A Funai diz que há por volta de 25 frentes ativas de garimpo dentro da Terra Indígena
Alimentado pelos preços em alta do ouro, um novo surto de garimpo
ilegal está se alastrando com rapidez e gerando destruição numa das
últimas áreas de floresta amazônica no sudeste do Pará. Com máquinas
pesadas, os garimpeiros avançam por territórios habitados pelo povo
kayapó e assediam os índios, que estão divididos quanto à atividade.
Alguns líderes kayapós passaram a tolerar o garimpo em suas terras em
troca de um percentual dos lucros. Eles dizem precisar dos recursos para
sustentar as aldeias e cobram do governo políticas que lhes permitam
abrir mão das receitas.
A atividade, porém, é ilegal, e seu combate compete ao Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e
à Fundação Nacional do Índio (Funai).
Segundo Thaís Dias Gonçalves, coordenadora geral de monitoramento
territorial da Funai, a Terra Indígena (TI) Kayapó, em Ourilândia do
Norte, é a área indígena do país onde a atividade garimpeira é mais
intensa.
A Funai diz que há por volta de 25 frentes ativas de garimpo dentro da
TI. O território – que ocupa cerca de 33 mil quilômetros quadrados, área
equivalente à de Alagoas e do Distrito Federal somados – é quase
inteiramente coberto por mata nativa.
O garimpo é o ilícito ambiental mais grave que o Ibama enfrenta hoje no país"
Luciano de Menezes Evaristo, diretor de proteção ambiental do Ibama
A TI Kayapó convive com surtos esporádicos de garimpo há décadas.
Segundo a Funai, porém, a atividade alcançou níveis sem precedentes nos
últimos meses.
A BBC Brasil acompanhou uma operação contra o garimpo na área na semana
passada. De helicóptero ou avião, veem-se as enormes clareiras com
lagos artificiais abertos pelas escavadeiras. Algumas frentes de garimpo
têm cerca de 40 quilômetros quadrados, o equivalente a dez campos de
futebol. Nos rios que cruzam a terra dos kayapó, cerca de 90 balsas
reviram o solo em busca do metal.
Os agentes do Ibama e da Funai desceram em algumas minas e deram prazo
de dez dias para que os garimpeiros deixassem o local. Os órgãos estimam
que haja na terra indígena entre 4 e 5 mil garimpeiros, o equivalente a
quase um terço do total de índios na área (16 mil). Segundo os agentes,
quem ficar será expulso e terá seus equipamentos destruídos.
Moradores da região dizem que o garimpo poluiu os rios e reduziu
drasticamente o número de peixes. Para separar e aglutinar o metal,
garimpeiros usam mercúrio e cianeto, duas substâncias tóxicas.
"O garimpo é o ilícito ambiental mais grave que o Ibama enfrenta hoje
no país", diz à BBC Brasil o diretor de proteção ambiental do órgão,
Luciano de Menezes Evaristo.
Evaristo cita, além da destruição causada pela atividade, suas
consequências sociais. "O garimpo traz no seu bojo uma decadência: com
ele vêm o tráfico de drogas, a prostituição e a exploração do trabalho
infantil."
O diretor do Ibama afirma que os casos de garimpo no país têm se
multiplicado, especialmente no Pará. Segundo Evaristo, outro ponto
crítico no Estado é a bacia do rio Tapajós, no oeste paraense, onde há
pelo menos 3 mil frentes da atividade.
O diretor do Ibama atribuiu o surto ao bom preço do metal. Considerado
um investimento seguro em tempos de instabilidade na economia, o ouro
valia cerca de US$ 800 dólares a onça (31 gramas) no fim de 2007. Hoje
vale US$ 1.297.
Índios divididos
Moradores da região dizem que o garimpo poluiu os rios e reduziu drasticamente o número de peixes (Foto: Ibama/BBC)
Na semana passada, a BBC Brasil acompanhou uma reunião na sede da Funai
em Tucumã em que o Ibama informou autoridades locais e cerca de 15
líderes kayapós sobre a operação contra o garimpo.
Alguns índios se queixaram da ação e disseram que a atividade ajuda a
sustentar suas aldeias. Segundo eles, os garimpeiros pagam às
comunidades um percentual de seus lucros.
O cacique Niti Kayapó, da aldeia Kikretum, afirmou que o dinheiro do
garimpo tem lhe ajudado a pagar o aluguel de tratores usados na colheita
de castanha – atividade que, segundo ele, é a principal fonte de renda
de sua comunidade.
"Eu preciso ter alguma coisa para a comunidade. Se vocês (governo)
disserem que têm um projeto de 300, 500 mil reais para nós, a gente vai
lá e tira os garimpeiros. Mas vocês não têm."
Houve um bate-boca quando um índio disse que o garimpo em área vizinha à
sua aldeia tinha poluído a água usada por sua comunidade. A maioria dos
líderes presentes assinou uma carta pedindo que os garimpeiros fossem
expulsos da TI.
Na reunião, os índios também pediram às autoridades que pressionassem a
mineradora Vale a executar seu plano de compensação por ter implantado
uma mina a 34 quilômetros da TI.
Para mitigar o impacto na área da mina Onça Puma, que produz
ferroníquel, a empresa se comprometeu, entre outras ações, a construir
uma casa de apoio para indígenas em Ourilândia do Norte e financiar
projetos de geração de renda nas aldeias.
Segundo a Funai, as ações, que vêm sendo negociadas há quase uma
década, custarão cerca de R$ 3,5 milhões. Nesta semana, 70 índios foram à
sede da mineradora em Redenção para reforçar a cobrança. Em nota à BBC
Brasil, a mineradora disse que o plano começará a vigorar em agosto.
Os índios também cobram da estatal Eletrobrás e do consórcio Norte
Energia que cumpram o compromisso de financiar projetos de geração de
renda nas aldeias. O acordo é uma contrapartida pela construção da
hidrelétrica de Belo Monte, que fica a cerca de 500 quilômetros da TI
Kayapó, rio Xingu abaixo.
Em nota, a Eletrobrás afirmou que os projetos devem ser pactuados com
os índios até o fim de 2014 e executados a partir de 2015. Serão
destinados R$ 1,5 milhão por ano às ações, ao longo de três anos.
Segundo Thaís Dias Gonçalves, coordenadora geral de monitoramento
territorial da Funai, somente serão contempladas pelos programas da Vale
e da Eletrobrás/Norte Energia as aldeias que não tenham qualquer
envolvimento com o garimpo.
Ela afirma, no entanto, que os programas não serão capazes de competir com o garimpo em volume de recursos.
Para Gonçalves, erradicar a atividade na área de uma vez por todas
exige um trabalho de inteligência policial, que identifique quem está
lucrando com o negócio. "Tanto o garimpeiro quanto o indígena envolvido
são parte muito pequena de uma cadeia fortíssima."