quarta-feira, 10 de julho de 2013

Volta Grande do rio Xingu, vila da ressaca garimpo de ouro

Em consonância com o nome, Vila da Ressaca é o que sobrou dos tempos em que havia ouro abundante no local. Essa comunidade de garimpeiros fica na chamada Volta Grande do rio Xingu, uma grande curva em formato de ‘U’ que começa logo abaixo de Altamira. Esse trecho do rio está condenado pela hidrelétrica de Belo Monte, que vai secá-lo com a construção de um canal de 100 quilômetros, o qual criará um atalho reto entre uma ponta e a outra da Volta Grande, até chegar à boca da usina. As comunidades ribeirinhas que vivem à sua margem, deixarão de sê-lo: não serão mais banhadas pelas águas do Xingu.

A construção de Belo Monte fez Altamira borbulhar de crescimento. Da construção civil ao transporte aquático, o preço de tudo subiu. A passagem de uma voadeira da cidade até Vila da Ressaca triplicou, de R$15 para até R$50. Chegar lá toma uma viagem de 2 horas rio abaixo.

Uma curiosidade sobre a Ressaca: ela fica dentro do município de Senador José Porfírio, porém a cidade de Altamira está entre metade e um terço da distância da Vila até a sede de Senador Porfírio. Estamos no Pará, em plena Amazônia, onde municípios podem ter a área de países.

Nos áureos tempos, a Ressaca chegou a abrigar 6 mil habitantes. Hoje, o número caiu para cerca de 200 famílias, que somam algo como 800 pessoas. Metade se dedica à extração de ouro, dividido em 6 garimpos: do Galo, Itatá, Morro dos Araras, Grota Seca, Ouro Verde e Curimã.

Ao contrário do Galo, onde os túneis atingem 380 metros de profundidade, no garimpo Morro dos Araras, a exploração é rasa, feita em buracos de até 10 metros de profundida por 20 de largura. O nome vem dos índios que ali habitaram até 1930, quando foram expulsos pela chegada da mineração. Eles lutaram, matando e afundando os barcos dos recém-chegados, que também morriam de malária. O pico da produção de ouro na região foi na década de 1960 e 70, quando a exploração era feita por empresas do ramo. Elas foram embora quando acabou o ouro fácil, próximo da superfície. Hoje, a exploração é rude, feita por garimpeiros precariamente equipados.

No Morro dos Araras, a rotina da busca do ouro é desmatar e cavar buracos com água de mangueiras de alta pressão. Um buraco é aberto a cada 2 dias. A medida que é liquifeita, a terra é retirada por uma máquina apelidada de "chupadeira", que a joga em uma rampa. A lama desce pela rampa de madeira de alguns metros de comprimento até o seu fim, quando é filtrada por uma caixa que contém uma peneira e mercúrio. A peneira segura os resíduos que podem conter ouro, o mercúrio aglutina o metal. O líquido enlameado que passa, já contaminado por mercúrio, enche um outro buraco. Uma vez exploradas, as crateras são abandonadas.

Quando o material é composto por pedregulhos, passa pelos chamados "moinhos", máquinas que trituram a rocha. Após essa etapa, também seguem para o mesmo tipo de rampa que termina no tanque fechado com mercúrio.

O segundo método de mineração – e o mais usado agora que o ouro é escasso –é através de galerias dentro de túneis profundos. Eles são abertos com explosivos. E de explosão em explosão, de galeria em galeria, podem chegar a 400 metros de profundidade.



Descida de arrepiar

A descida até lá dura 20 minutos e é feita através de um sistema tosco de cordas e roldanas, operadas pelos companheiros da superfície, que acompanham o processo por rádio. Os garimpeiros brincam que muitos se acovardam a descer. Pudera, acidentes fatais são costumeiros, a temperatura lembra a de uma sauna e a única luz da descida é uma lanterna de pilha, segura na mão e presa ao peito do garimpeiro por um cabinho. Durante o percurso, o túnel pode ter larguras de até 10 metros ou passagens estreitas de 1 metro. O destino final é uma galeria de cerca 10 metros de largura por 7 de altura, mal iluminada por lâmpadas de 60 watts. Lá, o garimpeiro enche uma grande esfera oca, de borracha grossa, capaz de suportar uma carga de pedregulhos que podem conter ouro. Essa bola é içada à superfície, e se tudo der certo, o garimpeiro volta também. Os acidentes mortais são encarados como destino divino.




Para os gerentes do garimpo, o dinheiro pode ser bom. Eles ganham até R$10 mil por semana, pagos em ouro, que aqui ainda é moeda. Nada é feito de acordo com a lei. As licenças de mineração expiraram e os explosivos – que exigem permissão do exército - são usados ilegalmente. O trabalho é informal e o trabalho infantil, comum. Filho de garimpeiro entra logo para o garimpo, aprende a trabalhar, nem que seja para carregar pedras de um lado para o outro, com um carrinho de mão.

Qualquer que seja a técnica usada no garimpo, o mercúrio é onipresente. Ele é tóxico, difícil de degradar e envenena fauna, flora e gente. Os garimpeiros correm o risco de inalá-lo durante o processo de separação do ouro, uma forma grave de contaminação. O rejeito contaminado é despejado próximo aos moinho, até terminar no Xingu ou penetrar o lençol freático.

Porque o mercúrio é usado na mineração de ouro

Entre as propriedades do mercúrio, está a capacidade da forma orgânica desse elemento se acumular ao longo da cadeia alimentar, causando a contaminação de peixes e o risco de envenenamento de quem deles se alimenta , inclusive seres humanos. A intoxicação por mercúrio pode provocar danos ao sistema neurológico. As consequências podem variar desde dores no esófago e diarreia a sintomas de demência. Depressão, ansiedade, dentes moles por inflamação e falhas de memória também estão entre os sintomas. Um perigo ofuscado pelo brilho do ouro.

Para o garimpeiro, o que importa são outras propriedades do mercúrio. Primeiro, a capacidade de se unir a outros metais e formar amálgamas, o que é fundamental em garimpos, onde os minúsculos grãos de ouro precisam ser separados dos sedimentos dragados de leitos de rios ou da terra escavada. Após esse cascalho passar um período em esteiras, para que os metais se assentem e sejam separados de sedimentos mais leves, o material concentrado é jogado em betoneiras onde é misturado à agua e ao mercúrio.

Os pequenos grãos se agregam com ajuda do mercúrio e podem ser separados com mais facilidade. Em garimpos onde é usado maquinário mais pesado, como balsas, os sedimentos são dragados para dentro de misturadores, chamados pelos garimpeiros de cobra-fumando, onde se costuma também utilizar o mercúrio para evitar que partículas de ouro sejam desperdiçadas.

No país do vil metal

No país do vil metal
A esperança de achar ouro continua fazendo parte do sonho de riqueza de garimpeiros e empresas, que correm atrás de uma reserva estimada em duas mil toneladas do minério

AZIZ FILHO – Teofilândia (BA) e
LIANA MELO – Itaituba (PA)

Os olhos de Adelmo Oliveira, 11 anos, brilham quando ele aponta com os dedinhos calejados um punhado de pó dourado na pedreira perto de seu casebre. “Parece ouro ou não parece? A gente pode ficar rico”, sonha o pequeno, indiferente à gozação do colega de estudos, brincadeiras e trabalho Antônio Muniz dos Santos, da mesma idade. O sorriso ingênuo de Adelmo é de dar nó na garganta. Ele não tem infância. Juntamente com outras 260 crianças, do povoado de Barreiro, em Teofilândia, sertão baiano, trabalha de marreta na mão britando rocha para vender à beira da BR-116 Norte. Adelmo almoça feijão com farinha, quando muito, mas não é por simples devaneio que sonha com fortuna no inferno do semi-árido. A superfície de Teofilândia é forrada por mandacarus que anunciam o eterno sertão, mas de seu subsolo, transformado em queijo suíço pela mina Fazenda Brasileiro, a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) retira cinco toneladas de ouro por ano.
Como em todos os municípios de onde o Brasil arranca 50 toneladas por ano, em Teofilândia o nobre minério escancara a face de vil metal. “O ouro é tirado de onde ninguém vê. As barras saem de avião e ninguém sabe para onde”, diz o prefeito Carlito Oliveira (PL). Ele faz das tripas coração – dá até esmola a pobres em fila em sua garagem – para administrar esta cidade de 20 mil habitantes que está entre as mais pobres assistidas pelo Comunidade Solidária. Apesar de sediar a segunda maior mina de ouro da Vale, Teofilândia recebeu de royalties da companhia, de janeiro a setembro, míseros R$ 115 mil. A mina fatura por ano R$ 90 milhões e lucra R$ 22 milhões. Para abrigar seus funcionários, a Vale ergueu em meio ao sertão baiano uma vila para 383 pessoas com aparência de cidadela do Primeiro Mundo. Construiu também uma adutora de 40 quilômetros para abastecer a mina e sua vila. Para os habitantes de Teofilândia, liberou 18 bicas d’água.
“Quando cheguei, há nove anos, me perguntava diariamente: de que adianta ter tanto ouro numa cidade miserável como qualquer outra do sertão nordestino? Hoje sei que não adianta nada.” A conclusão é do padre espanhol Francisco Xavier Pedraza, 40 anos. Revoltado com a contradição, ele já incitou os camponeses a furar a adutora. “É um acinte. Os tubos da adutora passam por roças onde crianças caminham três quilômetros para beber água. Ouro não pode valer mais do que ser humano.” A voz do padre é dissonante numa região dominada por coronéis, que escrevem seus nomes em caminhões-pipa em anos eleitorais.
Teofilândia na Bahia; Curionópolis, Marabá e Itaituba no Pará; Riacho dos Machados, em Minas Gerais, onde uma mina de ouro foi fechada há dois anos, deixando 400 desempregados. A realidade miserável de cidades como estas, que vivem ou viveram da exploração do ouro, destoa muito dos números expressivos da produção do metal no Brasil. O País tem reservas detectadas de duas mil toneladas de ouro. Estima-se um potencial de 34 mil toneladas, o que, se confirmado, transformaria o Brasil no eldorado mundial. Para se ter uma idéia, de 1500 até hoje o País produziu 2.800 toneladas, menos de mil nos quatro primeiros séculos. A África do Sul – maior produtor do planeta, com 40% das reservas mundiais conhecidas – tem 18 mil toneladas.
Hoje, quase 100% da produção nacional é exportada porque a indústria joalheira no País é insignificante. Guardadas as proporções, o movimento lembra o Brasil colonial, quando o metal seguia para a Península Ibérica. Mas os locais por onde passou o ouro dos séculos passados guardam marcas de exuberância, como Ouro Preto, patrimônio da humanidade, com suas igrejas brilhantes. Bons tempos, diria o Vaticano. Na igrejinha de Teofilândia, que o lendário Antônio Conselheiro ajudou a construir no fim do século passado, as imagens são de gesso e não há uma única peça valiosa. A Vale doou apenas tinta branca para pintá-la há quatro anos.
Na praça em frente à igreja, a analfabeta Olga Cerqueira espera um carcomido ônibus escolar para pegar carona. Se perdê-lo, tem de caminhar 12 quilômetros, carregando as dúzias de ovos que não conseguiu vender, até seu barraco de quatro cômodos no povoado Caatinga de Cheiro. Ela gargalha quando é perguntada se já viu o ouro de Teofilândia. Nem sabe onde fica a mina. De seus dez filhos, sete preferiram tentar a sorte em São Paulo – onde são pobres – do que viver acuados pela seca. Os seis netos provavelmente repetirão a trajetória. “Se eu achasse pelo menos um ovinho de ouro, meu filho...”
Tragédia social – Não se pode atribuir a insistência da miséria numa cidade cheia de ouro só ao fato de o metal estar misturado a rochas profundas de onde só pode ser retirado com equipamentos de milhões de dólares. Nas áreas de garimpo, onde a exploração artesanal dispensa máquinas sofisticadas – como na época de Vila Rica – a tragédia social não é diferente. A pobreza ofusca o brilho das pepitas de Itaituba, no Pará, que concentra em 100 mil quilômetros quadrados a maior reserva garimpeira nacional. Como em Teofilândia, a riqueza não protege a infância de Itaituba.
A pequena Jeiciane Lopes, de 5 anos, integra uma geração que nasceu e cresce no garimpo Fofoca, no meio da floresta Amazônica. Não freqüenta escola e nunca teve médico ou dentista. No lugar de bonecas, brinca com gravetos. A alimentação é à base de arroz, feijão, farinha e raros pedaços de carne. O futuro não é nada promissor, mas a menina, sem consciência, passa o dia brincando de madame e esnobando as amiguinhas que não ganharam cordões de ouro dos pais. Os dela vivem pendurados no pescoço. “Meu pai é muito rico”, orgulha-se. O sonho de Jeiciane pode se realizar se o pai encontrar boas pepitas em suas escavações. A julgar pela indigência generalizada dos garimpeiros, a possibilidade é remota e Jeiciane, como as crianças de Teofilândia, deverá gastar a infância sonhando com riqueza e vivendo na miséria.
Os sonhos dourados da filha do garimpeiro de Itaituba estão no imaginário da humanidade. Desde a Antiguidade, o ouro simboliza poder e riqueza, mas, na realidade, os que passam a vida futucando a terra em busca do nobre metal estão entre os brasileiros mais desafortunados. “Garimpeiro sobrevive de teimoso”, avalia o prefeito de Itaituba, Edilson Dias Botelho (PSDB). Das 11 toneladas de ouro produzidas a céu aberto em 1998 nos garimpos do Brasil, quase duas saíram da província aurífera do rio Tapajós, em Itaituba. Oficialmente, 30 mil pessoas estão envolvidas no garimpo. Em 1998, foram declaradas à Receita Federal vendas de R$ 20,3 milhões, o que rendeu, de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), apenas R$ 112 mil. Pelos cálculos da prefeitura, a população garimpeira chega a 100 mil e o volume de vendas em 98 foi de R$ 61 milhões.
São invisíveis os benefícios sociais do vil metal de Itaituba. “O ouro daqui fez a riqueza de poucos”, admite o prefeito. Até os anos 50, a cidade vivia da borracha. Com a descoberta dos alu-viões em 1958, Itaituba passou a ser sustentada pelo ouro, vivendo seu auge nos anos 80. Com o minério em abundância e dinheiro farto, a cidade explodiu. Agências de bancos correram para lá, como empresas de mineração, transporte e fundição. O pequeno e modesto aeroporto chegou a ter congestionamento. Segundo o Departamento de Avião Civil (DAC), os pousos e decolagens chegaram a 68 mil em 1998. Mas a bonança não mudou o perfil sócio-econômico da cidade, que continua praticamente sem pavimentação. O esgoto chega a somente 10% das casas e a energia elétrica, a 5%. Trinta e um por cento dos habitantes acima da idade escolar têm menos de um ano de instrução.

Histórias de blefo e bamburro

Histórias de blefo e bamburro




Aonde vai, o garimpeiro Antônio Lopes tem seguidores. Sua capacidade de enxergar ouro à distância é inigualável. Não é à toa que seu apelido é Olho de Gato. Há dez anos vivendo com a mulher Leonice na província aurífera do Tapajós, no Pará, este maranhense 36 anos descobriu recentemente um filão de ouro em meio à Floresta Amazônica. De pá em punho, abriu uma clareira na mata e começou a garimpar sozinho. A notícia rapidamente se espalhou entre os garimpeiros que viviam na corrutela de São Domingos. Todos partiram em retirada seguindo os rastros de Olho de Gato. Em 15 dias, 200 peões disputavam um pedaço de terra com ele. Todos juntos desmataram a área, cavaram um buraco de sete metros de profundidade e começaram a procura. Estava formado um novo garimpo.
Batizado de Fofoca – que na linguagem do garimpeiro quer dizer notícia de descoberta de um ponto de ouro – este é o mais novo garimpo aberto na província aurífera criada em 1984 pelo então ministro das Minas e Energia, César Cals. Em 100 mil quilômetros quadrados estão espalhados 500 pontos de extração ligados pela Transgarimpeira, estrada de 180 quilômetros. Construída pela Caixa Econômica em 1986, a estrada está abandonada e sem manutenção. O abandono é o mesmo relegado ao garimpo. Nem a profissão de garimpeiro é reconhecida.
“Minha equipe e eu trabalhamos 24 horas por dia”, comenta Olho de Gato, no garimpo há duas décadas. Ele já passou por Serra Pelada, Guiana Francesa e Suriname. Rico não ficou, mas conseguiu um certo respeito no seu meio. “Olho de Gato é lerdo de manso”. Com o comentário, o nordestino Rosalino Pereira Serrano quer dizer que o colega é exímio conhecedor de seu ofício. Rosalino não atingiu o mesmo status de Olho de Gato, mas pelo menos já ganhou apelido: Boca Rica. A alcunha não poderia ser mais apropriada. Seis dos seus dentes são cobertos de ouro. “Quando fico blefado, tiro o ouro da boca e troco por dinheiro. Quando bamburro, guardo minha reserva na boca.”
Blefo e bamburro são termos que fazem parte da vida de qualquer garimpeiro. Das histórias contadas no garimpo, muitas são trágicas. É comum ouvir relatos de mortes por queda de avião nas cerca de 320 pistas próximas a Transgarimpeira. E também de roubo de ouro, prostituição, contaminação por mercúrio, reincidência de doenças como febre amarela, malária e hepatite. Mas nem só de tragédia e miséria vive o garimpeiro. Alguns poucos têm a sorte de alcançar a sonhada ascensão social.
“Já cheguei a encontrar uma média de 100 quilos por mês nos anos 80. Durante cinco anos, juntei cinco toneladas”, lembra, saudoso, o goiano Rui Barbosa de Mendonça, 59 anos. Na época, Rui era um dos dez pequenos mineradores mais ricos da região; hoje, pode se considerar, no máximo, um membro da classe média. Rui chegou a contratar dois mil garimpeiros e comprou seis aviões e um helicóptero. Independentemente de onde venham, eles têm uma característica em comum: quando bamburram, só pensam em gastar. Essa necessidade tem sua explicação. O garimpeiro fica meses trancado no mato e quando consegue algum dinheiro, corre para a cidade. Chega sem noção de preços. No garimpo, até o sexo é pago em pepitas.
Um garimpeiro mais extravagante chegou ao extremo de fazer um rabo com notas de dinheiro para passear pela cidade e ostentar a fortuna recém-adquirida. Quem presenciou a cena lembra que Chico Índio passava os dias desfilando e, de vez em quando, olhava para trás e exclamava: “Passei a vida inteira atrás de você, agora é você que vai me seguir.” Duas semanas depois, Chico morreu num acidente de carro.“Os garimpeiros estão ficando mais ordeiros. A oferta de ouro diminuiu e eles são obrigados a conter a ânsia de gastar”, avalia a vice-presidente da Associação dos Mineradores de Ouro do Tapajós, Célia Araújo Serique. A escassez do ouro na região preocupa os principais compradores do metal. A produção de Itaituba declarada entre janeiro e setembro foi de 2,16 toneladas, muito longe das 10,4 toneladas anuais produzidas no início da década.

Tempos de ouro

Tempos de ouro


A cidade foi chamada de último faroeste brasileiro, a capital dos garimpos. No auge da febre do ouro, Itaituba recebia hordas de gente vinda de todos os cantos do país. Vinte toneladas de ouro por ano chegaram a ser extraídos dos garimpos do Alto Tapajós no fim dos anos 80. Mesmo com a decadência da mineração no rio do ouro, eles não perderam a esperança. Dos mais de 700 garimpos, só 200 ainda estão em funcionamento. A produção não chega a três ou quatro toneladas por ano.
Zé Arara é o mais lendário garimpeiro do Tapajós. Na década de 60, foi o garimpeiro mais famoso da Amazônia. Ele formou um império, no município de Itaituba, de aviões, mansões, fazendas, muito dinheiro, tudo tirado do ouro. Aí veio a crise e ele teve que recomeçar tudo.
“Antes da crise fui o único brasileiro que vendeu na faixa de 40 toneladas de ouro ao governo brasileiro”, conta ele. Zé Arara perdeu muito, mas nunca foi um garimpeiro de alma livre, capaz de gastar em uma noite, com mulheres e bebida, tudo o que levou meses para ganhar.
Ao contrário, ele construiu um patrimônio. “Além de ter um jato, tinha 15 aviões pequenos e quatro bandeirantes”, ressalta. Um problema com o jato em Itaituba fez com que Zé Arara trasladasse o avião de volta para a fábrica, em Nova York. “O avião explodiu no ar. Morreram dois tripulantes, dois comandantes e dois mecânicos. Para eu desenrolar esse rolo e não ser preso nos Estados Unidos, tive que gastar 200 quilos de ouro”, conta o garimpeiro.
Desde então, ele está sem sair do garimpo. São onze anos pagando dívidas. “Não devo mais, agora estou lutando para reerguer nosso negócio”, conta. Zé Arara se diz dono de 23 mil hectares de terra, toda a área do garimpo de Patrocínio. Mesmo assim, os moradores criaram uma associação e querem transformar a região em uma comunidade.
Zé Arara se sente ameaçado. “Temo até pela minha segurança. Hoje, estou recomeçando aos 70 anos”, ele diz. O garimpo não é mais como antes. Das dez mil pessoas que buscavam ouro em Patrocínio só restam duas mil.

Na Serra Pelada de hoje, circulam mais histórias do que ouro

Na Serra Pelada de hoje, circulam mais histórias do que ouro


Em Curionópolis (PA)
Foi em 21 de julho de 1674 que o grupo do bandeirante Fernão Dias Paes Leme saiu de São Paulo em busca de pedras preciosas onde hoje fica Minas Gerais, desenvolvendo a mineração na região. Na segunda-feira, dia 21 de julho, será comemorado pela primeira vez o Dia do Garimpeiro, instituído em junho com a aprovação do Estatuto do Garimpeiro, que finalmente regularizou a pequena exploração mineral. O marco legal ocorre 20 anos após o fim de Serra Pelada, o maior garimpo do mundo, onde centenas de milhares de homens viveram, morreram, enricaram e perderam tudo.

  • Com casas de madeira, chão de terra e pouca estrutura, Serra Pelada é hoje um local pacato
Hoje, Serra Pelada, distrito do município de Curionópolis que fica a 35 quilômetros do centro da cidade, é um local pacato. Foi-se o ouro fácil da superfície e com ele a febre que levou centenas de milhares de garimpeiros para lá no começo dos anos 80. A imagem cristalizada do formigueiro humano desapareceu junto com o fim da mina e da possibilidade de enriquecimento instantâneo.

Seis ou sete mil pessoas vivem em casas de tábua agrupadas em ruas de terra vermelha, desde sempre carentes de estrutura pública. Não existe atividade econômica significativa além de pequenos comércios e do dinheiro das aposentadorias. Todas as famílias são de garimpeiros que, detentores do direito de exploração daquela terra, buscam resolver diferenças internas para explorar em grande escala o solo rico. Até lá não há muito o que se fazer, melhor puxar uma cadeira para acompanhar as histórias de toda uma geração de garimpeiros conversadores.

Rodas de bancos proliferam em frente às casas e nos bares. "Sente aqui meu patrão, sente aqui", diz o filho do Piauí Juvenal Ferreira do Vale, 72 anos, oferecendo sua própria cadeira. A pele queimada de sol e profundamente riscada aponta para uma vida de trabalho braçal. Trabalhou na construção de Brasília. No garimpo cavou muito ouro daquele chão, em 86 tirou a sorte grande e "bamburrou", termo que designa aqueles afortunados que encontraram os veios mais ricos e conseguiram 30, 50, 100, 500 kg de ouro em poucos dias.

  • Breno Castro Alves/UOL Em Serra Pelada hoje há
    mais histórias do que ouro
O recorde é de Zé Maria, que tirou 2.350 kg em um barranco só. "Foi um tempo curto, bom demais e terrível. Quando bamburrei foi uma madrugada de tiro, atacaram o acampamento, mas seguramos o ouro. Mas isso era pouco, essa ladroagem danada no mundo inventaram de uns tempo para cá. O garimpeiro era respeitador".

Difícil saber se a vila, que faz parte do município de Curionópolis, no sudeste do Pará, é mais rica em histórias ou em ouro. Teve aquele que bamburrou, comprou uma caminhonete e foi dar carreiras por esses meios de mundo. Atolou, voltou para a cidade e comprou outra igualzinha só para desatolar a primeira. Um outro estava no Rio de Janeiro cheio do ouro, lembrou que esqueceu o chapéu e fretou um avião para buscá-lo em Serra Pelada. Vem fácil, vai fácil, poucas histórias remetem a garimpeiros que investiram e multiplicaram a riqueza, a maioria financiou farras homéricas que hoje são nostalgia. Riqueza ou pobreza era condição passageira, regida pelo verbo estar e não pelo ser. A velocidade com que alguns ganhavam dezenas de quilos de ouro só era comparada ao ímpeto com que os gastavam.

"Naquele tempo eu não era gente", avalia saudoso um senhor com dentes de ouro. "Ah, se eu tivesse a tranqüilidade que tenho hoje..", lamenta um velho maranhense. Quando o garimpo terminou, em 88, quem ficou por ali foi quem estava pobre no momento. Ficaram para lutar por um subsolo que conhecem a riqueza. A mina não terminou por falta de ouro e os garimpeiros sabem que têm direito, entendem que produziram riqueza gigantesca e que a nação tem este débito a reparar.

A mesma esperança de ouro que levou aqueles homens para lá nos anos oitenta faz com que permaneçam até hoje lutando por ele. "Está vendo aquela cava cheia dágua bem ali? Deixei uma fazenda de 600 vacas parideiras dentro dela. Já perdi a força para aprender a fazer de outra forma e por isso vou tirar essa fazenda dali. Não perdi dinheiro, investi, vou ter lucro. Se eu não estiver vivo meu filho vai e se ele não estiver meu neto vai, porque ali tem ouro e ele é nosso", vaticina João Pimenta, 53 anos.