Estima-se que a maior jazida de diamantes do mundo está dentro da terra dos Cinta Larga em Rondônia.
MONTAGEM: VINÍCIUS TRIGO
Pela lei brasileira, mineração em terra indígena só pode acontecer se for regulamentada por legislação específica e a comunidade local for consultada. Mas isso nunca existiu. Ou seja, garimpo nessas áreas é ilegal. Só que a gente está falando de muito dinheiro. Muito mesmo. Para se ter ideia, estima-se que a maior jazida de diamantes do mundo está dentro da terra dos Cinta Larga em Rondônia.
Apesar da atividade ainda ser proibida, um terço das terras indígenas da Amazônia legal já tem pedidos de processo de mineração no Departamento Nacional de Produção Mineral. Só na região dos Cinta Larga, por exemplo, são mais de cem ações. De maneira mais simples, são mais de cem pessoas ou empresas que já entraram com requerimentos legais para pesquisar ou trabalhar com mineração no local quando a atividade for liberada. Só que estamos no Brasil e muito dinheiro não parece combinar tanto com legalidade. Segundo relatório de 2006 da ONG Partnership Africa Canada, dos diamantes produzidos aqui: 44,5% tem origem duvidosa, 22,4% vem de fontes claramente fraudulentas e 18,92% eram de alguma empresa sob investigação da Polícia Federal. Mas vale lembrar que fora isso ainda temos ouro e outros vários minérios. Ou seja, a treta toda é muito maior.
Em 2006, a Operação Carbono da Polícia Federal desmontou um esquema que lavava dinheiro e enviava diamantes, inclusive vindos dos Cinta Larga, para o exterior. Um dos integrantes da quadrilha era Hassan Ahmad, descendente de libaneses, nascido em Serra Leoa e suspeito de ter ligações com a Al-Qaeda. Para completar o cenário de filme, um telegrama publicado no Wikileaks da Embaixada Americana em Brasília diz: “O Ministério de Minas e Energia brasileiro parece ser cego frente aos sérios relatos de irregularidades nos tratados de exportação de diamantes. Com ligações a grupos terroristas internacionais, negócios com diamantes de sangue, exploração de reservas indígenas e lavagem de dinheiro, as recentes prisões revelam uma corrupção sistemática que não pode ser controlada com pequenas mudanças”.
Sim, estamos falando de um problema gigantesco. Os garimpos seguem surgindo há anos dentro de terras indígenas e o indígena é geralmente a ponta mais frágil do negócio. A grosso modo, é como se fosse o aviãozinho do tráfico na favela - também está errado, mas é só uma pequena parte de um esquema bem maior. Além de destruir a floresta, a mineração também leva conflitos às aldeias, pois nem todos concordam com a atividade. Para entender melhor a situação, fomos falar com indígenas que já trabalharam em garimpos ilegais na Amazônia.
Maranhão Cinta Larga* - trabalhou no garimpo de diamantes do povo Cinta Larga (Terra Indígena Roosevelt, Rondônia)
Eu tinha uns 16 anos e trabalhava nas férias da escola, ia sempre no começo e no meio do ano, ficava uns 20 dias direto. Lá tinha acampamento, dormitório, cozinha, era tipo uma cidadezinha. Tinha umas 600 pessoas e acho que 40% era índio e 60% era branco. A gente contava as pedras, pesava, lacrava e fazia uma assinatura. E geralmente isso ficava com a cozinheira.
Quando não tem nenhuma peça ou tambor de combustível, para a polícia não é suspeito. Quando a polícia parava na fiscalização, eles viam que era comida e não abordavam, por isso o diamante ficava com a cozinheira. Tinha uns compradores intermediários que iam para lá, levavam uns 100 mil nas mochilas e compravam o que tinha. Geralmente o pessoal estava precisando comprar principalmente combustível e daí vendia as pedras de menor valor e deixava as melhores para vender na cidade. Tudo era sempre em dinheiro vivo.
Eu ganhava 5% da produção, o maior dinheiro que tirei foi 17 mil reais em uma semana. Mas eu saí porque já estava cansado do garimpo e queria estudar, eu não levava jeito para ficar ali e também não aceitava que os garimpeiros enrolavam os meus parentes. Geralmente são os investidores brancos que levam as máquinas passando pelas fazendas da região e abrem a estrada no meio da mata mesmo. Alguns funcionários públicos já trabalharam lá, tem envolvimento. A polícia já participou lá também. Quem tira vantagem mesmo é o branco. Hoje eu vejo que a maioria dos indígenas é contra porque a nossa comunidade nunca vê nada. O garimpo trouxe muito conflito, muitos tem rancor dos outros e a comunidade está sem nenhuma organização na aldeia.
Umberto Suruí - trabalhou no garimpo de diamantes do povo Paiter Suruí (o garimpo fica na parte do Mato Grosso na Terra Indígena Sete de Setembro)
Eu trabalhei com uma equipe de cinco garimpeiros, mas achava pouco a minha porcentagem -- tirei 10 mil reais em dois meses. Eu trabalhava na máquina, despejava água dentro dela pra poder tirar as pedras. Às vezes também ia para o barranco para cavar e jogar terra para dentro do motor que tira o diamante. Tinha um pouco de problema porque a Polícia Federal ia lá e a gente tinha que esconder motor, tudo. Eles prendiam óleo diesel, carro, mas continuava igual. Às vezes eles montavam barracas e ficavam lá uns dez, quinze dias e a gente se escondia no mato, passava até fome. Depois eles iam embora, a gente esperava uns dois dias e voltava a trabalhar igual. Eu não sei quem comprava o diamante, mas costumavam vender na cidade de Espigão d’Oeste. Uma vez venderam uma pedra por 250 mil reais, que até valia mais, só que estava suja.
Otávio Diahui - trabalhou no garimpo de cassiterita do povo Tenharim (Terra Indígena Tenharim do Igarapé Preto, Amazonas)
Eu coletava os dados de quanto era produzido por cada máquina, cada equipe da aldeia. Todo mês eu fazia esse levantamento e entregava pro cacique responsável, aí o dono da máquina pagava uma porcentagem para a equipe. Eu também via se não tinha garimpeiro fugindo das regras e acompanhava pesagem e medida. Em 2015 tinha umas dez máquinas lá e umas 200 ou 300 pessoas trabalhando. Mas os indígenas mesmo só faziam a fiscalização, as máquinas eram dos brancos. Lá tinha Diahui, Tenharim, Parintintin, várias etnias.
Em 2013 os próprios indígenas tentaram trabalhar, mas não deu certo porque não sabiam manusear as máquinas. Aí deixaram só para os brancos mesmo. Dependendo do lugar, tem garimpeiro que tira em torno de 200 ou 300 mil e paga uma porcentagem para o indígena de uns 10, 20 mil. A venda é clandestina e feita na cidade de Ariquemes, mas alguns brancos também iam lá no garimpo comprar. A Polícia Federal já foi lá algumas vezes e falavam que era atividade ilegal porque não tinha licença, mas nunca houve problema, não paralisou e está lá até hoje. Nunca índio chegou a ficar rico, está cada vez mais pobre porque ganha e gasta mais ainda. Mas a maioria das lideranças da Terra Indígena acha que a atividade é boa porque é uma alternativa de renda para comprar mantimentos, roupas, remédios. Só que tem uma minoria que fala que não é legal, que destrói o meio ambiente.
Daniel Zoró - trabalhou no garimpo de diamantes no povo Cinta Larga (Terra Indígena Roosevelt, Rondônia)
Garimpo não é para indígena, quem fica rico é só garimpeiro e branco. Indígena fica igual. A gente do povo Zoró foi para o Cinta Larga, mas ninguém ganhou bem, todos desistiram. Eu trabalhei 45 dias e só pagaram 1.300 reais, não gostei porque foram 88 pedras de diamante. E também começava a trabalhar às seis da manhã e só parava as seis da tarde, todo dia. Não é muito bom porque a maioria fica na mesma situação e quem tem maquinário ganha um troco, mas não passa para a comunidade. Se tivesse garimpo na minha terra seria igual, o povo mesmo não ganha nada não. No fim, garimpo atrapalha muito porque dá malária, dá doença e contamina a água que vamos beber depois.
Fonte: Vice Brasil
Fonte: Vice Brasil
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