Agência Amazônia
BRASÍLIA – Um macaco agarrado ao lombo de uma queixada. O clique no momento certo mostra a cena tão maternal. Papagaios criados em quintais encantam. Os dois, de dona Iracema Oliveira, fazem parte do novo acervo do repórter-fotográfico cearense Dida Sampaio, 41 anos – 16 no grupo Estado. É rica a avifauna na região: um total de 79 espécies vive em floresta de terra firme e 22 em floresta aluvial, entre as quais, o bico-de-brasa, o pica-pau-anão e o arapaçu-bicudo.
Antes da mudança de casas e do resgate dos bichos em áreas alagadas, alguém teria que registrar para a história um pouco da vida na área da Usina Hidrelétrica de Belo Monte. Ali a Eletrobras começa a construir uma obra que inundará 516 quilômetros quadrados.
Consciente de sua parte, Dida Sampaio está no time daqueles notáveis profissionais da imagem que conseguem captar além da pauta. Foi assim com os garimpeiros da Ilha da Ressaca, ou com as palafitas que vão desaparecer após a construção da Usina de Belo Monte, em Altamira (PA).
Iracema de Oliveira e seus dois papagaios, na aldeia dos índios Arara /DIDA SAMPAIO-AE |
A obra está incluída no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e, quando concluída, vai gerar 11,2 megawatts de energia elétrica. Ao custo do comprometimento da descoberta de que, numa parte dos 159 sítios arqueológicos ricos em argila cozida ou seca ao sol, há sinais de sociedades indígenas que viviam da agricultura. Em 9% dos sítios existe arte rupestre.
Tudo muda ou acaba
Dida tem o jeito daqueles repórteres que pisam o chão e a floresta amazônica, andam de canoa, lancha, voam em pequenas aeronaves e percorrem, a pé, os quintais de ribeirinhos e aldeias indígenas. Sua lente não capta apenas o olhar da Agência Estado, da qual é repórter na sucursal de Brasília. Com muita precisão, ele memoriza o ser humano na sua essência.
Tudo vai mudar ou ter fim, constatou Dida nas suas andanças por lá. A Vila de Santo Antônio, por exemplo, situada entre a rodovia Transamazônica (BR-230) e o rio Xingu, terá que sair dali. Atualmente existem na vila 105 imóveis e 35 famílias, num total de 151 moradores que utilizam colhem produtos de subsistência em seus lotes. Os ribeirinhos em reservas extrativistas somam 350 famílias no rio Iriri, Riozinho do Anfrísio, Verde para sempre, Curuá e Médio Xingu.
A biguatinga prende no bico a refeição capturada no Rio Xingu. Uma fauna muito rica faz parte do inventário da Eletrobras /DIDA SAMPAIO-AE
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Efeitos negativos causados por alterações repentinas no nível d’água (repiquetes) e conseqüentes alagamentos nos tabuleiros de desova no rio Xingu, abaixo da vila de Belo Monte, deverão continuar. Se não houver ações para manejar e proteger a reprodução das tartarugas-da-Amazônia, com a proibição da coleta de ovos de tracajás, já se antevê o que irá acontecer.
Avifauna e outros animais
Nos lugares da Amazônia que anteriormente visitou, Dida Sampaio constatou que a maioria das aves vive em florestas. Na área de influência direta da usina deu-se o contrário: a maior parte delas vive em ambientes aquáticos ou criados pelos rios. Em floresta aluvial foram encontradas 57 espécies. Andorinhas, maçaricos e corta-água possuem relação direta com o rio. A arara azul e a ararajuba também são vistas.
Animais terrestres e semiaquáticos vivem em ambientes de pedrais somente no período de seca, quando não chove. É o caso dos morcegos, lagartos, serpentes, sapos, pererecas, rãs e tracajás. Algumas espécies de aves usam as rochas como abrigo ou locais de alimentação por apenas um período de tempo. Destacam-se o biguá, anhinga, cigana, maguari, Martim-pescador-grande e Martim-pescador-verde.
Nas praias estão os iaçás, tracajás e algumas espécies de aves aquáticas em reprodução. Nos ambientes mais úmidos vivem antas e capivaras. Macacos-prego e macacos mãos-de-ouro comem folhas, frutos, pequenos animais e insetor. Conseguem ficar na floresta mesmo durante o período da cheia, quando as terras são inundadas. O inventário faunístico aponta ainda um total de 64 espécies de morcegos, quatro de jacarés e duas de lagartos.
O desmatamento a partir da Transamazônica caminha para o sul, a menos que seja bloqueado, ou, pelo menos dificultado pela existência do conjunto de áreas protegidas pelas Terras Indígenas e Unidades de Conservação da região central da bacia.
Bichos e índios que se cuidem, portanto. Há belezas com cheiro de tristeza nas fotos de Dida Sampaio. E elas valem por mil palavras. Publicamos algumas.
“Altamira é assim, sem explicação”
Vista aérea de Altamira, cidade "sem explicação", conforme depoimento de um morador /DIDA SAMPAIO-AE
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“Mas tem também um tanto de gente que administra a vida entre a cidade e a plantação e o rio e vai levando a vida como se estivesse na Altamira de antigamente. Aqui se pode conhecer a violência mais impressionante, mas também a simplicidade mais tocante na vida dos ribeirinhos que vêm à cidade, movimentam as feiras e depois somem nas águas do Xingu. Altamira é assim, sem explicação” (depoimento de um morador à pesquisa socioantropológica).
São 102,8 mil habitantes. As obras atingirão 4,7 mil casas habitadas por 16,4 mil pessoas. Em áreas próximas ao igarapé Altamira, elas somam 7,6 mil, e nas áreas do igarapé Ambé, outras 7,2 mil. Na orla do Xingu, 1,2 mil e nas vizinhanças do igarapé Panelas, 244.
Os efeitos da formação do Reservatório do Xingu, na época das cheias serão um pouco maiores do que aqueles já ocorridos nas áreas vizinhas aos igarapés Altamira, Ambé e Panelas – revela o Relatório de Impacto Ambiental de Belo Monte. (M.C.)
Grandes e pequenos no entorno da obra
Inevitavelmente, as palafitas serão retiradas antes da conclusão da usina de Belo Monte /DIDA SAMPAIO-AE
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“A mudança definitiva da paisagem causada pelos reservatórios, a inundação permanente dos Abrigos da Gravura e Assurini, a perda das praias e áreas de lazer e o comprometimento do patrimônio arqueológico causarão prejuízo às relações da população com o lugar e com a cultura local e regional”, aponta o relatório de impacto ambiental.
O povoado de Belo Monte tem 490 moradores. O lugar mais antigo na área da usina é Santa Luzia, às margens do rio Xingu. Nesse trecho existem pequenos comércios, igrejas, um cemitério e uma escola de Ensino Fundamental. Como as terras próximas à Transamazônica valorizaram-se, a população foi se mudando para o interior da área, em direção ao rio Xingu. Posseiros e antigos colonos não têm uma ligação muito forte com o rio, porque estão mais ligados à estrada e às agrovilas
Grandes e pequenos produtores convivem nesse trecho. Os pequenos plantam arroz, mandioca e feijão. Os agricultores que têm melhor condição financeira plantam cacau, café e pimenta-do-reino. Também criam gado. É hora de dizer adeus à Praia do Pajé, Pedral, Olivete, Prainha, Praia do Arapujazinho, Praia do Arapujá, Praia do Sossego, Praia do Padeiro, Praia do Amor, Praia do Besouro e Praia do Louro. (M.C.)
Pesca exuberante, um orgulho entre os indígenas da etnia Arara /DIDA SAMPAIO-AE
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COMENTÁRIOS NO BLOG DO ESTADÃO
De Chico Araújo, editor da Agência Amazônia e ex-companheiro dele no Estadão: Mais uma vez, o repórter fotográfico Dida Sampaio mostra seu talento e sua sensibilidade. Suas fotos também corroboram com uma tese sempe por mim defendida: os jornalistas, fotógrafos e, principalmente os editores, deveriam conhecer melhor a Amazônia, como faz o Dida. Assim, evitariam escrever monstruosidades acerca da região. Vá em frente Dida! É esse tipo de jornalismo que o Brasil precisa. Chega de tratados de ciência política nas páginas dos jornais. Senti saudades de nossos tempos de Estadão.
De Érika
Se o projeto bilionário de Belo Monte for construído, e se o Governo não estiver mentindo, aproveitará apenas 40% do potencial energético (porque o rio tem um período de seca que faz oscilar demais a vazão da água, por iso as palafitas). Para melhorar a eficiência precisaria de mais algumas hidrelétricas na Bacia do Xingu… e isso já se provou inexequível diante da reação nacional sobre seus impactos sociais.
Como está, Belo Monte vai secar a parte do rio que é essencial como meio de sobrevivência e transporte dos Araras. Por outro lado, vai alagar a cidade de Altamira. As medidas de mitigação não são conhecidas. Os povos indígenas não foram consultados, se sentem enganados pela Funai (que identificou uma porção de impactos que ameaçariam a vida dos indígenas, não apresentou soluções concretas a tais problemas e manifestou-se pela viabilidade do empreendimento).
E nós (que mesmo sem guardar uma relação ancestral com nossas casas não aceitaríamos ser removidos à força de lá), não podemos aplicar lógica reversa aos indígenas e ribeirinhos. Ainda que não possamos compreender por completo, a terra, o rio, os mitos e histórias da região são partes fundamentais da existência coletiva. Produzir energia para indústrias de alumínio… não pode se sobrepor sem responsabilidade a tamanhas riquezas.
De Sérgio Nakano É!! realmente as fotos são lindas, espero que deixe muitas, mas muitas destas fotos tiradas de varias regiões, para que possamos, recordar do passado; Pois toda esta beleza natural pode desaparecer para sempre.Parabens Dida Sampaio
De André Dusek
Belíssimas fotos, Dida meus parabéns. Cada vez que você viaja pra Amazônia, sei que volta com um tesouro de imagens. E desta vez não foi diferente. Matou a pau!!
Por enquanto o garimpo segue o ritmo normal na Na Ilha da Ressaca. Vai desaparecer quando encher o reservatório /DIDA SAMPAIO-AE
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