiras condenam a movimentação dos deputados pró-mineração. Coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Sônia Guajajara diz à BBC Brasil que “o movimento indígena amazônico é absolutamente contra a mineração em territórios indígenas” e que os políticos que promovem a causa “só defendem interesses econômicos de poucos”. ”Desafiamos os deputados a fazer uma consulta aos povos, conforme prevê a Convenção 169 da OIT [Organização Internacional do Trabalho].
“ Em seu artigo sexto, a convenção da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais, incorporada à legislação brasileira em 2004, determina consultas aos povos indígenas “cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente”.  Presidente da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), composta por 89 associações de 23 etnias amazônicas, Marivelton Baré critica a afirmação do presidente da Funai de que 99,9% dos índios do Alto Rio Negro são favoráveis à regulamentação da mineração.
“É uma fala leviana e equivocada”, ele diz. Segundo Baré, grande parte das comunidades do Rio Negro quer discutir o tema, mas não necessariamente aprova a mineração em suas terras. Ele afirma, porém, que as discussões não podem se restringir aos centros urbanos, onde mais pessoas tendem a ser favoráveis à mineração, devendo incorporar também aldeias distantes.
“Não é que somos contra a mineração; somos contra políticos e empresários que vendem a mineração como uma solução para as omissões do Estado e falhas em políticas públicas”, ele diz. Membros dos dois povos citados pelo presidente da Funai como sendo amplamente favoráveis à mineração também contestaram sua declaração. Segundo Almir Suruí, líder na Terra Indígena Sete de Setembro, a comunidade está dividida “meio a meio” quanto à mineração. Suruí é contra a atividade e diz que sua regulamentação causaria danos ambientais ainda maiores que o garimpo ilegal.
Militante do movimento indígena em Rondônia, Diogo Cinta Larga estima que 20% de seu povo seja favorável à atividade. ”Só defende a regulamentação quem está ganhando algum dinheiro com garimpo hoje. A maioria da população nunca viu nenhum benefício e é contra”, afirma.
Fonte: BBC

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