domingo, 5 de abril de 2015

Turismo Mineral: gemas de Minas atraem turistas de todo o mundo

Turismo Mineral: gemas de Minas atraem turistas de todo o mundo

A história de Minas Gerais tem início com a procura pelas riquezas minerais no estado. Os registros das primeiras descobertas de gemas no Estado de Minas Gerais datam de 1554, quando ocorreram as primeiras Entradas e Bandeiras que percorreram o interior do Brasil em busca de ouro e outras riquezas. Hoje o estado é conhecido internacionalmente pelo subsolo rico em minerais, gemológicos e amostras raras para coleção, sendo o principal produtor de ouro, gemas coradas e diamantes do Brasil. Todas estas características fazem com que o turismo mineral tenha uma grande procura, principalmente pelo mercado internacional.
Os principais pólos mineradores são os municípios de Ouro Preto, Itabira, Guanhães, Governador Valadares, Teófilo Otoni, Araçuaí, Diamantina e Corinto, onde é possível acompanhar uma série de atrativos ligados a atividade mineradora, além de promover o acesso e a comercialização das gemas e minerais produzidos no estado.
Além do ouro, as principais pedras preciosas encontradas no estado são a esmeralda, a água-marinha, topázios, o diamante, a turmalina, a alexandrita, o crisoberilo, o heliodoro, a morganita, o olho-de-gato, a kunzita, a andaluzita, a granada, a ametista e o citrino. O estado ainda tem a produção de gemas exclusivas encontradas na região, como o topázio imperial, que tem sua extração no município de Ouro Preto.
Gemas de Minas Gerais atraem turistas de todo o mundo
Gemas de Minas Gerais atraem turistas de todo o mundo
A grande quantidade de gemas produzidas no estado, alinhado aos atrativos culturais e naturais presentes nas principais regiões, formam um grande produto turístico, e que é comercializado pela D’Minas Turismo. Fatores históricos, geológicos, geográficos, sociais integrados formam um roteiro temático que disponibiliza para os turistas momentos de conhecimento cultural, vivências e compras.
Ouro Preto e Mariana
Uma das cidades em que a mineração está mais evidente na sua história e no cotidiano do seu povo é Ouro Preto e Mariana. E toda a atividade turística está ligada ao turismo mineral e comercialização de gemas.
A estruturação turística também coloca a disposição dos turistas grandes atrativos. Um exemplo é o Museu de Ciência e Técnica, cujo acervo mineralógico é um dos maiores da América Latina e a Casa dos Contos, edificação por onde passava todo o ouro produzido na região para a cobrança do quinto. O garimpo de topázio imperial de Antonio Pereira, ainda em funcionamento e explorado com técnicas totalmente artesanais recebe um expressivo fluxo de turistas e tem pavimentação asfáltica até sua entrada.
Mariana também é uma boa opção para visitação, a primeira cidade e capital de Minas Gerais tem além do seu conjunto arquitetônico a única mina de ouro aberta a visitação turística do Brasil, a antiga Mina de Ouro de Passagem.
Itabira e Nova Era
A região de Itabira e Nova Era tem grande importância na produção mineral do estado, pois a região é uma das principais produtoras de esmeraldas do mundo além das históricas e impressionantes minerações de ferro do Quadrilátero Ferrífero. Além da esmeralda e do ferro, ainda se encontra nos arredores a alexandrita, gema cuja raridade e preço são impressionantes. O Brasil é o principal produtor desta gema, com pouquíssimos exemplares que chegam ao comércio.
Na região é possível visitar as áreas de garimpagem de esmeralda (Capoeirana) e a compra de amostras.
Esmeralda de Nova Era: uma das maiores produtoras do mundo
Esmeralda de Nova Era: uma das maiores produtoras do mundo
Guanhães e arredores
Nos arredores de Guanhães, Santa Maria do Itabira, Ferros e Sabinópolis encontram- se inúmeros garimpos e minerações de água- marinha e outras gemas da família do berilo, ligados à presença de múltiplos corpos pegmatíticos (rochas especiais ricas em minerais raros).  A água- marinha é uma das gemas símbolo do Brasil no mercado internacional e sua produção é quase que totalmente artesanal, com poucas pessoas trabalhando em pequenas lavras.
Apesar de não ter uma infra-estrutura turística, a região recebe a freqüentemente visitação turístico-científica organizada por universidades, congressos e instituições de pesquisa do Brasil e de países da Europa.
Governador Valadares, Teófilo Otoni e Vale do Jequitinhonha
A região que reúne os municípios de Governador Valadares, Teófilo Otoni, Padre Paraíso e Araçuaí é hoje reconhecida como uma referência para o turismo mineral e também para quem comprar uma variedade de gemas. Espécimes de coleção na forma bruta com alguns centímetros de altura chegam a alcançar preços de vários milhares de dólares, e atraem muitos turistas.
Na grande região de Governador Valadares (Galiléia, Conselheiro Pena, Barra do Cuité, Divino das Laranjeiras) são produzidas quase todas as variedades de gemas: turmalinas, granadas, água-marinhas, brasilianitas e outros minerais raros. Recentemente um estudo avançado de mineralogia apresentou nove espécies novas de minerais descobertas no Brasil e destas, seis são provenientes desta região. São elas a coutinhoíta, a lindbergita, a atencioíta, a matioliíta, a arrojadita e a ruifrancoíta.
A cidade de Governador Valadares mantém ainda um dos grandes eventos da área, a Brazil Gem Show que apresenta stands com impressionante variedade mineral e reflete a riqueza econômica e cultural deste segmento.
Em Teófilo Otoni, encontra- se a Gems Export Association (GEA) que  representa a  indústria e os  comerciantes e organiza a Feira Internacional de Pedras Preciosas (FIPP), realizada anualmente e que atrai grande número de expositores e forte visitação internacional. O evento entrou para o circuito dos consumidores mundiais de gemas e minerais raros.  É o evento mais importante turisticamente para toda a região do Vale do Mucuri e um dos mais importantes do Brasil para o setor.
Governador Valadares e Teófilo Otoni são referência no turismo mineral
Governador Valadares e Teófilo Otoni são referência no turismo mineral
A produção, beneficiamento, comércio e exportação de gemas em Teófilo Otoni fazem deste município a capital das gemas na América do Sul e coloca toda a região entre as maiores províncias gemológicas do mundo.
Em Araçuaí e no Vale do Jequitinhonha também é possível apreciar a produção de pedras preciosas. A região é grande produtora de kunzitas, hiddenitas, andaluzitas e petalitas, além das turmalinas, topázios-azuis e berilos.
Diamantina e Serro
A região da Serra do Espinhaço e sua geologia de beleza cênica incomparável tiveram uma grande importância para a história do Brasil Colônia. Assim como Ouro Preto e Mariana a história destas cidades sempre esteve ligada a exploração mineral e principalmente a produção de diamantes.
Durante cerca de 140 anos (s éculos XVIII e XIX) o Brasil foi o maior produtor do mundo de diamantes, fornecendo material para a maior parte das jóias da realeza européia nesta época.
Em Diamantina, um dos cartões postais da cidade tem uma importância para a história da geologia do Espinhaço. Trata-se da famosa Casa da Glória, que foi transformada em Centro de Estudos que recebe estudantes e pesquisadores do Brasil e do exterior, além de apresentar para os turistas a história do diamante.
Na cidade ainda é possível conhecer o Museu do Diamante, com peças raras ligadas ao período áureo e a mais antiga joalheria do Brasil, a Joalheria Pádua de 1883.
Museu do Diamante em Diamantina: história gira em torno da exploração mineral
Museu do Diamante em Diamantina: história gira em torno da exploração mineral
Corinto e Curvelo
A região de Corinto e Curvelo, entre outras localidades no entorno, apresenta uma intensa produção de quartzo e inúmeras oficinas de lapidação artesanal, um atrativo a parte para os visitantes. Na região ocorre também a feira anual de minerais (Feira de Curvelo) onde é possível ter acesso a amostras do mineral.

sexta-feira, 3 de abril de 2015

Introdução aos territórios produtores de gemas: o caso brasileiro do nordeste de Minas Gerais

Introdução aos territórios produtores de gemas: o caso brasileiro do nordeste de Minas Gerais


Pretendo compartilhar nesta crônica uma parte dos elementos recolhidos durante as recentes viagens aos territórios gemíferos localizados no nordeste do Estado de Minas Gerais. O objetivo é apresentar as atividades e os diferentes atores para permitir melhor entendimento de uma indústria baseada na exploração artesanal de gemas. De maneira geral, é uma indústria ainda pouco conhecida e com poucos trabalhos acadêmicos de foco não-geológico que sejam profundamente interessados nos espaços ligados à exploração das gemas. A aproximação e o tratamento deste tipo de indústria são delicados. A própria natureza das gemas – que concentram grande valor em pequenos volumes facilmente transportáveis (Hugon, 2009) – favoriza a criação de redes comerciais informais, a exploração ilegal e a fragmentação das initiativas (Guillelmet, 2000; Duffy, 2007). A presença e, às vezes, o predomínio da ilegalidade no setor, complica as tentativas de abordagem aos atores particularemente mudos sobre suas atividades (Canavesio, 2010). Por isso, neste contexto, a compreensão e a racionalização de tal setor se apresenta como uma problemática por si só e seu esclarecimento deve ser concluído antes de passar para a outra pergunta central de meu trabalho de tese de doutorado que não será abordada aqui: as riquezas gemíferas se tornam, ou não, um benefício para as áreas onde sejam exploradas?
2A escolha do nordeste mineiro para fundamentar esta análise se justifica por várias razões. Dentre os diversos territórios que exploram jazidas de gemas no Brasil, a região é provavelmente o melhor exemplo do que se aproxima mais de uma cadeia produtiva completa baseada em espaços periféricos, pois o norte de Minas Gerais apresenta índices que refletem uma situação sócio-econômica desfavorável. De fato, além das numerosas e variadas jazidas de gemas de cor que se espalham pela região estarem sendo bastante exploradas há dezenas de anos por alguns milhares de indivíduos, encontra-se ali o que talvez seja a maior concentração de atividades de lapidação de pedras e de comércio do país. Estima-se que haja pelo menos quase quatrocentos centros de lapidação e duzentos comércios apenas na cidade de Teófilo Otoni, sem contar com as várias centenas de corretores (GEA/IEL, 2005). Em Governador Valadares o número de atores seria provavelmente dividido por dois, mas que beneficiariam de renda similar aos colegas de Teófilo Otoni, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio exterior (MDIC, 2012).
Mapa 1. Áreas visitadas durante pesquisas de campo.
Mapa 1. Áreas visitadas durante pesquisas de campo.
3Por causa da grande extensão da região e da dificuldade de acesso, não foi possível visitar todas as localidades. Então, além dos dois principais centros de lapidação e comércio que são Teófilo Otoni e Governador Valadares, algumas áreas foram escolhidas e visitadas em função da possibilidade e da disponibilidade das pessoas encontradas. Tomei cuidado para não ficar limitado em redes pessoais similares, desta forma mantive relações com pessoas de localizações, atividades e posições nas hierarquias locais diversas. Vários deslocamentos foram necessários, tanto para visitar, quanto para revisitar esses lugares, para assim ganhar uma relativa confiança dos atores. Posteriormente eles foram entrevistados através de um questionário que será analisado na tese em si. As informações apresentadas nesta crônica resultam principalmente de abordagens informais. Trechos de depoimentos e fotografias foram integrados para permitir uma melhor representação do contexto e ambiente.

A extração

Foto 1. Turmalina em estado bruto – peça de coleção.
Fonte: Aurélien Reys (2012).
4Minas Gerais é conhecida por ser uma das regiões gemíferas mais ricas do mundo (Delaney, 1996). Segundo o Departamento Nacional de Produção Mineral, cerca da metade das minas de pedras preciosas do país se localizariam no nordeste do estado (DNPM, 2013). Além da abundância de quartzos, a região contém importantes quantidades e variedades de pedras de cor, preciosas ou semi-preciosas, como esmeraldas, águas-marinhas, morganitas, turmalinas, topázios, kunzitas, andaluzitas, brasilianitas, alexandritas e crisoberilos, para citar apenas algumas extraídas regularmente. Às vezes, vários tipos de pedras podem ser extraídos de uma única jazida. E se a exploração gemífera pode ser caracterizada pelo tipo de pedra buscada, pode ser igualmente pelo tipo de processo extrativo empregado. Dependendo dos agentes envolvidos no processo extrativista, existem quatro tipos diferentes:
  • a Cata. O solo é escavado em forma retangular e o buraco não passa de alguns metros de profundidade. Tábuas de madeira são encaixadas na vertical para sustentar as paredes. É a forma de extração menos arriscada para os mineiros, no entanto é muito nociva para o meio ambiente, já que necessita de uma superfície de clareira maior que os outros métodos.
Foto 2. Lavrador trabalhando em mina do tipo “cata”.
Foto 2. Lavrador trabalhando em mina do tipo “cata”.
  • O Vagão. A mina forma uma grande cavidade a céu aberto colina adentro. Este tipo de extração é facilmente identificável a grandes distâncias, por isso é pouco utilizado por aqueles que trabalham de forma ilegal.
  • O Túnel. Os túneis são a forma de exploração de pedras preciosas mais comum na região. Medindo cerca de dois metros de altura por um metro de largura, os túneis seguem na horizontal e são feitos normalmente na borda de uma colina, pois desta forma conseguem alcançar grandes profundidades a pequenas distâncias. Quanto mais fundo, mais chances de encontrar as pedras mais bonitas. Tábuas e pedaços de madeira também são utilizados, desta vez apenas na entrada da mina ou em certos locais que apresentam risco de desabamento dentro do túnel. Podem chegar até duzentos ou trezentos metros de profundidade e explosivos são usados regularmente.
Foto 3. Trabalhador de mina entrando em túnel, com lanterna em primeiro plano.
Foto 3. Trabalhador de mina entrando em túnel, com lanterna em primeiro plano.
Foto 4. Trabalhador de mina no fim de um túnel, uma hora após à detonação de explosivos.
Foto 4. Trabalhador de mina no fim de um túnel, uma hora após à detonação de explosivos.
  • A Caixa americana. Esta é a forma de exploração mais ambiciosa em termos de tecnologia e investimento. Por isso é o método privilegiado das grandes operações, da qual faz parte a extração de esmeraldas. A mina é caracterizada por um buraco profundo que varia entre vinte metros para as mais artesanais até mais de trezentos metros para aquelas mais importantes, necessitando da instalação de um sistema de elevador – normalmente um simples arreio. Pedaços de madeira, muitas vezes do eucalipto cultivado na região, são usados ao longo da descida para sustentar as paredes. No fundo da cavidade existe uma sala, início de um ou vários túneis escavados na horizontal para seguir as “veias” gemíferas.
5Existem diversas formas de exploração física, mas a forma setorial mais comum em termos de atividade e uso de recursos humanos é a garimpagem. Ou seja, é uma forma de exploração mineira ilegal e artesanal. As pessoas que praticam são chamadas de garimpeiros, o que pode ser interpretado pejorativamente por alguns deles, que por sua vez preferem ser chamados de lavradores. Diversas empresas artesanais são fruto de iniciativas independentes ou de pequenos grupos de atores, comumente oriundos do meio rural e que dividem o tempo entre a mineração e atividades agrícolas de subsistência. Eles escavam dentro da propriedade de um parente, vizinho ou amigo e podem se instalar na mina durante a semana e voltar para casa nos finais de semana. Aqueles que moram próximo podem fazer o caminho de ida e volta todos os dias, especialmente depois que ficou mais fácil aceder meios de transporte modernos, como as motocicletas. Os garimpeiros que trabalham em minas de difícil acesso, às vezes preferem trazer toda a família de uma vez para ficar o ano todo. Os “acampamentos” podem ser pequenas habitações, no melhor dos casos cabanas de madeira.
Foto 5. Cama dentro do alojamento de trabalhador de mina.
Foto 5. Cama dentro do alojamento de trabalhador de mina.
6A realidade das grandes minas que pertencem a empresas mineradoras de meio ou grande porte é completamente diferente, já que seu funcionamento se compara mais a uma empresa do que a um modelo artesanal. Os equipamentos são mecanizados e as condições gerais das minas são melhores, mais organizadas e mais modernas. Engenheiros e geólogos também participam continuamente das atividades. Devido ao tamanho, elas acabam tendo uma nova demanda de profissionais como capatazes ou agentes de segurança, funcionários de limpeza e pessoal administrativo. E as tarefas podem ser mais especializadas: as pessoas que escavam o terrenos não são necessariamente as mesmas que irão limpar e separar os resíduos das gemas.
Foto 6. Entrada de um túnel do tipo parecido com “caixa americana” de empresa mineradora.
Foto 6. Entrada de um túnel do tipo parecido com “caixa americana” de empresa mineradora.
Foto 7. Trabalhador de empresa mineradora lavando minerais e seus resíduos extraídos.
Foto 7. Trabalhador de empresa mineradora lavando minerais e seus resíduos extraídos.
7Em sua maioria, as operações gemíferas são financiadas por diversos parceiros – os “sócios” - que normalmente não participam diretamente das atividades de mineração. A participação deles varia de acordo com a necessidade e a disponibilidade de cada um: por exemplo, um sócio leva um equipamento de motor particular, um outro financia os explosivos usados durante as operações de escavação, um outro se encarrega da alimentação e das eventuais contribuições salariais aos empregados das minas. Quando um lote de pedras é extraído, os benefícios da venda são divididos de acordo com o pré-estabelecido e também de acordo com as contribuições de cada um. Geralmente, a divisão segue o padrão: 20% da venda para o proprietário do terreno; entre 40 e 60% para os sócios; entre 20 e 40% para os empregados, dependendo do valor do salário mensal, que varia entre meio e um salário mínimo.
8É muito comum que as pequenas estruturas mineiras, ou seja, aquelas que empregam apenas duas pessoas, encontrem pedras somente uma vez a cada dois ou três anos, resultando em uma venda de algumas dezenas de milhares de reais no melhor dos casos. Aquelas que são um pouco mais ambiciosas ou que são exploradas há anos por serem particularmente férteis e que podem contratar até uma dezena de pessoas certamente conseguem encontrar muito mais pedras. No entanto as despesas são igualmente elevadas, uma soma que representa algo em torno de 5 à 20 mil reais de investimento mensal, variando de acordo com o tamanho da exploração.
9As maiores operações mineiras podem ter um ritmo de escavação de pedras semanal e seus empregados chegam a ganhar até 3 mil reais em um bom mês. Mas elas támbém não estão livres de um período infértil e caso esta situação dure tempo demais, pode causar o fechamento da mina devido aos altos custos de sua manutenção. Estas empresas possuem normalmente escritórios na cidade vizinha à mina, onde a maior parte das pedras é estocada. Muitas delas também guardam minerais encontrados durante as escavações (principalmente feldspato ou mica), mas estes materiais não são considerados o objetivo final nem a parte mais importante dos negócios.

Depoimento de um garimpeiro, 51 anos (Coronel Murta)

“Comecei a trabalhar em um garimpo quando tinha 13 anos, com meu pai. Nós tínhamos uma fazenda modesta entre Araçuaí e Coronel Murta e dividíamos o trabalho entre as atividades agrícolas de subsistência e a garimpagem, o que é muito comum por aqui. Desde então eu nunca deixei de trabalhar na mineração, mas às vezes de maneira inconstante. Nos anos 90, por exemplo, comecei a viajar para o interior de São Paulo para trabalhar nas plantações de cana-de-açúcar a cada estação. Mas mesmo se o salário era correto em comparação ao que a gente ganha aqui, não valia muito a pena. Na verdade eu tinha despesas de transporte, alimentação, às vezes acomodação, e o dinheiro não compensava a distância da minha família. Então parei de vez e desde 2005 dedico a maior parte do meu tempo ao garimpo, a não ser no fim do ano, com a chegada das primeiras chuvas, que eu tomo conta da minha pequena plantação. Quando o ano é razoável conseguimos colher comida suficiente para nos manter quase o ano todo, mas às vezes as chuvas são tão raras que já no mês de março acabou tudo. Por outro lado, desde a criação do Bolsa Família temos a garantia de ter um mínimo todos os meses. Acho que essa ajuda é uma benção que nos assegura um mínimo de sobrevivência para mim, para minha esposa e para minha única filha.
(…) Meu irmão trabalhava na mina de feldspato vizinha que usa material mais pesado, o que não é possível nas minas de turmalina que pedem um trabalho mais delicado. Há mais ou menos dois meses, uma pedra caiu na cabeça dele por causa de um pequeno desmoronamento. O traumatismo foi maior do que a gente pensava e eu tive que levá-lo ao pronto-socorro do hospital de Montes Claros, a cerca de 280km de distância. Ele está melhor, mas não sei se vai poder trabalhar novamente na mina. Mas eu vou bem, felizmente nunca tive nenhum problema com ninguém e nunca sofri nenhuma ameaça. A gente ouve muitas histórias nos garimpos, mas nem todas elas são verdadeiras.
(…) Pra mim, é um trabalho como os outros. Acordo de manhã, vou até o fundo do túnel onde coloco uma dezena de detonadores e, depois da explosão, espero uma hora, uma hora e meia, tempo suficiente para o gás que escapa ter se dissipado. Durante esse tempo eu tomo um café, às vezes com meu colega que trabalha na mina em dias alternados, mais ou menos. A gente recolhe os restos da explosão, depois usa uma bitadeira e em seguida recolocamos mais um lote de detonadores. E mais um no final da tarde. Vou para a mina no domingo à noite e fico até sexta-feira, mesmo se eu moro perto, a meia hora a pé. Gosto de passar minha semana de trabalho nesse ambiente, eu me sinto bem, é uma vida que gosto.
(…) Trabalhei em uns vinte garimpos durante toda minha vida e o mais profundo deles chegava a mais ou menos 200 metros. No início, quando só tem terra, avançamos rapidamente, entre 5 e 6 metros por dia. Quando chegamos na pedra, descemos a uma velocidade de 2 metros por dia, mas tudo depende da terra e da rocha. Há três semanas encontrei algumas turmalinas que vendemos aqui mesmo para um corretor de Coronel Murta em três lotes, por um total de 16 mil reais. Quando é assim eu chamo todos os sócios – no caso, quatro – e meu parceiro para decidir sobre o lote e sobre o valor. Geralmente tudo acontece sem problemas. Antes disso, encontrei há dois anos um outro lote de turmalinas de qualidade um pouco pior. A gente encontra pedras, mas isso nunca me deu oportunidade de refazer minha vida, como foi o caso de alguns poucos. Meu futuro já está todo planejado: continuar a vida que levo esperando a aposentadoria que vai chegar em alguns anos como agricultor, pois estou inscrito na profissão no Sindicato Rural.”

A lapidação

10Outras atividades ligadas à mineração foram se organizando ao longo do tempo, entre elas, a atividade de transformação das gemas. Este trabalho é feito pelos lapidadores, que em sua maioria exercem atividade nas cidades de Teófilo Otoni e Governador Valadares. Geralmente os centros de lapidação contam com no máximo três pessoas. Os maiores podem contratar até cerca de vinte trabalhadores, mas atualmente este tipo de empresa é muito rara. Os centros de lapidação normalmente tomam a forma de pequenos ateliês próximos aos principais centros de comércio ou em cima de lojas, ou ainda no pátio de domicílios nos bairros residenciais – a chamada lapidação de fundo de quintal.
11O objetivo da lapidação de uma pedra é ressaltar a beleza do mineral e prepará-la para incorporar uma joia. Não existe uma única maneira de trabalhar o produto e a escolha depende da pedra bruta inicial, já que a intenção é tirar o menos possível de material e manter a pedra mais volumosa possível. O processo de transformação descrito pelos profissionais acontece em quatro etapas diferentes:
  • Serrar. A pedra é serrada grosseiramente apenas para retirar os excessos.
  • Formar. Em seguida a pedra é colada com cera na ponta de uma varinha e o lapidador lhe dá sua forma final. Esta operação requer às vezes, quando ela faz parte de uma coleção de joias, por exemplo, a calibragem e a padronização das pedras trabalhadas.
  • Façamentar, ou simplesmente lapidar. E a operação que permite trabalhar as faces planas das pedras.
  • Polir. Finalmente a pedra é polida para que possa ser apresentada sob seu melhor brilho. Pós abrasivos, partículas de diamantes ou de coríndon, são utilizados nesta etapa.
Foto 8. Pequeno centro de lapidação informal.
Foto 8. Pequeno centro de lapidação informal.

12Depois de lapidada, uma pedra bruta pode perder entre 30 e 70% de seu corpo inicial, mas esta porcentagem é muito variável e depende enormemente do tipo de gema e da lapidação escolhida, assim como da dificuldade do trabalho. Pedras como kunzitas, que se quebram facilmente, ou alexandritas, extremamente duras, acabam sendo bem mais complicadas de se lapidar. Não é raro que uma pedra se quebre em vários pedaços por causa de um defeito ou de uma escolha equivocada no início do processo de lapidação. Neste caso, a soma da venda dos pequenos pedaços será sempre inferior àquela da pedra inteira.
13De acordo com os atores locais, a indústria lapidária vem sofrendo uma forte baixa. Se em um passado recente o número de lapidadores na região pode ter chegado a dois ou três mil, talvez até mais do que isso, atualmente apenas algumas centenas teriam conseguido manter o emprego de forma regular. A falta de pedras e a concorrência chinesa são geralmente os dois principais argumentos dos atores para explicar a situação. Hoje, muitos deles trabalham apenas por temporadas ou mantêm outros empregos paralelos, geralmente fora do setor das gemas. Alguns decidiram ir para o exterior, incluindo a China nos últimos anos.
14A maior parte das pequenas empresas independentes frequentemente fazem uso de equipamentos antigos, de mais de trinta anos. Todas as máquinas são dotadas de motor e se antigamente elas eram montadas artesanalmente por alguns lapidadores locais, atualmente a concorrência asiática vem ganhando espaço. Os equipamentos importados oferecem um aspecto mais moderno, uma qualidade igual por um preço inferior, o que forçou a maior parte dos antigos fabricantes locais a abandonar sua produção. De qualquer forma, a maioria dos artesãos locais evitam substituir seus materiais por equipamentos mais modernos, pois isso representa um investimento pesado difícil de recuperar. Segundo os próprios, eles não dispõem de oferta de trabalho suficiente para fazer valer à pena tamanho investimento.
Foto 9. Lapidador formando uma citrina.
Foto 9. Lapidador formando uma citrina.
15Anos depois de diversas ações públicas locais feitas por institutos como o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas – SEBRAE, o Instituto Brasileiro de Gemas e Metais Preciosos – IBGM, e a Associação dos Joalheiros, Empresários de Pedras Preciosas e Relógios de Minas Gerais – AJOMIG, com o objetivo de alavancar a indústria de lapidação a um patamar mais avançado da joalheria, o projeto parece não ter dado certo. Os atores ainda não evoluiram como o esperado e na verdade provavelmente nem desejam fazê-lo. Poucas pessoas originárias da região se especializaram em joalheria e os raros indivíduos independentes que se aventuraram se satisfazem com um mercado local e com alguns turistas de passagem. Apenas uma das grandes empresas entre os atores abordados dedica uma parte de suas atividades à joalheria. A explicação está no fato de que além de enfrentar uma concorrência nacional já instalada, o mercado asiático também está presente. As raras joias encontradas em Teófilo Otoni e Governador Valadares provêm, muitas vezes, da China. Os atores de nacionalidade chinesa importam pedras do Brasil, principalmente quartzo, e as transformam em seu país a um custo menos elevado. Produzem, por exemplo, colares, para em seguida reexportá-los ao Brasil.
Foto 10. Colares importados da China fabricados a partir de quartzos brasileiros.
Foto 10. Colares importados da China fabricados a partir de quartzos brasileiros.

Depoimento de um lapidador, 56 ans (Teófilo Otoni)

“Abandonei a escola muito cedo, só estudei até o primeiro grau, então comecei a vender pedras na rua desde os 14 anos, assim como muitas outras pessoas. Depois comecei a trabalhar ao mesmo tempo como lapidador aos 16 anos e assim que consegui juntar um pouco de dinheiro, fui trabalhar sozinho. Em seguida aluguei um local perto da principal praça da cidade, onde acontecia o grosso do comércio, o que continua sendo o caso hoje em dia. De tempos em tempos dou uma volta pela praça de manhã para saber o que está acontecendo no mercado e às vezes compro algumas pedras.
(…) Eu me dedico mais ao negócio de esmeraldas. Tento me abastecer direto nas minas e vou de vez em quando em Goiás e na Bahia, mas bem menos hoje em dia, já que está mais difícil encontrar esmeraldas de boa qualidade. Na verdade, meus principais centros de abastecimento agora são Itabira e Nova Era, que são bem mais próximos. No momento trabalho em casa, no meu quintal. Lapido as pedras para dar a forma principal e depois terceirizo o facetamento e o polimento por um custo de 50 reais por pedra. Depois de lapidada, normalmente vendo a gema pelo dobro do preço que paguei por ela, mas claro que isso varia muito, pois às vezes a pedra é menos bonita do que o esperado depois de lapidada, ou então pode se quebrar no processo. O fato de fazer eu mesmo as primeiras etapas de lapidação me permite economizar um pouco de dinheiro, mas principalmente me dá a certeza de que a pessoa não vai trocar a pedra por outra parecida de menos valor depois de trabalhá-la. Isso pode acontecer porque é bastante difícil associar uma pedra bruta a uma pedra lapidada.
(…) Eu já tive alguns clientes joalheristas, principalmente um que trabalhava para Amsterdam Sauer e que vinha mais ou menos a cada três meses em Teófilo Otoni para comprar pedras comigo. Mas agora os joalheiros trabalham cada vez mais exclusivamente com as grandes empresas da região e mandam lapidar as pedras diretamente em São Paulo, Rio de Janeiro ou Belo Horizonte. Então viajo todo mês ou a cada dois meses para estas cidades para vender minha produção. Também costumo ir a Ouro Preto ou Brasília. Sei por experiência que as joalherias estão à procura de esmeraldas, então vou oferecer espontaneamente. Mas também acontece de eu ligar para alguns ex-clientes antes de ir. Faço negócio principalmente com brasileiros, mas também tem alguns estrangeiros, inclusive alguns chineses em Brasília, Rio de Janeiro ou São Paulo que chegaram a pouco tempo. No final dos anos 80 me inscrevi no Sindicato Nacional dos Garimpeiros para conseguir uma carteira provando que eu trabalhava no ramo, mas nunca renovei minha inscrição, pois a primeira carteira já é suficiente para não ter mais problemas com a polícia”
(…) Mesmo se o comércio já foi melhor, ainda está bom para mim. Minha mulher e minha filha me ajudam um pouco com as tarefas administrativas e meu sobrinho toma conta do cyber café que comprei há pouco tempo. Tenho uma outra filha que foi para a Itália, perto de Nápoles, e ela trabalha ilegalmente no setor da agricultura. Hoje está casada com um italiano e faz dois anos que começou a vender algumas pedras diretamente para joalherias napolitanas. Claro que ela precisa de uma nota fiscal para provar que a mercadoria é legal, é arriscado demais passar a fronteira sem provas e também é mais fácil para vender depois de chegar lá. Os chineses também tentam vender suas pedras, mas os italianos não confiam neles. Por outro lado, parece que agora está mais complicado fazer negócios, acho que por causa da crise que atinge a Europa, as pessoas acabam comprando menos joias. Mas imagino que seja temporário. Minha filha mais nova que mora com a gente pensa em fazer um curso de joalheria, mas eu estou velho demais para mudar de carreira agora e, de qualquer forma, isso não me interessa.”.

O comércio

16As atividades de comércio incluem o conjunto das operações ligadas à compra e venda de pedras de cor, brutas ou lapidadas, sem um objetivo de tranformação suplementar. Duas formas de comércio se destacam: a corretagem, que faz o papel intermediário entre o vendedor e o comprador em troca de um porcentagem da venda; e o comércio clássico, que consiste na compra do produto, estocá-lo e vendê-lo. Mas uma terceira forma de comércio poderia ser tambem integrada: aquela onde as próprias empresas mineradoras se encarregam de exportar diretamente sua produção, sem passar por intermediários.
Foto 11. Amostras de topázios imperiais e esmeraldas por um vendedor de rua.
Foto 11. Amostras de topázios imperiais e esmeraldas por um vendedor de rua.
17Os corretores exercem suas atividades de maneira informal na rua. É na rua também que se faz contatos profissionais e se troca informações sobre o mercado. Nas zonas rurais da região são geralmente os postos de gasolina que muitas vezes servem de endereço dessas trocas comerciais, mas o local pode variar. Em Araçuaí, por exemplo, os bares atrás da estação rodoviária têm esta função. Nas maiores cidades da região, os pontos de encontro se localizam à proximidade dos centros urbanos, próximo a sedes das principais empresas mineradoras e de comércio de gemas do nordeste de Minas Gerais. Em Governador Valadares os corretores podem ser encontrados no cruzamento das ruas Peçanha e Afonso Pena, local conhecido como “esquina dos aflitos”, onde uma mesa é posta em frente a um bar e cerca de vinte pessoas se sentam sobre cadeiras de plástico encostadas a um muro que lhes faz sombra. Em Teófilo Otoni, pelo menos uma centena de comerciantes costuma ocupar a principal praça da cidade diariamente, fazendo do lugar provavelmente o maior centro de trocas informais de pedras do país. A constante presença dos corretores e a maneira desordenada e, às vezes, insistente com que abordam os raros clientes em potencial pode dar uma imagem um pouco agressiva do negócio, muitas vezes mais exagerada do que é na realidade.
Foto 12. Vendedores de pedras com suas bolsas na Praça Tiradentes em Teófilo Otoni.
Foto 12. Vendedores de pedras com suas bolsas na Praça Tiradentes em Teófilo Otoni.
18Muitas vezes, atores que se apresentam como corretores podem também vender mercadorias próprias, aproximando-se do papel de comerciante clássico, mas sem loja física para exercer a profissão. A maioria deles mantém suas pedras guardadas em pochetes ou bolsas, mas há quem exponha os produtos em mesas, o que pode dar à praça de Teófilo Otoni uma imagem de feira de pedras para quem vem do exterior. Se o número de corretores perambulando na praça ainda é grande, o número de clientes estrangeiros está em constante diminuição, segundo os atores locais. Por isso, muitos vendedores de pedras passaram a ter outras profissões, como cantor de bar, pintor de prédio, etc, além daqueles que já beneficiam de uma aposentadoria. A falta de clientes faz com que uma grande parte das pedras acabe circulando apenas nas mãos dos próprios corretores. Entretanto, alguns deles percorrem o país inteiro comprando a mercadoria nas áreas rurais da região ou do nordeste do país, vendendo-a posteriormente em Teófilo Otoni, plataforma da corretagem do país, ou ainda nas grandes cidades do sudeste brasileiro.
Foto 13. Águas-marinhas espalhadas sobre uma cama de hotel de um vendedor de pedras
Foto 13. Águas-marinhas espalhadas sobre uma cama de hotel de um vendedor de pedras

Depoimento de um corretor, 64 ans (Teófilo Otoni, mas originário de Itinga)

“Entrei tarde no negócio. Até meus 48 anos eu era agricultor e criador, mas um dia perdi todo meu rebanho, 80 cabeças de gado atingidos pela raiva. Neste dia perdi tudo e decidi fazer como muitos outros na região: trabalhar no garimpo. Comecei perto de Medina, em um terreno que pertencia ao meu sogro, que era um modesto agricultor, ele também. Eu equilibrava a atividade de escavação com a agricultura de subsistência e participava também de algumas atividades de corretagem, mas de maneira bem local.
(…) Um dia um conhecido meu, dono de um hotel em Itaobim, veio me dizer que um francês estava procurando pedras para comprar. Eu o coloquei em contato com as pessoas que ele procurava, nós dois simpatizamos e depois disso nos encontramos a cada três meses. Ele vem ao Brasil comprar pedras brutas para revender na França. Ele faz porta-a-porta e vai de comércio em comércio lá, pelo que me falou. Hoje ele se tornou meu principal cliente e a gente viaja pela região cada vez que ele vem aqui para comprar mercadoria a um preço melhor.
(…) Há seis anos vim morar em Teófilo Otoni para acompanhar meu filho que é funcionário público. Como minha mulher adoeceu gravemente e precisa ir regularmente ao hospital, achamos melhor virmos também. Para mim, o comércio de pedras está bem melhor agora do que quando comecei, mas meu filho me ajuda com 400 reais todos os meses (cerca de 150 euros) para colaborar com as despesas. Tenho também uma aposetadoria como agricultor. Hoje penso em talvez voltar para o garimpo em um futuro próximo. Não tenho mais condição física para cavar a terra, mas posso ser útil cozinhando ou fazendo pequenas tarefas do dia-a-dia.”
19Os comerciantes possuem geralmente um endereço formal para exercer sua atividade, apresentando-se como lojas de vendas de pedras de cor. O atrativo de uma loja é que ela tem mais chances de ter um primeiro contato com novos clientes, pois é um lugar físico e oficial que passa mais confiança para os visitantes ocasionais do que uma esqunia de rua ou praça. A loja também permite ao visitante saber onde encontrar a pessoa com quem ele manteve contato da última vez que fez negócio, e é principalmente uma vitrine para o comerciante, já que as pedras expostas geralmente representam apenas uma ínfima parte dos produtos estocados. Os proprietários deste tipo de comércio muitas vezes trabalham com outras atividades relacionadas, como a mineração, a lapidação ou a venda à distância pela internet, por exemplo. Alguns deles também estão implicados no comércio de minerais industriais.
Foto 14. Estoques de pedras de coleção de comércio, com quartzos fumê em primeiro plano.
Fonte: Aurélien Reys (2012).
20Em Teófilo Otoni existe uma estrura comercial original e relativamente organizada, em formato de galeria, composta por cerca de vinte pequenas lojas: a galeria da Associação dos Corretores e Comerciantes de Pedras Preciosas, mais conhecida localmente pelo acrônico ACCOMPEDRAS. Construído no início dos anos 90 com a ajuda das autoridades locais, o lugar foi concebido na sua origem para oferecer a alguns corretores que trabalhavam na praça um ponto “formal” de venda. Algumas lojas mudaram de dono e é possível achar hoje proprietários em situações diversas - do corretor que consegue a maior parte de seu lucro graça às comissões, até pequenas empresas que vendem pela internet. Alguns investem parte de seus lucros em atividades de garimpo, onde viram sócios.
Foto 15. Entrada da galeria ACCOMPEDRAS em Teófilo Otoni.
Foto 15. Entrada da galeria ACCOMPEDRAS em Teófilo Otoni.
21Por último, certos pontos de comércio aparecem na forma de escritórios. Normalmente escritórios de empresas mineradoras possuem explorações à proximidade e têm a função de cuidar da parte administrativa. De uma forma ou de outra acabam filtrando pessoas indesejáveis – a maior parte dos corretores –, se dedicando exclusivamente àqueles que interessam mais – geralmente clientes ricos. Tal filtragem é possível por causa de uma entrada com um importante sistema de segurança. Há clientes brasileiros, mas a maior parte dos produtos é exportada para outros países e os negócios fechados cada vez mais frequentemente à distância. Muitas destas empresas, realizam parte de seus negócios em feiras internacionais estrangeiras, geralmente nos Estados Unidos (Tucson) ou em Hong-Kong (três feiras anuais), às vezes na China (Shangai) ou na Europa (Munique, Sainte-Marie-aux-Mines). Bem mais raramente, para não dizer nunca, participam das feiras organizadas no Brasil (São Paulo, Soledade, Teófilo Otoni, e às vezes Governador Valadares), cujo alcance é sobretudo nacional, apesar das propagandas locais.
Foto 16. Entrada segura do escritório de empresa de pedras.
Foto 16. Entrada segura do escritório de empresa de pedras.

Considerações finais

22Antes da aplicação dos questionários semi-dirigidos que guiariam a continuação do meu trabalho, uma pesquisa mais ampla e menos sistemática foi necessária para a) delimitar a área geográfica do estudo; b) ganhar a confiança dos atores do setor, o que pode ser considerado como incontornável para o prosseguimento da pesquisa; c) identificar e formalizar os diferentes tipos de atores existentes em função do tipo e do porte das atividades exercidas; d) e sobretudo entender a organização e funcionamento geral de um negócio particularmente obscuro, cujos principais elementos estão apresentados aqui. Esta primeira parte de trabalho de campo permitiu também destacar alguns questionamentos que não teriam sido levados em consideração, ou pelo menos não suficientemente, e que se mostraram centrais para a continuação da pesquisa.
23O caso, que se apresenta sob a forma de um sistema de produção particularmente bem delimitado no espaço, leva à indagação sobre a relevância da terriorialidade nesta conjuntura, permitindo revisitar os quadros teóricos dos Sistemas e Arranjos Produtivos Locais (Cassiolato & Lastres, 2003; Marcos, 2006). Os numerosos projetos voltados para o desenvolvimento das atividades apoiadas pelas autoridades públicas constituem também um interesse suplementar. Este tipo de ação pode ser usada como complemento para responder a pergunta central do meu trabalho, que é saber em quais condições as riquezas gemíferas podem ser uma vantagem para os territórios extrativistas. A observação mais relevante desta primeira fase das pesquisas, no entanto, foram as recentes evoluções que afetam as atividades locais. A totalidade dos atores afirma que a produção e o comércio de pedras na região enfraqueceram consideravelmente durante a última década, circunstâncias que as estatísticas oficiais não conseguem apontar.

Caçadores de esmeraldas na Chapada Diamantina

 
Esmeraldas em Campo Formoso BAA cidade de Campo Formoso é conhecida por suas grutas e pelo comércio de esmeraldas.
Localiza-se na Chapada Diamantina na Bahia e tem em seu território muitas cavernas com diversos tipos de formação interior, além maior gruta, em extensão, do Hemisfério Sul: a Toca da Boa Vista, maior caverna conhecida do Brasil e Hemisfério Sul com mais de 120 km de galerias mapeadas até 2007, é um dos mais importantes sítios espeleológicos e paleontológicos brasileiros.
Conjuntamente com as cavernas vizinhas Toca da Barriguda, Toca do Calor de Cima, Toca do Pitu e Toca do Morrinho, constituem um conjunto de relevância geológica mundial.
Montanhas de beleza rara, vales que parecem não ter fim, rios que se espremem nos corredores de pedras. O conjunto de monumentos impressionantes foi criado pela natureza há 400 milhões de anos, quando a Terra ainda era criança.
No coração da Bahia, as águas do inverno saltam dos pontos mais altos do Nordeste. Um espetáculo exuberante. A Queda d’Água da Fumaça, de quase 400 metros, parece que começa nas nuvens.
Na Chapada Diamantina, a trilha das águas mostra o caminho das pedras. Pedras preciosas, que contam a história de muitos aventureiros. Carnaíba, norte da chapada. O vilarejo com cara de cidade atrai milhares de garimpeiros. As serras da região concentram a maior reserva de esmeraldas do Brasil.

Helvita [Mn2+4Be3(SiO4)3S]: primeira ocorrência brasileira do mineral*

Helvita [Mn2+4Be3(SiO4)3S]: primeira ocorrência brasileira do mineral*




RESUMO
Descreve-se a recente descoberta de helvita em um pegmatito lavrado para feldspato, em Conselheiro Pena (MG). Esse mineral ocorre em agregados de tetraedros muito bem cristalizados e, tem sido recuperado, tendo em vista amostras para colecionadores.
Palavras-chave: helvita, minerais raros, minerais de coleção.

ABSTRACT
This communication describes the recent discovery of helvite, from a pegmatite mined to feldspar in the Conselheiro Pena County (MG). The helvite occurs as clusters of good tetrahedral crystals, mainly mined for mineral collector destinations.
Keywords: helvite, rare minerals, minerals of collection.



1. Introdução
A região pegmatítica do nordeste de Minas Gerais é famosa mundialmente pelo encontro periódico de minerais gemológicos e/ou raros e também de minerais excepcionais destinados a colecionadores. Descrevem-se, nessa breve comunicação, os principais aspectos geológicos, mineralógicos e químicos da primeira ocorrência de helvita no país, recentemente descoberta em um pegmatito dessa região. Segundo Betejtin (1977), a helvita pode constituir fonte de obtenção do berílio, sendo o mineral de onde é mais fácil se extrair tal elemento químico (pelo enxofre em sua estrutura), embora presentemente esteja sendo recuperado somente para obtenção de amostras de coleção.

2. Localização e geologia da área
A ocorrência encontra-se no corpo pegmatítico conhecido como Lavra "Orozimbo Coelho" ou do "Navegador" (19º03'42"S e 41º25'15"W), no município de Conselheiro Pena, a leste de Gov. Valadares (Figura 1). Ele está inserido em um grupo de pegmatitos, que abrange a conhecida Serra do Urucum, a sudeste de Galiléia. Na Lavra do Urucum-GEOMETA, situada logo ao norte, encontrou-se, recentemente, um novo mineral, a coutinhoíta (Atencio et al., 2004). Nessa área, afloram rochas proterozóicas, incluindo os xistos da Formação São Tomé, os quais são intrudidos por corpos magmáticos sin/tardi-tectônicos (Tonalito Galiléia e Granodiorito Palmital) e pós-tectônicos ao Ciclo Brasiliano (Granito Urucum).



3. Aspectos mineralógicos e químicos
O Pegmatito Orozimbo Coelho é tabular, de porte grande (± 20m de espessura e comprimento >30m), se encaixando em quartzo-biotita xistos da Formação São Tomé nas proximidades do contato com a intrusão do Granodiorito Palmital (Chaves et al., 2005). Esses autores o classificaram no grupo dos "Pegmatitos com Apatitas Primária e Secundária", um dos cinco grupos reconhecidos para os pegmatitos da área, em função da mineralogia fosfática. No corpo, ao redor do núcleo de quartzo, desenvolve-se uma zona feldspática com mais que 15 m de espessura, rica em pockets, contendo albita e/ou quartzo, muitas vezes atapetados de helvita. A lavra está ativa, visando, principalmente, à extração de feldspato.
A helvita [Mn2+4Be3(SiO4)3S], identificada por difratometria de raios X (análises no Lab. Demin - EE/UFMG), faz uma solução sólida com a danalita (termo com Fe2+) e a genthelvita (termo com Zn2+), ocorrendo no depósito em dois hábitos típicos: (a) o mais comum e, certamente, o mais procurado compreende agregados de tetraedros bem cristalizados, onde os indivíduos variam entre 0,1-0,5cm de aresta; os agregados incluem massas placóides, desde alguns poucos indivíduos até cerca de 5cm de diâmetro, capeando albita e/ou quartzo (Figura 2A). A coloração dessas drusas varia do verde-claro ao verde-acinzentado-escuro, com os cristalitos mostrando brilho resinoso e inteira opacidade; (b) em microagregados de até 1,5cm, esféricos ou semi-esféricos, onde os indivíduos são de porte submilimétrico, de coloração preta, em geral capeando massas compostas de quartzo hialino (predominante) e muscovita (Figura 2B).



Tendo em vista identificar com maior detalhe sua composição química, bem como o posicionamento do mineral no contexto da série isomórfica, quatro amostras foram analisadas com microssonda eletrônica (Defis — ICEX/UFMG). Conforme os dados da Tabela 1, destaca-se a homogeneidade dos dados químicos, com uma relativa escassez do termo Fe (1,08-2,43%) e quase ausência de Zn (0,00-0,10%), na série isomórfica. A helvita foi descrita originalmente na Saxônia (Alemanha) e tem sido também encontrada em algumas outras localidades (Dunn, 1976). Esse autor fornece cerca de três dezenas de análises químicas do mineral, as quais devem ser utilizadas para comparações com a helvita de Conselheiro Pena.



4. Considerações finais
A ocorrência de cristais bem formados de helvita no Pegmatito Orozimbo Coelho é uma das várias evidências, já reconhecidas (p. ex. Scholz, 2000), do adiantado grau de diferenciação magmática a que foram submetidos os corpos pegmatíticos dessa região. Essa recente descoberta de cristais isolados e drusas tão bem individualizadas do mineral denota, ainda, o grande potencial que a mesma apresenta para o encontro de novos minerais e/ou, conforme o caso relatado, (re)encontro de espécies raras já conhecidas na natureza, mas sob condições excepcionais de cristalização.

Kimberlito Canastra-1 (São Roque de Minas, MG): geologia, mineralogia e reservas diamantíferas

Kimberlito Canastra-1 (São Roque de Minas, MG): geologia, mineralogia e reservas diamantíferas

The Canastra-1 kimberlite (Sao Roque de Minas town, MG): geology, mineralogy and diamond reserves



RESUMO
A pesquisa de fontes diamantíferas primárias no Brasil iniciou-se na década de 1960, culminando com a descoberta da mineralização no kimberlito Canastra-1, que representa a primeira fonte primária com teores economicamente viáveis do país. O kimberlito aflora na região da Serra da Canastra, nas cabeceiras do rio São Francisco. A intrusão é constituída de dois blows alinhados segundo NW-SE, o trend estrutural da região definido em metassedimentos do Grupo Canastra. O blow menor (NW), quase circular e com ±0,8 ha de área, possui teores desprezíveis em diamantes. O outro (SE), com quase 1 ha, é mineralizado a um teor médio de 12-18 ct/100 t de rocha. Variações significativas também são verificadas em relação às fácies petrográficas do kimberlito, homogênea no blow NW, enquanto a SE é heterogênea, ocorrendo a mistura de várias fácies. A curta distância entre os blows (<40 m) pressupõe que ambos se juntem em profundidade, constituindo, então, apófises da mesma intrusão. A química mineral dos indicadores revelou forte semelhança com alguns corpos kimberlíticos africanos diamantíferos. Dados obtidos na lavra experimental indicaram uma qualidade excelente para os diamantes do kimberlito, estimando-se um valor médio em torno de US$ 180-200/ct.
Palavras-chave: Kimberlito, diamante, pesquisa mineral, Canastra-1.

ABSTRACT
The research on the primary diamond sources in Brazil started in the 1960 years and had its highest achievement with the discovery of the mineralized Canastra-1 kimberlite which is the first Brazilian primary deposit having economic contents. This pipe surfaces in the Serra da Canastra (Canastra Range) near the sources of the São Francisco River. The intrusion is made up of two blows lined along NE-SE, which is the region's structural trend defined in the metasedimentary rocks of the Canastra Group. The smaller blow is nearly circular with an area of approximately 0.8 ha and has only negligible diamond content. The SE blow has almost 1.0 ha and is mineralized with an average content of 12 to 18 ct/100 tonnes of rock. There are also significant differences in the petrographic facies of the two bodies, which is homogeneous in the NW blow while the SE blow is heterogeneous, with the occurrence of a mixture of several facies. The short distance between the blows justifies the assumption that they join in depth, therefore being apophyses of the same intrusion. The mineral chemistry of the indicators showed a strong resemblance with some diamondiferous African kimberlites. Data from experimental mining indicated an excellent quality for this kimberlite's diamonds, with US$180-200/ct estimated average value.
Keywords: Kimberlite, diamond, mineral research, Canastra-1 pipe.



1. Introdução
A pesquisa de fontes diamantíferas primárias teve início no país somente a partir do final da década de 1960, com a criação da SOPEMI, pelo ex-órgão estatal francês de mineração, BRGM. Em 1969, foram descobertos os primeiros corpos kimberlíticos em Coromandel (MG) e, depois disso, a SOPEMI, incorporada na década de 1980 ao grupo sul-africano De Beers, descobriu e pesquisou mais de uma centena de corpos na mesma região, nenhum deles, porém, aparentemente tendo revelado importância econômica.
Na região da serra da Canastra, localizada cerca de 200 km a S-SE de Coromandel, a pesquisa de kimberlitos iniciou-se na mesma época, tendo como alvo principal a zona das cabeceiras do rio São Francisco, onde, desde 1937, são conhecidas diversas ocorrências detríticas nos arredores da cidade de Vargem Bonita. A prospecção aluvionar de minerais indicadores levou logo à descoberta, em 1974, do kimberlito Canastra-1 pelo BRGM. Entretanto, a pesquisa, nessa época, se limitou a um setor (NW) que possuía teores desprezíveis em diamantes. Passaram-se cerca de quinze anos até que uma nova fase de pesquisas voltasse a ser efetuada, agora pela Mineração do Sul - SAMSUL (De Beers). Assim, em 1989, foram escavados seis poços de pesquisa, desde o blow NW até o blow SE, sendo que o último apresentou grande quantidade de microdiamantes.
A respeito desse último aspecto é interessante ressaltar que, por questões de prioridades da companhia, as amostras referentes aos seis poços somente foram processadas dois anos após suas coletas; assim a mineralização só foi efetivamente reconhecida em 1991. Pesquisa de detalhe foi efetuada no período 1992-98 e, em 2001, foi protocolado, no DNPM, o Relatório de Pesquisa com a definição das reservas diamantíferas do corpo Canastra-1. Esse relatório concluía sobre a viabilidade técnica e econômica para a explotação de diamantes. No ano seguinte, a SAMSUL foi adquirida pelo grupo canadense Black Swan Resources, criando-se, então, a Brazilian Diamonds (BDY), que atualmente tenta, junto aos órgãos nacionais competentes, a liberação das atividades de lavra.
Durante esse longo período entre prospecção, pesquisa e viabilidade técnica-econômica do depósito, compreensivelmente, todas as informações a respeito foram mantidas em sigilo pelas empresas detentoras dos direitos minerários. Entretanto a atual detentora (SAMSUL-BDY) tem procurado facilitar a atuação de pesquisadores dos departamentos de Geologia e de Engenharia de Minas da UFMG, os quais realizam estudos científicos envolvendo o kimberlito. Esse trabalho visa, assim, à divulgação do estado da arte sobre tais pesquisas, objetivando o estudo da geologia, da mineralogia e dos aspectos econômicos do corpo, bem como discussões e comparações relacionadas a outros corpos intrusivos da região.

2. Localização e contexto geológico
O kimberlito Canastra-1 está localizado na parte externa, próxima ao grande escarpamento da serra da Canastra, região do alto rio São Francisco, cerca de 7km a oeste do vilarejo de São José do Barreiro, município de São Roque de Minas. O acesso à área é feito, desde Belo Horizonte, pelas rodovias MG-050 até Pium-í (260 km), daí em direção a Vargem Bonita (57 km) e, depois, por estradas de terra atingindo São José do Barreiro (17,5 km) e, por fim, a intrusão (~12 km) (Figuras 1 e 2). Em termos geológicos, os principais estudos sobre essa região devem-se a Barbosa et al. (1970) e, em termos geotectônicos, a mesma se situa na porção terminal sul da Faixa de Dobramentos Brasília, que circunda a oeste e sudoeste o Cráton do São Francisco (cf. limites de Alkmim et al., 1993).






Na Figura 3, apresenta-se a geologia simplificada da área onde se deu a intrusão (Heineck et al., 2003). As rochas mais antigas pertencem ao Grupo Pium-í, uma seqüência arqueana do tipo greenstone belt, que é sobreposta pelos grupos Canastra (Mesoproterozóico?) e Araxá (Neoproterozóico?), de idades e relacionamentos ainda duvidosos. No primeiro, predominam quartzitos micáceos e quartzo-micaxistos. Na área da intrusão Canastra-1, ocorrem quartzitos finos, de coloração branca, com intercalações métricas locais de filitos sericíticos do Grupo Canastra. A presença conspícua de mica confere aos quartzitos um aspecto geral placóide, realçado pela erosão diferencial. No Grupo Araxá, os xistos são variados quanto à composição, incluindo (além de quartzo e mica) granada, biotita, hornblenda e feldspato. Os metapelitos do Grupo Bambuí (Neoproterozóico) complementam a sucessão de rochas pré-cambrianas. No extremo oeste da região, aparecem, ainda, seqüências mesozóicas relacionadas à bacia do Paraná. A idade do kimberlito Canastra-1 foi determinada (K/Ar em flogopita) em 120 ±10 Ma (Pereira & Fuck, 2005).
A faixa de domínio dos grupos Canastra-Araxá é marcada, estruturalmente, por forte tectônica de cavalgamentos com transporte de SW para NE, bem como dobramentos apertados, mostrando vergências para o interior do cráton, justapondo seqüências mais jovens sobre as antigas. As faixas de empurrões possuem direções entre N40º-60ºW, bem assinaladas por drenagens encaixadas e pelas escarpas dadas pelos empurrões. Uma tectônica de cisalhamento transcorrente reativou as antigas zonas de empurrões, imprimindo a estruturação final dessa faixa, complementada por um fraturamento rúptil que gerou três famílias locais de fraturas e juntas subverticais, com direções principais em N20º-35ºE, N100º-115ºE e N20º-35ºW (SAMSUL, 2007).
Os depósitos diamantíferos que ocorrem na zona do alto São Francisco se inserem, geograficamente, na designada "Região Diamantífera Serra da Canastra" (Penha et al. 2000) ou, em termos metalogenéticos, na "Província Diamantífera da Serra da Canastra" (Chaves, 1999; Benitez & Chaves, 2007). Nesse último trabalho citado, propõe-se uma compartimentação para tal província, de modo que a área em questão integra o "Distrito Diamantífero da Alto São Francisco".

3. Descrição do corpo
O kimberlito Canastra-1 intrude rochas do Grupo Canastra segundo o trend regional de fraturamento N60ºW, compreendendo dois blows separados um do outro por cerca de 40 m. O intemperismo atuante só permite estudos de maior detalhe através dos testemunhos de sondagem da época da SOPEMI-De Beers. O blow NW possui uma forma semicircular com área aproximada de 8.000 m² (Figura 4), sendo, em termos texturais, homogêneo e constituído de uma brecha kimberlítica macrocrística. O outro blow (SE) é um pouco maior (10.000 m²) e nele ocorre uma mistura de diversas fácies, destacando-se (i) uma brecha kimberlítica macrocrística de contato, de coloração avermelhada com macrocristais de ilmenita predominantes, (ii) uma brecha kimberlítica macrocrística de coloração verde-escura, com macrocristais de olivina (Figura 5) e (iii) um outro tipo de kimberlito macrocrístico, porém com macrocristais (ilmenita e olivina) de menor tamanho. Na NW, as fácies presentes parecem indicar características abissais à rocha (zona de raiz), enquanto, na SE, ocorre uma mistura de fácies abissais com fácies de zona de diatrema (menos profundas).






A curta distância entre os blows faz pressupor que ambos se juntem em profundidade, constituindo, então, apófises de um mesmo corpo. A presença de fácies tão distintas e a forma "anormal" do pipe permitem conjecturar que o blow NW seja um braço abortado da intrusão que, no seu conduto principal (o blow SE), teria atingido porções superiores da crosta (cf. esquema da Figura 6). Na cava principal aberta neste último para detalhamento de reservas e teores, observaram-se depósitos superficiais sobre praticamente todo o corpo, excluindo um pequeno afloramento na margem direita do córrego Cachoeira. Tal cobertura varia entre 2-4 m de espessura, formada, principalmente, por seixos, blocos e matacões angulosos de quartzitos Canastra deslocados das partes serranas (Figura 7). Logo abaixo, a zona intemperizada da intrusão, com 16-18 m de espessura, constitui um típico yellowground à semelhança da maioria das intrusões kimberlíticas sul-africanas.






4. Características morfológicas e químicas dos minerais indicadores
Os principais minerais indicadores de diamantes em campanhas de prospecção são o piropo cromífero [Mg3Al2(SiO4)3], a ilmenita magnesiana [Fe2+TiO3] e o diopsídio [CaMgSi2O6], em ordem decrescente de importância dada pela respectiva diminuição de resistência no transporte aluvionar. Esses três minerais foram coletados a partir de material contido no perfil de transição entre o yellowground e o blueground, que constitui agora o topo do corpo (blow SE) depois da lavra experimental já realizada. Tais minerais foram inicialmente separados em diversas frações granulométricas, tendo em vista obter-se a abundância relativa de cada nas mesmas. Por fim, análises mineraloquímicas preliminares com MEV/EDS foram efetuadas, complementadas com análises por microssonda eletrônica (WDS), visando a comparações desses minerais em outros depósitos do Brasil e do mundo (Tabelas 1 e 2).
Exames a olho nu indicaram a ocorrência de granadas com três colorações: laranja, vermelha e violeta. Sob lupa binocular, porém, observações sobre um grande número de indivíduos demonstraram que existem todas as variações de matizes entre os tipos vermelhos e os alaranjados, denotando que ambos, provavelmente, constituam um mesmo tipo mineraloquímico. Em geral, as granadas laranjas são de menor tamanho (só elas ocorrem nas frações menores que 1 mm) e parecem representar lascas das bordas de granadas vermelhas onde a concentração de cor é menor. Esses tipos se verificam, ainda, como macrocristais na massa kimberlítica e podem atingir até 2 cm de diâmetro, sendo quase sempre anédricas ou raramente subédricas e, no yellowground, apresentam adiantado estado de alteração por oxidação. O terceiro tipo, ao contrário, está contido quase exclusivamente nas frações menores que 1 mm e apresenta uma coloração característica violeta com matizes púrpuras, designada na literatura como grapefruit (Mitchell, 1986). Além de somente ocorrerem nas frações mais finas, essas granadas aparecem com formas arredondadas (fragmentos de esferas também são comuns), provavelmente constituindo produtos de dissolução de cristais euédricos de forma original hexaoctaédrica.
Análises obtidas das três citadas variedades demonstraram que, de fato, inexistem diferenças significativas gerais entre piropos vermelhos e alaranjados (Tabela 1). Os conteúdos mais altos em ferro os aproximam da molécula almandina [Fe3Al2(SiO4)3] na série isomórfica, enquanto os teores de cromo são muito baixos (menos que 1% na média de seis amostras), verificando-se nos últimos uma ligeira tendência à depleção nesse elemento. De outro modo, os piropos de cor violeta são típicos Cr-piropos (média de 4,5% em quatro amostras) e os valores superiores em MgO e inferiores em FeO indicam a maior concentração da molécula piropo na série citada. Análises com grande número de indivíduos estão ainda sendo realizadas, visando a situar com precisão o posicionamento desses piropos no esquema classificatório de Dawson e Stephens (1975), noqual as granadas são quimicamente identificadas de G-1 a G-12, bem como suas importâncias em relação à prospecção diamantífera são acentuadas. Os dados ora disponíveis indicam que as granadas estudadas situam-se nos campos G-1 e G-9, respectivamente.
A ilmenita ocorre sempre em formas mal cristalizadas, desde megacristais com cerca de 3 cm de diâmetro até grãos submilimétricos, sendo largamente o mineral indicador mais comum no kimberlito. Muitas vezes esse mineral se mostra encapado por uma crosta verde heterogênea, resultado de sua alteração para leucoxênio ou perovskita (Mitchell, 1986). Em termos químicos (Tabela 2), o mineral pode ser considerado como uma ilmenita magnesiana e, embora seja relativamente depletado em MgO (média de 10%) em relação a diversos kimberlitos diamantíferos sul-africanos, onde pode alcançar valores próximos de 20% (Mitchell, 1986), ele se assemelha aos minerais de outras localidades de Minas Gerais como o kimberlito Vargem e o conglomerado tufáceo de Romaria (Svisero et al., 1977; Svisero & Meyer, 1981). Entretanto os dados de Cr2O3 são inferiores aos desses dois últimos locais, onde alcançam até mais que 2%, e bem mais próximos dos kimberlitos africanos, onde tais valores em geral também não alcançam 1%.
O diopsídio, de cor verde-oliva típica, se apresenta em macrocristais prismáticos de até 1 cm de comprimento, embora mais comumente apareça na fração inferior a 1 mm. Em relação ao kimberlito Vargem, as análises revelaram (Tabela 2) valores relativamente superiores de magnésio e cálcio. Entretanto a principal característica química do mineral é a depleção em cromo (média de 0,4% em quatro amostras), que pode alcançar mais que 2% naquele corpo kimberlítico (Svisero et al., 1977). Interessante observar que valores baixos em Cr2O3 são também encontrados em diopsídios inclusos em diamantes brasileiros (Svisero, 1983), bem como em diversos outros kimberlitos mundiais (Mitchel, 1986).

5. Aspectos econômicos
A descoberta da mineralização em 1991 foi revelada pela pesquisa de seis poços nas margens do córrego Cachoeira. Cinco destes caíram sobre ou nas proximidades do blow NW, do lado esquerdo do córrego, e de um total de 63 m³ de rocha foram extraídos somente 0,012 ct de microdiamantes. No sexto poço, maior e situado do lado direito do córrego, foram escavados 62 m³ de rocha e recuperados 765 pedras, entre micro e macrodiamantes, perfazendo 19,079 ct (SAMSUL, 2007). A avaliação das reservas totais em diamante do kimberlito Canastra-1 apoiou-se em dados dos trabalhos de pesquisa, principalmente sondagem rotativa diamantada e amostragem de grande volume (quando pedras de até 20 ct foram recuperadas), bem como modelamento geológico. Na pesquisa detalhada de um depósito desse tipo, como a distribuição dos diamantes é aleatória, a confiabilidade dos resultados será função do volume de rocha amostrada.
Na planta de lavra experimental instalada para processar grande volume do corpo mineralizado, implementada pela SAMSUL, cerca de 15.000 m³ de rocha foram tratados para a obtenção da parte principal das reservas em diamantes, que totalizaram entre as cotas 960-820 m, quase 2.300.000 t de rocha a um teor médio de 16 ct/100 t, estimando-se em 260.000 ct contidos (SAMSUL, 2007). Outro fator fundamental na avaliação econômica de um depósito diamantífero é a quantificação do seu valor médio (dado em US$/ct). Nesse sentido, o diamante da Província da Serra da Canastra é considerado como um dos mais valorizados do Brasil, atingindo cifras da ordem de US$180-200/ct (L. Giglio, 2007, inf. verbal). A qualificação comercial aproximada varia em torno de 80% de cristais gemológicos e 20% chips e industriais (Benitez & Chaves, 2007). São típicas as pedras de forma octaédrica, de elevados graus de pureza e cores altamente gemológicas (D até I), conhecidas no mercado como diamantes "tipo-Canastra".

6. Considerações finais
A constatação de reservas economicamente mineráveis de diamantes no kimberlito Canastra-1, em Minas Gerais, representa um novo marco histórico na geologia econômica do país. Sem dúvida, caem por terra as hipóteses que consideram que os kimberlitos da porção sudoeste do Estado seriam praticamente estéreis (eg., Tompkins & Gonzaga, 1989), ou de que a totalidade desses poderia estar erodida até níveis críticos de mineralização, onde a parte econômica dos corpos teria sido distribuída para depósitos aluvionares, antigos ou recentes (eg., Chaves, 1991).
O mesmo fato abre ainda novas perspectivas à prospecção de outros corpos na região, bem como pesquisas adicionais em corpos já conhecidos. As novas tecnologias introduzidas nos últimos 20 anos, desde a descoberta do pipe lamproítico de Argyle (Austrália), que mudaram o panorama econômico do diamante no mundo, com esse país tornando-se seu maior produtor, exemplificam tal situação. A explotação do kimberlito Canastra-1 deve também possibilitar e incentivar a pesquisa científica em relação ao manto superior sob o Brasil, praticamente desconhecido e de grande importância para o entendimento da evolução do planeta.