Tania Pacheco
Este blog recebeu, em 21/06/2024, Notificação Extrajudicial enviada pelo escritório Mariana Valverde Advocacia, de São Paulo, em nome do empresário NIKOLAS OCTAVIO AYOUB GODOY, identificado na correspondência como “empresário renomado no setor de agronegócios e responsável pelo ‘Canal do Boi’, uma respeitada emissora de televisão dedicada exclusivamente aos assuntos do agronegócio”, de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, exigindo (1) a retirada da matéria de título acima, republicada do portal ClimaInfo em 6 de fevereiro de 2023; e (2) a publicação de uma “RETRATAÇÃO PÚBLICA, a ser feita de maneira a restabelecer a verdade dos fatos e a reparar, minimamente, os danos causados à honra e à imagem do NOTIFICANTE perante o público em geral”.
A respeito, tenho a dizer que:
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Republicamos matéria do portal ClimaInfo do mesmo dia 6 de fevereiro, na qual ele cita publicações dos sites Amazônia Real e Repórter Brasil, devidamente linkadas, sobre empresas acusadas de lavagem de ouro que estariam também envolvidas com o garimpo na Terra Yanomami. Fechando-a, duas notas curtas, a segunda das quais menciona reportagem veiculada na véspera, 5 de fevereiro de 2023, pelo jornal Folha de São Paulo. Como mostrado na Notificação Extrajudicial, diz o texto (destaque do escritório de advocacia):
Ou seja: na nota republicada é citada reportagem do jornal Folha de São Paulo – novamente, devidamente linkada -, baseada em levantamento que teria sido feito junto à Agência Nacional de Mineração (ANM), na qual o senhor Nikolas Octavio Ayoub Godoy é mencionado. O que mais diz a nota Em Tempo 2? Que, segundo o levantamento feito pela Folha, ele seria “titular de 16 processos de pesquisa ou permissão de lavra garimpeira em RR, todos protocolados a partir de 2020”, que por sua vez estariam “a cerca de 30 km do território Yanomami”.
Se o referido senhor for titular de processos junto à ANM solicitando permissão para pesquisa ou lavra garimpeira, qual o crime cometido? Até onde sei, é exatamente à ANM que essas solicitações devem ser encaminhadas, cabendo à Agência analisá-las de acordo com a legislação vigente e decidir se devem ou não ser concedidas. Onde estão os crimes de ofensa, calúnia, difamação e injúria, numa “grave violação de sua reputação e integridade moral”, como diz a Notificação a respeito da informação por mim republicada? E mais: onde está a “vinculação injusta e infundada do NOTIFICANTE às supostas práticas de garimpo ilegal mencionadas na notícia”?
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Segundo a Notificação recebida, “as informações veiculadas” [na nota Em Tempo 2?] “não possuem fundamentação verídica”. Se o levantamento feito pela Folha no banco de dados da ANM constituísse “fake news”, como dito na Notificação a nosso respeito, ainda assim não nos equivocamos ao mencionar a reportagem, de forma informativa e – repito – referenciando a fonte e divulgando o link para ela.
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Péssimo jornalismo cometeríamos se afirmássemos, por exemplo e a partir de boatos de internet, que uma determinada pessoa fez isso ou aquilo, como se fosse resultado de pesquisa e de jornalismo investigativo nosso. Citar uma informação pública, como a reportagem do jornal paulista, rigorosamente informando a procedência da informação e a forma de acessá-la é o contrário disso: é jornalismo informativo que respeita, ao mesmo tempo, o direito do leitor de ser informado e o trabalho do jornalista e do veículo que a divulgou.
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Apesar de tudo isso, tive a curiosidade de ver como estaria a publicação da reportagem de fevereiro de 2023 na Folha, hoje. Será que as acusações contra a nossa republicação se baseariam numa hipótese de ter o jornal paulista cometido um equívoco, noticiando algo infundado e, nesse caso, reconhecido seu erro e se desculpado de alguma forma junto a seus leitores? Não. A reportagem continua no mesmo espaço e com o mesmo título – Grupo garimpeiro do Pará fez ofensiva por ouro em área de Roraima próxima à TI Yanomami.
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Diz a Notificação:
“No presente caso, a notícia veiculada sugere, de maneira insinuante, que o NOTIFICANTE estaria envolvido em práticas ilegais relacionadas ao garimpo clandestino em Terra Indígena Yanomami, sem apresentar qualquer prova ou evidência para embasar tais acusações.” (grifos nas citações em itálico são sempre do escritório de advocacia)
E ainda:
“É crucial ressaltar que, a partir da disseminação da notícia pela NOTIFICADA, outros veículos replicaram a mesma informação falsa, ampliando ainda mais o alcance e o impacto das Fake News na reputação do NOTIFICANTE. Essa disseminação irresponsável de informações inverídicas reforça a urgência da retirada da notícia em questão e enfatiza a responsabilidade da NOTIFICADA em corrigir o equívoco.“
Com o devido respeito ao empresário e ao escritório de advocacia que o representa, mesmo me orgulhando do trabalho que desenvolvo neste blog há 15 anos, estou a anos luz longe de pensar que a partir da nossa republicação das cinco linhas da nota Em Tempo 2 “outros veículos replicaram a mesma informação falsa, ampliando ainda mais o alcance e o impacto das Fake News na reputação do NOTIFICANTE”. Aliás, indago de novo: qual seria a informação falsa replicada por outros veículos? A das 16 permissões que teriam sido solicitadas à ANM?
Antes de encerrar, a Notificação me concede prazo de cinco dias para:
- proceder à REMOÇÃO imediata e completa da matéria mencionada, bem como de qualquer conteúdo que associe o NOTIFICANTE a atividades ilegais de maneira difamatória ou sensacionalista, inclusive de seu banco de dados; e
- proceder à PUBLICAÇÃO DE UMA RETRATAÇÃO PÚBLICA, nos mesmos moldes e meios utilizados para veicular a notícia objeto desta notificação. Tal retratação deverá ser feita de maneira a restabelecer a verdade dos fatos e a reparar, minimamente, os danos causados à honra e à imagem do NOTIFICANTE perante o público em geral.
Pouco antes, entretanto, está escrito:
“Nesse sentido, a disseminação de informações inverídicas e difamatórias, como aquelas veiculadas na reportagem mencionada (grifo meu), configura não apenas uma violação aos direitos do indivíduo atingido, mas também uma falha grave por parte da NOTIFICADA em não verificar a veracidade das informações antes de sua divulgação. Essa conduta, além de violar os preceitos legais estabelecidos pelo Art. 187 do Código Civil, compromete a credibilidade e a confiança do público no veículo de comunicação, minando a integridade do processo jornalístico.”
Embora a Notificação seja endereçada a mim, “na qualidade de proprietária (sic) do Blog Combate ao Racismo Ambiental” e nomeie, com o respectivo link, o texto abaixo, me parece estar havendo alguma espécie de equívoco. Como nenhuma reportagem foi por mim postada sobre o Notificante, entendo não me caber retirar a presente matéria republicada, que mantenho abaixo deste texto, nem, menos ainda, me retratar por algo que não escrevi nem publiquei.
A seguir mantenho, pois, o texto original republicado da ClimaInfo. A Notificação Extrajudicial pode ser lida aqui.
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Empresas acusadas de lavagem de ouro estão envolvidas com o garimpo na Terra Yanomami
A cadeia de atores que financia e operacionaliza o garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami é vasta e numerosa, mas o grosso dos ganhos com o ouro sujo fica com poucas empresas e empresários, muitos baseados a milhares de quilômetros dos garimpos de Roraima.
Amazônia Real e Repórter Brasil revelaram dados de investigações recentes da Polícia Federal e do Ministério Público Federal (MPF) sobre essa rede de atores por trás do garimpo Yanomami. Pelo menos três das Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários (DTVM) que atuam no comércio de ouro no Brasil são também acusadas de ilegalidades em outros inquéritos: Carol, Ourominas e FD’Gold.
A Ourominas, por exemplo, é ré no Amapá por envolvimento com o garimpo em uma reserva ambiental, e no Pará é alvo de duas denúncias de lavagem de quase 1,1 tonelada de ouro ilegalmente retirado da Terra Indígena Zo’e. Já a FD’Gold e a Carol DTVM respondem a um processo judicial no Pará, acusadas de danos ambientais e de lavagem de 1,4 e 1,9 toneladas de ouro, respectivamente.
Mais recentemente, a FD’Gold ganhou o noticiário pelo envolvimento de seu presidente, Dirceu Frederico Sobrinho, em um esquema de lavagem de ouro ilegal adquirido de balsas clandestinas no Amazonas. Dirceu, que também é presidente da Associação Nacional do Ouro (ANORO), chegou a ser preso pela PF durante a Operação Aerogold.
Em tempo 1: Na Folha, Alexa Salomão fez uma reconstituição detalhada dos esquemas que permitem a retirada de ouro ilegal de Terras Indígenas e sua venda no mercado como produto “legal”. O ponto principal está na legislação anacrônica que permite a comercialização de metal sem a necessidade do vendedor comprovar efetivamente a origem do produto, dependendo apenas da “boa fé”. Além disso, o fato de essa documentação ser elaborada somente em papel dificulta o monitoramento das autoridades.
Em tempo 2: Também na Folha, João Gabriel abordou a ação de um grupo ligado ao garimpo ilegal no Pará no entorno da Terra Yanomami, em Roraima. Um levantamento feito no banco de dados da Agência Nacional de Mineração (ANM) mostrou que Nikolas Octavio Ayoub Godoy é titular de 16 processos de pesquisa ou permissão de lavra garimpeira em RR, todos protocolados a partir de 2020. As lavras ficam a cerca de 30 km do território Yanomami.
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