Francisco Leite continua sonhando que um dia voltará a bamburrar no ouro
Quem vê aquela figura simplória, franzina, mas forte como um touro, carregando nas costas em um jamanxin por vários quilômetros um fardo de açúcar pesando 30 quilos como se estivesse levando pena, não imagina que um dia ele já foi um milionário do ouro, ou um bamburrado como se fala na linguagem garimpeira.
De pequena estatura, aos 73 anos, zanzando de um lado pro outro na comunidade, ora no baixão, com seu jamanxin nas costas, não faz a menor ideia de que está diante de um garimpeiro que fez fortuna no garimpo e perdeu tudo do dia pra noite. Trata-se do famoso Francisco da Silva Leite, mais conhecido por Chico Leite, que nunca saiu da comunidade Antônio Sudário, que ainda continua sonhando que um dia voltará a bamburrar de novo.
Chico Leite também tem parentesco com os irmãos Sudário e é a pessoa que detém maior conhecimento sobre a saga garimpeira do quarteto de Bandeirantes Tapajônicos que desbravaram a região do Marupá a partir da primeira pista de pouso construída na garimpagem do Tapajós, que ficou conhecida como Pista do Sudário, numa alusão ao nome dos seus criadores.
Caboclo nativo da região, Chico Leite nasceu na comunidade de São Luiz do Tapajós. Como Dom Quixote, ensarilhou suas armas de sonhos e desafios e caiu no mundo em busca de fortuna atraído pelas fofocas e brilho do ouro do Tapajós. A diferença é que Chico Leite é de carne e osso e sua luta não era utopia. Com todas as letras, Chico Leite assegura que quando chegou na região do Marupá, os irmãos Sudário: Antônio Sudário da Silva, Raimundo Sudário da Silva, Sebastião Sudário da Silva e Elias Sudário da Silva (todos falecidos) já tinham na raça e na coragem construído oficialmente a primeira pista de pouso de aeronaves do Tapajós e, em homenagem ao nome dos desbravadores foi batizada de Pista do Sudário, dando origem hoje a uma comunidade registrada e organizada com o nome de Comunidade Antônio Sudário, se tornando por isso a maior produtora de ouro da região, na época.
Chico Leite ainda se mantém na atividade garimpeira em um baixão lá do Marupá. Ele relata que quando chegou, os Sudário já tinham construído 100 metros de pista, do total de 1.500 concernentes ao tamanho oficial da pista, sendo historicamente esse fato registrado no ano de 1962, na região do rio Marupá, que mais tarde batizou a comunidade aurífera em função desse rio. Tudo de forma manual, utilizando apenas xibanca, machado, enxada (nessa época ainda não existia motosserra).
Mesmo aos 73 anos de idade Chico Leite continua no que chama ”micróbio ou germe do garimpo” trabalhando duro e causando inveja a muito garotão de 20 que não tem, segundo ele, metade de sua disposição. Se gaba de sua invejável memória e vai nos repassando fatos e datas, tudo dentro de um cronograma preciso, falando de coisas que ocorreram há cerca de 59 anos, como se fossem ontem.
Chico pediu pra que eu registrasse e divulgasse que a primeira pista da garimpagem do Tapajós foi a do Sudário, depois veio a do Cuiú-Cuiú. Em seguida vai relembrando os laços familiares dos tios Sudário, citando sua mãe Raimunda Bastos da Silva. Chico Leite estudou só até a 4ª série, mas sabe ler e escrever e para sobreviver trabalhou de tudo um pouco no garimpo, sendo até cozinheiro no baixão. Em sua odisseia garimpeira saiu e voltou várias vezes da comunidade Antônio Sudário, por conta própria. Chico Leite chegou por lá em 1972, saiu e voltou de novo em 1976, aos 28 anos e ainda solteiro.
Falando sobre a vida dos quatro Sudário, Chico Leite considera que eles foram os verdadeiros heróis da garimpagem, pois nada entendiam de ouro já que eram seringueiros no alto Tapajós, numa área conhecida por Laranjal e de lá fizeram a varação pro Marupá, tão logo souberam que Nilson Pinheiro havia descoberto o Rio das Tropas em Jacareacanga, que ainda pertencia ao território de Itaiuba. E tão logo iniciaram a exploração de ouro (aprenderam a trabalhar no Rio das Tropas) vieram a se tornar hábeis garimpeiros, principalmente na arte da pesquisa e exploração.
Chico Leite é um garimpeiro bem humorado, querido por todos, mas tem uma coisa que o deixa chateado: O fato de muita gente hoje, segundo ele, está bem de vida na comunidade, foram beneficiados com doação de terras gentilmente cedidas sem nenhum ônus pelos irmãos Sudário para trabalho de exploração de ouro, e sem que pagassem nada, por isso que mesmo ajudados ainda estão sendo ingratos não valorizando e nem respeitando memória dos desbravadores, nem a família Sudário como pioneiros descobridores do garimpo que mais tarde virou comunidade.
Na parte II vamos narrar como Chico Leite, de milionário voltou a ficar pobre num piscar de olhos no garimpo do Marupá. Para produzir essa e outras matérias a reportagem do Impacto percorreu quase dois mil quilômetros entre pistas e baixões.
COMUNIDADE ANTÕNIO SUDÁRIO HOMENAGEIA EQUIPE DE VACINAÇÃO DA SEMSA: O advento da estrada aberta para interligar a região garimpeira do Marupá (comunidade Antônio Sudário) com Crepurizão e Itaituba, através da Transgarimpeira, parecia um sonho inatingível, mas como um vaticínio de quem era visionário, primeiro veio a pista dos Sudário, que ensejou a criação da comunidade e depois a estrada que para muitos parecia utopia. O acesso terrestre facilitou a presença dos serviços públicos essenciais e pela primeira vez uma equipe da área de saúde esteve na comunidade utilizando a estrada denominada Transmarupá.
Uma equipe formada por Edson Garcia (responsável pela vacina), os motoristas Jean Robson e Ednelson Costa, complementando a equipe com Jéssica de Souza, Ana Cleide Vieira, Marcelo Antônio, Kelly Cristina e Joicicléia Rodrigues, técnicos em enfermagem promoveram durante dois dias campanha de vacinação no combate e prevenção à febre amarela, vacina antitetânica, antigripal e outras. A presença da equipe oportunizou a chance de centenas de pessoas que por motivos diversos que não puderam sair dos garimpos aproveitaram para completar ou iniciar suas vacinações.
Como foi levada uma grande quantidade de vacinas, todos que compareceram no posto improvisado próximo à Rua Beira Rio saíram satisfeitos pelo atendimento. Em reconhecimento ao empenho, ao esforço da equipe que já tinha passado pelo Crepurizão, Crepurizinho, Rio do Ouro, Cabaçal e outras comunidades, cada um dos integrantes recebeu das mãos dos integrantes da Família Sudário um diploma denominado “Certificado dos amigos dos Sudário”. Entre eles, Bebê Sudário, Raimundinho Sudário, Vanacy Sudário, Nara Duarte, Jurassi Sudário, Aldo Sudário, Elias Sudário, Edilson Rodrigues etc..
Os profissionais da saúde agradeceram a gentil acolhida da comunidade, considerando uma das melhores recepções comparadas por onde estiveram realizando a campanha de vacinação, tanto em logística quanto em apreço à equipe.
SAGA DOS SUDÁRIO: A façanha dos irmãos Sudário que com bravura e determinação em meio a uma mata inóspita abriram a primeira pista de pouso na região do Marupá foi testemunhada por pessoas que ainda hoje continuam vivendo na região e guardam boas lembranças. João Nogueira Batista, de 72 anos que ainda hoje continua sonhando com o “bamburro” é um deles. Conhecido por Bispo, ele tem um pá de máquina no garimpo do Marupá e mora na comunidade Antônio Sudário que serve de base de apoio como comunidade às atividades garimpeiras. Ele, em seu depoimento, demonstra toda gratidão aos irmãos Sudário.
“Cheguei aqui de jamanxin nas costas, em 1974, no Janau, fazendo exploração, e que já havia o Sabá Leal que era um delegado conciliador. Em 4 horas de viagem venci dois quilômetros de varação. Nessa época não havia muita povoação, só tinham três casas. Fui muito bem recepcionado pelos irmãos Sudário e tudo que hoje sou e tenho na região devo primeiro a Deus e em segundo aos Irmãos Sudário que nada cobravam, iam colocando as pessoas, inclusive ganhei um pedaço de terra deles e ainda tem muita gente ingrata que até hoje não reconhece isso”, declarou João Nogueira.
“Não tinha cozinheira. Mulher aqui era igual visagem se visse uma era um assombro e para que você pudesse conseguir uma, tinha que entrar numa fila de espera, pois era tudo agendado, colocado no caderno. Era ainda jovem, mas já começava a trabalhar por minha conta, e quando aqui, na ainda conhecida pista dos Sudário, os quatro irmãos como pessoas amigas e solidárias logo me deram um pedaço de terra pra eu tocar. A família dos Sudário tinha barracão nos baixões, isso tudo ainda na época da garimpagem manual. Depois do Sabá Leal, eu fiquei aqui sendo uma espécie de delegado, toda questão vinha pra mim e eu tinha de resolver, inclusive naquele tempo por ordem de Wirland Freire coloquei vários bate-paus que estavam causando problemas aqui no garimpo, pois sempre fui contra extorsão, roubo ou morte. Usava armas calibre 38, 20, mas nunca precisei matar ninguém graças a Deus”, relembra.
Bispo, com sua boa memória em sua narrativa homérica, vai relatando mais fatos interessantes da época. “A Polícia Militar passou a existir aqui no garimpo somente em 1984, quando aqui instalou um destacamento que até nos dias de hoje ainda existe. Naquela época com três, hoje tem quatro policiais. Quando conheci os irmãos Sudário vi que eles eram pessoas simples, nunca vi nenhum deles armado, nem humilhando ninguém, e muito menos andando com guaxebas e, na região, de fato, o primeiro garimpo foi o do Cuiú-Cuiú, mas a primeira pista de pouso que gerou exploração no Marupá, que depois de uma pista virou comunidade, foi feita pelos irmãos Sudário”, falou João Nogueira.
“Quando aqui começou a crescer, o garimpo realizava cerca de 2 shows por semana, e não faltava artistas famosos, lotado as boates, aqui veio Valdik Soriano, Diana, Amado Batista, Fernando Mendes, José Augusto, Waldirene, a Ferinha, Márcia Ferreira, Edelson Moura, Baltazar, Bartô Galeno, Hamilton Ramos, Raul Seixas e tantos outros. Aqui no auge do ouro tinham as boites Canto Do Rio, Sorriso da Noite, Califórnia (onde hoje funciona uma Igreja Evangélica); todas consideradas grandes boates, sendo que atualmente ainda existem apenas duas funcionando, mas precariamente, Canto do Rio e Globo de Ouro”, recorda Bispo.
“Na época dos grandes movimentos de compra e venda de ouro, aqui era um espetáculo com o céu colorido de aviões, de 15 a 20 aviões pousando e outros sobrevoando, esperando a vez de pousar. O bom é que aqui não tinha drogas, e entre 1984 e 1985 cheguei a tirar dois quilos de ouro em um mês, algumas vezes até quatro. Não sou rico, mas tenho uma vida estável financeiramente. Comprei e tenho uma chácara no estado do Piauí, lá em São Pedro de Água Branca, além de que ainda estou explorando ouro e se Deus quiser um dia vou bamburrar de novo”, conta emocionado João Nogueira.
Bispo vai desfiando seu novelo de boas histórias, suas narrativas vão atraindo mais pessoas e nossa conversa vai fluindo de maneira informal sem aquele tom de entrevista. “Aqui nessa época o cabra não tinha moleza, porque na exploração manual só se utilizava como ferramentas uma peula, pá, machado e facão. Tinha a lavra, a cobra fumando e a cobrinha. Somente nos anos de 1981 e 1982 é que chegaram os motores e o maior vendendor era da empresa Imateq. Os motores mais vendidos eram 2,6 MWM 3 cilindros, e o 4/6 cilindros e tudo na base mesmo do Tatuzão, Bico Jato, Maraca”, informou.
Bispo, que apesar dos 72 anos ainda se mantém alinhado e se vestindo com elegância, confessa ser um “garimpeiro vaidoso”. “Minha vida mudou da água pro vinho, quando vivia no mundo da bagaceira e entrava numa festa era o dançarino preferido das mulheres, dançava de tudo, forró, brega, o que tocasse. Bebia, mas não era de valentias não, tanto que como delegado nomeado pelos irmãos Sudário sempre evitava confusão e conflitos aqui no garimpo, buscando uma boa conversa, um entendimento. Hoje sou um homem evangélico, faz dezoito anos que aceitei Jesus e já estou há 42 anos aqui na comunidade Antônio Sudário”, conta Bispo.
Como é detentor de vasto conhecimento prático e das histórias ouvidas por essas bandas, João Batista, que tem nome de profeta, tem vasto repertório de acontecimentos, narrando de forma linear, ora misturando épocas, fatos etc. Agora o garimpeiro ganha na porcentagem 16% com trabalho de PCS e no Tatuzão ainda são 30%, porque eles precisam fazer trabalho completo desde a capa da raiz Lagresia, o cascalho, lavagem da areia, enfim todo o processo.
Fonte: RG 15/O Impacto
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