Como a Belo Sun abocanhou o ouro amazônico
No rastro de Belo Monte, Projeto Volta Grande, maior mina do Brasil, amplia colapso social e ambiental na região. Plano é antigo: desde os anos 80, de olho no subsolo, corporação canadense se infiltra em estatais e compra ilegalmente terras…
OUTRASMÍDIAS
CRISE BRASILEIRA
Publicado 09/10/2019 às 15:27 - Atualizado 09/11/2019 às 19:24
Elielson Silva, entrevistado por João Vitor Santos, no IHU
Com a promessa de gerar empregos e prosperidade econômica através de megaempreendimentos de mineração, uma ideia de desenvolvimentismo acaba sendo vendida como saída para a região amazônica. Mas, na verdade, o que fica para as populações locais são inúmeras degradações, de ambientais a sociais. “Em síntese, é um processo social descontínuo marcado por graves conflitos e violências”, resume Elielson Silva, pesquisador do Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia. O caso da mineradora canadense Belo Sun, que se instalou na Volta Grande do Rio Xingu, no Pará, é um clássico exemplo desse desenvolvimentismo. Elielson tem acompanhado de perto essas transformações desde os primeiros movimentos de instalação do empreendimento. “A intensificação das atividades da Belo Sun está envolta, por um lado, em regimes de representação sustentados por um desenvolvimentismo triunfalista, e de outro, por múltiplas violências”, observa.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, o pesquisador detalha a estratégia de dominação da empresa. E isso se inicia desde a abertura do primeiro escritório administrativo, ainda antes de começar a obra propriamente dita. “A presença de um escritório físico da empresa na Vila Ressaca reforça a ideia do ‘fato consumado’, no sentido de que o início das operações seria inexoravelmente uma questão de tempo”, observa. “Do ponto de vista do imaginário social, isso produz instabilidade, medo e terror, agravado com o colapso econômico da pequena mineração, os danos provocados pelo barramento do rio e as sucessivas tentativas de esvaziamento da vila”, completa.
Quando fala de “medo e terror”, Elielson se refere especificamente a “expropriações, desterritorialização, deslocamentos compulsórios, apropriação irregular de terras, cálculos de indenização draconianos, proibição de acesso a áreas de uso comum, fechamento de garimpos artesanais, ameaças, silenciamentos e criminalização de lideranças com perfil contestatório”. Isso ainda sem citar as degradações ambientais do entorno do Rio Xingu. “A grande ameaça que se apresenta diz respeito à cumulatividade de danos numa região já gravemente afetada pelo barramento do Rio Xingu, em decorrência da construção de Belo Monte”, dispara.
Assim, conclui que “o dinamismo social e econômico do lugar foi colapsado pela tensão, incerteza e mudança dos fluxos”. Mas ressalta que a Vila Ressaca, local de onde parte a ação do grande empreendimento de Belo Sun, mesmo diante de tanta degradação, ainda é ponto de resistência. “Ressaca é um território de vida que resiste”, reitera. E, para reforçar e potencializar essa resistência, diz que é preciso insistir na “necessidade de escuta, evidenciação e visibilização das narrativas dos povos e comunidades tradicionais cercados por megaempreendimentos econômicos na Amazônia”. Afinal, o Xingu ao longo dos tempos é, como diz, “fonte de reprodução física, social, econômica e cosmológica dos povos que ali vivem”.
Elielson Pereira da Silva é bacharel em Administração pela Universidade da Amazônia, mestre em Gestão de Recursos Naturais e Desenvolvimento Local na Amazônia, no Núcleo de Meio Ambiente da Universidade Federal do Pará, e doutorando em Ciências: Desenvolvimento Socioambiental, no Núcleo de Altos Estudos Amazônicos. É também pesquisador do Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia – PNCSA.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – A história da instalação da mineradora canadense Belo Sun na Volta Grande do Xingu é marcada por conflitos entre os interesses da empresa, moradores da região e a preservação do meio ambiente. Gostaria que recuperasse essa história e a atualizasse, descrevendo qual a situação neste momento.
Elielson Silva – Registros orais indicam que a mineração na Volta Grande do Xingu foi iniciada por pequenos garimpeiros no final dos anos 1930; no entanto, o ato formal autorizador da atividade foi expedido pela Coletoria de Rendas do município de Altamira em 12 de maio de 1941, através da emissão de licenças a estes agentes sociais. A escala dos conflitos sociais e étnicos cujos efeitos culminaram com a expulsão, desterritorialização e mortes de indígenas tomou outra proporção quando a partir de 1976 a empresa Oca Mineração Ltda, sediada em Altamira, protocolizou quatro pedidos junto ao Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM para exploração de ouro e tantalita na Volta Grande, por meio dos processos nº 805657, 805658, 805659 e 812559.
Era o corolário territorial das recentes medidas adotadas pela ditadura, objetivadas através do Código de Mineração (1967) e do Projeto Radam (1970), os quais tinham como finalidade institucionalizar a exploração mineral por grandes empresas e realizar um mapeamento completo do potencial minerário do país, notadamente da Amazônia. Naquele momento também se começou a planejar a construção de Belo Monte (1975). Na década de 1980, os conflitos se agravaram e a documentação do período registra as práticas de pistolagem, torturas, silenciamentos e ameaças exercidos pela empresa, em face de pequenos garimpeiros e outros grupos sociais.
Um dos episódios mais chocantes foi quando os capangas da Oca amarraram algumas pessoas e as colocaram de joelhos sobre o piso de uma balsa durante o sol quente no meio do Rio Xingu. Em 1986 foi criada a empresa Verena Minerals Corporation, mediante associação entre os irmãos Jad e Elmer Salomão (o segundo havia sido Presidente do DNPM) e os canadenses, que assumiu o controle das operações da Oca Mineração Ltda, na área conhecida geologicamente como Cinturão Verde Três Palmeiras, localizado na Volta Grande do Xingu, numa área de 27.184 hectares. Testes de perfuração e prospecção continuaram sendo feitos, coetâneos às etapas de Belo Monte e em colisão com povos tradicionais e pequenos garimpeiros; em 2010 os acionistas da joint venture realizaram uma assembleia na cidade de Toronto, Canadá, reconfigurando seu nome para Belo Sun Mining Corporation, atual dona da subsidiária brasileira Belo Sun Mineração Ltda.
Situação na atualidade
Desde então a mineradora canadense vem empreendendo uma série de estratégias empresariais, coadunadas com políticas governamentais, visando implantar o denominado Projeto “Volta Grande”, que prevê a extração em grande escala de 107,8 toneladas de ouro a céu aberto (a maior mina de ouro do Brasil), por um período de 17 anos, dentro do projeto de assentamento Ressaca. Quatro grandes players do setor de mineração financiam este megaempreendimento controlado pelo Grupo Forbes & Manhattan Inc.: Sun Valley Gold, Sun Valley Gold Master Fund, RBC Global Asset Management e 1832 Asset Management. Até meados de 2018 a Agnico Eagle Miners detinha a maior parte do capital acionário, mas decidiu vender as ações devido a pressões internacionais exercidas pelos povos tradicionais da Volta Grande do Xingu.
A intensificação das atividades da Belo Sun está envolta, por um lado, em regimes de representação sustentados por um desenvolvimentismo triunfalista (promessa de empregos e prosperidade econômica) e, de outro, por múltiplas violências: expropriações, desterritorialização, deslocamentos compulsórios, apropriação irregular de terras, cálculos de indenização draconianos, proibição de acesso a áreas de uso comum, fechamento de garimpos artesanais, ameaças, silenciamentos e criminalização de lideranças com perfil contestatório. A grande ameaça que se apresenta diz respeito à cumulatividade de danos numa região já gravemente afetada pelo barramento do Rio Xingu, em decorrência da construção de Belo Monte. Em síntese, é um processo social descontínuo marcado por graves conflitos e violências.
Fonte: OUTRASMÍDIAS
Nenhum comentário:
Postar um comentário