quinta-feira, 26 de novembro de 2020

Exploração de ouro no Brasil começou em São Paulo — e a região pode conter pepitas até hoje, dizem especialistas

 




Parte da população paulista pode estar sentada sobre um pote de ouro sem saber. A região metropolitana de São Paulo já foi a mais importante região aurífera do Brasil colonial.
    Mais de um século antes do ciclo do ouro em Minas Gerais – este sim bem conhecido -, já se garimpava metais preciosos na base do Pico do Jaraguá, na atual zona oeste da capital, e em áreas próximas.
    Segundo historiadores e geólogos, muitas pepitas ainda podem estar enterradas em cidades como Guarulhos, Itapecerica da Serra, Mogi das Cruzes e Embu-Guaçu, além da própria capital paulista.
    Na região onde está o Aeroporto de Cumbica, em Guarulhos, havia um grande garimpo que funcionou até o século 19. Em Iguape, no sul do Estado de São Paulo, a atividade mineradora era tão grande que, no século 16, havia uma casa de fundição nos mesmos moldes da instalada tempos depois em Ouro Preto, durante o Ciclo do Ouro em Minas Gerais, no século 18.
    A mineração do ouro no Brasil começou em São Paulo, e não em Minas Gerais, como acreditam muitas pessoas”, explica o arquiteto Nestor Goulart Reis, professor titular da Faculdade Arquitetura da Universidade de São Paulo (FAU-USP) e um dos mais respeitados especialistas em história do urbanismo do país.
    Autor do livro As Minas de Ouro e a Formação das Capitanias do Sul, Goulart Reis fez um levantamento de mais de 150 minas de ouro descobertas a partir de meados do século 16 e localizadas entre São Paulo e o norte de Santa Catarina.
    Exploração de mão de obra
    Algumas jazidas, como a de Embu-Guaçu, pertenciam aos padres jesuítas que, assim como outros mineradores portugueses e brasileiros da época, contratavam índios para explorá-las em troca de objetos como facas, anzóis, machados, utensílios domésticos e outros materiais úteis às tribos.
    “Essa história de que os índios eram apenas escravos não é verdadeira. Eles ganhavam para trabalhar”, diz Reis, que destaca a participação paulista na produção do minério.
    A gravura mostra uma operação de extração de ouro em Itapecerica da Serra, perto da capital paulistana (Foto: CARLOS CORNEJO / ACERVO PESSOAL)
    Entre 1600 e 1820, foram produzidas na província de São Paulo um total de 4.650 arrobas de ouro. Os números referem-se apenas ao minério registrado pela Coroa portuguesa para cobrança de impostos, o quinto.
    É pouco quando comparada à produção de ouro em Minas Gerais durante o Ciclo do Ouro: 35.687 arrobas, entre 1700 e 1820. Mas é superior à produção total de Mato Grosso (3.187 arrobas, entre 1721 e 1820) e metade de Goiás (9.212 arrobas, entre 1720 e 1730).
    Se os paulistas não ganham em quantidade, podem se orgulhar do pioneirismo. Os primeiros registros começaram logo após a fundação de São Vicente, em 1532. Em cartas enviadas à Coroa, os portugueses da Colônia e os jesuítas falavam sobre as “itaberabas” (pedras que brilham, em tupi) trazidas pelos índios. Hoje, Itaberaba é nome de uma importante avenida na zona norte de São Paulo.
    A mineração se espalha
    Em 1562, o fundador da vila de Santos, Brás Cubas, também citou a possível existência de ouro no vilarejo de Piratininga, a cerca de 30 léguas do litoral mato adentro. Os primeiros exploradores do ouro do Jaraguá teriam sido o português Afonso Sardinha, o Velho, e seu filho, Afonso Sardinha, o Moço. Eles começaram a extrair as jazidas nos arredores da atual cidade de São Paulo e na Serra da Mantiqueira por volta de 1580.
    “É possível que a própria fundação de São Vicente esteja relacionada com indícios da existência de minas de ouro. Esses indícios teriam sido revelados pelos índios que desciam do planalto ao litoral”, diz o pesquisador em geologia Carlos Cornejo, um dos autores do livro Minerais e Pedras Preciosas do Brasil, um calhamaço de mais de 700 páginas sobre mineração no Brasil desde os primórdios da colonização.
    Ele lembra que a área do atual bairro na zona oeste e do Pico do Jaraguá era conhecida entre os europeus como “o Peru do Brasil”, por causa das riquezas minerais encontradas pelos espanhóis no país andino.
    O mapa é de um livro editado em 1939, e mostra locais onde o ouro teria sido extraído em São Paulo (Foto: CARLOS CORNEJO / ACERVO PESSOAL)
    O ouro paulista também era alvo de cobiça dos piratas que atacavam a costa de Santos e São Vicente. “Por que motivo os corsários iriam se interessar em atacar o litoral paulista? Com certeza não era pela cana-de-açúcar”, diz Cornejo. Não era mesmo. O corsário inglês Thomas Cavendish, que fez vários ataques a vilas do litoral paulista entre 1585 e 1590, levou muitas riquezas do Jaraguá para a Europa.
    Diários da tripulação de Cavendish relatam que, entre os produtos saqueados em Santos e São Vicente, havia ouro extraído de um lugar chamado pelos índios de Mutinga, onde os portugueses tinham minas. Atualmente, uma das principais artérias viárias da região do Jaraguá é justamente a avenida Mutinga.
    Confecção de moedas
    A casa de fundição de São Paulo, instalada pela Coroa portuguesa em 1601 nas proximidades do atual Pátio do Colégio, no Centro de São Paulo, também abrigou a primeira casa da moeda do Brasil. Essa rudimentar casa da moeda antecedeu a de Salvador, fundada em 1694 e que se transformou na atual Casa da Moeda do Brasil. As moedas paulistas eram feitas com autorização do governo de Portugal para suprir a circulação de dinheiro na isolada vila de Piratininga.
    “Desde o começo da colonização houve uma atividade mineradora intensa em São Paulo, de ouro e outros minérios”, explica o jornalista e historiador Jorge Caldeira, autor de livros sobre História do Brasil e biografias de personagens como o Barão de Mauá e o jornalista Julio de Mesquita. Em seu livro O Banqueiro do Sertão, Caldeira conta a trajetória do padre Guilherme Pompeu de Almeida (1656-1713), um religioso que virou grande capitalista e fazia negócios com os mineradores e índios da época em que viveu.
    O biógrafo lembra que a família do padre Guilherme foi uma das maiores produtoras de ferro na região de Santana do Parnaíba e, desde aquele período, São Paulo já exibia riquezas e um vigoroso mercado interno e externo, em decorrência da mineração e do comércio.
    “O capitão Guilherme Pompeu de Almeida, pai do padre Guilherme, era um dos maiores fornecedores de ferro para negócios com índios em São Paulo”, explica Caldeira, descartando o mito de que a capitania de São Vicente, em especial a vila de São Paulo de Piratininga, era pobre e despovoada nos primeiros séculos.
    “Nenhuma capitania no Brasil foi pobre. A economia (da Colônia) era muito maior que a dos Estados Unidos no mesmo período”, completa o jornalista.
    Opinião semelhante é do urbanista Goulart Reis. “Em 1700, as capitanias ao sul da Colônia possuíam quase a mesma quantidade de vilas, povoados e cidades das capitanias do norte, que englobavam Bahia e Pernambuco e eram as principais da época”, diz Goulart Reis, autor de mais de 30 livros sobre história e urbanismo no Brasil.
    “Essa proliferação de aglomerados urbanos se deve à mineração e ao comércio nesses locais”, completa Reis, que destaca outros dados curiosos sobre a mineração no Brasil. Um deles é que a primeira pessoa a descobrir ouro na região de Ouro Preto foi um mulato de Curitiba – que também nasceu de povoados ligados à mineração no sul do país. O mulato, cujo nome se perdeu no tempo, acompanhava os bandeirantes paulistas em expedições pela região das minas, no começo do século 18. Ele descobriu ouro por acaso ao “bater a gamela” (minerar) em um córrego da região.
    Mas há chance de encontrar ouro na Grande São Paulo? Sim, garantem os pesquisadores, pois as minas não foram totalmente exauridas. “Na época, o ouro era mal explorado e de maneira superficial e rudimentar. O subsolo paulista, com certeza, ainda é rico”, diz o pesquisador Cornejo, lembrando que até na década de 50 ainda havia alguma atividade mineradora no Jaraguá e outras regiões da Grande São Paulo, como Itapecerica da Serra.
    “Com certeza há ouro em terras paulistas”, concorda Goulart Reis. Mas isso não deve despertar a cobiça dos eventuais exploradores que resolverem abrir buracos no próprio quintal. “Diante das complexas dificuldades de mineração na profundidade do solo, não haveria qualquer viabilidade econômica nesse tipo de atividade hoje em dia, mesmo em grande escala”, completa o professor da FAU-USP. “Isso sem contar a questão ambiental e a densa urbanização, que tornariam a atividade de mineração muito difícil de ser executada e com pouco retorno financeiro”, completa Cornejo.




    Fonte: Época Negócios

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