Saiba mais sobre a primeira mina de ouro do Brasil
O pico do Jaraguá, na zona oeste de São Paulo, já
foi o lugar que recebeu as antenas de TV da cidade. Muito antes disso,
era o cenário da primeira mina de ouro do Brasil colônia. A exploração
do minério chegou ao extremo sul do país quase dois séculos antes de
descobrirem metais preciosos e diamantes na futura Minas Gerais
A busca pelo ouro e outras riquezas minerais norteou as
primeiras aventuras ibéricas no Novo Mundo. Na carta enviada ao rei de
Portugal informando sobre o descobrimento do Brasil, Pero Vaz de Caminha
lamentava o fato de não ter encontrado ouro ou prata nas novas terras.
Anos depois, o governador-geral Martim Afonso de Sousa enviou expedições
mata adentro em busca de metais e pedras preciosas. Sem sucesso. Mais
sorte deram os espanhóis, que acharam prata no Peru, em 1545. No Brasil,
as boas notícias só começaram após o início da colonização do planalto.
As primeiras descobertas de ouro não foram em Minas Gerais, mas no Pico
do Jaraguá, em São Paulo. Conhecido por ser o ponto mais alto da região
metropolitana, com 1 135 m de altitude (o que justifica as antigas
antenas de televisão espetadas no cume), hoje as pessoas escalam o morro
em busca de um mirante para ver a paisagem da capital paulista. No
final do século 16, porém, elas eram atraídas por outra beleza: a do
ouro.

Muito
antes do ciclo do ouro ocorrido em Minas Gerais, no século 18, o
Jaraguá atiçava a cobiça dos mineradores por abrigar jazidas do minério.
Não só ali, mas em outros pontos da atual Grande São Paulo, como a
Serra da Cantareira, Guarulhos e Santana de Parnaíba. No Ribeirão das
Lavras, região onde séculos depois seria construído o Aeroporto
Internacional de Guarulhos (Cumbica), havia um garimpo que funcionou até
o século 19. Depois, os exploradores foram descendo pelo Vale do
Ribeira em direção a Paranaguá, no Paraná, e ao norte catarinense. "Onde
havia aldeias de índios geralmente havia ouro por perto", explica o
arquiteto e historiador Nestor Goulart Reis, professor titular da
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, que catalogou 150 minas de
ouro localizadas entre São Paulo e o norte de Santa Catarina. Para dar
conta da movimentação e evitar a sonegação de impostos, no final do
século 17, havia três casas de fundição nas capitanias do sul: em São
Paulo, Iguape e Paranaguá. Fundadas pela Coroa portuguesa, as casas de
fundição eram as responsáveis pela cobrança do "quinto" ¿ o imposto
sobre a mineração do ouro. Apenas em terras paulistas foram extraídas 4
650 arrobas de ouro entre 1600 e 1820. É pouco se comparadas às 35,8 mil
arrobas produzidas em Minas Gerais entre 1700 e 1820. Mas, se não
ganharam em quantidade, os paulistas podem se orgulhar de abrigar as
primeiras minas para a exploração do minério na colônia.
"A
mineração no Brasil começou em São Paulo, e não em Minas Gerais",
explica Goulart Reis. Os primeiros registros sobre o minério começaram
logo após a fundação de São Vicente, em 1532. Em cartas à Lisboa, os
padres jesuítas relatavam a existência da "itaberaba" (pedra que brilha,
em tupi), que os índios traziam do planalto para o litoral. O corsário
inglês Thomaz Cavendish, que atacou São Vicente em 1588 e 1591, teria
recebido "itaberabas" que os índios trouxeram da Mutinga, local junto ao
Rio Tietê, próximo do Morro do Jaraguá. Registros mais consistentes
surgiram entre o fim do século 16 e o começo do 17. Em 1604, o
garimpeiro sertanista Clemente Álvares informou à Câmara da Vila de São
Paulo que desde 1592 vinha explorando ouro nas regiões do Jaraguá e
Cantareira. Em 1604, o mercador português Afonso Sardinha, o Velho,
declarou, em seu testamento, 800 mil cruzados em ouro em pó (enterrados
em botelhas de barro). Já em 1599, época da união ibérica entre Portugal
e Espanha, o governador-geral do Brasil, dom Francisco de Sousa, por
ordem da Coroa espanhola, passou um período na vila de São Paulo,
atraído por notícias de ouro e ferro na região. "O que poderia levar um
governador-geral a trocar uma cidade como Salvador, que já tinha 10 mil
habitantes, por um lugar que possuía 180 habitantes, entre portugueses e
mestiços?", indaga Goulart Reis, que até o fim do ano lançará o livro
As Minas de Ouro e a Formação das Capitanias do Sul. Ao explorar o
processo de mineração nas capitanias de São Paulo, Paraná, Santa
Catarina e Rio Grande do Sul, entre os séculos 16 e 19, o pesquisador
trouxe à tona informações pouco conhecidas do público e dos próprios
historiadores.

Os
jesuítas, por exemplo, foram donos de minas de ouro descobertas em
fazendas da Companhia de Jesus em São Miguel Paulista, Santo Amaro e
Embu-Guaçu. As lavras nesses locais foram abandonadas após a expulsão
dos jesuítas pelo marquês de Pombal, em 1759. A mão de obra utilizada
nas lavras das capitanias do sul era a indígena, que usava métodos
rudimentares de mineração, como o bateiamento. Porém, com uma novidade:
eram assalariados. "Essa ideia de que todo índio era escravo é mentira",
diz Reis. O pagamento era feito com utensílios de ferro (anzóis,
enxadas e machadinhas), novidade trazida pelos portugueses. Junto com a
exploração do ouro surgiu outra atividade econômica importante na São
Paulo seiscentista: a busca por ferro. "Desde os primeiros tempos da
colonização houve em São Paulo uma atividade mineradora constante, e não
foi só de ouro", explica o jornalista Jorge Caldeira, autor de O
Banqueiro do Sertão. No livro, Caldeira conta a trajetória do padre
Guilherme Pompeu de Almeida (1656-1713), um negociante paulista que
emprestava dinheiro aos exploradores do ouro e virou banqueiro.
Filho
de um industrial da época, também chamado Guilherme Pompeu de Almeida, o
padre almejava um posto na Companhia de Jesus, mas casou-se com uma
índia e virou um dos maiores capitalistas da época. Para ter uma ideia
da riqueza, em sua casa em Araçariguama, nos arredores de Santana de
Parnaíba, havia 100 camas para abrigar os hóspedes, cada uma com um
penico de prata embaixo.
Segundo Caldeira, a febre do ouro no sul
do Brasil ainda é pouco conhecida. "Estuda-se pouco o período e com
certo preconceito", diz. Ele cita a ideia de que São Paulo era, no
século 17, uma capitania pobre, com comércio ralo e praticamente
desabitada. "Havia uma economia dinâmica e um mercado interno
importante", diz Caldeira, citando o pai do padre Guilherme, dono de uma
fundição na região conhecida como Morro do Voturuna, em Santana de
Parnaíba. "Ele produziu ferro em escala suficiente pra tornar-se um dos
homens mais ricos de São Paulo sem nunca ter de exportar nada, atendendo
apenas ao mercado interno e, eventualmente, ao Rio de Janeiro". Já o
filho padre deixou em testamento para os jesuítas uma fortuna que
incluía 115 kg de prata. Goulart Reis concorda com Caldeira: "Em 1700,
as capitanias do sul possuíam a mesma quantidade de vilas e cidades do
norte, que englobava a Bahia e Pernambuco". "Isso se deve à mineração,
ao trigo e ao comércio." Em dois anos de pesquisas, Reis cruzou
informações e transportou para o livro dados curiosos: o nome
Bonsucesso, por exemplo, só aparecia em áreas de mineração. É o caso do
bairro com esse nome em Guarulhos. A partir de 1697, com a descoberta de
lavras em Minas Gerais, a mineração no sul começou a entrar em
decadência. "Decaiu, mas não acabou", diz Goulart Reis, citando minas
ativas no Vale do Ribeira e no entorno de Curitiba até o fim do século
18. No Jaraguá e na Cantareira, o garimpo ocorreu até o começo do século
19, assim como no interior do Rio Grande do Sul.