domingo, 18 de novembro de 2018

Felipe Miranda: Por que o gringo ainda não veio?



Felipe Miranda: Por que o gringo ainda não veio?

Agência Brasil - 17/11/2018 - 18:33
“Don’t wanna feel another touchDon’t wanna start another fireDon’t wanna know another kissNo other name falling off my lipsDon’t wanna give my heart awayTo another strangerAnd I don’t wanna give somebody else the better part of meI would rather wait for you
Lady Gaga – I’ll Never Love Again
“Dá peixe pra mim, seu Yes?”
O pedinte é Macunaíma. O interlocutor é o inglês diligente e disciplinado. Lá está nosso herói sem nenhum caráter exercendo sua dupla preguiça e implorando por migalhas do estrangeiro.
Mais engraçada é a carta do capítulo IX do livro, na qual o protagonista escreve tentando uma linguagem erudita e sofisticada, saindo de sua zona de conforto do vocabulário cotidiano e convencional, no que incorre numa série de erros ortográficos – é uma sátira modernista aos requintes parnasianos, evidentemente.
Seriam melhores os tempos em que um outro Olavo tinha mais influência cultural? “Cheguei, chegaste. Vinhas fatigada e triste, e triste e fatigado eu vinha. Tinhas a alma de sonhos povoadas, e a alma de sonhos povoada eu tinha…”
Às vezes, tenho a nítida sensação de encontrar com Macunaíma. Às vezes, acho que é sonho. Antes fosse. A realidade é que, por onde ando, vejo gestores, analistas e – pasmem! – jornalistas ajoelhados suplicando pelo capital internacional. Entre Mário de Andrade e Olavo Bilac, eu preferiria o estoicismo de Sêneca: “Pobre não é aquele que tem pouco, mas, antes, aquele que muito deseja.”
Volto. Havia grande expectativa de que, definido o quadro eleitoral, o gringo viria para a Bolsa brasileira com algum vigor. E o que aconteceu? O investidor internacional só vendeu!
Objetivamente, os fundos globais e em mercados emergentes estão com alocação em ações brasileiras próxima à mínima histórica – por conta da destruição da era Dilma, essa turma se desinteressou por completo de Brasil e os últimos dos moicanos que resistiram saíram na greve dos caminhoneiros, entre o final de maio e o começo de junho.
De acordo com dados da consultoria EPFR, a alocação em ações brasileiras dos fundos dedicados a mercados emergentes marcava 6,4 por cento em setembro (último dado disponível) – a mínima histórica é de 6 por cento, enquanto em dezembro de 2009, por exemplo, esse percentual era de 16,7 por cento. Se considerarmos os fundos globais, a posição em ações brasileiras é de apenas 0,37 por cento do portfólio médio, o menor valor desde dezembro de 2009.
“Se queres conhecer o passado, examina o presente que é o resultado; se queres conhecer o futuro, examina o presente que é a causa”, ensina Confúcio. Aparecem várias tentativas de explicar a causa da ausência do estrangeiro na B3.
A primeira delas – e essa é apontada até mesmo por parte do smart money local – relaciona a falta de fluxo internacional positivo às notícias muito negativas publicadas em veículos respeitados da imprensa internacional. Supostamente, com a tríade Economist, New York Times e Financial Times colocando Jair Bolsonaro como um risco à democracia, o gringo estaria receoso em mandar dinheiro para cá. Sob essa interpretação, alguns gestores brasileiros chegaram a escrever artigos tentando convencer o investidor internacional sobre o lado bom de Bolsonaro (isso aconteceu, de fato).
Eu, sinceramente, discordo dessa visão. Algum investidor institucional brasileiro basearia sua decisão de comprar ou não ações nos EUA a partir de uma matéria publicada pela imprensa brasileira? Parece um tanto evidente que não. As decisões de investimento desse pessoal são um pouco mais sofisticadas do que isso. O cara tem a própria diligência, conexão com investidores locais, contato com o sell side (isso não sei se ajuda muito, mas é o que tem pra hoje). Achar que o investidor estrangeiro se apoia em capa da Economist para decidir se manda dinheiro ou não é subestimar a inteligência alheia.
Cumpre também dizer que o investidor local tem mais clareza da polarização PT x anti-PT. O cara global não está tão interessado na disputa ideológica em si. Ele quer as reformas, regras claras e políticas pró-mercado. Se essas coisas vierem, o dinheiro virá. Simples assim. Capital não tem ideologia.
Outra explicação tipicamente apontada para a falta de atração do capital estrangeiro até agora sugere uma espécie de superioridade intelectual do gringo. “Diferentemente do brasileiro, que se empolgou demais com Bolsonaro e entrou no campo da euforia, o estrangeiro é mais frio e disciplinado. Ele vai esperar as reformas propriamente ditas e o crescimento econômico para, somente então, mandar o dinheiro, evitando embarcar numa aventura por mares nunca dantes navegados.”
Também não compactuo com essa versão. O smart money local – e aqui falo da turma realmente ganhadora de dinheiro – é “world-class”, respeitada nos núcleos globais mais sofisticados. O investidor de Nova York gosta de vir pra cá em comparação a outros mercados emergentes, porque é relativamente perto, há boa gastronomia e bons hotéis e, principalmente, porque chega aqui e consegue conversas de alto nível com os investidores domésticos; ele ensina e aprende ao mesmo tempo.
Essas interpretações (dos brasileiros) dadas à disposição do gringo em vir pra cá assumem um caráter narcísico, como se, ao capital estrangeiro, interessasse apenas as questões brasileiras. Será que podemos considerar que os investidores estrangeiros decidem alocar seu dinheiro também contemplando as questões dos próprios investidores estrangeiros?
Esse me parece o ponto central. Esse cara não olha Brasil há anos – ninguém iria olhar pra cá com a Dilma no poder, nem com a mera possibilidade de retorno do PT. Agora, está em meio à perspectiva de redução da liquidez global por conta da subida de juros nos EUA. Também preocupa fortemente a guerra comercial entre EUA e China, além, claro, do estágio bastante avançado da economia mundial, com a Europa já emitindo alguns importantes sinais de fraqueza, e alguns bons analistas sugerindo proximidade de uma recessão nos EUA, talvez já em 2019 por conta do fim dos estímulos fiscais. Ademais, ninguém sabe direito o que vai acontecer com as grandes empresas de tecnologia – com muito crescimento embutido nos valuations nas big techs, qualquer frustração com resultado implica forte queda das ações.
Em paralelo, o investidor com abordagem global está bastante machucado com as perdas na Ásia, em alguns casos superiores a 40 por cento. Daí fica aquela coisa meio Lady Gaga no filme “Nasce Uma Estrela”: depois do Bradley Cooper, vou lá eu me envolver de novo com alguém? Melhor é não se entregar uma vez mais e evitar sofrimento. Essa me parece ser a pegada agora.
O gringo não veio por problemas do gringo. E ponto final. Isso desafia nosso desejo de controle, como se estivesse em nossa alçada mexer nesta ou naquela coisa para, então, do alto de nossa onipotência, atrair o capital internacional. Escapa-nos a noção de que, talvez, não haja muito o que fazer, que as decisões alheias dependam um pouco da superação dos problemas alheios, por melhores que sejamos. Evidentemente, isso não significa que não devamos fazer tudo a nosso alcance, avançando nas reformas e cumprindo a prometida agenda liberal. Mas, enquanto lá fora não melhorar, nada feito. Temos, sim, de ter essa dedicação. Porém, ela necessariamente precisa estar acompanhada de paciência. No final, o estrutural vai prevalecer a questões de curtíssimo prazo.
O lado bom dessa história toda é que, dada a subalocação do estrangeiro aqui, há muito dinheiro por vir. Se fosse só para voltar ao nível de alocação de outubro de 2014 (fazendo um paralelo simplista com o ciclo político e de governo anterior, apenas para traçar uma visão do tamanho que os fluxos podem assumir), teríamos 251 bilhões de reais para vir para a Bolsa brasileira dos fundos internacionais.
Para reforçar o prognóstico favorável, se refizermos esse exercício para os investidores institucionais locais, devolvendo o nível de alocação atual para aquele de outubro de 2014, falaríamos de outros 100 bilhões de reais. Já se a posição retomasse a média do período 2011-13, aí seriam 200 bilhões de reais.
Quando o dinheiro vai voltar para a Bolsa, eu não sei. Há muita gente dizendo que a virada do ano pode marcar uma reviravolta importante nesse sentido, com uma rotação dos fundos em busca de geração de alfa em 2019. Aí o Brasil poderia atrair capital porque é uma história bonita de contar agora. Se é neste momento, no começo do ano ou talvez depois, vai saber…
Seria um exercício de futurologia muito fora de propósito tentar adivinhar isso. Vai acontecer. Quando, na verdade, ninguém sabe. E o melhor a se fazer é comprar já e ter paciência.

Fonte:  MONEY TIMES

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