Histórias de blefo e bamburro
Aonde vai, o garimpeiro Antônio Lopes tem seguidores. Sua capacidade
de enxergar ouro à distância é inigualável. Não é à toa que seu
apelido é Olho de Gato. Há dez anos vivendo com a mulher Leonice
na província aurífera do Tapajós, no Pará, este maranhense 36 anos
descobriu recentemente um filão de ouro em meio à Floresta Amazônica.
De pá em punho, abriu uma clareira na mata e começou a garimpar
sozinho. A notícia rapidamente se espalhou entre os garimpeiros
que viviam na corrutela de São Domingos. Todos partiram em retirada
seguindo os rastros de Olho de Gato. Em 15 dias, 200 peões disputavam
um pedaço de terra com ele. Todos juntos desmataram a área, cavaram
um buraco de sete metros de profundidade e começaram a procura.
Estava formado um novo garimpo.
Batizado de Fofoca – que na linguagem do garimpeiro quer
dizer notícia de descoberta de um ponto de ouro – este é o mais
novo garimpo aberto na província aurífera criada em 1984 pelo então
ministro das Minas e Energia, César Cals. Em 100 mil quilômetros
quadrados estão espalhados 500 pontos de extração ligados pela Transgarimpeira,
estrada de 180 quilômetros. Construída pela Caixa Econômica em 1986,
a estrada está abandonada e sem manutenção. O abandono é o mesmo
relegado ao garimpo. Nem a profissão de garimpeiro é reconhecida.
“Minha equipe e eu trabalhamos 24 horas por dia”, comenta Olho
de Gato, no garimpo há duas décadas. Ele já passou por Serra Pelada,
Guiana Francesa e Suriname. Rico não ficou, mas conseguiu um certo
respeito no seu meio. “Olho de Gato é lerdo de manso”. Com
o comentário, o nordestino Rosalino Pereira Serrano quer dizer que
o colega é exímio conhecedor de seu ofício. Rosalino não atingiu
o mesmo status de Olho de Gato, mas pelo menos já ganhou apelido:
Boca Rica. A alcunha não poderia ser mais apropriada. Seis dos seus
dentes são cobertos de ouro. “Quando fico blefado, tiro o
ouro da boca e troco por dinheiro. Quando bamburro, guardo
minha reserva na boca.”
Blefo e bamburro são termos que fazem parte da vida
de qualquer garimpeiro. Das histórias contadas no garimpo, muitas
são trágicas. É comum ouvir relatos de mortes por queda de avião
nas cerca de 320 pistas próximas a Transgarimpeira. E também de
roubo de ouro, prostituição, contaminação por mercúrio, reincidência
de doenças como febre amarela, malária e hepatite. Mas nem só de
tragédia e miséria vive o garimpeiro. Alguns poucos têm a sorte
de alcançar a sonhada ascensão social.
“Já cheguei a encontrar uma média de 100 quilos por mês nos anos
80. Durante cinco anos, juntei cinco toneladas”, lembra, saudoso,
o goiano Rui Barbosa de Mendonça, 59 anos. Na época, Rui era um
dos dez pequenos mineradores mais ricos da região; hoje, pode se
considerar, no máximo, um membro da classe média. Rui chegou a contratar
dois mil garimpeiros e comprou seis aviões e um helicóptero. Independentemente
de onde venham, eles têm uma característica em comum: quando bamburram,
só pensam em gastar. Essa necessidade tem sua explicação. O garimpeiro
fica meses trancado no mato e quando consegue algum dinheiro, corre
para a cidade. Chega sem noção de preços. No garimpo, até o sexo
é pago em pepitas.
Um garimpeiro mais extravagante chegou ao extremo de fazer um rabo
com notas de dinheiro para passear pela cidade e ostentar a fortuna
recém-adquirida. Quem presenciou a cena lembra que Chico Índio passava
os dias desfilando e, de vez em quando, olhava para trás e exclamava:
“Passei a vida inteira atrás de você, agora é você que vai me seguir.”
Duas semanas depois, Chico morreu num acidente de carro.“Os garimpeiros
estão ficando mais ordeiros. A oferta de ouro diminuiu e eles são
obrigados a conter a ânsia de gastar”, avalia a vice-presidente
da Associação dos Mineradores de Ouro do Tapajós, Célia Araújo Serique.
A escassez do ouro na região preocupa os principais compradores
do metal. A produção de Itaituba declarada entre janeiro e setembro
foi de 2,16 toneladas, muito longe das 10,4 toneladas anuais produzidas
no início da década.
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