quinta-feira, 2 de abril de 2015

Minério de ferro cai abaixo de US$50/t

Minério de ferro cai abaixo de US$50/t



Como previsto o preço da tonelada do minério de ferro com 62% de ferro despencou abaixo da barreira dos US$50. O preço praticado no Porto de Qingdao caiu 3,5% atingindo US$49,5/t.

Esse preço praticamente inviabiliza a grande maioria das minas cujos custos operacionais são historicamente superiores.

No gráfico é possível ver que poucas mineradoras, entre as quais a Vale, Rio Tinto e a BHP, ainda conseguem ter lucro com o minério de ferro posto na China.

Os prejuízos, no entanto, são monstruosos. Mesmo as grandes estão sofrendo muito além do antecipado, com a fuga dos investidores e com as fortes quedas do seu valor de mercado.

Essas empresas já não estão mais atraindo até o mais fiel dos investidores.

Amargando um lucro líquido negativo de R$9,3 bilhões e rebaixada pelo Santander a Vale, uma das protagonistas da guerra do minério de ferro que agora a fere mortalmente, pode não distribuir dividendos em 2016, o que vai afugentar, mais ainda, seus investidores.

domingo, 29 de março de 2015

Histórias de blefo e bamburro

Histórias de blefo e bamburro




Aonde vai, o garimpeiro Antônio Lopes tem seguidores. Sua capacidade de enxergar ouro à distância é inigualável. Não é à toa que seu apelido é Olho de Gato. Há dez anos vivendo com a mulher Leonice na província aurífera do Tapajós, no Pará, este maranhense 36 anos descobriu recentemente um filão de ouro em meio à Floresta Amazônica. De pá em punho, abriu uma clareira na mata e começou a garimpar sozinho. A notícia rapidamente se espalhou entre os garimpeiros que viviam na corrutela de São Domingos. Todos partiram em retirada seguindo os rastros de Olho de Gato. Em 15 dias, 200 peões disputavam um pedaço de terra com ele. Todos juntos desmataram a área, cavaram um buraco de sete metros de profundidade e começaram a procura. Estava formado um novo garimpo.
Batizado de Fofoca – que na linguagem do garimpeiro quer dizer notícia de descoberta de um ponto de ouro – este é o mais novo garimpo aberto na província aurífera criada em 1984 pelo então ministro das Minas e Energia, César Cals. Em 100 mil quilômetros quadrados estão espalhados 500 pontos de extração ligados pela Transgarimpeira, estrada de 180 quilômetros. Construída pela Caixa Econômica em 1986, a estrada está abandonada e sem manutenção. O abandono é o mesmo relegado ao garimpo. Nem a profissão de garimpeiro é reconhecida.
“Minha equipe e eu trabalhamos 24 horas por dia”, comenta Olho de Gato, no garimpo há duas décadas. Ele já passou por Serra Pelada, Guiana Francesa e Suriname. Rico não ficou, mas conseguiu um certo respeito no seu meio. “Olho de Gato é lerdo de manso”. Com o comentário, o nordestino Rosalino Pereira Serrano quer dizer que o colega é exímio conhecedor de seu ofício. Rosalino não atingiu o mesmo status de Olho de Gato, mas pelo menos já ganhou apelido: Boca Rica. A alcunha não poderia ser mais apropriada. Seis dos seus dentes são cobertos de ouro. “Quando fico blefado, tiro o ouro da boca e troco por dinheiro. Quando bamburro, guardo minha reserva na boca.”
Blefo e bamburro são termos que fazem parte da vida de qualquer garimpeiro. Das histórias contadas no garimpo, muitas são trágicas. É comum ouvir relatos de mortes por queda de avião nas cerca de 320 pistas próximas a Transgarimpeira. E também de roubo de ouro, prostituição, contaminação por mercúrio, reincidência de doenças como febre amarela, malária e hepatite. Mas nem só de tragédia e miséria vive o garimpeiro. Alguns poucos têm a sorte de alcançar a sonhada ascensão social.
“Já cheguei a encontrar uma média de 100 quilos por mês nos anos 80. Durante cinco anos, juntei cinco toneladas”, lembra, saudoso, o goiano Rui Barbosa de Mendonça, 59 anos. Na época, Rui era um dos dez pequenos mineradores mais ricos da região; hoje, pode se considerar, no máximo, um membro da classe média. Rui chegou a contratar dois mil garimpeiros e comprou seis aviões e um helicóptero. Independentemente de onde venham, eles têm uma característica em comum: quando bamburram, só pensam em gastar. Essa necessidade tem sua explicação. O garimpeiro fica meses trancado no mato e quando consegue algum dinheiro, corre para a cidade. Chega sem noção de preços. No garimpo, até o sexo é pago em pepitas.
Um garimpeiro mais extravagante chegou ao extremo de fazer um rabo com notas de dinheiro para passear pela cidade e ostentar a fortuna recém-adquirida. Quem presenciou a cena lembra que Chico Índio passava os dias desfilando e, de vez em quando, olhava para trás e exclamava: “Passei a vida inteira atrás de você, agora é você que vai me seguir.” Duas semanas depois, Chico morreu num acidente de carro.“Os garimpeiros estão ficando mais ordeiros. A oferta de ouro diminuiu e eles são obrigados a conter a ânsia de gastar”, avalia a vice-presidente da Associação dos Mineradores de Ouro do Tapajós, Célia Araújo Serique. A escassez do ouro na região preocupa os principais compradores do metal. A produção de Itaituba declarada entre janeiro e setembro foi de 2,16 toneladas, muito longe das 10,4 toneladas anuais produzidas no início da década.

No país do vil metal




NEUDO CAMPOS quer fazer do Estado um novo Paraná
No país do vil metal
A esperança de achar ouro continua fazendo parte do sonho de riqueza de garimpeiros e empresas, que correm atrás de uma reserva estimada em duas mil toneladas do minério

Os olhos de Adelmo Oliveira, 11 anos, brilham quando ele aponta com os dedinhos calejados um punhado de pó dourado na pedreira perto de seu casebre. “Parece ouro ou não parece? A gente pode ficar rico”, sonha o pequeno, indiferente à gozação do colega de estudos, brincadeiras e trabalho Antônio Muniz dos Santos, da mesma idade. O sorriso ingênuo de Adelmo é de dar nó na garganta. Ele não tem infância. Juntamente com outras 260 crianças, do povoado de Barreiro, em Teofilândia, sertão baiano, trabalha de marreta na mão britando rocha para vender à beira da BR-116 Norte. Adelmo almoça feijão com farinha, quando muito, mas não é por simples devaneio que sonha com fortuna no inferno do semi-árido. A superfície de Teofilândia é forrada por mandacarus que anunciam o eterno sertão, mas de seu subsolo, transformado em queijo suíço pela mina Fazenda Brasileiro, a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) retira cinco toneladas de ouro por ano.
Como em todos os municípios de onde o Brasil arranca 50 toneladas por ano, em Teofilândia o nobre minério escancara a face de vil metal. “O ouro é tirado de onde ninguém vê. As barras saem de avião e ninguém sabe para onde”, diz o prefeito Carlito Oliveira (PL). Ele faz das tripas coração – dá até esmola a pobres em fila em sua garagem – para administrar esta cidade de 20 mil habitantes que está entre as mais pobres assistidas pelo Comunidade Solidária. Apesar de sediar a segunda maior mina de ouro da Vale, Teofilândia recebeu de royalties da companhia, de janeiro a setembro, míseros R$ 115 mil. A mina fatura por ano R$ 90 milhões e lucra R$ 22 milhões. Para abrigar seus funcionários, a Vale ergueu em meio ao sertão baiano uma vila para 383 pessoas com aparência de cidadela do Primeiro Mundo. Construiu também uma adutora de 40 quilômetros para abastecer a mina e sua vila. Para os habitantes de Teofilândia, liberou 18 bicas d’água.
“Quando cheguei, há nove anos, me perguntava diariamente: de que adianta ter tanto ouro numa cidade miserável como qualquer outra do sertão nordestino? Hoje sei que não adianta nada.” A conclusão é do padre espanhol Francisco Xavier Pedraza, 40 anos. Revoltado com a contradição, ele já incitou os camponeses a furar a adutora. “É um acinte. Os tubos da adutora passam por roças onde crianças caminham três quilômetros para beber água. Ouro não pode valer mais do que ser humano.” A voz do padre é dissonante numa região dominada por coronéis, que escrevem seus nomes em caminhões-pipa em anos eleitorais.
Teofilândia na Bahia; Curionópolis, Marabá e Itaituba no Pará; Riacho dos Machados, em Minas Gerais, onde uma mina de ouro foi fechada há dois anos, deixando 400 desempregados. A realidade miserável de cidades como estas, que vivem ou viveram da exploração do ouro, destoa muito dos números expressivos da produção do metal no Brasil. O País tem reservas detectadas de duas mil toneladas de ouro. Estima-se um potencial de 34 mil toneladas, o que, se confirmado, transformaria o Brasil no eldorado mundial. Para se ter uma idéia, de 1500 até hoje o País produziu 2.800 toneladas, menos de mil nos quatro primeiros séculos. A África do Sul – maior produtor do planeta, com 40% das reservas mundiais conhecidas – tem 18 mil toneladas.
Hoje, quase 100% da produção nacional é exportada porque a indústria joalheira no País é insignificante. Guardadas as proporções, o movimento lembra o Brasil colonial, quando o metal seguia para a Península Ibérica. Mas os locais por onde passou o ouro dos séculos passados guardam marcas de exuberância, como Ouro Preto, patrimônio da humanidade, com suas igrejas brilhantes. Bons tempos, diria o Vaticano. Na igrejinha de Teofilândia, que o lendário Antônio Conselheiro ajudou a construir no fim do século passado, as imagens são de gesso e não há uma única peça valiosa. A Vale doou apenas tinta branca para pintá-la há quatro anos.
Na praça em frente à igreja, a analfabeta Olga Cerqueira espera um carcomido ônibus escolar para pegar carona. Se perdê-lo, tem de caminhar 12 quilômetros, carregando as dúzias de ovos que não conseguiu vender, até seu barraco de quatro cômodos no povoado Caatinga de Cheiro. Ela gargalha quando é perguntada se já viu o ouro de Teofilândia. Nem sabe onde fica a mina. De seus dez filhos, sete preferiram tentar a sorte em São Paulo – onde são pobres – do que viver acuados pela seca. Os seis netos provavelmente repetirão a trajetória. “Se eu achasse pelo menos um ovinho de ouro, meu filho...”
Tragédia social – Não se pode atribuir a insistência da miséria numa cidade cheia de ouro só ao fato de o metal estar misturado a rochas profundas de onde só pode ser retirado com equipamentos de milhões de dólares. Nas áreas de garimpo, onde a exploração artesanal dispensa máquinas sofisticadas – como na época de Vila Rica – a tragédia social não é diferente. A pobreza ofusca o brilho das pepitas de Itaituba, no Pará, que concentra em 100 mil quilômetros quadrados a maior reserva garimpeira nacional. Como em Teofilândia, a riqueza não protege a infância de Itaituba.
A pequena Jeiciane Lopes, de 5 anos, integra uma geração que nasceu e cresce no garimpo Fofoca, no meio da floresta Amazônica. Não freqüenta escola e nunca teve médico ou dentista. No lugar de bonecas, brinca com gravetos. A alimentação é à base de arroz, feijão, farinha e raros pedaços de carne. O futuro não é nada promissor, mas a menina, sem consciência, passa o dia brincando de madame e esnobando as amiguinhas que não ganharam cordões de ouro dos pais. Os dela vivem pendurados no pescoço. “Meu pai é muito rico”, orgulha-se. O sonho de Jeiciane pode se realizar se o pai encontrar boas pepitas em suas escavações. A julgar pela indigência generalizada dos garimpeiros, a possibilidade é remota e Jeiciane, como as crianças de Teofilândia, deverá gastar a infância sonhando com riqueza e vivendo na miséria.
Os sonhos dourados da filha do garimpeiro de Itaituba estão no imaginário da humanidade. Desde a Antiguidade, o ouro simboliza poder e riqueza, mas, na realidade, os que passam a vida futucando a terra em busca do nobre metal estão entre os brasileiros mais desafortunados. “Garimpeiro sobrevive de teimoso”, avalia o prefeito de Itaituba, Edilson Dias Botelho (PSDB). Das 11 toneladas de ouro produzidas a céu aberto em 1998 nos garimpos do Brasil, quase duas saíram da província aurífera do rio Tapajós, em Itaituba. Oficialmente, 30 mil pessoas estão envolvidas no garimpo. Em 1998, foram declaradas à Receita Federal vendas de R$ 20,3 milhões, o que rendeu, de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), apenas R$ 112 mil. Pelos cálculos da prefeitura, a população garimpeira chega a 100 mil e o volume de vendas em 98 foi de R$ 61 milhões.
São invisíveis os benefícios sociais do vil metal de Itaituba. “O ouro daqui fez a riqueza de poucos”, admite o prefeito. Até os anos 50, a cidade vivia da borracha. Com a descoberta dos alu-viões em 1958, Itaituba passou a ser sustentada pelo ouro, vivendo seu auge nos anos 80. Com o minério em abundância e dinheiro farto, a cidade explodiu. Agências de bancos correram para lá, como empresas de mineração, transporte e fundição. O pequeno e modesto aeroporto chegou a ter congestionamento. Segundo o Departamento de Avião Civil (DAC), os pousos e decolagens chegaram a 68 mil em 1998. Mas a bonança não mudou o perfil sócio-econômico da cidade, que continua praticamente sem pavimentação. O esgoto chega a somente 10% das casas e a energia elétrica, a 5%. Trinta e um por cento dos habitantes acima da idade escolar têm menos de um ano de instrução.

Conheça a história do homem que ganhou R$ 122 milhões e hoje está pobre

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De madrugada a temperatura cai bastante e ninguém consegue dormir sem cobertor. Uma espessa neblina encobre o garimpo quando esta estranha cidade no meio da selva, que já chegou a ter mais de 80 mil habitantes, começa a acordar para mais uma jornada. É sábado, um dia

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Serra Pelada – O garimpo da ilusão



De madrugada a temperatura cai bastante e ninguém consegue dormir sem cobertor. Uma espessa neblina encobre o garimpo quando esta estranha cidade no meio da selva, que já chegou a ter mais de 80 mil habitantes, começa a acordar para mais uma jornada. É sábado, um dia como outro qualquer em Serra pelada, onde o fim de semana só começa ao meio-dia de domingo.

O barulho das britadeiras moendo o cascalho nos barrancos; procissão de vultos silenciosos caminhando para a cava; a rotina recomeçava. O zunido dos pernilongos ainda está nos ouvidos, suplício apenas para os forasteiros.

“Como é que se chama pernilongo aqui?”
“Carapanã que o senhor fala? Ah, não precisa chamar não. É só deixar a porta aberta que eles vêm sozinhos...”

Apesar das precaríssimas condições de vida e trabalho no garimpo, o bom humor predomina, e é raro ouvir alguém se queixar da vida. Explica-se: para a maioria deles, a vida lá fora era ainda mais dura, e sem qualquer perspectiva de melhora. Aqui todos têm trabalho e comida, com direito a sonhar.



Blefados ou bamburrados na loteria do garimpo

Quatro homens do barranco 26 jogam dominó. Libânio, Antônio, Vitorino e Francisco vieram do Maranhão há menos de um ano. Três eram estudantes, um trabalhava na roça. São meias-praças, vão ter direito a 5% do ouro que for encontrado no barranco – o pedaço que lhes cabe no imenso tabuleiro esculpido numa enorme cratera de 24.615 metros quadrados, com 1.200 metros de diâmetro e mais de 100 metros de profundidade – mas até agora não encontraram nada. O dono do barranco mora em Belém. Só vem de vez em quando para prover a turma de comida e óleo para a britadeira, comprar alguma ferramenta que falta. Por que eles estão aqui?

“É mais a necessidade de aventurar alguma coisa”.

Eles agora estão jogando dominó em pleno dia de trabalho porque, quando chegam as chuvas, o garimpo começa a ser desativado. Apenas uma pequena parte da cava, não mais do que 10% ainda tem condições de continuar funcionando. Dentro de poucos dias, eles irão embora para outro garimpo, o de Cumaru.

“A gente chega lá e vai caçar patrão. Tem muito serviço lá”, explicava Libânio.



O maior garimpo a céu aberto do mundo

A cada dia, lotando caminhões que ligam esta ferida aberta na selva, 130 quilômetros a Sudoeste de Marabá, a 13 localidades do Pará, Maranhão e Goiás, milhares de paus-de-arara do ouro vão deixando para trás, em meio à poeira, o maior garimpo a céu aberto do mundo.

São os blefados, que deixam para trás também sua saúde, seus sonhos de riqueza desfeitos. Nos teco-tecos e bimotores, que fazem a ponte aérea Marabá – serra Pelada, vão embora também os bamburrados, aqueles 2% de garimpeiros que ficam com 72% da renda de todo o ouro do garimpo descoberto no início dos anos 80 e festejado como o tesouro que resolveria os problemas do Brasil.

Homens enlameados até os cabelos, caminhando como formigas com sacos de cascalho nas costas e cavando como tatus, levantando poeira ou barco dentro de um grande buraco, o garimpo – esta é a paisagem humana que encontrei quando vim aqui a primeira vez, está fazendo quase oito anos. Naquele tempo, quase nenhum piloto se arriscava a ir para lá. Só os mais malucos. Motivos não faltavam, mesmo para estes suicidas pilotos de garimpo que topam qualquer serviço.

A pista improvisada no cabo de enxada era apenas uma tênue nesga de terra rasgada no meio da mata, quase sempre escondida pela chuva, a neblina ou a poeira. Cercada por morros, era também a principal e única rua do garimpo, vivia coalhada de gente. Descer lá sem problemas era como acertar sozinho na loto.

A imagem não é gratuita: Serra pelada sempre foi, desde o começo, um jogo, um contrato de altíssimo risco. Ali, a distância entre a riqueza e a miséria, a vida e a morte, a glória e o ridículo, o céu e a terra sempre foi muito pequena, nem dá para notar lá do alto. Estávamos em serra Norte, onde mais tarde viria nascer a República dos Carajás. O piloto não inspirava nenhuma confiança. Era um refugiado angolano que aceitava qualquer vôo e para ele tudo era lucro. Não sei o que me dava mais medo, se era o piloto ou o aviãozinho dele, todo remendado.

Meia hora depois, só céu e mata, quando já deveríamos estar chegando a Serra Pelada, o angolado começou a mostrar sinais de preocupação. Constatou simplesmente que estava perdido, a rota não era aquela. Tenta contatar outro avião pelo rádio, e nada. Para encurtar a agonia, depois de mais meia hora o homem conseguiu descobrir onde estava e gloriosamente vislumbramos o garimpo. Pela primeira vez na vida, e por pouco a última, ouvi um avião buzinando para pousar. O pessoal não saiu da pista, o angolano teve que dar uma arremetida toda torta e quase batemos num carro.

Quem mandava ali por todos os seus prepostos à paisana ou fardados era o Exército. Mais precisamente, o garimpo era comandado pelo major Curió (anos mais tarde, ele se elegeria deputado federal com os votos dos garimpeiros). Em poucas semanas, aquele pedaço de fim de mundo perdido na selva amazônica seria transformado num retrato três por quatro em branco e preto deste lugar do mundo chamado Brasil.

Quase meio milênio após a chegada dos descobridores portugueses, repetiam-se as mesmas cenas de devastação, depredação das riquezas naturais e humanas, o vale tudo na terra de ninguém. E reuniam-se novamente em busca do tesouro os senhores, os feitores e os escravos, aqui chamados de formigas, os homens expulsos de outras terras que chegaram ao fim da linha e tentavam sobreviver carregando sacos de terra molhada do garimpo até as máquinas dos seus proprietários, onde os sonhos passariam pela peneira.

Mas muita água correria pelo leito natural do igarapé da grota Rica, onde o filho de um certo Zezinho, protegido de Genésio Ferreira da silva, o antigo dono das terras da Serra Pelada, encontrou alguma coisa brilhando junto a uma bica d’água, em fevereiro de 1980, até se chegar aos confrontos entre os garimpeiros e a Polícia Militar do Pará sobre a ponte de Marabá, no final de 1987.

Da constatação de que se tratava de ouro o que o menino viu à invasão da fazenda, foi como um raio. Correm na Serra Pelada também outras lendas e versões. Uma delas dá conta de que o próprio Genésio encontrou ouro ao cavar um buraco para fazer cerca. Há quem garanta que quem encontrou ouro primeiro foi um tal de Pedrão, que limpava juquira (roçava o mato) para Genésio.



A lei do garimpo é desafiar a sorte

José Mariano dos Santos é um dos milhares aventureiros da Serra Pelada. Fiquei sabendo de sua história aos poucos, até ele ganhar a confiança da minha amizade. Na época, quando Marabá naufragou, levada nas enchentes, o garimpeiro José, o Índio, viu na televisão a notícia de que acharam o ouro em Serra Pelada. Pegou uma carona de caminhão até o KM 16 da estrada PA-150, que liga Marabá a Serra dos Carajás. Ali hoje é o entroncamento da estrada de terra que liga a rodovia asfaltada a Serra pelada, mas naquele tempo só havia um jeito: enfrentar a selva.

Índio já bamburrou e ficou blefado várias vezes, na gangorra das riquezas e misérias de Serra Pelada. Apesar de tudo, não se arrepende de ter largado a família na Baixada Maranhanse, onde trabalhava de terça na terra dos outros, ou seja, entregava ao dono da fazenda um terço do que produzia sua roça de arroz, milho, feijão, mandioca, o de sempre.

“A Serra para mim foi uma mãe” ia sempre me repetindo, sem ninguém perguntar.

Com outros trinta homens e uma máquina de lavar cascalho na cabeça, encarou o garimpo do ouro prometido, caminhando das seis da manhã às seis da tarde. Depois de passar dois dias com fome, vendeu a muda de roupa para conseguir comida, ajeitou-se num pedacinho de barranco da grota Rica e dali pára cá, “animei com o negócio, já tava lá dentro mesmo... era obrigado a passar fome, o que eu ia fazer? Não ia voltar”.



Fortuna e miséria na trilha do ouro

Como bichos, comendo e defecando no mesmo pedaço de terra, milhares de homens como Índio lançavam-se na grande aventura de ficarem ricos da noite para o dia. Para falar bem a verdade, a grande maioria nem sonhava tão alto, estava ali apenas para tentar sobreviver, longe da família e de qualquer resquício de vida, digamos, civilizada. Eram quase todos antigos lavradores, posseiros, homens que foram sucessivamente sendo expulsos das suas terras no Maranhão, no Paraná, em Minas, no Pará.


Índio chegou a ficar um ano e sete meses sem sair do garimpo, andando só de calção. “Já tava ficando doido. Mulher que conhecia era só a minha mãe...” resolveu ir para Belém. “Nunca tinha visto tanto dinheiro na minha vida, nem sabia como funcionava banco”. A esta altura, ele estava só no mundo. Sua mulher, Ângela Maria, com quem teve dois filhos, o havia abandonado depois de três anos de casamento. “Ela fugiu com outro, um motorista de caminhão. Eu era um braçal, ele era motorista, ela quis melhorar de vida...”

Ao bater com a picareta numa pepita de 13 quilos de ouro, Índio tinha ficado rico, mas agora já era tarde demais. A mulher e os filhos estavam longe, não tiveram paciência para esperar o resultado da loteria. A primeira coisa que fez em Belém foi o que fazem todos os garimpeiros bamburrados comprou um carro zero quilômetro. Como não sabia dirigir, contratou um motorista. Ele queria apenas um carro novo, mas logo descobriu que com o dinheiro do ouro daria para comprar 30 carros novos...

“Tanto dinheiro... Eu achava que era o homem mais rico do mundo. O carro era azul-metálico, todo mundo ficava olhando”. O motorista Domingos que, arrumou para roubá-lo nos oito dias em que dirigiu, conseguiu comprar dois táxis.

Mas Índio parecia conformado; dizendo que “o primeiro dinheiro que a gente pega, joga fora. Depois acaba aprendendo”.



Um estádio de futebol escavado a mão

Nem sempre isso é verdade. No garimpo, é como se não houvesse amanhã. O dinheiro corre rápido, assim como entra, sai. O que explica a multiplicação de bordéis, que depois se transformam em vilarejos em torno de Serra Pelada (até há dois anos, era proibida a entrada de mulheres no garimpo). Quem nunca perde nada é o Posto Serra Pelada. Bem em frente ao posto está instalado o depósito de gás engarrafado. O dono de tudo é um advogado paranaense, Milton Gatti, um dos pioneiros de Serra Pelada, que chegou a ter mais de 300 homens trabalhando nos seus barrancos.

Com o prazer de quem vai mostrar sua própria casa ao visitante, benedito Evaristo, paulista de São José do rio Preto, conhecido por Adão, seu nome artístico de cantor de música sertaneja, me lva até a cava, uma cratera do tamanho do Estádio do Morumbi escavado a mão! Em torno dela corre um riacho formado pelas águas do fundo do tilim, a parte mais baixa do garimpo, bombeadas por duas dragas. É a periferia do garimpo, lugar onde trabalham os requeiros.

Vizinho ao barranco de Adão, três paulistas fazem hora para bagere, o almoço no garimpo. Um bancário, um químico e um comerciante, que largaram tudo, estão há 60 dias sem sair daqui e não se queixam: “ouro tem, é só a gente ter paciência que encontra”. E se divertem com as histórias do garimpo. “Sabe como é que a gente fazia rabo-de-galo (pinga com vermute) aqui no garimpo? Era álcool com Biotônico Fontoura. Mas, agora, até o hospital ta proibido de usar álcool e as farmácias não podem mais vender biotônico...”, confidenciou-me o bancário.

Passado alguns anos, voltei lá, voltei outras vezes e dava para ver a olho nu que a degradação da natureza acompanhava a degradação humana, na mesma proporção – a revolta silenciosa e profunda se espelhando nos rostos de homens que já não tinham mais volta, que já tinham deixado tudo para trás e agora se apegavam ao buraco feito náufragos sem esperança de chegarem à terra, mas reunindo as últimas forças para se segurarem no barco virado.

Na terceira visita à Serra assisti uma cena trágica que não abandona. Destruídas as famílias e os sonhos perdidos, só filhos dos que foram aventurar-se em Serra Pelada perambulavam pelas ruas de marabá, de Imperatriz de muitas cidades. Meninas bonitas, que fariam sucesso nas colunas sociais, se tivessem dentes, se fossem bem cuidadas, ofereciam-se a qualquer um, para que as levassem junto, para qualquer lugar. Seus pais chegaram aqui buscando riqueza. Pois agora, as filhas imploram para sair de lá.

Com pás e picaretas, carregando sacos de terra nas costas, eles tiraram do mapa um morro com mais de cem metros de altura e, em seu lugar, cavaram um enorme buraco com o mesmo tanto de profundidade por trezentos metros de largura. Em volta, a mata cedeu lugar a mais uma favela, um monstruoso favelão sem futuro, porque mais dia, menos dia, chega a temida mecanização do garimpo.

Serra Pelada sempre foi, desde o início até as revoltas mais recentes que fizeram o governo se lembrar da sua existência, um jogo em que poucos ganharam muito, alguns se arrebentaram e a imensa maioria apenas lutou para sobreviver, por absoluta falta de opção de vida, trabalhando para comer em condições que fazem lembrar as minas dos garimpeiros escravos do século XVIII. Homens enlameados até a raiz dos cabelos, caminhando como formigas com sacos de cascalho nas costas, levantando poeira ou barro de um grande buraco, enquanto uns poucos viviam como reis.
Estradas foram rasgadas na selva, algumas até asfaltadas, chegaram os fliperamas, a televisão e telefones, e já não se depende do aviãozinho do angolano para descobrir o que se passa naqueles grotões do Brasil. Nem o angolano nem seu teco-teco existem mais: dias depois daquela primeira viagem, uma pequena notícia de pé de página informava que ele havia se espatifado com três passageiros na cabeceira da pista de Serra Norte, a mesma de onde decolamos.

Ninguém saberá dizer ao certo quantos morreram nesta aventura. Foram centenas, com toda certeza – o trágico resultado de uma guerra de vida e morte pelo sonho do ouro.



O processo de extração

O processo inicia-se no fundo da cava com pá e picareta. Entre as escadas adeus-mamão os trabalhadores retiram o cascalho do barranco de seu dono – um dos 3200 quadrados de terra que compõem o tabuleiro de xadrez de Serra Pelada. Como cada barranco pertence a um proprietário diferente, a progressão na escavação é desigual, criando às vezes enormes desníveis que podem provocar desabamentos. Mais como segurança psicológica do que física, os cavadores usam cordas de nylon (azuis) amarradas no corpo na tentativa de evitar a queda junto com a terra. Durante uma das visitas dos autores ao garimpo, um desses desmoronamentos matou instantaneamente 13 garimpeiros, paralizando a extração por três dias.

Os formigas carregam os sacos de terra para fora da cava. Antes de subir, passam pelo controle do apontador de baixo que controla as saídas de cada homem da cava para conferir mais tarde a chegada da carga com o apontador de cima e executar o pagamento por viagem.

Quando o barranco cai no ouro, os sacos ficam estocados embaixo e são retirados apenas no fim da tarde ou de noite por motivos de segurança. Nestes casos uma caminhonete do proprietário do barranco fica esperando o transporte dos sacos para levá-los diretamente para sua refinadora.

No processo de refino o material bruto é primeiro triturado em britadeiras. A terra com ouro escorre sobre uma calha recoberta com mercúrio; que se liga quimicamente apenas ao ouro, formando a amálgama. Para separação final da mistura ouro-mercúrio da terra, o garimpeiro utiliza a baleia, que faz o papel de uma centrífuga primitiva. É nessa operação que pode ocorrer a contaminação dos rios da região pelo mercúrio excedente, que por descuido ou negligência é arrastado pela água. O manuseio sem proteção do mercúrio pode intoxicar o próprio garimpeiro, provocando seqüelas congênitas e distúrbios nervosos com a acumulação do metal no organismo.

Na etapa final do refino a amálgama é aquecida, vaporizando o mercúrio e deixando o ouro limpo. As pepitas (pequenos pedaços de ouro) são levadas ao barracão da Caixa Econômica federal onde são fundidas na presença do proprietário em um lingote que será vendido à própria Caixa. Nas produções maiores é utilizado um alto-forno. Finalmente o processo, quase totalmente artesanal, está pronto, resultando na barra de ouro puro. A última limpeza retira a fuligem que recobre o ouro. Este lingote pesa 1,7 kg, resultado de uma tarde de extração depois de 2 anos cavocando um barranco. O dono, José Aparecido, espera tirar 13 kg de ouro desse barranco, para compensar seu investimento.

De acordo com os técnicos da DOCEGEO e do DNPM – Departamento nacional de produção Mineral, o garimpo manual desperdiça em média 40% do ouro de Serra pelada. A poluição do mercúrio e o alto índice de perdas são o grande argumento dos que defendem a mecanização do garimpo.

As empresas envolvidas estimam um aumento de produção de pelo menos 30% do ouro, que até hoje já rendeu 40 toneladas. Anualmente a produção vem caindo, ocupando agora apenas 5.000 garimpeiros, muito abaixo dos 50.000 homens que trabalhavam na cava em 1983, o melhor ano da Serra.

Por outro lado criou-se uma verdadeira cidade em torno do buraco, que resiste como pode contra a mecanização. Seria o fim do sustento para milhares de garimpeiros, que consideram Serra Pelada a sua casa.



O dialeto do garimpo

CAVA: como é chamado o grande buraco do garimpo aberto à mão; a de Serra Pelada tem hoje cerca de 100 metros de profundidade e o formato de um feijão.

BARRANCO: pedaço de terra de dimensões variáveis, comprado dentro da cava por um ou mais garimpeiros para ser explorado na busca do ouro.

CATA: sinônimo de barranco, onde os garimpeiros “catam” o ouro.

APONTADOR: empregado do dono do barranco que controla a quantidade de sacos retirados pelos carregadores de terra e despejados fora da cava. Têm direito a uma porcentagem da produção de ouro do barranco.

FORMIGA: carregador de sacos de terra e cascalho. São os bóias-frias do garimpo, que recebem um pagamento correspondente aos sacos carregados entre o barranco e o alto da cava.

MELEXETES: são os formigas sujos de barro.

ADEUS-MAMÃE: nome dado às escadas utilizadas pelas formigas para levar os sacos de cascalho para a superfície. São verdadeiras estradas de trânsito com mão própria de subida e descida. O nome vem dos freqüentes acidentes fatais quando do desabamento das escadas com dezenas de formigas sobre elas.

MEIA-PRAÇA: trabalhadores braçais que têm direito a uma porcentagem sobre o ouro encontrado no barranco do dono.

CAPITALISTA: dono do barranco, que normalmente vive fora do garimpo; financia as despesas com comida e equipamentos.

EMBARCADOR: indivíduo que coloca o cascalho com ouro na britdeira, onde o material é moído por um processo rudimentar.

COBRA-FUMANDO: “uma banheira de botar água para lavar cascalho e separar ouro”, na definição dos próprios garimpeiros.

MÁQUINA: sinônimo de cobra-fumando.

PASSADOR-DE-MÃO: indivíduo que procura separar à mão o ouro da terra, na qual está misturado.

CURIMÃ: rejeito mais nobre da separação do ouro, que geralmente passa por uma segunda lavagem.

BATEIA: instrumento em forma de peneira feito de chapa de metal, utilizado para a purificação manual final da mistura de mercúrio com ouro.

APURADOR: indivíduo que faz a separação do ouro utilizando-se de uma bateia para lavar o amálgama mercúrio-ouro. O mercúrio liga-se quimicamente ao ouro, facilitando a separação das impurezas.

REQUEIRO: fazer reque; procurar ouro nos rejeitos que correm nas águas, as migalhas que sobram.

DÍZIMO: porcentagem retirada da venda do ouro destinada à cooperativa dos garimpeiros para efetuar melhoramentos e obras de estabilização da cava.

BAMBURRADO: aquele que tirou a sorte grande no garimpo, encontrando um filão de ouro no seu barranco.

BLEFADO: garimpeiro que perdeu tudo, só é dono da roupa do corpo.

CUTIA: carregador de cascalho que fica com a pele vermelha.

ORELHA DE JEGUE: vale, adiantamento.

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