sexta-feira, 3 de abril de 2015

Inclusões fluidas em topázio do Complexo Granítico Estanífero de Massangana (RO)

Inclusões fluidas em topázio do Complexo Granítico Estanífero de Massangana (RO)




RESUMO
O complexo granítico de Massangana, localizado na região central de Rondônia, sudoeste do Cráton Amazônico, Brasil, é um importante exemplo da Província Estanífera de Rondônia. Esse complexo possui dimensões batolíticas, marcantes estruturas anelares relacionadas às sucessivas fases magmáticas e hospeda mineralizações de Sn, W, Nb, Ta, topázio e berilo associadas a pegmatitos. Esse trabalho apresenta a composição química e as condições mínimas de aprisionamento dos fluidos nos cristais de topázio encontrados no complexo granítico estanífero de Massangana. O topázio, de cor azul, apresenta qualidade gemológica e possui cinco grupos de inclusões fluidas de natureza H2O-NaCl, cuja salinidade equivalente varia de 3,4 a 11,7% em peso de NaCl, densidade em torno de 0,75g/cm3 e temperatura de homogeneização total (Th) entre 320 e 350ºC. Devido à íntima associação do topázio com cassiterita, wolframita e columbita-tantalita nos corpos pegmatíticos, admite-se que esse intervalo de Th também corresponda ao intervalo mínimo de cristalização desses outros minerais metálicos. Considerando que os pegmatitos no complexo granítico de Massangana estão associados às últimas fases magmáticas, é provável que a profundidade de posicionamento desses corpos pegmatíticos seja inferior a 3 km e a uma pressão estimada entre 1 e 1,5 kbar.
Palavras-chave: complexo granítico de Massangana, topázio gemológico, inclusões fluidas, Roraima.

ABSTRACT
The Massangana granitic complex, located in the central region of the State of Rondônia, State, southwestern of the Amazon craton, Brazil, is an important example of the Rondônia Tin Province. The complex represents a batholitic body with conspiscuous ring structures related to successive intrusion events hosting Sn, W, Nb, Ta, topaz and beryl mineralizations associated to pegmatite. In this paper we determine the chemical composition and the minimal conditions of capture of the fluids in topaz from the Massangana granitic complex. The blue topaz has gemological quality and presents five groups of H2O-NaCl fluid inclusions, with salinity between 3,4 to 11,7% weight % NaCl equivalent, density about 0,75g/cm3 and homogenization temperature between 320 to 350ºC. The close association of topaz with cassiterite, wolframite and columbite-tantalite in pegmatites suggests the same minimal homogenization temperature for the crystallization of the mentroned metalic minerals. The pegmatitic bodies in the Massangana Complex are associated with the last magmatic phases and their probable emplacement depth is less than 3 km corresponding to an estimated pressure between 1 to 1,5 kbar.
Keywords: Massangana granitic complex, gemological topaz, fluid inclusions, Roraima.



1. Introdução
O complexo granítico estanífero de Massangana está localizado na região central de Rondônia, distante cerca de 220km ao sul da capital Porto Velho (Figura 1). Essa região abriga os principais depósitos de estanho da Província Estanífera de Rondônia e foi alvo de intensa atividade de mineração por cerca de 40 anos (Dall'Igna, 1996). Atualmente, devido ao baixo preço do estanho no mercado internacional, apenas poucos garimperiros atuam na área do complexo granítico de Massangana, extraindo principalmente topázio e um pouco de cassiterita ao longo de pequenos aluviões. O topázio é comercializado como gema e seu jazimento primário está associado a corpos pegmatíticos, os quais foram, em grande parte, erodidos e transportados para os aluviões.
Esse trabalho objetiva caracterizar a composição química e as condições mínimas de aprisionamento dos fluidos nos cristais de topázio encontrados no complexo granítico estanífero de Massangana. A metodologia de trabalho envolveu estudos petrográfico e microtermométrico em quatro seções polidas em ambas as faces. No estudo microtermométrico utilizou-se a platina Chaixmeca modelo 871 do Laboratório de Inclusões Fluidas do Instituto de Geociências da Universidade de Brasília (IG-UnB). O equipamento foi calibrado utilizando-se inclusões fluidas sintéticas, com precisão variando de ±1ºC para resfriamento até -100ºC e de ±5ºC para aquecimento até 350ºC, com velocidade de aquecimento de cerca de 1ºC por minuto. Duas inclusões fluidas foram ainda submetidas à análise por espectroscopia micro-Raman no Instituto de Física da Universidade Federal de Minas Gerais.

2. Contexto geológico
O complexo granítico de Massangana é um dos principais representantes dos chamados Granitos Jovens de Rondônia (Kloosterman, 1967 e 1968). Possui dimensões batolíticas e se destaca nas imagens de satélite e fotografias aéreas pelo seu formato elíptico e alongado na direção ESE-WNW, contendo estruturas anelares relacionadas às sucessivas fases magmáticas que constituem a história evolutiva desse batólito (Kloosterman, 1967 e 1968; Warghorn, 1974; Isotta et al., 1978). Romanini (1982) caracterizou quatro fases magmáticas, denominando-as de Massangana, Bom Jardim, São Domingos e Taboca (Figura 1). A fase Massangana é a principal e mais antiga, com idade U-Pb em zircão de 991±14Ma (Bettencourt et al., 1999), sendo constituída por um biotita granito cálcio-alcalino a alcalino, de cor rosa-claro, com textura porfirítica média a grossa e contendo megacristais de feldspato potássico. As fases Bom Jardim e São Domingos são intrusivas na fase Massangana, apresentam idade Rb-Sr em rocha total da ordem de 956±9Ma, com razão inicial 87Sr/86Sr de 0,7104±0,0056 (Priem et al., 1989), sendo representadas por dois stocks de biotita granito de composição alcalina, exibindo cor rosa-claro, textura inequigranular fina a média e contendo xenólitos de diferentes tipos de rochas. A fase Taboca é considerada mais jovem, pois é intrusiva na fase Bom Jardim e é representada por apófises sieníticos a quartzo-sieníticas, com textura inequigranular fina a média, também contendo xenólitas das rochas encaixantes.
Os depósitos de estanho no complexo granítico Massangana estão relacionados às fases Bom Jardim e São Domingos, com a cassiterita associada a veios de quartzo, greisens e corpos pegmatíticos, normalmente contendo wolframita, berilo, topázio e columbita-tantalita (Romanini, 1982; Bettencourt & Dall'Agnol, 1995; Bettencourt et al., 1997). Os cristais de topázio comercializados como gemas ocorrem nas zonas intermediária e central dos corpos pegmatíticos heterogêneos, normalmente associados a berilo, cassiterita, wolframita e columbita-tantalita. Esses cristais de topázio são euédricos, de hábito prismático com terminações piramidais, com tamanho entre 3 e 12cm, são pouco fraturados, transparentes a translúcidos e apresentam cor variando de azul, amarelo a incolor.

3. Inclusões fluidas
O estudo de inclusões fluidas foi realizado em cristais de topázio azul, devido ao seu maior interesse comercial como uso gemológico (Figura 2A) e por apresentar um número mais representativo de grupos de inclusões fluidas (Figura 2B a 2F).




A observação petrográfica à temperatura ambiente (±25ºC), com base na morfologia, número e volume de fases envolvidas no sistema fluido, permitiu identificar cinco grupos de inclusões fluidas de natureza aquosa, sendo quatro grupos com características de inclusões fluidas primárias e um grupo com característica de inclusões fluidas pseudo-secundárias. Os grupos de inclusões fluidas primárias (L1, L2, S1 e S2) ocorrem, normalmente, nas partes mais centrais dos cristais de topázio, distribuídos em grupos e/ou alinhados ao longo de planos de crescimento do cristal, enquanto que as inclusões fluidas pseudo-secundárias (L3) tendem a ocorrer nas bordas dos cristais, distribuídas de modo aleatório.
O grupo L1 é do tipo bifásico, pois apresenta uma fase líquida e uma fase gasosa, exibe formato em bastonete com tamanho entre 20 e 40µm, é transparente a levemente rosada, com contornos finos e o volume da fase gasosa (Vg) em relação à fase líquida variando de 40 a 50% (Figura 2B). Ocasionalmente, contém uma fase sólida de cor preta, hábito granular e tamanho inferior a 1µm, a qual é interpretada como provável agregado mineral capturado durante a formação da cápsula hospedeira de fluidos e gases.
O grupo L2 é do tipo bifásico e é o mais freqüente. Apresenta formato elíptico a levemente prismático, ocasionalmente como cristal negativo, seu tamanho varia de 2 a 8µm, é transparente a translúcido, com contornos mais grossos e bem definidos, e Vg variando de 40 a 50% (Figura 2C).
O grupo S1 é raro, apresenta a mesma morfologia e Vg das inclusões fluidas do grupo L1, porém é constituído de inclusões fluidas trifásicas, pois apresentam uma terceira fase representada por um sólido de saturação incolor, de hábito cúbico e isótropo, interpretado como um sal do tipo halita, o qual ocupa um volume (Vs) em torno de 3% da inclusão fluida (Figura 2D).
O grupo S2 é do tipo trifásico e é o mais raro, apresenta formato elíptico a levemente prismático, tamanho entre 4 e 8µm, um Vg entre 50 e 60% e uma fase sólida de saturação com Vs inferior a 3% (Figura 2E).
O grupo L3 é constituído por inclusões fluidas bifásicas e é pouco freqüente. São consideradas como inclusões fluidas pseudo-secundárias por exibir formato irregular e tamanho variando de 40 a 90µm. Essas inclusões fluidas são transparentes, com contornos finos e Vg entre 20 e 30% (Figura 2F).
A observação microtermométrica permitiu caracterizar esse sistema fluido como do tipo H2O-NaCl, o que foi comprovado por meio da espectroscopia micro-Raman (Figuras 3A e 3B). Durante o resfriamento das inclusões fluidas (até -120ºC), o sistema fluido apresenta um intervalo de congelamento total entre -70 e -80ºC. Já durante o processo de aquecimento (até +360ºC), esse sistema fluido apresenta a primeira mudança de fase entre -24,2º e -18,6ºC, correspondente à temperatura do eutético (Te), a qual é uma medida pouco precisa e muitas vezes de difícil observação. Segundo Shepherd et al. (1985), o intervalo de temperatura do eutético para o sistema fluido H2O-NaCl varia de -21,2º a -20,8ºC. A segunda mudança de fase, correspondente à temperatura de fusão do gelo (Tfg), ocorre no intervalo de -8º a -2ºC (Figura 3C), sendo que para as inclusões fluidas L3 a Tfg = -3,8º a -2ºC, para L1 a Tfg = -6,8 a -3,6ºC e para L2 a Tfg = -8 a -5,3ºC . A temperatura de homogeneização total (Th) nas inclusões fluidas L1, L2 e L3 ocorre para a fase líquida no intervalo de 320 a 350ºC, porém com maior freqüência entre 330 e 340º C (Figura 3D). Nos casos das inclusões fluidas contendo sólidos de saturação (S1 e S2), a fase sólida apresenta temperatura de dissolução (Tds) logo após a temperatura de homogeneização das fases líquida-gasosa (L+G=L), ou seja, no intervalo entre 345 a 350ºC (Figura 3D).
A salinidade do sistema H2O-NaCl, para as inclusões fluidas bifásicas (L1, L2 e L3), foi calculada com base na temperatura de fusão do gelo (Tfg), aplicando-se a equação proposta por Bodnar (1993), onde se obteve um intervalo de salinidade equivalente de 3,4 a 11,7% em peso de NaCl, distribuído no seguinte modo: inclusões fluidas L3 entre 3,4 e 6,1%, L1 entre 6 a 10,2% e L2 entre 8,3 e 11,7% em peso de NaCl equivalente. Para as raras inclusões fluidas trifásicas (S1 e S2), a salinidade foi calculada com base na temperatura de dissolução da fase sólida (Tds), aplicando-se a equação proposta por Sterner et al. (1988), onde se obteve uma salinidade equivalente entre 42 e 42,5% em peso de NaCl. A densidade das inclusões fluidas mais comuns (L1 e L2), estimada com base no diagrama que relaciona salinidade por temperatura de homogeneização total (Shepherd et al. 1985), apresenta um valor entre 0,65 e 0,75 g/cm3.

4. Considerações finais
Em geral, nos corpos graníticos portadores de pegmatitos com mineralizações de Sn, W, Nb, e Ta e gemas, os sistemas fluidos são aquosos a aquo-carbônicos, apresentam baixa a moderada salinidade, baixa densidade e temperatura mínima de aprisionamento entre 350 e 500ºC (Campbell & Panter, 1990; Linnen & Williams-Jones, 1994; Lu & Lottermoser, 1997). Estudos de inclusões fluidas em quartzo, topázio, fluorita e cassiterita nos sistemas de veios e greisens de outros depósitos de Sn e W na região central de Rondônia demonstram que a temperatura mínima de aprisionamento desses fluidos varia de 270 a 420ºC (Souza & Botelho, 2002; Leite Júnior, 2002).
No complexo granítico estanífero de Massangana, o sistema fluido no topázio, com características gemológicas, é de natureza essencialmente aquosa (H2O-NaCl). Entretanto esse sistema apresenta salinidade variando de baixa a alta, ou seja, nas inclusões fluidas bifásicas (L1, L2 e L3) a salinidade equivalente varia de 3,4 a 11,7% em peso de NaCl, enquanto que nas raras inclusões fluidas trifásicas (S1 e S2) a salinidade equivalente varia de 42 a 42,5% em peso de NaCl. Essa variação no valor da salinidade é indicativa da provável mistura de fluidos de diferentes naturezas (por exemplo, magmático e meteórico) durante a ascensão do sistema fluido associado às fases Bom Jardim e São Domingos, modificando desse modo a salinidade dos fluidos mais primordiais, provavelmente representados pelas inclusões fluidas S1 e S2. Entretanto o modo de distribuição dos grupos de inclusões fluidas no interior dos cristais de topázio sugere uma variação nos valores de salinidade, de temperatura de homogeneização (Th) e de cronologia das inclusões fluidas, reflexo dos estágios progressivos de crescimento dos cristais. Nesse sentido, os primeiros grupos de inclusões fluidas formados apresentam os maiores valores de salinidade e Th (L1, L2, S1 e S2) e ocupam as partes mais centrais dos cristais, ao contrário do grupo de inclusões fluidas pseudo-secundário (L3) consideradas mais jovens e apresentando valores mais baixos de salinidade e Th. Todavia, o contraste entre os valores de Th para os grupos de inclusões fluidas primárias e pseudo-secundárias não é tão marcante, o que sugere que a temperatura no interior dos corpos pegmatíticos permaneceu elevada por um considerável período de tempo.
Com base nos critérios propostos por Van den Kerkhof e Hein (2001), esse sistema fluido apresenta característica de aprisionamento homogêneo, pois seu volume Vg varia muito pouco, tanto nas inclusões fluidas primárias, como nas pseudo-secundárias, o que demonstra também baixa variação na densidade desse fluido. Logo, a temperatura de homogeneização total aqui apresentada (Tht = 320 e 350ºC) pode ser considerada como a temperatura mínima de aprisionamento desse fluido. Devido à íntima associação nos corpos pegmatíticos do topázio com cassiterita, wolframita e columbita-tantalita, admite-se que o intervalo de temperatura entre 320 e 350ºC também corresponderia ao intervalo mínimo de cristalização desses outros minerais metálicos. Assim, é provável que o principal intervalo mínimo de temperatura de precipitação da cassiterita nos depósitos de estanho de Rondônia oscile na faixa de 300 a 400ºC.
Os complexos graníticos com estruturas anelares são, normalmente, alojados em níveis crustais rasos e ao longo de falhamentos transcrustais (Johson et al., 2002). Segundo Okida (2001), os Granitos Jovens de Rondônia foram alojados em estruturas de alívio ao longo de linhas de fraquezas crustais, através da atuação de movimentos progressivos transpressivos-transtensivos. Considerando que os corpos pegmatíticos portadores de minerais de Sn, W, Nb, e Ta e gemas no complexo granítico estanífero de Massangana estão associados às últimas fases magmáticas (Bom Jardim e São Domingos), é provável que a profundidade de posicionamento desses corpos seja inferior a 3 km e a uma pressão estimada na ordem de 1 a 1,5kbar.

Piroeletricidade e emissão de infravermelho distante da turmalina

Piroeletricidade e emissão de infravermelho distante da turmalina




RESUMO
Um modelo tridimensional de computador de esferas rígidas da estrutura cristalina da turmalina revela que oscilações anarmônicas são impostas ao sítio W, o que, teoricamente, pode explicar a sua piroeletricidade e a emissão de infravermelho distante. Entretanto esses efeitos devem ser pequenos. Medidas das suas grandezas são necessárias para explicação do uso industrial do pó de turmalina.
Palavras-chave: turmalina, estrutura cristalina, piroeletricidade, emissão de infravermelho distante.

ABSTRACT
A three dimensional rigid ball computer model of the tourmaline crystal structure shows that anharmonic oscillations are imposed to the W site. This can theoretically explain both the pyroelectricity and the far infrared emission of tourmaline. Nevertheless, these effects should be small. Measurements of their magnitudes are necessary to explain the industrial use of tourmaline powder.
Keywords: tourmaline, crystal structure, pyroelectricity, far infrared emission.



1. Introdução
Nos últimos anos, tem crescido o interesse industrial pelo pó de turmalina preta (série schorlita-dravita). Produtos para tratamento de água, purificação de ar, cosméticos, argamassas, agricultura, tintas e roupas têm sido lançados no mercado. Observa-se um crescente número de pedidos de patente para usos industriais da turmalina. Porém há pouca literatura científica para fundamentar esses usos. Em geral, a piroeletricidade ou a emissão de infravermelho distante da turmalina tem sido utilizada para justificar o seu uso nos diversos produtos, através de textos com objetivos de divulgação comercial e dirigido para o público leigo.
A piroeletricidade da turmalina é uma propriedade conhecida e relativamente bem documentada na literatura científica, embora existam poucas referências sobre as suas causas. (Donnay, 1977) atribuiu a piroeletricidade da turmalina a vibrações anarmônicas do oxigênio no sítio W (descrito na próxima seção), ao observar que a sua posição média se move 0,005 Å entre 193 e 293 K, sendo o único átomo com deslocamento acima da incerteza experimental. Não se encontram, na literatura científica internacional, trabalhos sobre as causas da emissão de infravermelho distante ou mesmo se ela, de fato, existe na turmalina.
Nesse trabalho, a estrutura cristalina da turmalina está apresentada em detalhes, através do modelo de esferas rígidas, e correlacionada com a piroeletricidade e emissão de infravermelho distante, tanto do ponto de vista da mecânica clássica, quanto quântica. Espera-se dar uma contribuição para a elucidação dos fundamentos científicos para o uso industrial do pó de turmalina.

2. A estrutura cristalina da turmalina
A fórmula estrutural da turmalina é XY3Z6(T6O18)(BO3)3V3W. A sua estrutura cristalina é trigonal, do grupo espacial R3m. É caracterizada por anéis de seis tetraedros (sítios T), cujos oxigênios do ápice apontam para a direção do eixo c. Os sítios tetraédricos T são ocupados por silício. Ocasionalmente o silício pode ser substituído por alumínio ou boro [Hawthorne, MacDonald, Burns,1993 e Tagg, Cho, Dyar et alii.,1999 ]. Grupos triangulares de BO3, paralelos ao plano (0001), se alternam acima e abaixo dos tetraedros. A maioria dos estudos cristalográficos indica que há quantidades estequiométricas de boro nesse sítio [Hawthorne,1996 e Bloodaxe, Hughes, Dyar, et alii., 1999]. Os anéis planares de tetraedros são ligados por dois tipos de octaedros, Z e Y, que dividem lados entre si. O octaedro Z é distorcido e ocupado por cátions trivalentes, como Al3+, Cr3+ e V3+, mas pode conter quantidades significativas de cátions bivalentes, como Mg2+ ou Fe2+. Os cátions do sítio Z servem como ligação entre os elementos estruturais com simetria de 120º em relação ao eixo c. O sítio Y é um octaedro relativamente regular, ocupado por vários cátions multivalentes, como Li1+, Mg2+, Fe2+, Mn2+, Al3+, Cr3+, V3+, Fe3+ e Ti4+. Estudos mais refinados mostram que todos ou quase todos os sítios Y estão ocupados [Hawthorne, MacDonald, Burns,1993, MacDonald, Hawthorne, Grice, 1993 e Taylor, Cooper, Hawthorne, 1995]. O sítio X é um antiprisma trigonal de coordenação nove, localizado ao longo do eixo c. É comumente ocupado por sódio, cálcio ou potássio em menores quantidades ou, ainda, pode estar desocupado. Há 31 ânions na fórmula, localizados em 8 sítios distintos, O(1) até O(8) [Donnay, Buerger, 1950]. Os sítios O(2) e O(4) a O(8) são ocupados, exclusivamente, por O2-. O sítio O(1), denominado de sítio W, na fórmula estrutural, está localizado ao longo do eixo c, central ao pseudo-anel hexagonal de tetraedros e pode conter OH1-, O2- ou F1-. Se O2- for dominante nesse sítio, é necessário existir uma ordenação de curto alcance nos sítios Y e Z, tal que eles são, respectivamente, ocupados por alumínio e magnésio [Hawthorne, Henry, 1999]. Os três sítios O(3), denominados de sítio V, geralmente contêm OH1-, mas, também, podem conter quantidades significativas de O2-. O sítio W é único porque F1- só ocupa esse sítio e O2- também tende a ocupá-lo em relação a OH1- [Grice, Ercit, 1993, MacDonald, Hawthorne, 1995].
Para apresentação das características mais detalhadas da estrutura cristalina das turmalinas, tomou-se, por base, a shorlita, cuja fórmula química é NaFe3Al6(Si6O18)(BO3)3(OH)3 OH. A Figura 1 apresenta essa estrutura no modelo de esferas rígidas, construído com os dados para as distâncias atômicas da WWW-MINCRYST - Crystallographic Database for Minerals (Card N. 4131) [Annon], com auxílio do programa Carrara Studio 3.0. Os raios iônicos e cristalinos foram tomados de (Shannon,1976).



Os silicatos, SiO4-, que formam hexágonos, são tetraedros quase regulares. As distâncias do silício para os oxigênios são: Si-O4 = 1,63 Å; Si-O5 = 1,64 Å; Si-O6 = 1,60 Å e Si-O7 = 1,61 Å. O4, O5 têm multiplicidade 3 e O6 e O7 têm multiplicidade 6. O6 é o oxigênio do ápice de cada tetraedro. Os O7 estão fortemente ligados aos seus pares dos hexágonos adjacentes, com distância de ligação O7-O7 de 1,38 Å. Esse fato se reflete no espectro de absorção do infravermelho, que apresenta três picos distintos para as ligações Si-O, de 900 a 1200 cm-1 (vide Figura 2).



Os BO3 são triângulos bem regulares, perpendiculares ao eixo c, formados por O2, O8 e O8, todos dentro da mesma célula unitária, com o boro no centro. As distâncias entre os oxigênios e o boro são: B-O2 = 1,37 Å, B-O8 = 1,38 Å, B-O8 = 1,38 Å. O2 é o oxigênio mais próximo do eixo c. Esses triângulos têm simetria de 120º em relação ao eixo c. Eles se encontram em um plano diferente dos tetraedros do silicato, distanciados 3,26 Å destes ao longo do eixo c. O boro exerce um papel importante na ligação entre as camadas de átomos ao longo do eixo c e na ligação com o alumínio da célula unitária adjacente. As ligações B-O são responsáveis pelo pico de absorção em torno de 1.250 cm-1 no espectro do infravermelho da turmalina.
O alumínio está ligado a 4 átomos da célula unitária à qual pertence (O6, O7, O8 e OH3) e a 2 átomos da célula unitária adjacente (O7 e O8). As distâncias entre o alumínio e seus vizinhos são as seguintes: dentro da mesma célula unitária, Al-O6 = 1,88 Å, Al-O7 = 3,41 Å, Al-O8 = 1,93 Å e Al-OH3 = 1,98 Å; dentro da célula unitária adjacente, Al-O7 = 3,59 Å e Al-O8 = 1,91 Å. Trata-se de um octaedro bastante distorcido. Devido à distância das ligações com os oxigênios, vê-se que as ligações com os anéis hexagonais de silicatos (Si-O7) têm caráter iônico e devem ser fracas. Entretanto a ligação com os O8, tanto da célula à qual pertence, quanto da célula adjacente, tem quase a mesma distância. Vê-se que o alumínio exerce o seu papel na ligação entre células adjacentes no plano perpendicular ao eixo c através da ligação Si-O8. As absorções em torno de 700 cm-1 no espectro do infravermelho são atribuídas à ligação Al-O.
O ferro também ocupa um octaedro. Porém ele se liga somente a átomos da célula unitária à qual pertence. Esses átomos e as respectivas distâncias do ferro são: Fe-O2 = 2,01 Å, Fe-O2 = 2,01 Å, Fe-O6 = 2,05 Å, Fe-O6 = 2,16 Å, Fe-OH1 = 2,07 Å, Fe-OH3 = 2,17 Å. Trata-se de um octaedro quase regular. O ferro é importante para a ligação entre as camadas de átomos ao longo do eixo c.
O sódio e o OH1 se alternam ao longo do eixo c. A distância entre eles é 4,03 Å dentro de uma célula unitária. Porém a distância do OH1 para o sódio, na célula unitária adjacente, é 3,16 Å. Essa distribuição não uniforme de cargas positivas e negativas ao longo do eixo c traz conseqüências para as propriedades elétricas da turmalina. A Figura 3 apresenta a distribuição de sódio e OH1 ao longo do eixo c. Os átomos de ferro também estão mostrados. Vê-se que eles impõem uma restrição aos movimentos do OH1 ao longo do eixo c, que tem mais liberdade para se aproximar do sódio da célula unitária vizinha. Com o aumento das vibrações térmicas, espera-se que a distância entre sódio e OH1, dentro de uma célula unitária, tenda a aumentar, enquanto que a distância entre o sódio e o OH1 de células unitárias adjacentes ao longo do eixo c tenda a diminuir.



Há quatro hidroxilas na fórmula da turmalina. Uma delas, denominada OH1, ocupa o sítio W e se encontra no eixo c, como visto anteriormente. As outras três hidroxilas, denominadas OH3, ocupam o sítio V e formam um triângulo em torno do eixo c. Elas fazem parte, simultaneamente, dos octaedros do ferro e do alumínio. Na Figura 2, os picos entre 3500 e 3600 cm-1 são atribuídos às OH3 e os picos entre 3620 e 3700 cm-1 às OH1.

3. A piroeletricidade na turmalina
Em um meio dielétrico anisotrópico (monocristal), a relação linear entre a indução (D) e a intensidade do campo elétrico (E) é [Landau e Lifshitz,1971]:
Di = Doi = eik . Ek
(1)
onde é um vetor constante. O conjunto das grandezas eik forma um tensor de segunda ordem - tensor de permeabilidade dielétrica (ou tensor dielétrico). A maioria dos tipos de simetria cristalina não admite a presença de um vetor constante. A presença desse termo significa que o dielétrico está espontaneamente polarizado, mesmo na ausência de um campo elétrico exterior. Esses corpos são chamados piroelétricos. Entretanto a grandeza dessa polarização é sempre muito pequena em relação aos campos moleculares. Se ela fosse grande, levaria ao aparecimento de intensos campos dentro do cristal, o que não é favorável do ponto de vista energético e, assim, não corresponderia ao equilíbrio termodinâmico.
O efeito piroelétrico só é possível para algumas simetrias de cristais. Como para qualquer transformação de simetria as propriedades do cristal não devem se modificar, é evidente que somente cristais com uma direção invariável sob todas as transformações de simetria podem ser piroelétricos. É nessa direção que estará apontando o vetor constante . Apenas os grupos de simetria com um só eixo e dois planos de simetria que passam por esse eixo satisfazem essa condição, que é o caso do grupo espacial da turmalina, R3m.
Em condições ordinárias, os cristais piroelétricos não possuem momento dipolar elétrico total, embora a polarização dentro desses cristais não seja nula. Isso se dá porque, em um dielétrico polarizado espontaneamente, o campo é diferente de zero. Como a condutividade elétrica da amostra, mesmo pequena, não é nula, a presença desse campo produz uma corrente elétrica que pode existir até que a aparição de cargas livres na superfície do corpo conduz ao desaparecimento do campo dentro da amostra. Os íons do ar se depositam sobre a superfície da amostra, favorecendo esse efeito. Podem-se observar as propriedades piroelétricas através de aquecimento dos corpos, quando o valor da sua polarização espontânea se altera e se observa essa variação.
No caso da turmalina, o vetor só pode apontar na direção do eixo c, onde se encontram as hidroxilas OH1 e o sódio (vide Figura 2), respectivamente, posições X e W. As vibrações anarmônicas impostas ao sítio W pelos cátions nos sítiosY fazem com que o campo elétrico espontâneo, em torno de uma partícula de turmalina, tenda a crescer com a temperatura. Provavelmente seja essa a explicação para a piroeletricidade da turmalina. Note que, com as vibrações anarmônicas provocada pelo aumento da temperatura, a distância entre os sítios X e W tende a crescer dentro de uma célula unitária e a diminuir entre células unitárias adjacentes. Um cálculo de campo eletrostático demonstra que, quanto maior a diferença entre as distâncias dos sítios X e W, ao longo do eixo c, maior será o campo elétrico espontâneo da turmalina. Como já visto, Donnay G [1] observou vibrações anarmônicas no sítio W.

4. A emissão de infravermelho distante na turmalina
A teoria clássica para oscilações dos sistemas com vários graus de liberdade [Landau e Lishitz, 1971], no caso das vibrações anarmônicas, prevê que, às freqüências das oscilações normais próprias do sistema, de freqüência wa ..., wb, se superpõem oscilações suplementares, de freqüência wa ± wb (entre elas as freqüências duplicadas e a freqüência nula, esta última correspondente a uma elongação constante). Ora, o espectro do infravermelho da turmalina revela oscilações da hidroxila OH1, no sítio W, entre 3628 e 3700 cm-1. Isso nos dá uma estimativa para wa - wb de aproximadamente 2.1012 s-1, com comprimento de onda de cerca de 0,1 mm, na faixa limite entre o infravermelho distante e as microondas, ou seja, pela mecânica clássica, espera-se de fato uma emissão pelos cristais de turmalina de ondas eletromagnéticas de freqüência da ordem de 2.103 GHz. Entretanto esse é um fenômeno de segunda ordem e deve ser de pequena intensidade. São necessárias medidas experimentais para se estimar a sua grandeza, de tal forma a justificar o seu emprego industrial.
Pela mecânica quântica, a solução da equação de Schrödinger para um oscilador anarmônico deve ser feita com auxílio da teoria das perturbações. Nesse caso, os níveis de energia para esse oscilador são [Landau e Lifshitz,1971]:
(2)
Para um oscilador harmônico, as diferenças entre os níveis de energia será sempre um múltiplo inteiro de hw. Porém, para um oscilador anarmônico, essa expressão mostra que, na medida em que n cresce, as transições entre os níveis energéticos se tornam menores, desde que b < 2a2/(3mw2), ou seja, um oscilador anarmônico terá transições de energia do tipo fn,n-1.hw, onde 0 < fn,n-1 < 1 e é decrescente com o aumento de n. Ele deve apresentar um espectro de freqüências que incluirá, desde a freqüência nula até freqüências próximas das suas oscilações normais. Esperam-se, portanto, emissões de infravermelho distante na turmalina, devido às oscilações anarmônicas no sítio W. Porém a intensidade dessas emissões deve ser pequena, porque as emissões estão distribuídas por todo o espectro eletromagnético com freqüências menores que as oscilações normais e os valores de a e b, devem ser pequenos. Da mesma forma, medidas experimentais são necessárias para estimativa da grandeza dessas emissões.

5. Conclusão
A construção de um detalhado modelo de esferas rígidas para a estrutura cristalina da turmalina revela que os sítios X e W estão, ao longo do eixo c, mais próximos entre si, quando estão em células unitárias adjacentes do que quando estão dentro da mesma célula unitária. Os cátions nas posições Y impõem oscilações anarmônicas ao sítio W, o que faz com que essa diferença entre os espaçamentos se torne ainda mais pronunciada com o aumento da temperatura. Isso explica, teoricamente, a piroeletricidade da turmalina e a emissão de infravermelho distante. Porém, esses são fenômenos de segunda ordem. Medidas são necessárias para verificar se as grandezas desses fenômenos podem explicar os usos industrias do pó de turmalina.

Rubi e safiras de Minas Gerais, Brasil

Rubi e safiras de Minas Gerais, Brasil


RESUMO
Rubis e safiras de quatro depósitos em Minas Gerais, denominados Sapucaia, Indaiá e Palmeiras, na região de Caratinga-Manhuaçu, e Malacacheta, mais ao norte, foram caracterizados em termos geológicos, gemológicos, químicos e espectroscópicos, com o objetivo de interpretar causas de cor, gênese, bem como analisar o potencial econômico dos depósitos. Resultados de análises químicas e espectroscopia UV-visível mostram que a provável causa da cor azul é transferência de cargas entre Fe2+ e Ti4+, enquanto Cr3+ causa tonalidades violeta e púrpura, efeito alexandrita e fluorescência. A ausência de Ce e La e o teor relativamente mais alto de Ga distinguem as amostras de Malacacheta das demais. Além de sugerir particularidades genéticas, a diferença em termos de elementos-traços, pode ser utilizada como indicador de proveniência das gemas. Inclusões de um polimorfo de Al2SiO5 e indícios de campo sugerem que o coríndon deve ter sido gerado por processos metamórficos regionais, o que expande as possibilidades para a descoberta de novas ocorrências de rubi e safiras nos terrenos de alto grau metamórfico do leste de Minas Gerais.
Palavras-chave: Coríndon, rubi, safira, Minas Gerais, elementos traços, gemologia.

ABSTRACT
Rubies and sapphires from four deposits in Minas Gerais named Sapucaia, Indaiá and Palmeiras, in the region of Caratinga-Manhuaçu, and Malacacheta, farther north, were characterized in terms of geology, gemology, chemistry and spectroscopy in order to interpret causes of color and genesis. The economical potential of the deposits was also analyzed. Chemical analyses and UV-visible spectroscopy reveal that the probable cause of the blue color is a charge transfer between Fe2+ e Ti4+, while Cr3+ causes violet and purplish tints, alexandrite effect and fluorescence. Absence of Ce and La and relatively higher Ga-contents distinguish the Malacacheta samples from the others. Besides suggesting genetic particularities, the difference in terms of trace elements might be used as a provenience indicator for the gems. Inclusions of an Al2SiO5 polimorph and field evidences suggest that the origin of corundum might be due to regional metamorphic processes, thus expanding the possibilities for the discovery of new occurrences of ruby and sapphires in the high grade metamorphic terrain in eastern Minas Gerais.
Keywords: Corundum, ruby, sapphire, Minas Gerais, trace-elements, gemology.



1. Introdução
Nos últimos anos, novas ocorrências de coríndon surgiram em Minas Gerais, conhecido produtor de gemas coradas e diamante. Os depósitos de Palmeiras, Indaiá, Sapucaia e Malacacheta produzem safiras azuis, com tons violeta ou púrpura e rubi de tamanhos pequenos, mas com boa intensidade de cor e transparência. Indaiá é um depósito já conhecido (Epstein et al. 1994; Liccardo, 1999) e que teve sua produção interrompida em 1996, mas que, esporadicamente, apresenta alguma produção por garimpeiros. Do mesmo modo que em Indaiá, Palmeiras e Sapucaia, descobertas recentes na mesma região, apresentam um bom potencial gemológico, com gemas de tonalidades variando do azul ao púrpura, às vezes com efeito alexandrita, eventualmente com presença de rubi (Liccardo e Jordt-Evangelista, 2001). O depósito de Malacacheta, conhecido há várias décadas como produtor de alexandrita, sempre produziu safiras azuis como subproduto nas minerações. Atualmente tais safiras estão sendo comercializadas como material lapidável e sendo tratadas termicamente em Bangkok. Esse artigo reporta características desses depósitos e suas gemas, assim como mais informações sobre as já conhecidas safiras de Indaiá.

2. Histórico
A presença de coríndon no Brasil tem sido mencionada há muito tempo em literatura (Hussak, 1916; Guimarães, 1934), sem que existisse, no entanto, uma produção de material com qualidade-gema. A primeira menção de safiras azuis com qualidade para lapidação foi em Coxim, Mato Grosso do Sul (Eppler, 1964). Nesses depósitos, a safira é encontrada como mineral satélite em cascalhos produtores de diamante e nunca houve produção constante, sendo que algumas pedras são esporadicamente comercializadas.
Em Malacacheta, pequenos cristais de safira azul e incolor/leitosa foram retirados juntamente com crisoberilo e alexandrita durante anos, desde a década de 80, contudo com pouca produção comercial.
A descoberta dos depósitos de Indaiá no início da década de 90 foi a mais promissora até então, tendo sido descrita por Themelis (1994) como a primeira ocorrência comercial de coríndon no Brasil. Em 1999, iniciou-se uma pequena produção em Sapucaia, cerca de 25km ao sul de Indaiá, com gemas muito semelhantes, inclusive com moderado efeito alexandrita (Liccardo & Jordt-Evangelista, 2000). Em 2000, surgiram notícias sobre o depósito de Palmeiras, cerca de 60km a sudeste de Sapucaia, com gemas semelhantes aos depósitos anteriores, mas com tons predominantemente mais avermelhados. A falta de tradição na exploração de rubi e safira, em meio a tantas outras gemas no Estado de Minas Gerais, faz com que os garimpeiros que atuam nos pegmatitos da região concentrem-se na extração de outras gemas, principalmente água-marinha e, em Malacacheta, alexandrita e crisoberilo.

3. Localização e acessos
Três dessas ocorrências situam-se no eixo Manhuaçu-Caratinga, cerca de 250km a leste de Belo Horizonte (Figura 1). A ocorrência de Indaiá pertence ao município de Vargem Alegre, aproximadamente a 20km a noroeste de Caratinga, a montante do Córrego São Gabriel.No município de Sapucaia, cerca de 25km a sudoeste de Caratinga, nas cabeceiras do córrego Ferrugem, encontra-se a segunda ocorrência. O depósito de Palmeiras situa-se no município de Manhuaçu, no distrito de mesmo nome, 12km a noroeste da cidade. Nessas ocorrências, o acesso, em parte, é feito por estradas de terra, que, na estação das chuvas (setembro a janeiro), tornam-se dificilmente transitáveis.


Os depósitos de Malacacheta situam-se às margens do córrego do Fogo e ribeirão Soturno, a aproxidamente 12km a norte da cidade de Malacacheta. O acesso a essa região é um pouco melhor que os das anteriores, mesmo na estação de chuvas. Malacacheta está cerca de 270km da região de Indaiá, Palmeiras e Sapucaia.
4. Contexto geológico regional
O coríndon da região de Manhuaçu-Caratinga se encontra em depósitos secundários sobre terrenos gnáissicos-migmatíticos, com presença eventual de litotipos granulíticos e charnoquíticos, além de inúmeros corpos pegmatíticos que entrecortam todas as rochas (Figura 2). Os terrenos fazem parte do núcleo do Orógeno Neoproterozóico Araçuaí (Pedrosa-Soares & Wiedemann-Leonardos, 2000).
Em Malacacheta, os depósitos também são colúvio-aluvionares encaixados em rochas metamórficas pré-cambrianas. Regionalmente, o contexto geológico mostra a existência de um batólito granítico intrudido em xistos peraluminosos das Formações Salinas e Capelinha e rochas metaultramáficas que cortam os xistos da Formação Capelinha (Figura 2). O corpo granítico, sem indícios de metamorfismo, foi datado em 537±8 Ma (Basílio, 1999) e as rochas encaixantes são de idade proterozóica.

5. Características dos depósitos
Na faixa que compreende os depósitos de coríndon, ocorrem litologias pertencentes a terrenos metamórficos de médio até alto grau, como xistos, gnaisses, granulitos e charnoquitos. Esses terrenos são cortados por corpos pegmatíticos pouco diferenciados, por vezes mineralizados em água-marinha. O coríndon é sempre encontrado em depósitos sedimentares recentes, sem indícios da possível rocha que o originou.
Os depósitos podem abranger cinco tipos gerais: aluviões recentes, paleoaluviões de terraço suspenso, paleoaluviões de fundo de vale, colúvios e elúvios. A grande maioria dos depósitos de coríndon está associada a paleoaluviões plio-pleistocênicos, formados sob condições de fluxos torrenciais e retrabalhamento (Addad, 2001). Os depósitos ocupam atualmente as partes mais profundas dos preenchimentos sedimentares de vales, onde armadilhas de relevo condicionaram sua deposição, ou terraços aluvionares suspensos, relacionados ao desenvolvimento de paleosuperfícies. A alta densidade do coríndon faz com que esteja associado a pesados blocos de quartzo e fragmentos de encaixantes, nas porções mais inferiores.
Nesse contexto secundário, o retrabalhamento sedimentar fragmenta e "seleciona" os clastos e os concentra em níveis e pláceres. Do ponto de vista do seu aproveitamento gemológico, essa seleção fornece fragmentos com menor quantidade de defeitos de cristalização, de fraturas e inclusões, que correspondem a partes com maior resistência mecânica a impactos e abrasão. Isto significa que, a partir de uma população original de fragmentos, existe uma tendência segundo a qual, após o transporte por uma determinada distância dentro de um fluxo sedimentar, os clastos recuperados apresentam uma maior porcentagem de qualidade gema, pela eliminação de fragmentos mecanicamente mais frágeis.

6. Métodos de extração
Os depósitos de coríndon, usualmente inconsolidados, mostram uma relativa facilidade mecânica de explotação. Camadas de sedimentos cobrem os níveis mineralizados, geralmente cascalheiras aluvionares ou porções grosseiras de colúvios. O descapeamento não oferece maiores dificuldades técnicas, salvo quando se trata de aluviões recentes ou paleoaluviões posicionados sob leitos ativos de cursos de água, quando é necessário o bombeamento da água infiltrada ou o isolamento da porção a ser trabalhada. As gemas podem, então, ser separadas por processos que envolvem classificação granulométrica, lavagem e concentração-catação.
Em Indaiá, após o rush da extração, em meados de 90 (Epstein et al. 1994), os garimpos paralisaram os trabalhos e hoje a extração é realizada individualmente nos leitos dos rios. O mesmo acontece em Sapucaia, que ao final da década era trabalhada com tratores e calhas para a concentração do material. Na área de Palmeiras, somente garimpos em aluvião estão produzindo, apesar de tentativas de mecanização. A extração organizada tem esbarrado em problemas ambientais e, por isso, está paralisada.
Em Malacacheta, as áreas de extração (cerca de 4x4m) são escoradas com madeira para contenção de terra e a água é bombeada continuamente com motores movidos a diesel ou gás. Equipes de até cinco pessoas trabalham em cada área, retirando o material mineralizado e buscando, principalmente, a alexandrita, que ocorre associada.

7. Amostras e análises
Amostras de coríndon, juntamente com seus minerais satélites, foram coletadas com lavagem de cascalho e peneiramento. A quantidade de material em bruto permitiu análises destrutivas e algumas amostras coletadas puderam inclusive ser lapidadas. Em Palmeiras, foram obtidas 16 gemas facetadas e 18 cabochões; em Sapucaia, 6 facetadas e 4 cabochões; em Malacacheta, 4 facetadas e, em Indaiá, 5 facetadas.
As amostras das quatro ocorrências foram submetidas a análises gemológicas tradicionais e, ainda, cinco exemplares de cada depósito foram moídos para análises químicas por INAA (Análise por Ativação Neutrônica Instrumental) e uma por ICP-OES (Plasma Indutivamente Acoplado com Espectrometria de Emissão Óptica), para complementação de alguns elementos. Além disso, foram realizadas análises em espectroscopia UV-Visível, ATD/ATG (Análises Termodiferencial e Termogravimétrica) e MEV/EDS (Microscopia Eletrônica de Varredura com Espectrometria de Energia Dispersa). As amostras submetidas à espectroscopia foram preparadas em secções cortadas perpendicularmente ao eixo c dos cristais. Os testes termodiferencial e termogravimétrico realizados em um mineral anidro (coríndon) resultam na identificação de fases hidratadas associadas a esse mineral, como a bohemita e o diásporo.

8. Características e resultados
8.1 Malacacheta
A safira de Malacacheta ocorre em cristais euédricos transparentes, no formato típico de barrilete e tamanho normalmente pequeno (<1cm). A maior parte apresenta um marcante zonamento de cor, sendo incolor com um núcleo ou mancha de coloração azul intenso, boa transparência, tendendo a translúcida, principalmente na parte incolor. O pleocroísmo nas amostras azuis costuma ser moderado, de azul-escuro a azul-claro. Fotografias representativas de amostras de Malacacheta encontram-se nas Figuras 3 e 4. Análises gemológicas convencionais resultaram num índice de refração variando de 1,759 a 1,764 para o raio extraordinário e 1,767 a 1,770 para o raio ordinário. A birrefringência média é de 0,009 (Tabela 1). Sob luz UV essas safiras mostram resposta moderada a fraca, de tons avermelhados para todas as amostras azuis, tanto em SW como em LW. Uma amostra incolor a levemente rosada apresentou reação muito forte ao UV de ondas longas (LW).
As inclusões sólidas identificadas em microscópio óptico e microscópio eletrônico de varredura foram ilmenita, ilmenita magnesiana e um polimorfo de Al2SiO5. O comportamento, na análise termogravimétrica, indica ausência de diásporo ou boehmita, comumente presentes em coríndon e causadores de perda de transparência.
As análises químicas resultaram, para as amostras de Malacacheta, na seguinte composição em elementos menores e traços: Cr 20 a 58ppm, Fe 3582 a 4415ppm; Ga 180 a 192ppm; Ti 392ppm; Na 69-90ppm; Mn 13ppm; La 0 a 3ppm e V 18ppm (Tabela 2 - para o Ti, Mn e V somente uma análise). A presença desses elementos indica que, muito provavelmente, a coloração azul das safiras de Malacacheta tenha como causa uma transferência de cargas eletrônicas entre os íons Fe+2 e o Ti+4. Considerando-se esses teores de Fe e Ti e as características ópticas da safira, é possível que um tratamento térmico sob condições adequadas possa redistribuir a coloração azul ou mesmo transformar a cor branca leitosa em azul profundo na maior parte do material produzido em Malacacheta. Os espectros UV-Visível mostraram picos intensos nas regiões de 485 e 585nm, possivelmente associados à presença de Fe3+ (Figura 6).




8.2 Indaiá
Safiras de colorações que variam de azul profundo ao violeta, quase púrpura (Figuras 3 e 4), são encontradas em depósitos coluvionares e aluvionares de Indaiá. Os cristais apresentam-se anédricos, geralmente de tamanho pequeno (<1cm) e alguns mostram um moderado efeito alexandrita de azul para azul-púrpura e de púrpura para púrpura-violeta.
As análises gemológicas mostraram um pleocroísmo forte de azul para azulvioleta e de azul-claro para púrpura. Os índices de refração variam de 1,760 a 1762 para o raio extraordinário e 1,770 para o raio ordinário, com birrefringência variando de 0,008 a 0,010. Sob luz UV de ondas longas (LW), as amostras apresentam fluorescência variável de moderada a forte com coloração avermelhada (Tabela 1).
As inclusões são constituídas de rutilo, ilmenita, zircão, moscovita, monazita (Figura 5), espinélio, biotita (Figura 5) e um dos polimorfos de Al2SiO5.
Análises químicas e espectroscópicas mostraram a presença de Fe, Ti e Cr como prováveis elementos causadores de cor nessas safiras. O efeito de mudança de cor (efeito alexandrita) e a forte fluorescência são associados à presença do íon Cr3+. Os elementos menores e traços quantificados foram: Cr 191 a 390ppm, Fe 2626 a 3615ppm; Ga 60 a 93ppm; Ti 185ppm; Na 57-78ppm; Mn 13 ppm; La 19 a 81ppm; Ce 66 a 159ppm e V 44ppm (Tabela 2 - para o Ti, Mn e V somente uma análise).
Em termos de cor e transparência, as safiras mostram um bom potencial para aproveitamento gemológico, o qual pode ser sensivelmente aumentado com tratamento térmico adequado. Themelis (1994) sugere que 80% do material produzido nessa localidade se prestaria ao tratamento por aquecimento, com base em testes que realizou em atmosfera oxidante e temperatura em torno de 1750ºC.
Os espectros referentes às amostras de Indaiá são muito semelhantes aos obtidos em Palmeiras e Sapucaia, mostrando uma banda de absorção entre 370 e 420nm, que, em safiras azuis do Sri Lanka, Mianmar, Vietnam e outras (Smith et al., 1995), é associada à presença de Fe3+. A faixa entre 500 e 600nm, região indicativa do mecanismo Fe2+ - Ti4+ e da presença de Cr3+, apresenta-se na forma de bandas largas e suaves (Figura 6).
8.3 Sapucaia
A safira de Sapucaia ocorre em cristais euédricos, subédricos e fragmentos irregulares, nas cores azul, púrpura, violeta e preta (Figuras 3 e 4). Apresenta-se em prismas hexagonais alongados e, muitas vezes, terminados em bipirâmide, sendo a superfície externa dos cristais normalmente lisa e freqüentemente recoberta por muscovita microcristalina. A maior parte dos cristais mostra dimensões em torno de 1cm, variando desde alguns milímetros até 8cm de comprimento (o maior exemplar encontrado).
Os cristais exibem pronunciada partição basal e romboédrica nos planos de geminação polissintética. Em termos de diafaneidade, são opacos até transparentes e parte pode ser aproveitada como gema, apesar das abundantes fraturas. Nos exemplares translúcidos e transparentes, foi verificada uma distribuição irregular da cor, além de inclusões opacas. Como efeitos ópticos especiais, foram observados o efeito alexandrita (safiras azuis em luz natural tornam-se violetas sob iluminação incandescente), o efeito seda (brilho prateado sedoso) e, nas safiras pretas, ocorre, ainda, o asterismo com a formação de estrela de seis pontas.
As análises gemológicas mostraram pleocroísmo moderado a acentuado nas amostras azuis, púrpura e violeta. Os índices de refração variam de 1,759-1,762, para o raio extraordinário, e 1,768-1,770, para o raio ordinário, com birrefringência média de 0,009 (Tabela 1). Sob iluminação ultravioleta de ondas curtas (SW), as safiras mostraram uma reação fraca a moderada (violeta); em ondas longas, as amostras, nas cores violeta e púrpura, apresentaram reação de fluorescência muito forte (vermelha) e, nas outras cores, reação moderada (violeta).
As principais inclusões identificadas foram mica castanha (Figura 5), rutilo, ilmenita e um polimorfo de Al2SiO5, além da constatação de diásporo nos planos de geminação polissintética, muito semelhante ao material de Indaiá. As análises químicas mostraram os seguintes teores dos elementos menores e traços: Cr 54 a 1092ppm, Fe 4603 a 9312ppm; Ga 94 a 293ppm; Ti 361ppm; Na 58 a 169ppm; Mn 18 ppm; La 3 a 206ppm; Ce 21 a 300ppm e V 62ppm (Tabela 2 - para o Ti, Mn e V somente uma análise).
Os estudos dessas safiras apontam boas possibilidades de aproveitamento gemológico, à semelhança da safira de Indaiá, principalmente em relação às de cor azul e violeta e com efeitos ópticos especiais. Possivelmente, esse aproveitamento poderá ser aumentado se essas safiras forem tratadas termicamente. Os espectros UV-Visível são semelhantes aos de Indaiá, com banda de absorção mais abrupta em torno de 370nm e uma banda suave entre 520 e 580nm, provavelmente relacionadas ao mecanismo de cor Fe2+ - Ti4+ (Figura 6).
8.4 Palmeiras
Os cristais encontrados em Palmeiras são euédricos, de coloração predominantemente avermelhada (rubi ou safira rosa), em menor escala também violeta ou púrpura e, raramente, azul, com hábito prismático alongado e em "barrilete", com tamanho variando de 0,5 a 4cm (Figuras 3 e 4). Alguns exemplares pequenos também mostraram o efeito alexandrita, semelhante a Indaiá e Sapucaia, mas o efeito óptico especial, que predomina nessas amostras, é o efeito seda e, esporadicamente, alguns rubis apresentam discreto asterismo. Uma parte dos cristais apresenta-se transparente, porém a maioria varia de opaca a translúcida.
Amostras de coloração vermelha e rosa apresentam pleocroísmo moderado para tons mais escuros e os cristais azuis e violeta possuem pleocroísmo fraco. Os índices de refração variam de 1,761 a 1,763, para o raio extraordinário, e 1,769 a 1,771. para o raio ordinário. A variação da birrefringência é de 0,008 a 0,010. Sob luz ultravioleta de ondas curtas (SW), a reação foi muito fraca e, em ondas longas (LW), as amostras de cores vermelha e rosa mostraram fluorescência muito forte (Tabela 1).
Como inclusões sólidas ocorrem zircão, rutilo (arredondado e acicular), apatita, ilmenita, hematita, monazita e mica (Figura 5). Também, nessas amostras, o diásporo encontra-se nos planos de geminação polissintética.
Os teores dos elementos menores e traços são: Cr 596 a 1293ppm, Fe 2022 a 3733ppm; Ga 71 a 114ppm; Ti 172ppm; Na 63 a 73ppm; Mn 9 ppm; La 16 a 150ppm; Ce 98 a 368ppm e V 57ppm (Tabela 2). A espectroscopia UV-Visível mostrou resultados muito semelhantes a Indaiá e Sapucaia, com banda de absorção de 370nm a 420nm e uma banda suave entre 520 e 580nm, provavelmente relacionadas à presença de Fe2+ - Ti4+ nas amostras azuladas e Cr+3 nas amostras rosadas ou avermelhadas (Figura 6).

9. Discussão
A descoberta de diversas ocorrências de coríndon com qualidade gemológica em áreas relativamente próximas é um forte indicativo do potencial para a existência de outros depósitos e de aumento da produção de rubi e safiras no Brasil.
As análises químicas apontam as causas de cor azul como sendo o mecanismo de transferência de cargas entre Fe2+ e Ti4+ e a presença de Cr3+, possivelmente, influencia nas tonalidades violeta e púrpura, assim como pode estar associada ao efeito alexandrita e à forte fluorescência de algumas amostras, principalmente em Palmeiras e Indaiá. Nas amostras de coloração vermelha e com tonalidades rosa, os teores de Cr são sensivelmente mais altos, podendo ser vinculados como causa dessas cores. Os espectros em UV-Visível são coerentes com essas possibilidades.
A ausência de Ce e La e o teor relativamente mais alto de Ga distinguem o coríndon de Malacacheta do coríndon da região de Manhuaçu-Caratinga, o que pode sugerir diferenças genéticas e esse fato pode ser utilizado como indicador de proveniência.
Indícios de campo, como as rochas predominantes nas regiões, sugerem que a gênese do coríndon pode ser associada a processos metamórficos regionais, o que expande as possibilidades de existirem novas ocorrências em todo o leste de Minas Gerais, cujo contexto geológico é muito semelhante.
Os resultados analíticos e as características físicas descritas indicam que a aplicação de tratamento térmico adequado no coríndon estudado pode vir a melhorar significativamente a qualidade das gemas produzidas e viabilizar uma produção sistemática. Malacacheta, por apresentar produção constante, e Indaiá, pela qualidade de suas safiras, são as ocorrências com melhores possibilidades para a sistematização da extração.

Estudos por µXRF-Sincrotron de fluidos mineralizadores detectados em minérios uraníferos, ferríferos e depósitos epitermais

Estudos por µXRF-Sincrotron de fluidos mineralizadores detectados em minérios uraníferos, ferríferos e depósitos epitermais




RESUMO
O método de análise não-destrutivo denominado Microfluorescência de Raios X. (µSXRF, radiação Sincrotron) tem sido utilizado recentemente em laboratórios de luz Sincrotron de vários países para identificar e, em situações especiais, quantificar elementos menores, maiores e traços em inclusões fluidas. Com esse intuito, a estação de µSXRF do LNLS (Laboratório Nacional de Luz Sincrotron, Campinas) foi utilizada para desenvolver estudos composicionais de inclusões fluidas em minerais transparentes (quartzo, adulária, esmeralda, piroxênio) de diferentes jazidas minerais e minérios opacos de Ag e Fe.
Palavras-chave: Luz Sincrotron (µSXRF), inclusões fluidas, minérios.

ABSTRACT
Synchrotron radiation micro X-ray fluorescence (SµXRF) analysis is a non-destructive method that can be used to identify, and in special cases, to quantify major, minor, and trace elements present in fluid inclusions. In spite of the relevant results, this technique has been used only in a few studies, which, moreover, are mostly focused on either synthetic or natural fluid inclusions in transparent minerals. To investigate fluid inclusions in transparent and opaque minerals, the synchrotron radiation X-ray microprobe station from the µSXRF fluorescence beamline at the LNLS-Campinas was used. This analytical method has been proven to be efficient in the chemical characterization of the fluid inclusions constituents of some transparent (quartz, adularia, emerald, etc.) and opaque minerals (pyrargyrite and hematite).
Keywords: Synchrotron (SµXRF), fluid inclusions, ore minerals.



1. Introdução
A luz, ou radiação, Sincrotron é uma designação ampla para todos os tipos de luz originados por partículas relativísticas em trajetórias curvas. Compreende uma faixa de luz que vai do ultravioleta até os raios X moles, atingindo, em determinadas circunstâncias, os raios X duros. As radiações Sincrotron são produzidas em um equipamento que acelera partículas (elétrons) a grandes velocidades, emitindo fótons (grãos de luz). Portanto a radiação Sincrotron é uma radiação eletromagnética produzida quando os elétrons (ou pósitrons), utilizando magnetos, são forçados a mudar de direção. A radiação é um milhão de vezes mais brilhante do que as fontes convencionais e, em termos de magnitude, 11 vezes mais brilhante que a produzida pelos raios X normais. Quando o feixe de raios X irradia a amostra, origina uma interação com os constituintes atômicos da mesma a partir de três processos principais: o efeito fotoelétrico, o efeito de dispersão elástica (Rayleigh) e o efeito inelástico (Winick & Doniach, 1980; Lindgreen, 2000).
Desde a sua descoberta, em 1940, a Luz Sincrotron tem-se convertido numa excelente fonte de raios X, tendo, atualmente, grandes aplicações científicas em muitas disciplinas, incluindo as seguintes: Biologia, Medicina, Física, Engenharias e Geociências. Atualmente, os equipamentos dos aceleradores de partículas Sincrotron já se encontram em sua terceira geração.
Em geociências, a Luz Sincrotron pode ser utilizada no estudo das inclusões fluidas presentes nos minerais, através da técnica denominada Microfluorescência de raio X (µSXRF). Com esse objetivo, uma microssonda de raios X é utilizada para atingir uma resolução espacial micrométrica. Os primeiros estudos desse tipo foram desenvolvidos por Frantz et al. (1988), em inclusões fluidas sintéticas. Entretanto a maior parte dos estudos de inclusões fluidas, em minerais transparentes, foram desenvolvidos recentemente por Rankin et al. (1992), Mavrogenes et al., (1995), Philippot et al., (1998 e 2001), Vanko e Mavrogenes (1998); Hayashi e Lida (2001), Vanko et al., (2001); Menez et al., (2002) e Samson et al., (2003). No Brasil, os primeiros estudos de inclusões fluidas em minerais transparentes foram desenvolvidos por Xavier et al., (1999), Alves et al., (2000a, b) e Rios et al. (2006), na Estação de Microfluorescência de Raios X Sincrotron (µSXRF), instalada no Laboratório Nacional de Luz Sincrotron (LNLS) em Campinas, SP.
O LNLS constitui-se no único laboratório desse tipo disponível na América do Sul. A estação está equipada com um capilar cônico ultrafino, que condensa o feixe de luz branca de 0,5 mm por 0,5 mm numa área de, aproximadamente, 20 µm (Perez et al., 1999). Na linha da µSXRF do LNLS, é utilizado um feixe branco ou monocromático. Também fazem parte da mesma uma janela de berilo, para isolar o vácuo da linha, um cristal monocromador channel-cut e um conjunto de fendas motorizadas controladas por computador, para limitar o feixe de luz. Detetores por dispersão de energia Si(LI) e HPGe integram o sistema de detecção da linha de luz (Perez et al. 1999) .
Com a µSXRF, as radiações características dos elementos mais pesados são menos absorvidas, se comparadas com as dos elementos mais leves. O método é não-destrutivo e permite, em casos especiais, quantificar elementos maiores, menores e traços contidos nas inclusões fluidas. Trabalhando em condições normais de pressão e temperatura, é possível detectar elementos com números atômicos maiores que o alumínio (Vanko & Mavrogenes, 1998). Portanto, o Na (um dos principais constituintes das inclusões fluidas) não pode ser detectado por essa técnica.
A metodologia da µSXRF fornece resultados semiquantitativos de forma rápida. A análise dos dados de inclusões fluidas, utilizando a µSXRF, inclui a comparação do espectro da inclusão com respeito ao espectro do mineral hospedeiro (denominado espectro branco) e a identificação dos picos de difração de cada elemento (Figura 1).



O presente trabalho mostra os resultados obtidos dos estudos realizados em minerais transparentes (piroxênios, feldspatos, entre os quais a adulária, esmeraldas, calcita e quartzo) e, ainda, opacos (hematita e pirargirita), utilizando-se a Estação de µSXRF do LNLS de Campinas (Figuras 1 e 2).

2. Alguns exemplos minerais estudados pela µSXRF
Quartzo
Foi o mineral mais estudado, apresentando, geralmente, bons resultados em jazidas de Ag-Au epitermais, rochas graníticas e pegmatíticas. No caso de quartzo de depósitos epitermais do Macizo del Deseado, Patagônia, os resultados da µSXRF (presença de Cl, K, Ca, Fe, and Sb) são concordantes com os dados microtermométricos, confirmando a presença do sistema salino H2O + NaCl + KCl + CaCl2 + FeCl2.
Piroxênios
Os resultados obtidos, nesses minerais, associados à mineralização uranífera da Jazida Cachoeira, Lagoa Real, BA, indicaram a presença de V nas soluções mineralizadoras. Os outros picos encontrados coincidem com os correspondentes ao hospedeiro (Si, Ca, Ti, Mn, Fe e Zn). Não foi identificado o pico de U, o que confirma observações petrográficas recentes (somente da jazida da Cachoeira), que sugerem ser o piroxênio imediatamente anterior ao principal evento uranífero na região (Chaves et al., 2006).
Esmeraldas
Foram obtidos excelentes resultados em inclusões maiores de 50µm da região de Nova Era (MG) (Figura 2). Os dados semiquantitativos obtidos confirmaram a presença de Cl, Ca, K, V, Cr, Mn, Fe, Ni, Cu, Zn e As no fluido mineralizador que originou essas gemas.
Adulária
Apesar das limitações ópticas, o estudo da µSXRF, em adulárias de ambientes epitermais, evidenciou a presença de K+ e, provavelmente, Ba no fluido mineralizador.
Hematita e Pirargirita
Os estudos, por µSXRF, nesses minerais opacos, foram desenvolvidos utilizando uma câmera que opera no espectro da luz visível e o início do espectro de infravermelho (near infrared) (Rios et al., 2006). Nas hematitas estudadas (provenientes do Quadrilátero Ferrífero-MG), foi detectada a presença de Ca e provável Fe, Ba, Ti e K nas soluções. No caso da pirargirita (sulfeto de Ag e As), foi confirmada a presença de S, Cu e As, além de traços de Ag nas soluções presentes nas inclusões fluidas.

3. Vantagens e desvantagens da metodologia da µXRF no estudo de inclusões fluidas
Vantagens
(a) Trata-se de um método não-destrutivo, o que permite preservar a amostra para verificações futuras ou outras análises.
(b) Permite desenvolver leituras qualitativas rápidas sobre elementos presentes nas fases gasosas, líquidas e sólidas das inclusões.
(c) Possibilita comparar a composição do hospedeiro e da inclusão numa única corrida de leitura.
(d) Com a ajuda de programas especiais de computador, disponíveis na linha, é possível elaborar diagramas tridimensionais, mostrando a dispersão dos elementos dentro da inclusão
(e) A superposição dos espectros permite diferenciar os elementos que estão presentes na inclusão dos que pertencem ao mineral hospedeiro.
(f) Trata-se de uma metodologia de ponta já disponível no Brasil.
(g) Os projetos, submetidos e aprovados, contam com apoio do LNLS.
Desvantagens
(a) O estudo por µSXRF requer inclusões fluidas acima de 30µm localizadas próximas à superfície (< de 10µm). O diâmetro do feixe é de 20 µm. Portanto o estudo de inclusões menores de 20 µm, ou localizadas a profundidades maiores de 10µm, fornece resultados pouco confiáveis.
(b) A localização das inclusões fluidas é trabalhosa, já que o equipamento óptico da linha proporciona um único aumento sendo que a definição nem sempre é a melhor.
(c) Não permite desenvolver estudos quantitativos, ainda que, em condições ideais, seja possível obter resultados semiquantitativos.
(d) A utilização do software para calcular o ajuste dos dados obtidos é a parte mais demorada do processo, pois se torna indispensável dispor de tempo para identificar os picos de cada elemento.
(e) Não permite, como se referiu anteriormente, identificar o Na, elemento comum nas soluções salinas presentes nas inclusões dos minerais.
(f) Não permite estudar fases nitro-carbônicas.

(g) A metodologia não consegue determinar o estado de valência dos elementos.

4. Conclusão
A metodologia da µSXRF é uma excelente técnica já disponível no Brasil para realizar microanálises de elementos, presentes nas inclusões fluidas de minerais transparentes, e até de alguns minerais opacos, com número atômico maior que 14. Surge como uma alternativa confiável das metodologias LA-ICP-MS e PIXE, embora não atinja o grau de detecção que fornecem estas últimas metodologias. No estudo de fases sólidas, é uma boa alternativa ao MEV com EDS. Todos os tipos de minerais estudados, pertencentes aos mais variados ambientes, forneceram resultados confiáveis e permitiram complementar e confirmar as informações fornecidas pela microtermometria, sobretudo no que se refere à composição de sistemas salinos. Trata-se, portanto, de um ótimo complemento para os estudos microtermométricos de aplicação rotineira.

A intrusão diamantífera Abel Régis (Carmo do Paranaíba, MG): kimberlito ou lamproíto?

A intrusão diamantífera Abel Régis (Carmo do Paranaíba, MG): kimberlito ou lamproíto?

(The diamond-bearing Abel Régis intrusion (Carmo do Paranaíba, MG): kimberlite or lamproite?)



Resumo
Centenas de intrusões de natureza kimberlítica ou relacionadas são conhecidas na Província Diamantífera do Alto Paranaíba, em Minas Gerais e Goiás. O pipe Abel Régis, localizado em Carmo do Paranaíba e descoberto pela De Beers na década de 1970, é um desses corpos, que tem sido, em geral, considerado como um kimberlito. Na área da intrusão, ocorrem metassedimentos neoproterozóicos do Grupo Bambuí, os quais são atravessados pelo pipe cretácico (?) de forma superficial aproximadamente circular, com cerca de 1.400 m de diâmetro. Foram distinguidas diversas fácies petrográficas no corpo, que é um dos poucos de toda a província mineral onde encontram-se preservadas feições da zona de cratera. Como o acervo de informações pré-existentes não era esclarecedor quanto à mineralogia de tal corpo, efetuaram-se também estudos com microssonda eletrônica, os quais demonstraram significativas mudanças quanto ao até então admitido. As mais importantes foram: predomínio local de Cr-espinélio sobre ilmenita entre os minerais indicadores, ilmenitas pouco magnesianas e presença abundante do K-feldspato sanidina. Essas características, somadas ao aspecto em forma de taça apresentado pelo corpo, permitem sugerir, em princípio, que a intrusão Abel Régis possa ser de natureza lamproítica.
Palavras-chave: Diamante, kimberlito, lamproíto, intrusão Abel Régis.

Abstract
Hundreds of kimberlite or related intrusions are known in the Alto Paranaíba Diamondiferous Province, in the states of Minas Gerais and Goiás. The Abel Régis intrusion, located in Carmo do Paranaíba county is one of these bodies that was discovered in the 1970´s by De Beers, and has generally been recognized as kimberlite. Neoproterozoic metasedimentary rocks of the Bambuí Group are found in the intrusion area. These rocks are cut by the Cretaceous(?) body outcropping as a nearly circular section with 1,400 m in diameter. Distinct petrographic facies, including crater facies, can be recognized in the body. As the previous data was not informative about the mineralogical features of the intrusion, studies were also performed with electron microprobe, which indicated significant changes in relation to the allowed concepts. The most important were: the local predominance of Cr-spinel in relation to ilmenite, Mg-poor ilmenites, and an abundant presence of the K-feldspar sanidine. These characteristics, added to the cup-shaped body, point out that the Abel Régis intrusion could probably present a lamproitic affinity.
Keywords: Diamond, kimberlite, lamproite, Abel Régis intrusion.



1. Introdução
Na atualidade, centenas de intrusões de natureza kimberlítica ou parentais são conhecidas na Província Diamantífera do Alto Paranaíba, em Minas Gerais e regiões contíguas de Goiás, especialmente na faixa NW-SE, que abrange os municípios mineiros de Monte Carmelo, Abadia dos Dourados, Coromandel, Patos de Minas e Carmo do Paranaíba. Embora depósitos diamantíferos aluvionares tenham sido descobertos no país nos primórdios do século XVIII, somente no final da década de 1960 iniciou-se a pesquisa sistemática de rochas fontes primárias pelo BRGM, órgão estatal francês de mineração. Através de sua subsidiária brasileira, a SOPEMI (mais tarde encampada pelo grupo minerador sul-africano De Beers), essa empresa identificou os primeiros pipes kimberlíticos na bacia do Rio Santo Inácio, em Coromandel, onde depósitos secundários eram lavrados desde inícios do século XX.
Na Província do Alto Paranaíba, logo dezenas de outros corpos foram identificados e pesquisados. Além disso, uma outra província diamantífera foi descoberta pela SOPEMI, cerca de 200 km a sudeste da anterior, designada de Província da Serra da Canastra. Tais pesquisas levaram à definição de alguns pipes mineralizados a baixo teor, bem como ao primeiro depósito primário no país com reservas economicamente viáveis, o kimberlito Canastra-1 (Chaves et al., 2008). A Província do Alto Paranaíba abrange uma superfície com pelo menos 30.000 km². Nesse contexto, em diversos corpos onde a mineralização foi anunciada, os seus potenciais econômicos permanecem de conhecimento exclusivo das companhias portadoras dos direitos minerários, e, assim, o relacionamento entre as intrusões com os diamantes aluvionares ainda não está perfeitamente estabelecido na região como um todo.
O "kimberlito" Abel Régis constitui um desses casos. Ele foi descoberto na década de 1970 e, do mesmo modo que a maioria das intrusões da região, foi classificado como um kimberlito (Read et al., 2004; La Terra, 2006; La Terra et al., 2006), embora esses trabalhos careçam de dados geoquímicos e/ou mineralógicos pertinentes. Informações adicionais obtidas em campo revelam ainda que o corpo tem produzido regularmente microdiamantes, amostrados com o programa de sondagens efetuado (Geólogo Ricardo Prates, inf. verbal, 2007). Através do levantamento detalhado do corpo (1:5.000), que determinou sua geologia e as fácies petrográficas típicas, bem como amostragem dos principais minerais indicadores visando a detectar aspectos mineraloquímicos em análises com microssonda eletrônica, observou-se que as pesquisas anteriores foram insatisfatórias na caracterização da tipologia da rocha, levando a uma proposta de redefinição da mesma no presente artigo.

2. Localização, breve histórico e síntese geológica
A intrusão está localizada cerca de 12 km WNW da sede da cidade de Carmo do Paranaíba, meio-oeste de Minas Gerais. O centróide aproximado do corpo está em (GPS) 349400N/7901500E, zona 23 e datum Córrego Alegre (Figura 1). Na década de 1970, quando a SOPEMI (Grupo De Beers) descobriu alguns de seus afloramentos através de rastreamento de minerais indicadores e prospecção geofísica por magnetometria, eles foram designados como Abel Régis, Sucesso-1 e Sucesso-2, admitindo-se, na ocasião, a existência de três blows independentes. O primeiro nome foi tirado do proprietário da fazenda, cuja sede localiza-se no interior da intrusão.
Novas pesquisas efetuadas pela Parimá Mineração, na década de 1990, rebatizaram tais blows como Régis-1, Régis-2 e Régis-3; os dois primeiros recentemente integrados em um só corpo (Régis) pela SAMSUL Mineração a partir de dados aerogeofísicos. Essa última etapa de pesquisas incluiu seis furos de sonda rotativa, dois deles (na porção central da intrusão) recuperando microdiamantes (MD): um com 316 m de profundidade amostrou 129 MD e outro, com 251 m, amostrou 20 MD (Geólogo Ricardo Prates, inf. verbal, 2007). Doravante, a intrusão será designada conforme sua caracterização original pela SOPEMI - "Abel Régis'.
A geologia da região compreende principalmente siltitos, argilitos e diamictitos do Grupo Bambuí, de idade neoproterozóica, nos quais a intrusão encontra-se na maior parte hospedada (Seer et al., 1989; Signorelli et al., 2003; Tuller & Silva, 2003). Sobre o Grupo Bambuí, ocorrem arenitos e conglomerados do Grupo Areado (Cretáceo Inferior) além de rochas tufáceas do Grupo Mata da Corda (Cretáceo Superior). Em termos geotectônicos, o pipe está localizado nas proximidades da margem oeste do Cráton do São Francisco (Figura 1); inexistem datações divulgadas sobre o mesmo, embora outros situados nessa província diamantífera sejam datados no Eocretáceo (Svisero et al., 1983; Pereira & Fuck, 2005).

3. Aspectos geológicos da intrusão Abel Régis

A intrusão possui forma superficial aproximadamente circular com cerca de 1.400 m de diâmetro (±140 ha de área), conforme o levantamento em escala de detalhe efetuado (Figura 2). La Terra (2006) e La Terra et al. (2006) determinaram com metodologia CSAMT (controlled-source audiomagnetotellurics) o comportamento em subsuperfície do corpo, constituindo uma das raras intrusões dessa natureza no país que já foram pesquisadas com tal detalhe, tendo seus resultados divulgados. Através de duas perfilagens N-S e uma perfilagem E-W (posição dos perfis na Figura 2), obteve-se um modelamento em duas dimensões para o pipe até cerca de 300 m de profundidade (Figura 3-A), onde se configura a aparente presença de somente um conduto vulcânico. Pela comparação das formas típicas de pipes kimberlíticos e lamproíticos (Figura 3-B e C), denota-se uma forte semelhança morfológica com o segundo tipo litológico.




Embora a maioria dos afloramentos encontre-se em adiantado estado de intemperização, foram identificadas quatro fácies petrográficas (Figura 2): (1) A fácies dominante, presente em cerca de 60% da exposição e de modo característico em suas bordas, consiste em uma brecha vulcânica compacta e pouco selecionada; (2) Localizada preferencialmente na porção centro-sul da intrusão, possuindo em torno de 30% de expressão areal, aparece uma fácies de tufos, finos até grossos, argilitizados e ricos em minerais indicadores; (3) Uma terceira fácies, de brecha grossa, é observada no bordo oeste e sudoeste do corpo, com cerca de 8% de domínio de superfície, constituindo uma zona com abundância de xenólitos crustais (principalmente quartzito e metassiltito), com blocos de material silexficado (parede da intrusão?) dispersos na superfície; (4) De ocorrência restrita a pequeno setor ao norte da intrusão (~2% de expressão areal) ocorre uma fácies de tufo acamadado, com material piroclástico (lapilli) associado.
A intrusão é uma das poucas de toda província onde ainda encontram-se preservadas feições da zona de cratera. O conduto superior de uma intrusão é de difícil preservação, por apresentar composição de material tufáceo ultrabásico que sob condições exógenas é rapidamente erodido. As crateras exibem estrutura em funil resultante de seu colapso, preenchida por sedimentos estratificados, remobilizados do próprio pipe.

4. Mineraloquímica das principais fases indicadoras
Amostragens para caracterização da mineraloquímica das mais importantes fases indicadoras do diamante foram efetuadas em três locais, duas sobre a fácies da brecha de borda e uma sobre a fácies de tufos (central), compreendendo 30 kg em cada ponto (Figura 2). Para o procedimento de coleta desses minerais, foi dada preferência aos trechos de miniravinamento sobre o corpo, onde o fator de concentração dos pesados deve chegar a pelo menos 10 vezes o da rocha, pela simples observação visual. Análises com microssonda eletrônica foram efetuadas sobre granadas, diopsídio, ilmenita e espinélio (LMA - Dep. de Física/ICEX-UFMG). No total, analisaram-se 128 grãos; em cada grão foram realizados 4 pontos de medição.
As granadas, todas identificadas do tipo piropo, foram separadas segundo distintas colorações: púrpura (29 grãos), vermelha (28 grãos) e alaranjada (21 grãos). Em geral, os dados químicos mostraram-se bastante semelhantes entre esses três tipos, não se verificando relação entre granadas de cor púrpura com maior concentração de Cr2O3, como recentemente Chaves et al. (2008) reconheceram no kimberlito Canastra-1 (São Roque de Minas).
As composições CaO x Cr2O3, para separação entre granadas de diferentes tendências químicas são apresentadas na Figura 4, onde se destaca uma população fortemente concentrada no trend G4-G5-G9 (campos mineraloquímicos conforme Grütter et al., 2004). Esses campos, em geral, caracterizam intrusões com teores desprezíveis ou inférteis em diamantes (Dawson & Stephens, 1975; Grütter et al., 2004).


Segundo Mitchell e Bergman (1991), as composições dos clinopiroxênios não servem para diferenciar claramente kimberlitos do grupo II de lamproítos. Entretanto Mitchell (1986) fornece uma tabela com duas médias de composições de diopsídios derivados de kimberlitos do grupo II, com conteúdos de CaO por volta de 25% (Tabela 1), muito diferentes das médias encontradas na intrusão Abel Régis e, por exemplo, no lamproíto "clássico" de Leucite Hills (EUA). Ressaltem-se, ainda, os conteúdos de Cr2O3 desse mineral na intrusão estudada, bastante elevados, seja para lamproítos, seja para kimberlitos do grupo II.
Um outro aspecto mineralógico interessante diz respeito à relativa maior abundância de Cr-espinélio (cromita) sobre ilmenita na fácies de tufos, de ocorrência incomum em kimberlitos (Mitchell, 1986). Normalmente, espinélios de kimberlitos e lamproítos seguem dois trends mineraloquímicos distintos, ambos representados nas amostras do corpo Abel Régis (Tabela 2). Cromitas associadas com diamante possuem altos conteúdos de Cr2O3 e MgO, respectivamente maiores do que 62% e 12% em média, além de depleção em TiO2 (Dong & Zhou, 1980; Gurney & Moore, 1991). Dois grãos analisados do mineral revelaram tais características, sendo fortes evidências de material de manto superior, provavelmente relacionados com a presença de (micro) diamantes.
As ilmenitas de kimberlitos, em geral, possuem um característico alto conteúdo de MgO, que pode alcançar até próximo de 25% (Mitchell, 1986), enquanto as de lamproítos tendem a apresentar valores mais baixos desse óxido (Mitchell & Bergman, 1991). A média de ±7,5% reconhecida na intrusão Abel Régis, compara-se à de lamproítos australianos (Tabela 3). Em adição, observam-se, também, nessa tabela, as semelhanças notáveis dos valores de FeO e MgO do mineral em lamproítos em comparação aos dados analisados no corpo Abel Régis.
Nos três pontos amostrados, observaram-se, com relativa abundância, grãos (com até cerca de 1 mm de diâmetro) de um mineral esbranquiçado-leitoso, de forma esférica ou semi-esférica, identificado com difração de raios X como sanidina. Esse mineral, analisado posteriormente com microssonda eletrônica (ponto REG), apresentou semelhança química muito forte com espécimes descritos nos lamproítos de Leucite Hills (EUA), Kapamba (Zâmbia) e West Kimberley (Austrália) (Tabela 4).
O zircão foi observado sobretudo no ponto SUC, identificado através de análises com EDS. Apresenta-se em prismas tabulares euédricos a subédricos, de coloração incolor-amarelada, sendo que o maior cristal encontrado alcançou o notável comprimento de 0,5 cm.

5. Discussões sobre a morfologia do corpo e sua química mineral
Algumas considerações devem ser destacadas sobre a intrusão Abel Régis:
  • Sua forma muito alargada em superfície, com cerca de 1,4 km de diâmetro, é contrária à da grande maioria dos kimberlitos da mesma região (p. ex., Svisero et al., 1983, 1986; Pasin, 2003; Chaves, 2008; Chaves et al., 2008).
  • Seu curto espaço de afunilamento em subsuperfície, demonstrado pela modelagem geofísica, permite o reconhecimento de uma forma típica "de taça".
  • A relativa abundância de espinélio sobre ilmenita; o primeiro mineral é um indicador somente acessório na maioria dos kimberlitos.
  • A mineraloquímica dos indicadores, notadamente diopsídio e ilmenita, de grande semelhança com espécimes já descritos em lamproítos.
  • A presença do K-feldspato sanidina. Intrusões kimberlíticas são notoriamente pobres em minerais potássicos, os quais caracterizam as lamproíticas. Esses aspectos, integrados, permitem sugerir que a intrusão estudada possua uma afinidade lamproítica, embora, inibidora a tal aspecto, destaca-se a presença de granadas piropo, incomuns em lamproítos (Mitchell & Bergman, 1991).

    6. Considerações finais
    Embora rochas kimberlíticas sejam conhecidas no país desde a década de 1960, ainda são escassos os estudos a respeito das centenas de intrusões que ocorrem na porção sul do Cráton do São Francisco, em Minas Gerais e imediações. Na realidade, todos os corpos conhecidos até a década de 1990 eram descritos indiscriminadamente como kimberlitos. Depois da descoberta do lamproíto diamantífero de Argyle (Austrália), diversos questionamentos foram levantados e deste modo muitas das intrusões conhecidas foram reinterpretadas como kamafugitos ou mesmo lamproítos.
    No presente estudo, o conjunto de informações apresentado sugere fortemente uma mudança no status da tipologia da intrusão Abel Régis, de kimberlítica para lamproítica. Os dados quanto à morfologia do pipe e seus principais aspectos mineralógicos coadunam com tal hipótese. Embora ocorram diversos afloramentos expostos na superfície, todos eles apresentam-se bastante intemperizados, prejudicando estudos geoquímicos na rocha que poderiam consolidar essa nova interpretação. Nesse sentido, está-se tentando, junto a SAMSUL Mineração, a obtenção de amostras de testemunhos de sondagem, no sentido de se efetuarem as análises pertinentes.