Fotos Ilustrativas
Numa porção da floresta Amazônica onde pode estar uma importante jazida
de diamantes, índios e garimpeiros refizeram uma lucrativa parceria para
extrair e vender as pedras de maneira ilegal.
A atividade foi retomada no fim do ano passado na Terra Indígena
Roosevelt, uma área que se estende por Rondônia e Mato Grosso. Há dez
anos, 29 garimpeiros foram assassinados na região em meio a
desentendimentos com os índios por causa do tesouro que aflora nessas
terras.
O que sai da região tem um destino conhecido de autoridades: o comércio
internacional ilegal de diamantes. As suspeitas são de que as pedras de
Roosevelt acabem chegando às mãos de compradores na Bélgica, Emirados
Árabes Unidos, EUA, Índia e Israel, centros de lapidação e comércio de
diamantes. É uma longa cadeia ilícita, da qual em geral participam
doleiros, contrabandistas, empresas de fachada e, por vezes, agentes da
lei.
A situação de Roosevelt é delicada para o Brasil. O país é participante
do Sistema de Certificação do Processo Kimberley, que regulamenta, com a
chancela da ONU, o comércio internacional dos diamantes brutos e exige
de seus signatários medidas para garantir que suas pedras sejam
extraídas somente de áreas legalizadas. Diamantes brutos só podem sair
do país com certificado Kimberley, emitidos pelo Departamento Nacional
de Produção Mineral (DNPM). Se forem de áreas não legalizadas, não são,
em tese, certificados.
Autoridades brasileiras veem Roosevelt com dupla preocupação. Primeiro
porque mineração em terra indígenas é proibida no país e o caso expõe a
dificuldade do Estado de evitar que parte dos diamantes brasileiros
continue sendo extraída e comercializados de maneira ilícita. A segunda
preocupação é com a segurança.
"O momento é o pior possível. Talvez até pior do que era há dez anos,
no auge do garimpo", disse na sede do Ministério Público Federal em
Porto Velho o procurador da República em Rondônia, Reginaldo Pereira
Trindade.
"O contexto de violência em Roosevelt ainda está presente como naquela
época das mortes, mas como a questão parece ter esfriado o governo está
muito mais desinteressado". Para ele, o risco é de novos conflitos
levarem índios e garimpeiros a se matarem por causa dos diamantes.
"Basta que alguém risque um palito de fósforo para que esse barril de
pólvora, que está aí latente, exploda."
Um intermediário na venda de diamantes contou à reportagem, sob a
condição de não ter seu nome divulgado, que viu em janeiro no garimpo,
índios armados e um ambiente hostil com os garimpeiros que trabalham e
dormem no garimpo. "O clima estava estranho", definiu ele.
Desde 2004 - quando em abril os 29 corpos foram encontrados -, a Polícia
Federal mantém vigilância no entorno de Roosevelt para evitar a entrada
de máquinas e garimpeiros e para garantir a paz na terra indígena e nas
cidades próximas. Em dez anos, a Operação Roosevelt reduziu, mas nunca
barrou de vez a extração ilegal de diamantes na região.
A Terra Indígena Roosevelt é uma das quatro áreas reservadas aos índios
cinta-larga entre o sudeste de Rondônia e o noroeste do Mato Grosso.
Roosevelt tem 230,8 mil hectares. Todo o território cinta-larga, 2,7
milhões de hectares - o equivalente ao Estado de Sergipe. São entre
2.000 a 2.500 índios. A Operação Roosevelt tem menos de 60 homens e
seis bases no entorno da terra.
O Valor esteve na última semana de janeiro em uma das principais aldeias
dos cinta-larga: a aldeia Roosevelt. De Cacoal, no sudeste de
Rondônia, até lá são quatro horas de viagem. O cacique é Daniel Rondon,
quase 50 anos, sisudo e com português carregado de sotaque de sua
língua materna, o tupi mondé.
A corrida aos diamantes de Roosevelt começou em 1999. Entre 2003 e 2004, de 4 mil e 5 mil homens trabalharam na clareira
"A cada 15 a 20 dias, cada família [que controla um pedaço de terra nas
margens do igarapé Lajes, onde está a clareira do garimpo ] recebe R$ 10
mil, R$ 15 mil. É mais ou menos 20% das vendas", explicou ele na
varanda de um casa de alvenaria espaçosa e muito simples a poucos metros
das margens do Rio Roosevelt.
De 20% a 25% sobre a venda dos diamantes são o que, em geral, os índios
têm recebido por "liberar" a mineração em Roosevelt para garimpeiros,
segundo Rondon e outros cinta-larga.
A aldeia Roosevelt parece um pequeno e pobre bairro rural. Não tem
ocas, mas 40 casas padronizadas com paredes pintadas de branco e
manchadas de terra e outras poucas construções. Tudo com verba do
governo federal. Nas cidades próximas à Roosevelt, o relato frequente é
que algumas poucas lideranças ficam com o grosso do dinheiro dos
diamantes e que o desperdiçam em noitadas, bebida, prostitutas e motos e
carros.
Em 2010, a Fundação Nacional do Índio (Funai) firmou uma parceria com os
cinta-larga para encerrar a atividade garimpeira. À Funai caberia
reforçar as ações de ajuda à população de Roosevelt além de pagar a cada
família que atuasse como polícia indígena, para impedir o garimpo. O
valor pago a cada indígena pelo Projeto Lajes chegou a R$ 1.500 por
mês. Com o acordo, o garimpo foi "oficialmente" fechado pelos índios em
2010. Em 2012, houve um repique e a PF destruiu com explosivos
máquinas no garimpo.
"No primeiro momento a gente avançou, mas depois a gente passou a não
ter mais estrutura, dinheiro", disse Urariwe Suruí coordenador regional
da Funai em Cacoal. Houve também, disse, problemas entre os cinta-larga
por conta de quem as lideranças escolhiam ou deixavam de escolher para a
função remunerada a cada mês do Projeto Lajes. "[O projeto] acabou em
outubro passado. Eles disseram que não queriam mais. E aí o garimpo
voltou com tudo", diz o jovem suruí.
Líderes cinta-larga usam um único argumento para justificar a extração
ilegal de diamantes: o governo não os ajuda a ter projetos agrícolas
rentáveis e sustentáveis e as famílias cinta-larga se envolvem com o
garimpo para comprar alimentos, remédios, roupas, carros para transporte
de doentes, combustível e também TV com canais por assinatura, celular,
moto e tudo o que aprenderam a consumir desde os primeiros contatos com
o mundo exterior nos anos 60.
"O que acontece é que tem tanta reunião, reivindicação e o governo
demora para atender. Aí os índios falam 'não vamos esperar mais o
governo, não'", resume Nacoça Pio Cinta-Larga, de 55 anos, um dos
líderes locais, ao falar da reabertura do garimpo.
Os garimpeiros usam resumidoras, um tipo de esteira para bater o
cascalho, e bombas de água. Rondon diz que o movimento no garimpo caiu
um pouco. "Tinha 30 máquinas e agora, 19."
A reportagem não chegou ao garimpo do Lajes, o principal de Roosevelt,
que fica numa clareira que de ponta a ponta, segundo a PF, tem quatro
quilômetros. Uma ilha de lama no meio da floresta. Da aldeia até lá
são mais quatro horas. Lideranças cinta-larga na aldeia não permitiram a
visita da reportagem sob a alegação de que a estrada estava
intrasitável.
A corrida aos diamantes de Roosevelt começou a ser notada em 1999.
Entre 2003 e 2004, de 4 mil e 5 mil homens trabalharam na clareira,
segundo a Polícia Federal. "Naquela época era muita gente. Hoje, se
tiver, são 100 e poucas pessoas", diz Marcelo Cinta-Larga, de 33 anos,
citando um número sem confirmação de autoridades. Rondon fala em menos
de 100.
A Terra Indígena Roosevelt é uma das quatro áreas reservadas aos índios
cinta-larga entre o sudeste de Rondônia e o noroeste do Mato Grosso.
Atualmente, os garimpeiros usam resumidoras, um tipo de esteira para
bater o cascalho, e bombas de água.
Assim como Rondon e Pio, Marcelo diz que a relação com os garimpeiros
que estão novamente em suas terras está tranquila. Rondon diz os
garimpeiros foram mortos porque estavam ameaçando de morte os índios.
Segundo a PF, desde 2007 não há mortes relacionadas aos diamantes. Além
dos 29, a polícia computa 20 assassinatos ocorridos antes e depois de
2004.
Ao falar sobre a venda das pedras, Rondon narra assim a rotina do
negócio: "Tem um barracão lá no garimpo e os caras que compram vão lá
para avaliar e comprar. De 15 em 15 dias eles vêm comprar". E
acrescenta: "A gente não sabe quem é o comprador forte." Ele e outros
dizem que no passado tinham negócios com compradores de Minas Gerais,
Mato Grosso e São Paulo. Usando a palavra em tupi mondé que significa
pedra branca e também diamante, Rondon diz que o "ikaxirá" mais caro que
viu nos últimos tempos foi um de 8 quilates vendido por R$ 80 mil.
Um conhecedor do mercado de diamantes falou de uma pedra bem mais
valiosa. À reportagem, por telefone, ele afirmou que há quatro meses
apareceu na mão de um comprador de Juína (MT) uma pedra recém-extraída
de Roosevelt de 90 quilates vendida por R$ 450 mil. E que há poucos
dias, surgiu na cidade outra, também de Roosevelt, de 30 quilates. Um
quilate é o equivalente e 200 miligramas.
"Os diamantes de Roosevelt são totalmente distintos de qualquer diamante
do Brasil. São predominantemente pedras brancas, têm várias formas,
mas muitas octaédricas [o que permite cortes valorizados na fase de
lapidação], são pedras de alto teor de pureza, muito bonitas e grandes.
Eu já vi diamantes de lá de 50, 70, 80 quilates", disse, de Brasília, o
geólogo do Serviço Geológico do Brasil, Valdir Silveira, que lidera um
projeto para mapear áreas diamantíferas, o Projeto Diamante Brasil.
Segundo ele, há indicações seguras de que a terra dos cinta-larga está
sobre corpos kimberlíticos com alto potencial diamantífero. Mas por ser
terra indígena, nunca nenhuma empresa prospectou nem lavrou a região.
O comércio mundial de diamantes brutos é afunilado em poucas cidades,
entre elas Antuérpia, Dubai, Nova York, Mumbai e Tel-Aviv. São centros
de comércio e de lapidação de padrão internacional. O preço de um
diamante bruto pode ser multiplicado alguma vezes após lapidado. Em
tese, esses mercados movimentam apenas diamantes com origem legal. Mas
no setor, são ainda frequentes relatos sobre caminhos ilícitos para
'esquentar' pedras de áreas proibidas. Para Valdir Silveira, esse é o
caso dos diamantes de Roosevelt.
"O destino é ilegal, não tem como não ser, porque a produção de diamante
lá é ilegal", diz. "Com certeza, os diamantes de Roosevelt estão
saindo do Brasil de forma clandestina, eles estão indo para a Venezuela
ou Guiana ou outro país da região." São rotas conhecidas onde os
contrabandistas obteriam certificados Kimberley de forma mais fácil do
que no Brasil. Outra opção seria misturar pedras de Roosevelt em lotes
de áreas regulares ou recorrer a pessoas que levam para o exterior
pedras na roupa ou dentro do corpo.
Em sua sala na sede da Operação Roosevelt, em Pimenta Bueno (RO), o
delegado Alexandre de Andrade Silva, chefe da base central da operação,
diz que PF faz patrulhas nas estradas que dão acesso à terra indígena,
mantém equipes nas seis bases no entorno da terra e eventualmente
sobrevoa a região. "O desafio da PF é chegar a quem está comprando, ao
grande comprador, ao grande financiador."
Em 2010, a equipe de Silva junto com a PF no Mato Grosso tentaram ir
além. "A gente ficou um ano investigando tentando pegar a ponta,
tentando alargar a teia para de repente pegar um cara que está lá na
Rússia, Bélgica ou em Israel. Mas não se evidenciou", disse o
delegado. "A PF continua empenhada em tentar chegar aos compradores
finais. Não desistimos, de jeito nenhum."
Em março de 2010, um homem foi detido no Aeroporto Internacional de
Confins (MG), com um diamante de 28 quilates que policiais afirmaram ter
saído de Roosevelt. A pedra foi avaliada em R$ 200 mil. Em abril do
mesmo ano, um lote com 20 pedras, avaliado em R$ 100 mil, também da
terra cinta-larga, segundo a PF, foi apanhado com outro homem em
Confins. Em 2004 e 2005, a PF já havia desmantelado dois esquemas de
venda ilegal das pedras de Roosevelt para o exterior.
O Brasil exportou legalmente em 2013 US$ 6,1 milhões em diamantes
brutos, 44,3 mil quilates, segundo dados preliminares do DNPM. É
insignificante para o mercado internacional. Mas a produção vem
aumentando desde 2009, quando encolheu pela crise financeira
internacional. Em 2009, a exportação brasileira foi de US$ 2 milhões,
35,9 mil quilates. Minas e Mato Grosso são alguns exportadores. Em
Rondônia, segundo dados da superintendência local, havia em janeiro, 161
pedidos de pesquisa ou lavra de diamantes. Legalmente, não há nenhum
quilate sendo extraído no Estado.