Por Jessica Bahia Melo
Investing.com - Apesar das incertezas do mercado doméstico, entre elas o cenário eleitoral, o fato é que o investidor tem apostado na bolsa brasileira. Enquanto, lá fora, os índices americanos e alguns índices globais apresentam queda livre, o Ibovespa segue em território positivo. O índice americano S&P 500 tinha um recuo acumulado de 24,95% neste ano até esta quinta (13). Por outro lado, o Índice Bovespa tinha alta acumulada de 9,54% na mesma comparação. O DAX, da Alemanha, caía 22,75%.
Segundo analistas consultados pelo Investing.com Brasil, alguns fatores levam a esse resultado: a configuração do Ibovespa, uma bolsa mais barata e a pausa no ciclo contracionista nos juros - com indicadores favoráveis na economia como alta do Produto Interno Bruto (PIB) e queda na inflação. Ao realizar a comparação do cenário local com as possibilidades, riscos e valuations no mercado externo, investidores e gestores têm visto atratividade nas ações brasileiras. Entenda:
Configuração do Índice
A diferenciação setorial é um dos fatores que pode ter impulsionado a performance do índice local. Jennie Li, estrategista de ações da XP (BVMF:XPBR31), explica que o Ibovespa possui grande peso de empresas de commodities e bancos, como Vale (BVMF:VALE3), Petrobras (BVMF:PETR4) e Itaú (BVMF:ITUB4). Enquanto estas são as empresas mais relevantes da bolsa brasileira, a configuração é diferente no mercado externo. As maiores empresas americanas estão ligadas à tecnologia, como Apple (BVMF:AAPL34) (NASDAQ:AAPL), Meta Plataforms (BVMF:M1TA34) (NASDAQ:META) e Alphabet (BVMF:GOGL35) (NASDAQ:GOOGL).
“Vivemos um ano em que as grandes preocupações dos investidores globais são inflação e a alta dos juros pelos bancos centrais. Em um cenário de inflação em alta, os investidores locais vão buscar ativos reais, que protegem contra a inflação, principalmente commodities. Ainda, com bancos centrais subindo juros, empresas do setor financeiro estão entre as poucas que conseguem repassar esses aumentos”.
Por outro lado, no mercado externo, os Estados Unidos possuem mais empresas de crescimento, com maior parte do fluxo de caixa no futuro. “Para trazer esse fluxo de caixa para o valor presente, é usada uma taxa de desconto, relacionada aos juros que os Bancos Centrais estão subindo. Assim, elas são muito sensíveis a taxas de juros”, completa.
Risco geopolítico mundial
A continuidade da guerra na Ucrânia, tensões de Estados Unidos e China e entre China e Taiwan são alguns dos pontos de cautela geopolítica – e dos investidores. Como o Brasil não está envolvido, é beneficiado, segundo Li.
Índices europeus amargam perdas de dois dígitos neste ano, incluindo Euro Stoxx 50, com queda de 22,33%; FTSE MIB com recuo de 24,74%. Menos impactado está o FTSE 100, mas ainda com retração no índice, na ordem de 7,58%.
A liquidez abundante deixa de ser a regra em um cenário de contracionismo monetário com inflação elevada em países que sofrem com as consequências do conflito, principalmente os mais dependentes da energia da Rússia, como é o caso da Alemanha, que comprava cerca de 40% do gás natural de origem russa.
Valuation
A atratividade das ações brasileiras também ocorre devido ao preço. Li afirma que o indicador de Preço por Lucro (P/L) do Ibovespa está por volta de seis vezes, enquanto a média histórica é entre 11 e 12 vezes. O desconto é em relação ao que era negociado historicamente, mas também frente aos Índices Globais. O S&P 500, que teve forte correção, é negociado por volta de 16 vezes o P/L - está em linha com o histórico, mas não barato, segundo a analista da XP.
Juros aumentam no cenário externo, enquanto Copom pausa altas na Selic
Enquanto nos Estados Unidos e na Europa, o cenário aponta para mais elevações nas taxas de juros para controlar a inflação, no Brasil, o Comitê de Política Monetária (Copom) pausou o ciclo de aperto da taxa básica de juros da economia brasileira, a Selic, em 13,75%. Li acredita que o Brasil “saiu na frente” no combate inflacionário e agora colhe os frutos, com posição mais confortável. Enquanto isso, com elevações nos juros sem ter data para pausar ou ter um fim, aumentam os riscos de recessão nos EUA e em países da zona do Euro.
Para Pedro Serra, chefe de pesquisas da Ativa Investimentos, o descolamento da bolsa brasileira com os índices do exterior é, em parte por mérito brasileiro – por outro lado, a situação econômica dos Estados Unidos e Europa, por exemplo, não ajuda, com grande medo de uma recessão.
“Nosso mérito é uma perda, nós somos muito experientes em inflação, essa é a grande questão. Nosso Banco Central conseguiu antecipar a perceber uma inflação, que até se discutia se era de oferta ou de demanda, com diversos choques, gargalos na cadeia produtiva, como a falta de chips e contêineres. Isso trouxe uma inflação que não tinha a ver com demanda”, detalha.
Segundo Serra, a discussão foi importante porque, mesmo ao ver componentes de oferta na inflação, a autoridade monetária brasileira percebeu o impacto nas expectativas – componente importante na indicador. O ciclo de aperto monetário foi antecipado em relação aos outros países. Quando o mercado percebe até onde vai o ciclo, consegue “fazer a conta” e montar posições. “O mercado antecipa. Uma vez antecipando, a bolsa já andou antes. O gestor/investidor não espera os juros caírem para montar posição”, avalia. No cenário externo, ainda se discute até onde vão os juros e por quanto tempo eles devem ficar elevados – há mais incerteza em relação à pausa ou fim do ciclo de aperto monetário e como ele pode contaminar outros dados econômicos. A Ativa espera que a Selic inicie trajetória de queda a partir de maio do ano que vem.
De acordo com Jason Vieira, economista-chefe da Infinity Asset Management, com uma bolsa barata em dólares, aumenta a atração do capital estrangeiro, que também vê como positivos os sinais expressivos de recuperação da economia. Vieira aponta que, no ano passado, havia um grande desconto em relação aos juros brasileiros porque não havia carry trade (estratégia para ganha com diferencial nos juros). Com as opções globais com juros mais atraentes e mercados mais seguros, o Brasil estava com competição forte e dificuldade em capturar o investidor estrangeiro. “O investimento em bolsa de valores de um país também depende da taxa de juros ser relativamente atraente para permitir o carry trade, para que o investidor estrangeiro possa aportar o dinheiro e se equilibrar em relação aos mercados”. Para Vieira, o aumento nos juros foi um dos motivos para que o capital estrangeiro tivesse conforto em entrar no Brasil e equilibrar a saída do investidor local para a renda fixa.
Eleições e cenário fiscal em pauta, mas com um ‘freio’
Um ponto de cautela para a bolsa brasileira é o processo eleitoral – principalmente qual será o cenário para o controle fiscal no próximo mandato. Serra aponta que, com medidas expansionistas às vésperas do pleito, seja quem for o eleito, vai precisar organizar as contas. No entanto, mesmo com as diferenças entre os dois candidatos, tendo em vista o congresso eleito, o especialista da Ativa acredita que vai ser muito difícil cancelar o teto de gastos.
“O mercado não tem partido. Faz conta, não quer perder dinheiro. Até porque boa parte dos investidores, em termos de capital, aqui na bolsa, é estrangeiro. E a questão principal hoje é a responsabilidade fiscal, se vamos ou não ter um governo gastador lá na frente”, completa.
Fonte: Investing.com
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