segunda-feira, 29 de junho de 2020

Enquanto Força-Tarefa investiga ouro ilegal, lobby do garimpo tem apoio do governo

Enquanto Força-Tarefa investiga ouro ilegal, lobby do garimpo tem apoio do governo
Ministério Público e Polícia Federal seguem o dinheiro para desvendar esquemas ilegais de comercialização de ouro; lobista do garimpo participa de audiência com Hamilton Mourão






22 de junho de 2020

Vasconcelo Quadros
 ESPECIAL: AMAZÔNIA SEM LEI
Garimpo movimenta lavagem de cerca de R$ 5 bilhões por ano 
Maior parte de ouro ilegal vem de terras indígenas e unidades de conservação 
O garimpeiro de hoje é empresário, não é “aquele de bateia”, diz procuradora 
Uma mudança de foco na atuação da Polícia Federal (PF) e do Ministério Público Federal (MPF) está amarrando os fios que ligam os garimpos ilegais a instituições financeiras que, autorizadas pelo governo, compram o ouro na Amazônia. As investigações da Força-Tarefa Amazônia (FTA) miram uma “lavanderia” de dinheiro sujo a céu aberto que, segundo uma das principais entidades do setor, a Associação Nacional do Ouro, movimenta anualmente entre R$ 4,5 a R$ 5 bilhões, o equivalente a algo em torno de 17% da produção oficial do minério, estimada, em média, em 100 toneladas.

As magníficas cifras, na maior parte, são resultados da extração ilegal de ouro em terras indígenas e em unidades de conservação ambiental. Mas incorporam também outras atividades clandestinas, como o contrabando, o descaminho do ouro ou mesmo o tráfico de drogas, que se aproveitam dos frágeis controles oficiais na Amazônia para acessar a economia formal.

“A gente passou a olhar para onde o ouro estava indo e como estava sendo internalizado na economia. É mais prático e produtivo focar no agente da “lavagem” do que em milhares de garimpeiros”, disse à Agência Pública a procuradora da República Ana Carolina Bragança, chefe da FTA.

Levantamento da Pública em apenas sete operações de vulto deflagradas nos últimos três anos pela FTA – Dilema de Midas I e II, Elemento 79, Minamata, Crisol, Ouro Perdido e Japeusa – mostra que, da extração ao comércio, foram movimentados cerca de R$ 650 milhões em ouro de origem suspeita. Segundo a PF e o MPF, a maior parte do minério é extraída de dezenas de garimpos ilegais que se proliferam por toda a Amazônia Legal, especialmente em regiões com a bacia do rio Tapajós, a maior província mineral do planeta em extensão, com 98 mil quilômetros quadrados, e de outras terras indígenas como a Yanomami, Raposa Serra do Sol, Tenharim, Munduruku e Kayapó, nos estados do Pará, Amazonas e Roraima.

Os investigadores seguiram o rastro do ouro ilegal e foram bater na porta de instituições instaladas no coração financeiro da América do Sul, em São Paulo, beneficiárias indiretas desse mercado clandestino. No seleto grupo que negocia com ouro estão 14 instituições, entre bancos, corretoras e seis distribuidoras de títulos e valores mobiliários (DTVMs), autorizadas pelo Banco Central a negociar ouro, todas elas filiadas à Associação Nacional do Ouro (Anoro).

Desde 2013, o presidente da Anoro é o empresário de garimpo e agente financeiro na avenida Paulista, Dirceu Santos Frederico Sobrinho, dono principal da Mineradora Ouro Roxo Ltda., da D’Gold Purificadora de Metais Preciosos e da FD Gold DTVM. Ele diz que o ouro clandestino é parte das 35 toneladas retiradas anualmente de garimpos, incorporadas à produção anual pela Agência Nacional de Mineração (ANM), órgão do Ministério de Minas e Energia, substituto do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). Depois de ziguezaguear por zonas garimpeiras e cidades das zonas de mineração como moeda corrente, o ouro de origem ilegal é vendido em postos de compra de grandes instituições financeiras e incorporado à economia formal por mecanismos fraudulentos. Já limpo, passa a fazer parte das reservas cambiais nacionais.




Frederico Sobrinho é réu num processo por danos ambientais em Itaituba (PA). Ele também foi acusado em 2011 de lavagem num caso de apreensão de barras de ouro em poder de sua DTVM, a FD Gold, procedentes de garimpos ilegais de unidade de conservação no Parque Nacional do Tumucumaque (Amapá) e da Guiana Francesa. O processo encontra-se trancado por ordem judicial.

No caso de dano ambiental, Frederico Sobrinho foi acusado de usar cianeto na amalgamação do ouro, danificando um rio. À Pública, ele disse que aguarda julgamento, mas que apresentou à Justiça informações que provam sua inocência.


O presidente da Anoro é uma das lideranças nacionais que bancam o lobby para legalização dos garimpos em terras indígenas, como quer o presidente Jair Bolsonaro. Frederico Sobrinho frisa, no entanto, que a entidade é contra garimpo ilegal e defende a retirada de garimpeiros de terras indígenas onde a atividade não possa ser regularizada. Em setembro do ano passado, enquanto garimpeiros bloqueavam a BR-163, no Pará, para protestar contra a ação do Ibama e ICMBio, que haviam queimado equipamentos de mineração apreendidos, o empresário era recebido no Palácio do Planalto pelos ministros Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), Onyx Lorenzoni (Cidadania), então chefe da Casa Civil, e Ricardo Salles (Meio Ambiente). Queria apoio do governo para impedir a repressão aos garimpos.



O Liberal

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