Dependência do gás e do petróleo torna vulnerável a economia russa
Salários da metade da população vêm do dinheiro do gás e petróleo.
Setor energético representa 65% de toda a renda obtida pelo governo.
Marcos Uchôa
Nizhnevartovsk e Surgut, Rússia
A crise com a Ucrânia pode forçar a Europa a diversificar suas fontes
de energia, com péssimas consequencias para a economia russa. O Jornal
da Globo foi até a Sibéria para mostrar essa vulnerabilidade da Rússia,
refém daquilo que mais tem de sobra: gás e petroleo.
A Rússia brilha, mas não atrai. Já são 25 anos desde o fim do comunismo
e Vladimir Putin, saudoso daqueles tempos, hoje faz o que quer. O
presidente russo comprou a paz social. Literalmente.
53% da população vive de salários ou pensões pagas pelo governo. E
Putin dobrou os salários da polícia e dos militares. Tudo foi pago com
dinheiro da mesma fonte: gás natural, que a Rússia é a campeã mundial em
exportação e petróleo. Os russos ocupam a segunda posição no ranking
dos exportadores, atrás da Arábia Saudita.
O setor energético representa cerca de 65% da renda do governo e as
contas, que antes fechavam com o preço do barril a US$ 40, hoje só com
US$ 110. Putin construiu a estabilidade alicerçada na enorme dependência
exterior do seu gás, um setor onde a estatal Gazprom dá as cartas. Mas
também em algo que ele não controla: o preço do petróleo.
E onde ele está? Sibéria. O nome já dá calafrios. Uma região maior do
que o Brasil e a Europa juntos. No meio do nada, longe de tudo. Na
Sibéria Ocidental estão dois terços das reservas russas desse gigante
energético. Mas você chega, olha e é quase tudo soviético. Instalações
antigas e poços que produzem cada vez menos.
No Instituto de Petróleo de Surgut, considerada capital dessa
indústria, um diretor mostra uma pedra de shale, ou folhelo – que, no
Brasil, dizemos “xisto”. Essa é uma fonte que a Rússia ainda não dá
muita bola.
O diretor diz que o problema não é que o petróleo esteja acabando.
"Está acabando o petróleo barato, o fácil de tirar", ele conta. Um
integrante de uma tribo faz um ritual, ele faz parte de uma das dezenas
que vivem na Sibéria numa economia ligada ao ciclo da natureza.
Existia um acordo com o governo, para que deixassem as terras deles em
paz. Mas ali tem petróleo e eles estão sendo expulsos. A lei diz que o
petróleo e a floresta pertencem ao Estado. E que a companhia que recebeu
o direito de explorar o petróleo tem que negociar com a tribo que mora
no local. Só que o preço da negociação foi bastante barato. Eles
ofereceram apenas R$ 3 mil.
Essa não é uma negociação, é uma imposição. Integrantes da tribo
conseguiram advogados e imprensa para mostrar o que acontece. Exiibem
mapas, falam de direitos da poluição, da destruição da cultura deles. O
representante da Lukoil, a empresa que os está expulsando, diz que eles
podem trabalhar em outro lugar.
Para ele, como para o governo russo, os cidadãos são como os mosquitos
da Sibéria. No máximo, incomodam. A dança, a reza e uma fogueira não são
nada ao lado da torneira que, ao ser aberta, vai fazer jorrar o
petróleo.
O que a tribo denuncia é algo bem real. A Sibéria tem a maior floresta
do mundo. Não tem nem perto da biodiversidade da Amazônia, mas é maior
em extensão. Escondida no meio dela pode-se ver o legado de décadas de
exploração do petróleo feita sem nenhum cuidado com o meio ambiente.
Um jovem do Greenpeace levou a equipe a um dos maiores lagos de
petróleo que sobraram de extrações mal feitas. É impressionante. A
poluição vai se espalhando pela floresta, rios, riachos, o solo. Os
pássaros pensam que é água, mergulham e morrem. Em alguns poucos
lugares, as empresas tentam aterrar esses desastres ecológicos.
Jogar a areia por cima é como botar a sujeira por baixo do tapete. A
Sibéria já é uma região remota e, longe das estradas, a indústria
petrolífera pode ignorar os danos que ela causa ao meio ambiente. O pior
é que os russos agora vão explorar petróleo no Oceano Ártico e, aí
mesmo, é que ninguém vai ver nada do que acontece.
O ponto fraco dessa Rússia, de Vladimir Putin, é exatamente o seu ponto
forte. Ela tem muito daquilo que o mundo mais precisa, mas o preço não
depende só dela. E, lentamente, essa dependência, como um vício, está
envenenando a economia russa.