sábado, 3 de maio de 2014

As gemas vêm do interesse dos homens há 10000 anos

As gemas vêm do interesse dos homens há 10000 anos. Ametista, Cristal de rocha, Âmbar, Granada, Jade, Jaspe, Coral, Lápili-lazúli, Pérola, Serpentina, Esmeralda e Turquesa foram as primeras a serem conhecidas.
Não existe uma definição aceita por todos para esse termo, porém há um denominador comum, todas as gemas têm algo especial, alguma beleza em torno delas. Elas são principalmente minerais (Safira), minerais agregados (Jaspe), orgâincas (Pérola), sintéticas (Esmesralda Sintéticas) ou mais raramente rochas (Lápili-Lazúli). As Gemas podem ser, por algum processo de aprimoramento de sua cor ou aparência, tratadas.
Algumas gemas são raras e belas devido a cor, a um fenômeno óptico exclusivo, ou brilho diferenciado. Outras são especiais devido a sua dureza ou inclusões excluvisas.
A raridade é outro fator importante na avaliação de uma gema. Como algumas das características que valorizam as gemas só se apresentam depois da pedra estar lapidada, o termo gema geralmente refere-se a uma pedra lapidada. A lapidação é a valorização de um material que de outra forma poderia passar apenas como um material bruto insignificante.
Existem centenas de tipos diferentes de gemas e materiais gemológicos. Como sabemos a atribuição de valor para gemas é um processo bastante subjetivo. Raridade, cor, tamanho, grau de pureza, transparência, formas e perfeição de lapidação são alguns fatores que têm grande influência na avaliação.Além disso, a diversidade de procedência das gemas, a situação político-econômica do país produtor e a distância do local de produção aos centros de consumo levam os mercados envolvidos a estabelecer valores de formas variadas.
Devemos considerar que outro fator de influência na avaliação de gemas é a complexidade dos vários níveis de mercados existentes e como são interpretadas as cotações em cada um desses níveis.
Comercialmente, as gemas são divididas em pedras coloridas e diamantes (mesmo os que não são incolores) além de ambas terem seu peso medido em quilate (1ct=0,2g).
2 – ESMERALDA
O nome vem do grego smaragdos. Ele significa “pedra verde”(Foto 3). É a mais nobre variedade de berilo.
Seu verde é tão incomparável que esta cor tão peculiar passou a ser chamada de verde-esmeralda. A substancia corante para a esmeralda é o cromo. A cor é muito resistente à luz e ao calor, não se modificando até uma temperatura de 700 ou 800°C.
As esmeraldas são formadas pro processo hidrotermal associado ao magma e metamorfismo. Jazidas são encontradas em filões de pegmatito ou em seus arredores.
2.1 - Jazidas mais importantes:
Mnia de Muzo (Colômbia) (foto 4), Mina de Chivor (Colômbia), jazidas na Bahia, Minas Gerais, Goiás; Zimbabue, África do Sul e Russia.

Foto 1: Mina de Muzo. Colômbia. Foto 2: Esmeraldas colombianas. Colômbia.
Unicamente na Colômbia são encontradas as raríssimas esmeraldas “Trapiche”(foto 5) caracterizado por um crescimento parecido com uma roda, de vários cristais prismáticos.
As jazidas de Minas Gerais se extendem desde o norte de Rio Casca até o sul de Guanhães. Nessa área deve-se destacar as minas Belmont (a maior do Brasil), Piteiras e o garimpo de capoeirana (cooperativa).

Foto 3: Esmeralda “Trapiche”. Mina Chivor (Colômbia).
Para Schrorcher et al. (1982), a geologia básica dos terrenos encontrados na região Itabira/Nova Era é caracterizada por um embsamento cratônico arqueano composto basicamente por terrenos gnáissicos migmatíticos, comcaracterísticas poligenéticas e polimetamórficas, incluindo rochas graniticas do tipo Granito Borrachudos; por um cinturão de rochas verdes arqueanas pertencentes ao Supergrupo Rio das Velhas; por metassedimentos do paleoproterozóico do supergrupo Minas; e pelos metassedimentos do mesoproterozóico, constituído essencialmente por quartzitos do Supergrupo Espinhaço.
Em termos estratigráficos, o Garimpo de Capoeirana e as Minas Belmont e Piteiras estão localizados em uma área onde afloram metarcóseos a metagrauvacas com intercalações concordantes de mica xistos e quartzitos micáceos. Secundariamente, há rochas anfibolíticas, intercalacões de xistos metaultramáficas e aparecimento descontínuo de veios pegmatíticos. Nesse contexto, as metaultramáficas e os veios pegmatíticos são as rochas mais importantes para mineralização da esmeralda.
Em relação a genese da esmeralda, todas as jazidas e/ou ocorrências de minas Gerais estão associados aos xistos derivados de rochas metaultramáficas, em locais de intensa percolação de fluidos hidrotermais relacionados aos pegmatitos, devido as condições tectônicas propícias. Esses xistos, representados essencialmente por biotita/flogopita xisto, clorita xisto, tremolita/actinolita xisto.
As áreas mineralizadas ocorrem nas proximidades do contato entre xistos metaultramáficos e as rochas granitos gnáissicas, do tipo Granito Borrachudos, estéreis em esmeralda.
A formação das esmeraldas mineiras (foto 6) está intimamente associada à interação química ocorrida entre a fase pegmatítica berilífera e as rochas metaultramáficas portadoras dos elementos (Cr, V, Fe).

Foto 4: Esmeralda Mineira, Coloração devida ao íons de Cr, V, Fe. Itabira, MG.
3.2 - Aspectos mineralógicos:
De cor verde claro a muito escuro ao verde azulado muito forte, tranparente a translúcido, brilho vítreo, dureza de Mohs 7,5 a 8, acatassolamento ou “olho-de-gato e asterismo (raro). Índice de refração de 1,577 a 1,583(± 0,017), pleocroísmo de moderado a forte, fratura conchoidal de brilho vítero a resinoso, clivagem basal, inclusões bifásicas e trifásicas, cristais negativos, “plumas” líquidas e inclusões minerais (micas da série biotita-flogopita, hornblenda, actinolita, tremolita, pirita, calcita, cromita, dolomita, pirrotita); o aspecto geral das inclusões nas esmeraldas é conhecido como “jardim” que são utilizadas como um “selo de autenticidade” das esmeraldas naturais diferindo-as das sintéticas.
A explotação da esmeralda no garimpo de Capoeirana é feita por meio de poços, túneis e galerias, com técnicas de mineração rudimentar e sem preocupação com o aproveitamento total das esmeraldas gemológicas e meio ambiente(foto 7).

Foto 5: Garimpo Capoeira. Nova Era, MG.
Na Mina Belmont a elplotação é realizada a céu aberto e subterrânea (foto 8), contando com sistema mecanizado desde a extração até o beneficiamento final. Na lavra a céu aberto, o xisto altamente decomposto favorece, sobremaneira a retirada mecânica do material esmeraldífero. Todo material explotado, tanto na mina a céu aberto quanto no subterrâneo, é transportado por meio de caminhões para usina de beneficiamento, onde o material é deslamado (separação de finos, <2mm), depois separação granulométrica, separação ótica, onde todo material verde é separado por uma máquina e por fim catação manual das esmeraldas (foto 9).

Foto 6: Mina Subterrânea, Mina Belmont. Itabira, MG. Foto 7: Catação Manual, Mina Belmont. Itabira, MG.
Além da Belmont Mineração podemos cita ainda empresas como: Rocha mineração, Beibra, Garipo de capoerana, Garimpo na Bahia na cidade de Anagé, Itaobi Campos verde ( GO ), Mineração Alexandrita
Existem muitas esmeraldas de grande valor e fama. A maios famosa das jóias de esmeralda é um pequeno frasco de unção de 12cm de altura e 2205 quilates talhado de um único cristal de esmeralda.
PREÇOS DE ESMERALDAS LAPIDADAS
Cotações por quilate em dólares americanos
FRACA (TERCEIRA)
1 - 2
2 - 3
3 - 4
de 0,50 a 1 ct
2 - 10
10 - 35
35 - 60
de 1 a 3 ct
2 - 15
15 - 50
50 - 80
de 3 a 5 ct
2 - 20
20 - 60
60 - 80
de 5 a 8 ct
2 - 30
30 - 60
60 - 100
acima de 8 ct
2 - 50
50 - 60
60 - 100
MÉDIA (SEGUNDA) BOA (PRIMEIRA)
4 - 5
5 - 6
6 - 7
7 - 8
de 0,50 a 1 ct
60 - 90
90 - 170
170 - 250
250 - 360
de 1 a 3 ct
80 - 230
230 - 390
230 - 520
520 - 820
de 3 a 5 ct
80 - 300
300 - 510
510 - 620
620 - 1200
de 5 a 8 ct
100 - 430
430 - 580
580 - 750
750 - 1600
acima de 8 ct
100 - 440
440 - 700
700 - 850
850 - 1900
EXCELENTE (EXTRA)
8 - 9
9 - 10
de 0,50 a 1 ct
360 - 660
660 - 2000
de 1 a 3 ct
820 - 1100
1100 - 3500
de 3 a 5 ct
1200 - 1700
1700 - 5500
de 5 a 8 ct
1600 - 3000
3000 - 5600
acima de 8 ct
1900 - 4000
4000 - 9000
Atualizado em outubro de 2005
3 – ALEXANDRITA
A gema alexandrita (Foto 11e 12), descoberta nos Montes Urais (Rússia), foi batizada em homenagem ao Czar Alexandre II que no dia da descoberta completava 12 anos de idade.

Foto 8: Alexandrita lapidada. Antônio Dias, MG Foto 9: Cristal de alexandrita. Antônio Dias, MG
No Brasil esta gema foi descoberta na década de 70 em pequenos garimpos no Espírito Santo e Bahia. Pórem a produção se revelou pequena e de baixa qualidade.
Em Minas Gerais, a primeira descoberta aconteceu em 1975, no Córrego do Fogo, município de Malacacheta e em 1986 foi descoberta a que seria a maior jazida já registrada na história, no distrito de Hematita, no município de Antônio Dias. Atualmente essa área é explotada por duas empresas: Alexandrita Mineração Comércio e Exportação Ltda, detentora da maior jazida de alexandrita do mundo, com uma reserva de aproximadamente 60kg e a Mineração Itaitinga.
Além dessas duas jazidas, existem outras ocorrências de alexandrita, pórem sem importância econônica associadas às jazidas de esmeralda, como em Belmont, Capoeirana e Esmeralda de Ferros.
3.1 - Principais Jazidas:
Brasil, Sri Lanka, Zimbáue, Birmânia, Madagascar, Tanzânia e Russia (esgotadas).
Para que ocorra a cristalização da alexandrita, além do excesso de alumínio e deficiência em sílica é necessária a presença de uma fonte de cromo. Na grande maioria das ocorrências de alexandrita no mundo, são descritos processos geológicos envolvendo rochas ácidas e ultramáficas em ambientes ricos em alumínio (Munasinghe & Dissanayake 1981, Ustinov & Chizhik 1994).
Na jazida de Hematita, observam-se inúmeros pequenos corpos pegmatóides cortando as rochas ultramáficas da região, e, nos concentrados aluvionares, constata-se a presença de cianita, granada, berilo (esmeralda e água-marinha), crisoberilo, estaurolita, muscovita, plagioclásio, e quartzo. Desse modo, a jazida de Hematita enquadra-se no modelo de Beus (1966) de pegmatitos ricos em Al2O3.
Relacionando os aspectos geológicos observados na região de Malacacheta, com a presença de corpos graníticos e intercalações de rocha metaultramáfica com xisto peraluminoso, Basílio (1999) propôs uma gênese baseada num sistema metassomático envolvendo fluidos hidrotermais de alta temperatura, ricos em berilo e oriundos do corpo granítico. A interação desses fluidos com os xistos aluminosos e suas intercalações metaultramáficas, fonte de cromo, propiciaram a formação da alexandrita.
Em relação às ocorrências de alexandrita associadas às jazidas de esmeralda, pouco se sabe.
A cor, a mudança de cor (efeito alexandrita) e o forte pleocroísmo são fatores determinantes na qualidade da alexandrita.
3.2 - Aspéctos Mineralógicos:
Sob a luz natural, a alexandrita apresenta-se verde ou mais raramente azul (foto 13) e quando iluminada por luz incandescente, mostra-se em tons de vermelho e violeta.
Seu intenso tricroísmo é caracterizado, variando nas cores verde, amarelo, vermelho e, mais raramente, azul. Assim como no rubi e na esmeralda, sua cor é resultante da presença de íons substituindo parte parte do alumínio nas posições octaédricas da estrutura cristalina.
Dureza 8,5; clivagem boa; fratura conchoidal;brilho vítreo ao subadamantino;mudança de cor; pleocroísmo

Foto 10: Alexandrita azul. Antônio Dias, MG
Quanto a explotação o método usado é igual ao método da esmeralda
PREÇOS DE ALEXANDRITAS LAPIDADAS
Cotações por quilate em dólares americanos
Fraca (Terceira)
Média (Segunda)
Boa (Primeira)
Excelente (Extra)
até 0,50 ct
15 – 150
150 - 500
500 - 1500
1500 - 2000
de 0,50 a 1 ct
40 – 250
250 - 1000
1000 - 3000
3000 - 4500
de 1 a 2 ct
70 – 500
500 - 2800
2800 - 5500
5500 - 7000
de 2 a 3 ct
90 – 800
800 - 3800
3800 - 6500
6500 - 9000

O DIAMANTE EM MG

Em razão de suas propriedades físico-químicas peculiares, o diamante é um dos mais singulares ‘presentes’ da natureza. Seu nome (do grego adámas = inconquistável, indomável) deriva da altíssima dureza que apresenta, a maior verificada no reino mineral. Por mais de 150 anos, durante os séculos 18 e 19, o Brasil foi o maior produtor mundial dessa gema, até a descoberta dos ricos depósitos da África do Sul, Rússia e Austrália. No cenário nacional destacam-se as províncias diamantíferas do Alto Paranaíba e da Serra do Espinhaço, em Minas Gerais, as duas maiores reservas do Sudeste brasileiro, ainda hoje com significativo impacto na economia daquelas regiões.
O estudo da mineralogia do diamante na Serra do
Espinhaço tem permitido, graças à extraordinária resistência dessa pedra preciosa aos processos geológicos que atuam na crosta terrestre, identificar diversos ciclos de erosão e sedimentação. Por seus aspectos típicos, é o único mineral que permaneceu no registro geológico desde um período muito remoto, o Proterozóico Médio, há aproximadamente 1,7 bilhão de anos. Foi no Espinhaço que desenvolvemos pesquisas na tentativa de responder uma velha pergunta da geologia brasileira: a partir de que rochas-fonte o diamante ter-se-ia espalhado pela região? Embora os dados coletados não admitam uma resposta conclusiva, certamente contribuem para o entendimento do problema.
Mario Luiz de Sá Carneiro Chaves Instituto de Geociências, Universidade Federal de Minas Gerais Darcy Pedro Svisero Instituto de Geociências, Universidade de São Paulo
Escala de Mohs
A escala criada pelo mineralogista austríaco Friedrich Mohs (1773-1839) no início do século 19 classifica os minerais segundo sua dureza. Entre o talco, o mais ‘tenro’, e o diamante, o mais resistente, Mohs reconheceu oito diferentes graus de dureza entre os minerais. Mas esses intervalos não são regulares. A escala é uma simples classificação da dureza dos minerais e foi feita levando em conta que cada mineral arranha os de número inferior. Assim, entre o diamante (dureza 10) e seu seguidor imediato, o coríndon (dureza 9), há uma diferença de dureza 10 vezes maior que aquela entre o coríndon e o talco (dureza 1).
DiamantesDiamantes
Qual terá sido o caminho das pedras?
Qual terá sido o caminho das pedras?
10• Diamante 9•Coríndon 8•Topázio 7•Quartzo 6•Ortoclásio 5•Apatita 4•Fluorita 3•Calcita 2•Gipsita 1•Talco junho de 1999 • CIÊNCIA HOJE • 23
G E O C I Ê N C I A S A maior parte da produção mundial de diamantes provØm hoje da junho de 1999 • CIÊNCIA HOJE • 23 para o de maior produtor mundial, com cerca de 40 milhıes de quilates extraídos só em 1997.
O diamante tem origem no manto da Terra em profundidade superior a 150 km. Atualmente o meio científico aceita a hipótese de que os kimberlitos e lamproítos sªo apenas o meio de conduçªo do mineral desde a sua fonte, no manto, atØ a litosfera. Nos œltimos 20 anos, seu estudo tem sido amplamente desenvolvido por serem considerados como uma das raras janelas para o manto na superfície do planeta.
`frica do Sul, AustrÆlia e Rœssia, onde o mineral Ø lavrado diretamente em rochas primÆrias conhecidas como kimberlitos e lamproítos. Nessas rochas magmÆticas ultrabÆsicas, raras na crostra terrestre, o diamante estÆ disseminado em teores que variam de 1 a 3 quilates por metro cœbico (ct/m3), embora o lamproíto de Argyle, na AustrÆlia, apresente o formidÆvel teor de 18 ct/m3. A descoberta da jazida de Argyle, em 1986, fez com que a AustrÆlia passasse de um país nªo-produtor de diamantes4 es de Minas Geraises de Minas Gerais G E O C I Ê N C I A S
O kimberlito ocorre principalmente nas zonas de crÆtons, porçıes da crosta terrestre estÆveis desde o período PrØCambriano. A figura 1 apresenta as principais zonas cratônicas da Terra, identificando maior ou menor ocorrŒncia de intrusıes kimberlíticas. No Brasil, hÆ trŒs Æreas cratônicas, sendo a principal delas o crÆton Amazônico. Ao norte do Mato Grosso e sul de Rondônia jÆ foram encontrados kimberlitos com diamantes, cuja viabilidade econômica de exploraçªo vem sendo estudada. O crÆton do Sªo Francisco, que ocupa grande parte de Minas Gerais, destaca-se no Sudeste brasileiro. Nele, no entanto, nªo se conhecem rochas kimberlíticas mineralizadas.
Embora os teores diamantíferos sejam mais expressivos em matrizes primÆrias, o percentual de diamantes gemológicos Ø em geral baixo nessas rochas, predominando os de interesse industrial. No caso da mina de Argyle, por exemplo, apenas 5% de seus diamantes tŒm qualidade gemológica, fazendo com que o preço mØdio do quilate das pedras aí produzidas seja de US$ 10. A proporçªo de diamantes gemológicos encontrados nos kimberlitos sulafricanos varia entre 10-25%, e o preço do quilate gira em torno de US$ 40. Cristais de alta quilatagem podem, no entanto, ocorrer com mais freqüŒncia nesses depósitos primÆrios. O maior diamante jÆ encontrado, o Cullinan, pesava 3.106 ct antes de ser lapidado em nove pedras, a maior das quais estÆ encravada na parte frontal da coroa britânica. Estudos feitos nas principais províncias diaman-
Diamante incrustado em kimberlito da mina Mir, na Sibéria, Rússia tíferas do sul e oeste africano demonstraram que, a partir de suas fontes primÆrias, os diamantes se espalharam por milhares de quilômetros quadrados. Observou-se uma sistemÆtica reduçªo na mØ- dia do tamanho dos cristais quanto mais eles se afastavam de seu local de origem, deslocando-se por via fluvial ou marinha. Tal reduçªo, no entanto, Ø acompanhada de expressiva melhora gemológica, pois os diamantes de qualidade inferior sªo destruídos durante o transporte.
Minerais e gemas
Um mineral é um corpo sólido de origem natural formado por processos inorgânicos, de composição química e estrutura cristalina definidas e constantes. A ciência dos minerais é a mineralogia, da qual um dos ramos é a gemologia, que estuda as gemas e suas propriedades. As gemas – medidas pelo peso-padrão do quilate (ct), equivalente a 0,2 g – são minerais dotados de propriedades físicas especiais (transparência, brilho e/ou cores atrativas), podendo servir como adorno pessoal após trabalhados pelo homem. O diamante, composto de carbono puro, é certamente o mais importante dos minerais gemológicos.
Os diamantes encontrados na natureza podem ser mono ou policristalinos. Os monocristalinos simples são caracterizados por formas típicas como o cubo, o octaedro e o dodecaedro rômbico, podendo ser gemológicos ou não. Entre as variedades policristalinas, destacam-se o bort, o ballas e o carbonado, de interesse exclusivamente industrial. O primeiro é um agregado complexo de microcristais de tamanhos e formas irregulares. O ballas é um agregado esférico ou semi-esférico onde os cristalitos estão dispostos radialmente. O carbonado é uma designação brasileira, largamente aceita na literatura mineralógica, para definir um agregado cinza ou preto, muito poroso e de aspecto irregular, com cristalitos de diamantes de tamanho muito reduzido, da ordem de 0,01 a 0,001 m.
junho de 1999 • CIÊNCIA HOJE • 25
Certas formas mono e policristalinas, como cubos, borts e carbonados, sªo pulverizadas durante o registro geológico, depois de reduzidas a partículas muito finas. Experimentos feitos pela mineradora sul-africana De Beers mostraram que seis horas de moagem foram suficientes para reduzir o bort e pedras defeituosas do Zaire em partículas de peso inferior a 0,001 ct. Submetidos ao mesmo procedimento, diamantes da costa da Namíbia com formas cristalinas perfeitas perderam apenas 0,01% de seu peso após quase mil horas de moagem.
Os cristais de diamante de forma dodecaØdrica sªo mais resistentes ao transporte, pois seu coeficiente hidrodinâmico, resultante do grande nœmero de faces naturalmente arredondadas, Ø maior que o daqueles que tŒm forma de cubo ou octaedro. Depósitos da Namíbia, por exemplo, apresentam um nœmero desproporcionalmente grande de cristais dodecaØdricos.
Com a evoluçªo do registro geológico, os diamantes tendem a sofrer as seguintes modificaçıes: reduçªo do tamanho mØdio dos cristais; preservaçªo dos dodecaedros nas formas monocristalinas; queda expressiva do nœmero de pedaços quebrados; pulverizaçªo dos borts e cristais com defeitos ou inclusıes; aumento do nœmero de cristais gemológicos.
O diamante em Minas Gerais
No Brasil, a descoberta oficial de diamantes ocorreu em 1729 nas imediaçıes do município mineiro de Diamantina. Muito antes, porØm, pedras dessa regiªo jÆ chegavam à Europa. Por mais de 150 anos o Brasil foi o maior produtor mundial do mineral, atØ a descoberta dos depósitos sul-africanos. Historicamente Minas Gerais Ø o maior produtor dessa gema no Brasil, tendo a Bahia, Mato
Grosso e ParÆ se destacado em alguns curtos períodos. Ainda hoje os diamantes tŒm importância no setor mineral da regiªo, sendo sua lavra efetuada em aluviıes por companhias de mineraçªo ou garimpeiros independentes. Destacam-se ainda campanhas de prospecçªo visando descobrir e explorar as rochas-fonte primÆrias do mineral, como se faz na `frica, AustrÆlia e Rœssia.
Os principais depósitos diamantíferos de Minas
Gerais concentram-se em duas macrorregiıes, designadas na nomenclatura geológica como províncias minerais do Espinhaço e do Alto Paranaíba, respectivamente no centro-norte e sudoeste do estado (figura 2). A província do Espinhaço notabiliza-se por sua importância econômica, destacando-se nesse cenÆrio a regiªo de Diamantina. A Serra do Espinhaço Ø constituída por um conjunto de rochas metamórficas intensamente dobradas, incluindo quartzitos, filitos e conglomerados, que representam originalmente sedimentos depositados em rios, taludes serranos, desertos, lagunas e mares rasos.
A idade de formaçªo desses depósitos Ø atribuída ao Proterozóico MØdio, a partir de dataçıes radiomØtricas obtidas em rochas e minerais vulcânicos presentes no conjunto sedimentar. HÆ diversos tipos de depósitos diamantíferos no Espinhaço. O mais antigo Ø o Conglomerado Sopa, rocha de origem sedimentar que ocorre nas porçıes basais do complexo serrano. A partir dele o diamante espalhou-se para depósitos sedimentares mais jovens, sobretudo em certos períodos do CretÆceo Inferior (hÆ cerca de 136- 100 milhıes de anos), TerciÆrio Superior (hÆ cerca de 7-1,5 milhıes de anos) e QuaternÆrio (de cerca de 1,5
Figura 1. Os grandes depósitos primários de diamante do globo concentram-se nas áreas cratônicas (em amarelo). Os maiores são indicados por losangos grandes e os menores por losangos pequenos
milhªo de anos atrÆs atØ o presente). As rochas-fonte primÆrias da regiªo nªo sªo conhecidas, e os minerais indicadores típicos dessas rochas (minerais satØlites) estªo ausentes.
Na província do Alto Paranaíba, no entanto, vÆrias chaminØs de rochas kimberlíticas semelhantes às fontes vulcânicas primÆrias do diamante russo e sulafricano sªo conhecidas desde a dØcada de 1960. Embora ainda nªo tenham sido detectados kimberlitos mineralizados de interesse econômico na re- mado na Øpoca das atividades vulcânicas que trouxeram os diamantes, pois apresentam diversos minerais satØlites típicos de rochas kimberlíticas. Assim como na regiªo de Diamantina, hÆ tambØm depósitos sedimentares terciÆrios e quaternÆrios, os quais, pela maior facilidade de extraçªo, sªo mais intensamente lavrados.
A quantidade de diamante nessas províncias varia segundo características geológicas responsÆveis pela concentraçªo do mineral em certas porçıes do sedimento ou da rocha sedimentar. Os diamantes lavrados no Conglomerado Sopa desde o sØculo passado tŒm, em mØdia, de 0,01 a 0,1 ct/m3 de rocha. Sªo teores muito baixos se comparados aos dos kimberlitos sul-africanos, que apresentam valores mØ-
Figura 2. Províncias diamantíferas de Minas Gerais – Espinhaço (I) e Alto Paranaíba (I) – e seus principais centros produtores: Diamantina (1), Grão Mogol (2), Jequitaí (3) e Coromandel (4)
Mineração aluvionar de diamantes no Rio Jequitinhonha, em Diamantina: grandes dragas da Mineração Rio Novo escavam o leito do rio giªo, muitas mineradoras tŒm feito intensas pesquisas na Ærea em funçªo da presença de diamantes em dezenas de rios e córregos, principalmente nas proximidades do município de Coromandel.
De grande importância para a geologia do diamante do Alto Paranaíba Ø a Formaçªo Uberaba, constituída de depósitos sedimentares do CretÆceo Superior (hÆ cerca de 100-65 milhıes de anos).
Esses depósitos de arenitos, conglomerados e tufos vulcânicos parecem ter se for- dios de atØ 6 ct/m3. Em depósitos de aluviªo recentes, como no Rio Jequitinhonha, as concentraçıes sªo ainda menores. Nesse local, a Mineraçªo Tejucana opera com ínfimos 0,008 ct/m3. Mas como o volume de material lavrÆvel Ø excepcionalmente grande, compensa investir na lavra mecanizada do depósito. Os diamantes da regiªo de Diamantina sªo em geral pequenos, com 0,3 ct em mØdia, sendo raras as pedras com mais de 10 ct.
No Alto Paranaíba, o conglomerado da Formaçªo Uberaba Ø lavrado desde 1888 na Mina de Romaria, com teores variÆveis entre 0,03 e 0,07 ct/m3. Outros corpos de conglomerado e tufos
junho de 1999 • CIÊNCIA HOJE • 27 vulcânicos tambØm jÆ foram lavrados nas proximidades de Coromandel. Deve-se, porØm, destacar a ocorrŒncia de grandes diamantes nessa regiªo. O maior deles, com 726 ct, encontrado no rio Santo Antônio do Bonito em 1938, era na Øpoca o quarto maior do mundo. Nesse mesmo rio foi encontrada em 1993 uma pedra com 602 ct, a segunda maior do Brasil, e em agosto de 1998, uma outra com 481 ct. Quase todo ano aparece um grande diamante nessa província, cujo padrªo de peso Ø muito maior que o da Serra do Espinhaço.
lógico, as pedras de boa qualidade sªo mais hialinas e apresentam baixas taxas de imperfeiçıes internas.
A fonte distante dos diamantes do Espinhaço
Os dados disponíveis indicam forte semelhança entre os diamantes aluvionares da regiªo do Alto Paranaíba e aqueles extraídos diretamente de kimberlitos e lamproítos. Demonstram ainda que as
Detalhe do conglomerado diamantífero Sopa, nas proximidades de Diamantina (MG)
Como o diamante Ø um mineral gemológico, seu preço Ø definido nªo só em funçªo do peso, mas principalmente de suas particularidades físicoquímicas. Em geral de excelente qualidade, as pedras da Serra do Espinhaço alcançam elevada cotaçªo no mercado. Na regiªo de Diamantina o preço do quilate gira em torno de US$ 150, podendo, em certas Æreas, alcançar atØ US$ 400. Como no Alto Paranaíba os diamantes tŒm baixa qualidade gemológica (apesar de maiores que os de Diamanti- na), os preços mØdios sªo infe-riores. Do ponto de vista gemo-
Seleçªo natural no mundo mineral
A partir da publicação do célebre Sobre a origem das espécies, de Charles Darwin, em 1859, o paradigma da seleção natural foi se tornando progressivamente aceito pela maioria dos pesquisadores do mundo animal e vegetal. No reino mineral, porém, o termo não é empregado, embora a ‘resistência’ de certas espécies seja uma evidência relatada cotidianamente por geólogos e mineralogistas em seu trabalho de prospecção.
O grau de resistência de um mineral ao longo do curso de um rio, por exemplo, dependerá diretamente de fatores inerentes às suas características físico-químicas. Durante o percurso, ele tenderá a pulverizar-se cada vez mais, e seu tempo de ‘vida’ varia em função de propriedades como composição química e estrutura cristalina, dureza, modo de clivagem e, sobretudo, pureza.

Os gemólogos relacionam pureza à freqüência de inclusões estranhas e/ou microfraturas no interior do mineral hospedeiro. Conseqüentemente, quanto mais impuro for um mineral, maior será sua tendência à pulverização em um meio de transporte ativo como o fluvial ou marinho. Não é por acaso que 9% da areia de praia se constituem de quartzo, uma estrutura rígida formada por tetraedros de SiO2 (dióxido de silício). O caso do diamante é particularíssimo. Além de sua estabilidade química, sua resistência ao desgaste físico e a fortes variações de temperatura e pressão faz com que, após desprender-se de sua rocha-matriz original, ele tenda a permanecer no registro geológico. Uma população de diamantes ou outro mineral com características físicas ‘perfeitas’ deve, portanto, indicar, em termos estatísticos, uma longa e complexa história, na qual o material mais resistente ficou preservado.
rochas-fonte daquela província estªo relativamente próximas umas das outras, podendo os trabalhos de prospecçªo que vŒm sendo feitos levar à descoberta de aparelhos vulcânicos mineralizados.
A fonte dos diamantes da Serra do Espinhaço, porØm, estÆ em local distante, e os minerais encontrados resultam de sucessivos processos de erosªo, transporte e nova deposiçªo. Como a Ærea alimentadora da sedimentaçªo da bacia do Espinhaço ficava a oeste, onde se estende o crÆton do Sªo Francisco, presumese que as desconhecidas rochas primÆrias estariam nessa regiªo. A identificaçªo de tais fontes, no entanto, Ø uma tarefa difícil, pois a Ærea foi recoberta por sedimentos marinhos do chamado Grupo Bambuí em período geológico posterior, hÆ aproximadamente 900-550 milhıes de anos. Durante o transporte do mineral do crÆton atØ os sítios onde se encontra hoje, certas formas foram sendo selecionadas, e a populaçªo
À esquerda, topo da borda norte da Serra do Cabral, na região de Jequitaí (MG), com restos de um conglomerado diamantífero do Cretáceo Inferior. À direita, nas encostas da serra, garimpeiros exploram diamante de cristais de qualidade gemológica se multiplicou.
Como mostra a figura 3A, a intrusªo dos kimberlitos e lamproítos ocorreu antes da formaçªo da bacia do Espinhaço, em profundidades compatíveis com a curva de estabilidade das espØ- cies de carbono, grafita (G) e diamante (D). A erosªo das chaminØs (figura 3B) e o conseqüente assentamento de depósitos aluvionares perifØricos sªo atestados hoje pela presença de seixos de um conglomerado mais antigo dentro do Conglomerado Sopa. Com a implantaçªo da paleobacia do Espinhaço (figura 3C), ocorreu a primeira fase de deposiçªo dos diamantes, posteriormente redistribuídos na própria bacia atØ a formaçªo dos sedimentos fluviais que deram origem àquele conglomerado (figura 3D).
Movimentos tectônicos ocorridos no final do PrØ-Cambriano causaram dobramentos na crosta terrestre. Após um longo período, em que o relevo pouco se alterou em conseqüŒncia da separaçªo continental entre a AmØrica do Sul
Figura 3. História evolutiva do diamante da Serra do Espinhaço durante o Proterozóico, desde a geração das rochas-fonte até a deposição do Conglomerado Sopa

A intrusão diamantífera Abel Régis (Carmo do Paranaíba, MG)

A intrusão diamantífera Abel Régis (Carmo do Paranaíba, MG): kimberlito ou lamproíto?

(The diamond-bearing Abel Régis intrusion (Carmo do Paranaíba, MG): kimberlite or lamproite?)





Resumo
Centenas de intrusões de natureza kimberlítica ou relacionadas são conhecidas na Província Diamantífera do Alto Paranaíba, em Minas Gerais e Goiás. O pipe Abel Régis, localizado em Carmo do Paranaíba e descoberto pela De Beers na década de 1970, é um desses corpos, que tem sido, em geral, considerado como um kimberlito. Na área da intrusão, ocorrem metassedimentos neoproterozóicos do Grupo Bambuí, os quais são atravessados pelo pipe cretácico (?) de forma superficial aproximadamente circular, com cerca de 1.400 m de diâmetro. Foram distinguidas diversas fácies petrográficas no corpo, que é um dos poucos de toda a província mineral onde encontram-se preservadas feições da zona de cratera. Como o acervo de informações pré-existentes não era esclarecedor quanto à mineralogia de tal corpo, efetuaram-se também estudos com microssonda eletrônica, os quais demonstraram significativas mudanças quanto ao até então admitido. As mais importantes foram: predomínio local de Cr-espinélio sobre ilmenita entre os minerais indicadores, ilmenitas pouco magnesianas e presença abundante do K-feldspato sanidina. Essas características, somadas ao aspecto em forma de taça apresentado pelo corpo, permitem sugerir, em princípio, que a intrusão Abel Régis possa ser de natureza lamproítica.
Palavras-chave: Diamante, kimberlito, lamproíto, intrusão Abel Régis.

Abstract
Hundreds of kimberlite or related intrusions are known in the Alto Paranaíba Diamondiferous Province, in the states of Minas Gerais and Goiás. The Abel Régis intrusion, located in Carmo do Paranaíba county is one of these bodies that was discovered in the 1970´s by De Beers, and has generally been recognized as kimberlite. Neoproterozoic metasedimentary rocks of the Bambuí Group are found in the intrusion area. These rocks are cut by the Cretaceous(?) body outcropping as a nearly circular section with 1,400 m in diameter. Distinct petrographic facies, including crater facies, can be recognized in the body. As the previous data was not informative about the mineralogical features of the intrusion, studies were also performed with electron microprobe, which indicated significant changes in relation to the allowed concepts. The most important were: the local predominance of Cr-spinel in relation to ilmenite, Mg-poor ilmenites, and an abundant presence of the K-feldspar sanidine. These characteristics, added to the cup-shaped body, point out that the Abel Régis intrusion could probably present a lamproitic affinity.
Keywords: Diamond, kimberlite, lamproite, Abel Régis intrusion.



1. Introdução
Na atualidade, centenas de intrusões de natureza kimberlítica ou parentais são conhecidas na Província Diamantífera do Alto Paranaíba, em Minas Gerais e regiões contíguas de Goiás, especialmente na faixa NW-SE, que abrange os municípios mineiros de Monte Carmelo, Abadia dos Dourados, Coromandel, Patos de Minas e Carmo do Paranaíba. Embora depósitos diamantíferos aluvionares tenham sido descobertos no país nos primórdios do século XVIII, somente no final da década de 1960 iniciou-se a pesquisa sistemática de rochas fontes primárias pelo BRGM, órgão estatal francês de mineração. Através de sua subsidiária brasileira, a SOPEMI (mais tarde encampada pelo grupo minerador sul-africano De Beers), essa empresa identificou os primeiros pipes kimberlíticos na bacia do Rio Santo Inácio, em Coromandel, onde depósitos secundários eram lavrados desde inícios do século XX.
Na Província do Alto Paranaíba, logo dezenas de outros corpos foram identificados e pesquisados. Além disso, uma outra província diamantífera foi descoberta pela SOPEMI, cerca de 200 km a sudeste da anterior, designada de Província da Serra da Canastra. Tais pesquisas levaram à definição de alguns pipes mineralizados a baixo teor, bem como ao primeiro depósito primário no país com reservas economicamente viáveis, o kimberlito Canastra-1 (Chaves et al., 2008). A Província do Alto Paranaíba abrange uma superfície com pelo menos 30.000 km². Nesse contexto, em diversos corpos onde a mineralização foi anunciada, os seus potenciais econômicos permanecem de conhecimento exclusivo das companhias portadoras dos direitos minerários, e, assim, o relacionamento entre as intrusões com os diamantes aluvionares ainda não está perfeitamente estabelecido na região como um todo.
O "kimberlito" Abel Régis constitui um desses casos. Ele foi descoberto na década de 1970 e, do mesmo modo que a maioria das intrusões da região, foi classificado como um kimberlito (Read et al., 2004; La Terra, 2006; La Terra et al., 2006), embora esses trabalhos careçam de dados geoquímicos e/ou mineralógicos pertinentes. Informações adicionais obtidas em campo revelam ainda que o corpo tem produzido regularmente microdiamantes, amostrados com o programa de sondagens efetuado (Geólogo Ricardo Prates, inf. verbal, 2007). Através do levantamento detalhado do corpo (1:5.000), que determinou sua geologia e as fácies petrográficas típicas, bem como amostragem dos principais minerais indicadores visando a detectar aspectos mineraloquímicos em análises com microssonda eletrônica, observou-se que as pesquisas anteriores foram insatisfatórias na caracterização da tipologia da rocha, levando a uma proposta de redefinição da mesma no presente artigo.

2. Localização, breve histórico e síntese geológica
A intrusão está localizada cerca de 12 km WNW da sede da cidade de Carmo do Paranaíba, meio-oeste de Minas Gerais. O centróide aproximado do corpo está em (GPS) 349400N/7901500E, zona 23 e datum Córrego Alegre (Figura 1). Na década de 1970, quando a SOPEMI (Grupo De Beers) descobriu alguns de seus afloramentos através de rastreamento de minerais indicadores e prospecção geofísica por magnetometria, eles foram designados como Abel Régis, Sucesso-1 e Sucesso-2, admitindo-se, na ocasião, a existência de três blows independentes. O primeiro nome foi tirado do proprietário da fazenda, cuja sede localiza-se no interior da intrusão.
Novas pesquisas efetuadas pela Parimá Mineração, na década de 1990, rebatizaram tais blows como Régis-1, Régis-2 e Régis-3; os dois primeiros recentemente integrados em um só corpo (Régis) pela SAMSUL Mineração a partir de dados aerogeofísicos. Essa última etapa de pesquisas incluiu seis furos de sonda rotativa, dois deles (na porção central da intrusão) recuperando microdiamantes (MD): um com 316 m de profundidade amostrou 129 MD e outro, com 251 m, amostrou 20 MD (Geólogo Ricardo Prates, inf. verbal, 2007). Doravante, a intrusão será designada conforme sua caracterização original pela SOPEMI - "Abel Régis'.
A geologia da região compreende principalmente siltitos, argilitos e diamictitos do Grupo Bambuí, de idade neoproterozóica, nos quais a intrusão encontra-se na maior parte hospedada (Seer et al., 1989; Signorelli et al., 2003; Tuller & Silva, 2003). Sobre o Grupo Bambuí, ocorrem arenitos e conglomerados do Grupo Areado (Cretáceo Inferior) além de rochas tufáceas do Grupo Mata da Corda (Cretáceo Superior). Em termos geotectônicos, o pipe está localizado nas proximidades da margem oeste do Cráton do São Francisco (Figura 1); inexistem datações divulgadas sobre o mesmo, embora outros situados nessa província diamantífera sejam datados no Eocretáceo (Svisero et al., 1983; Pereira & Fuck, 2005).

3. Aspectos geológicos da intrusão Abel Régis

A intrusão possui forma superficial aproximadamente circular com cerca de 1.400 m de diâmetro (±140 ha de área), conforme o levantamento em escala de detalhe efetuado (Figura 2). La Terra (2006) e La Terra et al. (2006) determinaram com metodologia CSAMT (controlled-source audiomagnetotellurics) o comportamento em subsuperfície do corpo, constituindo uma das raras intrusões dessa natureza no país que já foram pesquisadas com tal detalhe, tendo seus resultados divulgados. Através de duas perfilagens N-S e uma perfilagem E-W (posição dos perfis na Figura 2), obteve-se um modelamento em duas dimensões para o pipe até cerca de 300 m de profundidade (Figura 3-A), onde se configura a aparente presença de somente um conduto vulcânico. Pela comparação das formas típicas de pipes kimberlíticos e lamproíticos (Figura 3-B e C), denota-se uma forte semelhança morfológica com o segundo tipo litológico.




Embora a maioria dos afloramentos encontre-se em adiantado estado de intemperização, foram identificadas quatro fácies petrográficas (Figura 2): (1) A fácies dominante, presente em cerca de 60% da exposição e de modo característico em suas bordas, consiste em uma brecha vulcânica compacta e pouco selecionada; (2) Localizada preferencialmente na porção centro-sul da intrusão, possuindo em torno de 30% de expressão areal, aparece uma fácies de tufos, finos até grossos, argilitizados e ricos em minerais indicadores; (3) Uma terceira fácies, de brecha grossa, é observada no bordo oeste e sudoeste do corpo, com cerca de 8% de domínio de superfície, constituindo uma zona com abundância de xenólitos crustais (principalmente quartzito e metassiltito), com blocos de material silexficado (parede da intrusão?) dispersos na superfície; (4) De ocorrência restrita a pequeno setor ao norte da intrusão (~2% de expressão areal) ocorre uma fácies de tufo acamadado, com material piroclástico (lapilli) associado.
A intrusão é uma das poucas de toda província onde ainda encontram-se preservadas feições da zona de cratera. O conduto superior de uma intrusão é de difícil preservação, por apresentar composição de material tufáceo ultrabásico que sob condições exógenas é rapidamente erodido. As crateras exibem estrutura em funil resultante de seu colapso, preenchida por sedimentos estratificados, remobilizados do próprio pipe.

4. Mineraloquímica das principais fases indicadoras
Amostragens para caracterização da mineraloquímica das mais importantes fases indicadoras do diamante foram efetuadas em três locais, duas sobre a fácies da brecha de borda e uma sobre a fácies de tufos (central), compreendendo 30 kg em cada ponto (Figura 2). Para o procedimento de coleta desses minerais, foi dada preferência aos trechos de miniravinamento sobre o corpo, onde o fator de concentração dos pesados deve chegar a pelo menos 10 vezes o da rocha, pela simples observação visual. Análises com microssonda eletrônica foram efetuadas sobre granadas, diopsídio, ilmenita e espinélio (LMA - Dep. de Física/ICEX-UFMG). No total, analisaram-se 128 grãos; em cada grão foram realizados 4 pontos de medição.
As granadas, todas identificadas do tipo piropo, foram separadas segundo distintas colorações: púrpura (29 grãos), vermelha (28 grãos) e alaranjada (21 grãos). Em geral, os dados químicos mostraram-se bastante semelhantes entre esses três tipos, não se verificando relação entre granadas de cor púrpura com maior concentração de Cr2O3, como recentemente Chaves et al. (2008) reconheceram no kimberlito Canastra-1 (São Roque de Minas).
As composições CaO x Cr2O3, para separação entre granadas de diferentes tendências químicas são apresentadas na Figura 4, onde se destaca uma população fortemente concentrada no trend G4-G5-G9 (campos mineraloquímicos conforme Grütter et al., 2004). Esses campos, em geral, caracterizam intrusões com teores desprezíveis ou inférteis em diamantes (Dawson & Stephens, 1975; Grütter et al., 2004).


Segundo Mitchell e Bergman (1991), as composições dos clinopiroxênios não servem para diferenciar claramente kimberlitos do grupo II de lamproítos. Entretanto Mitchell (1986) fornece uma tabela com duas médias de composições de diopsídios derivados de kimberlitos do grupo II, com conteúdos de CaO por volta de 25% (Tabela 1), muito diferentes das médias encontradas na intrusão Abel Régis e, por exemplo, no lamproíto "clássico" de Leucite Hills (EUA). Ressaltem-se, ainda, os conteúdos de Cr2O3 desse mineral na intrusão estudada, bastante elevados, seja para lamproítos, seja para kimberlitos do grupo II.
Um outro aspecto mineralógico interessante diz respeito à relativa maior abundância de Cr-espinélio (cromita) sobre ilmenita na fácies de tufos, de ocorrência incomum em kimberlitos (Mitchell, 1986). Normalmente, espinélios de kimberlitos e lamproítos seguem dois trends mineraloquímicos distintos, ambos representados nas amostras do corpo Abel Régis (Tabela 2). Cromitas associadas com diamante possuem altos conteúdos de Cr2O3 e MgO, respectivamente maiores do que 62% e 12% em média, além de depleção em TiO2 (Dong & Zhou, 1980; Gurney & Moore, 1991). Dois grãos analisados do mineral revelaram tais características, sendo fortes evidências de material de manto superior, provavelmente relacionados com a presença de (micro) diamantes.
As ilmenitas de kimberlitos, em geral, possuem um característico alto conteúdo de MgO, que pode alcançar até próximo de 25% (Mitchell, 1986), enquanto as de lamproítos tendem a apresentar valores mais baixos desse óxido (Mitchell & Bergman, 1991). A média de ±7,5% reconhecida na intrusão Abel Régis, compara-se à de lamproítos australianos (Tabela 3). Em adição, observam-se, também, nessa tabela, as semelhanças notáveis dos valores de FeO e MgO do mineral em lamproítos em comparação aos dados analisados no corpo Abel Régis.
Nos três pontos amostrados, observaram-se, com relativa abundância, grãos (com até cerca de 1 mm de diâmetro) de um mineral esbranquiçado-leitoso, de forma esférica ou semi-esférica, identificado com difração de raios X como sanidina. Esse mineral, analisado posteriormente com microssonda eletrônica (ponto REG), apresentou semelhança química muito forte com espécimes descritos nos lamproítos de Leucite Hills (EUA), Kapamba (Zâmbia) e West Kimberley (Austrália) (Tabela 4).
O zircão foi observado sobretudo no ponto SUC, identificado através de análises com EDS. Apresenta-se em prismas tabulares euédricos a subédricos, de coloração incolor-amarelada, sendo que o maior cristal encontrado alcançou o notável comprimento de 0,5 cm.

5. Discussões sobre a morfologia do corpo e sua química mineral
Algumas considerações devem ser destacadas sobre a intrusão Abel Régis:
  • Sua forma muito alargada em superfície, com cerca de 1,4 km de diâmetro, é contrária à da grande maioria dos kimberlitos da mesma região (p. ex., Svisero et al., 1983, 1986; Pasin, 2003; Chaves, 2008; Chaves et al., 2008).
  • Seu curto espaço de afunilamento em subsuperfície, demonstrado pela modelagem geofísica, permite o reconhecimento de uma forma típica "de taça".
  • A relativa abundância de espinélio sobre ilmenita; o primeiro mineral é um indicador somente acessório na maioria dos kimberlitos.
  • A mineraloquímica dos indicadores, notadamente diopsídio e ilmenita, de grande semelhança com espécimes já descritos em lamproítos.
  • A presença do K-feldspato sanidina. Intrusões kimberlíticas são notoriamente pobres em minerais potássicos, os quais caracterizam as lamproíticas. Esses aspectos, integrados, permitem sugerir que a intrusão estudada possua uma afinidade lamproítica, embora, inibidora a tal aspecto, destaca-se a presença de granadas piropo, incomuns em lamproítos (Mitchell & Bergman, 1991).

    6. Considerações finais
    Embora rochas kimberlíticas sejam conhecidas no país desde a década de 1960, ainda são escassos os estudos a respeito das centenas de intrusões que ocorrem na porção sul do Cráton do São Francisco, em Minas Gerais e imediações. Na realidade, todos os corpos conhecidos até a década de 1990 eram descritos indiscriminadamente como kimberlitos. Depois da descoberta do lamproíto diamantífero de Argyle (Austrália), diversos questionamentos foram levantados e deste modo muitas das intrusões conhecidas foram reinterpretadas como kamafugitos ou mesmo lamproítos.
    No presente estudo, o conjunto de informações apresentado sugere fortemente uma mudança no status da tipologia da intrusão Abel Régis, de kimberlítica para lamproítica. Os dados quanto à morfologia do pipe e seus principais aspectos mineralógicos coadunam com tal hipótese. Embora ocorram diversos afloramentos expostos na superfície, todos eles apresentam-se bastante intemperizados, prejudicando estudos geoquímicos na rocha que poderiam consolidar essa nova interpretação. Nesse sentido, está-se tentando, junto a SAMSUL Mineração, a obtenção de amostras de testemunhos de sondagem, no sentido de se efetuarem as análises pertinentes.
  • Cinzas humanas podem virar diamantes

    Cinzas humanas podem virar diamantes

    Com carbono das cinzas, crematório realiza processo para convertê-lo em joia


    Editora Globo
    Ao submeter o carbono das cinzas à alta pressão e temperatura de 1500 ºC é possível obter um diamante/ Crédito: Divulgação
    Quando a família opta por cremar o corpo do ente querido, algumas formas são utilizadas para eternizá-lo. Algumas pessoas lançam as cinzas ao mar, em plantas, em quadros e até no espaço. Além dessas práticas, também é possível homenagear o parente transformando suas cinzas em diamante.
    A idade das cinzas não é relevante para a síntese da joia e com 500 gramas já é possível fabricar um diamante. O processo submete o carbono das cinzas a altas pressões e a uma temperatura de até 1.500 ºC. Em um primeiro momento, elas se transformam em grafite, para em seguida, atingirem o estágio de cristais de diamante. Na natureza, o mesmo processo levaria milhões de anos, já neste método sintético necessita de três a seis semanas para ficar pronto.
    O custo da homenagem varia de R$8,5 mil, se for um diamante pequeno e in natura; podendo chegar a R$62 mil, caso tenha maior quilate e seja lapidado. O item pode ser colocado em anéis, colares e pulseiras. Pode-se escolher o formato (coração, quadrado e brilhante) e também é possível fazer uma inscrição na joia, que poderá ser vista com uma lente. O processo é realizado com exclusividade no Brasil pelo Crematório Vaticano, em parceria com a empresa suíça Algordanza. O crematório afirma que ainda não é possível fabricar o diamante com cinzas de animais de estimação.

    Para onde vão nossos diamantes

    Para onde vão nossos diamantes
    Por que o Brasil deixa a maior jazida de diamantes do país, na terra dos índios cintas-largas, entregue aos contrabandistas?
    Juliana Arini, De Cacoal (Ro)
    "Sempre que uma grande riqueza é descoberta, um banho de sangue acontece." Essa é a frase de abertura do filme Diamante de Sangue, que colocou em evidência o tortuoso caminho percorrido pelas pedras retiradas de países em guerra até as joalherias mais finas. No cinema, o ator Leonardo DiCaprio interpreta um mercenário que troca diamantes por armas para as milícias em Serra Leoa, na África da década de 90. O filme impressiona, e até revolta, mas a tragédia dos diamantes também está do lado de cá do Atlântico. Na Amazônia, garimpeiros, contrabandistas internacionais e atravessadores - como o mercenário interpretado por DiCaprio - voltaram a explorar ilegalmente a maior jazida de diamantes do Brasil.
    Desde janeiro, quatro máquinas retroescavadeiras removem a terra vermelha do garimpo do Laje, situado na terra indígena dos cintas-largas, em Rondônia. A cratera aberta pelas máquinas já possui cerca de 10 quilômetros de perímetro. A exploração de diamantes na região deveria estar suspensa desde 2004, quando o massacre de 29 garimpeiros chocou o mundo. Mas nem a presença da Polícia Federal consegue evitar novas invasões na área indígena.


    RIQUEZA?
    Cratera aberta pelo garimpo e criança cinta-larga com arco-e-flecha.
    Os diamantes não ajudam os índios - nem o país
    O que se diz da jazida de Laje lembra os antigos mitos de Eldorado amazônico. Segundo Luís Paulo Barreto, secretário-executivo do Ministério da Justiça, pesquisas geológicas feitas por duas multinacionais da mineração indicam a presença de 15 formações rochosas vulcânicas de onde saem os diamantes, chamadas kimberlitos. Isso seria três vezes mais que as principais jazidas da África do Sul e Botsuana, os maiores produtores mundiais de diamantes. Mas todo esse potencial nacional está desperdiçado. Estima-se que o garimpo desordenado e ilegal consiga tirar cerca de R$ 100 milhões por ano de Laje. Se fosse uma mineração com recursos industriais, seria possível extrair rochas mais profundas e retirar até R$ 3 bilhões por ano.
    Essa quantia seria capaz de sacudir o mercado global de diamantes, que hoje movimenta cerca de US$ 10 bilhões por ano, ou R$ 21 bilhões. O comércio mundial é dominado pela empresa multinacional De Beers, sediada na África do Sul. A De Beers, da família sul-africana Oppenheimer, possui minas em Botsuana, Zaire, Austrália e Canadá. Também compra a produção de outros países. Em seus cofres, estima-se que estejam 40% dos diamantes extraídos no mundo. Toda segunda-feira, a operadora de vendas da De Beers, a Central Selling Organization, reúne os grandes negociantes das pedras em s Londres. É ali que a De Beers avalia como está o preço internacional dos diamantes e decide quantas e quais pedras vai lançar no mercado. Sua decisão regula o valor internacional dos quilates de diamantes. Hoje, 1 quilate (equivalente a 0,2 grama) de uma pedra de boa qualidade vale US$ 1 mil. Da reserva dos cintas-largas, já saiu um raro diamante-rosa que teria sido vendido por R$ 7 milhões no mercado negro.
    O Brasil já foi o maior produtor mundial de diamantes entre os séculos XVIII e XIX. Com o declínio da exploração artesanal em Minas Gerais, o país perdeu posição para os grandes produtores africanos, da De Beers. Hoje, o Brasil exporta apenas R$ 60 milhões por ano. Está fora do time dos grandes produtores: Botsuana, África do Sul, Canadá, Rússia, Índia e Austrália. A perspectiva de legalização das jazidas das terras dos cintas-largas poderia colocar o país entre os três maiores produtores mundiais.


    Esse enorme potencial de riqueza, até agora, só tem trazido calamidades, como ilustra a história do cacique João Bravo, que controla a área indígena onde fica o garimpo. Com 60 anos, o cacique é o que os antropólogos consideram um órfão de contato. Ele é um dos cintas-largas que perderam todos os parentes com a chegada de invasores brancos, entre os anos 60 e 70. O primeiro contato dos cintas-largas com os brancos aconteceu por meio dos garimpeiros. João Bravo conta que, antes de ser cacique, vivia na região do Rio Aripuanã, em Mato Grosso. Nessa época, os cintas-largas ainda estavam isolados na floresta. Eram exímios caçadores e temidos guerreiros canibais. De acordo com Bravo, a vida na floresta só era possível por causa de um intenso treinamento que começava aos 10 anos de idade. "Ficávamos durante toda a manhã passando frio debaixo das cachoeiras", diz. "Depois, todo mundo tinha de ir caçar ou morria de fome", afirma o cacique. Essa vida mudou com a chegada dos primeiros garimpeiros e seringueiros. "Primeiro, mataram as crianças que brincavam no rio", diz Bravo. "Depois, invadiram as aldeias atirando em todo mundo." Quase todos os caciques da região também são órfãos de contato e perderam seus pais e irmãos de forma semelhante. "Lembro de ter ficado semanas caído no chão. Estávamos tão doentes que víamos nossa família morrer e não podíamos fazer nada", afirma Oita Matina, outro dos líderes da terra indígena. As chacinas e epidemias de gripes trazidas pelos invasores reduziram a população de mais de 10 mil cintas-largas para 1.300 indivíduos. A pior matança ocorreu em 1963 e ficou conhecida como o Massacre do Paralelo Onze. O inquérito policial do caso relata que dinamites foram jogadas nas aldeias para dispersar os índios para a floresta, onde eram surpreendidos por pistoleiros. "Tudo explodia. Nós ficávamos tentando flechar os aviões", diz João Bravo. Durante o massacre, uma índia foi pendurada pelo pé e esquartejada viva.
    Depois de tentar a guerra contra os brancos, os cintas-largas decidiram, na metade da década de 70, entrar em acordo com os garimpeiros e invasores. João Bravo foi um dos que visitaram as cidades próximas às aldeias para distribuir colares de presente para a população. Em 1974, a Funai demarcou o território. Em menos de 30 anos de convívio com o mundo civilizado, os cintas-largas tiveram de aprender a falar português, dirigir carros e lidar com dinheiro. Muitos ainda não dominam nenhuma dessas habilidades. Donos de um território de 2,7 milhões de hectares, grande parte das mulheres, crianças e velhos ainda compreende apenas o tupi-mondé, a língua tradicional da etnia. João Bravo fala um português limitado e sua caminhonete vive amassada por batidas. Seus filhos estudam até o ensino fundamental, mas ainda passam pelo treinamento de guerreiro - não mais para lutar com outras tribos, mas para formar a milícia que toma conta do garimpo. As meninas se casam antes dos 15 anos, geralmente com os tios, em uma teia social na qual o dono da casa exerce o papel central. Um cinta-larga poderoso chega a ter várias esposas de uma só vez. João Bravo tem cinco mulheres.
    O garimpo de mais de três décadas atingiu seu auge em 1999, quando milhares de aventureiros chegaram de vários cantos do país, atraídos pela "fofoca do diamante". Os índios incorporaram o garimpo em seu modo de vida. "Decidimos controlar a área. Senão os brancos entravam e roubavam tudo", diz João Bravo. A situação saiu do controle em 2004, quando 5 mil garimpeiros circulavam no Laje. Qualquer aventureiro queria entrar na reserva. Até que a chacina de 29 garimpeiros ganhou as manchetes nacionais. Os índios são os principais acusados. Depois das mortes, mais seis pessoas foram assassinadas na região, entre índios, contrabandistas e garimpeiros. A polícia estima que outros 20 estejam desaparecidos. Para tentar conter o conflito, o governo federal interditou a região em 2004 e proibiu o garimpo em qualquer terra indígena do país.
    DINHEIRO
    O cacique João Bravo (à dir.) controla a terra onde estão os diamantes.
    À esquerda, jipes apreendidos dos índios por dívidas e irregularidades

    A Polícia Federal tem seis bases fixas na região, batizadas de Operação Roosevelt. Mas nem a intervenção do governo federal consegue conter a corrida pelos diamantes. Cerca de 500 homens - entre índios e garimpeiros - transitam no local. Jatos de água derrubam o barranco e outras máquinas separam o cascalho dos diamantes. O lucro é dividido entre os garimpeiros proprietários das máquinas e os caciques. Cerca de 6% são distribuídos entre os garimpeiros pobres, índios mais jovens e as cozinheiras dos acampamentos. A matemática seria boa, mas os índios alegam ter sido roubados com freqüência por atravessadores de diamantes. Na semana passada, um dos filhos de João Bravo, Raimundinho, acusou um suposto vendedor de levar 700 quilates de diamantes, no valor de R$ 600 mil, dos cintas-largas. Segundo a polícia, o contrabandista teria se oferecido para vender as pedras em Cuiabá e desapareceu.
    A exploração industrial
    em Rondônia faria do Brasil um dos maiores produtores mundiais
    de diamante
    Se a jazida das terras dos cintas-largas fosse legalizada, ela poderia gerar algo em torno de R$ 6 milhões por mês de impostos. Além da evasão de divisas, a situação ilegal do Laje atrai máfias internacionais. Investigações do Ministério Público e da Polícia Federal revelam que quadrilhas s do Líbano, Serra Leoa e Bélgica são responsáveis pelo contrabando dos diamantes da terra indígena. Segundo investigações do Ministério Público de Minas Gerais, os diamantes podem estar sendo usados para patrocinar tráfico de drogas e terrorismo.

    Uma das conseqüências da atividade ilícita é a ligação dos índios com esse crime organizado. Devido ao contato com os atravessadores de pedras, 13 cintas-largas estão indiciados por formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e contrabando. De acordo com o Estatuto do Índio e a Constituição Federal, as riquezas do subsolo podem ser extraídas pelas nações indígenas quando localizadas em suas terras homologadas. Mas, como a garimpagem em terras indígenas está suspensa pelo decreto de 2004, os índios passaram a viver uma situação marginal em seu próprio território.  O envolvimento dos índios agora é financeiro. Nos tempos do auge do diamante, em 2002, alguns caciques compraram casas na região e carros importados. Cercados por ajudantes, contratados na forma de motoristas brancos, os índios selaram amizade com os atravessadores de diamantes. Muitas máquinas de garimpo e carros foram comprados no nome desses terceiros. Mas, por causa das dívidas, a maioria perdeu todos os bens. Um depósito da Polícia Federal guarda cerca de 50 caminhonetes Toyotas apreendidas de índios cintas-largas, a maioria por dívidas não quitadas. Um levantamento do Ministério Público Federal (MPF) de Rondônia apontou que os índios devem na região cerca de R$ 700 mil.


    GUERRA
    DiCaprio interpreta um atravessador de diamantes em Serra Leoa. As mesmas quadrilhas atuam aqui
    PRÓSPEROS Tratores retiram diamantes do território indígena, no Canadá. A exploração organizada rende empregos e participação nos lucros
    Apesar dos problemas trazidos pelo garimpo ilegal, hoje não há uma estratégia realista para enfrentá-lo. A mera proibição, mesmo com a presença da Polícia Federal, não tem se mostrado eficaz. Um emaranhado de estradas clandestinas desenha um labirinto de lama na floresta. A fiscalização fica impossível. "É um jogo de gato e rato", afirma o delegado da Polícia Federal, Rodrigo Carvalho. Grande parte dos 2,7 milhões de hectares da floresta que envolvem a jazida de diamantes está praticamente intacta. Aventurar-se na região é perigoso. Onças, malária e cerca de 90 índios guerreiros armados com flechas e metralhadoras são apenas alguns dos obstáculos. Mesmo com os riscos, garimpeiros ainda sonham em colocar os pés no Laje. "Se puder entrar lá novamente, eu vou. Os diamantes compensam", diz o garimpeiro Antônio Rosa de Carvalho, o Goiano, um dos sobreviventes do massacre de 2004.



    CONTRABANDO
    Diamante apreendido pela polícia em 2006
    Regulamentar a extração de diamantes parece ser um dos poucos caminhos possíveis para resolver o conflito na terra cinta-larga. Os índios têm direito constitucional sobre as riquezas minerais de seu subsolo. O problema é como explorar o recurso. Existem vários projetos de leis para isso. A mais antiga tentativa de regularizar a questão é um complemento do Estatuto do Índio, que aguarda desde 1991 para ser votado. Ele permitiria a exploração com repasse de parte dos lucros para os índios. Outra proposta, do senador de Roraima, Romero Jucá, foi aprovada no Senado Federal e espera apenas passar pela Câmara dos Deputados. Prevê a exploração sem pagar nada aos índios. Uma terceira proposta, criada após o massacre de 2004, é um meio-termo: prevê repasse aos índios, mas com limites. "Em março, iremos nos reunir com os representantes de várias etnias indígenas em Manaus para um acordo", diz Barreto, do Ministério da Justiça. Um exemplo de como a exploração de diamantes pode ser bem administrada, é o caso do Canadá. Em 1991, os canadenses regulamentaram a extração de diamantes no território dos povos dene e inuit. O país se tornou o terceiro maior produtor de diamantes do mundo. As comunidades indígenas que participam da iniciativa enfrentam problemas, como o aumento do consumo de drogas. Mas cerca de 40% dos índios trabalham com as mineradoras que estão na região. Alguns são geólogos ou lapidadores. E as aldeias ganham cerca de 20% do faturamento das jazidas. Essa seria a melhor opção para o Brasil. A outra opção é atolar na violência, como Serra Leoa.


     

    OS EFEITOS DA EXPLORAÇÃO ILEGAL
    Sobre os índios
    • Massacre
    Desde o início da entrada de garimpeiros na região, em 1963, doenças e chacinas reduziram a população cinta-larga a 1.300 pessoas, menos de 10% do original
    • Doenças
    Hoje, cerca de 30% dos índios cintas-largas estão com diabetes. A ingestão de alimentos industrializados trazidos com o garimpo é a principal causa da doença

    • Corrupção de valores
    A venda ilegal dos diamantes empurra os índios para a criminalidade. Treze cintas-largas estão indiciados por homicídio, formação de quadrilha e contrabando

    Para o país
    • Evasão de divisas
    A Polícia Federal estima que R$ 100 milhões em diamantes são retirados de forma ilegal por ano
    • Crime organizado
    Sem opção legal, os diamantes são vendidos por quadrilhas internacionais, ligadas ao narcotráfico e até ao terrorismo. Menos de 5% são recuperados

    O que poderíamos ganhar com a regularização
    • Produção de riquezas
    A mineração industrial dos diamantes de Rondônia poderia produzir R$ 3 bilhões por ano
    • Impostos
    Esse valor poderia render anualmente até R$ 6 milhões somente em tributos federais. O valor aumentaria com os tributos trabalhistas estaduais e municipais

    • Distribuição de benefícios
    Cerca de 2% do lucro da produção iria para as comunidades locais. Isso reduziria a pobreza na região