Em nome do ouro
Às margens do rio e da lei, o garimpo de ouro flerta
historicamente com a clandestinidade. Em iniciativa pioneira, Amazonas
estabelece normas estaduais para regulamentar o ofício. A decisão,
entretanto, incita questionamentos, sobretudo quanto ao uso do mercúrio.
A recente alta no preço do ouro parece motivar no Brasil uma
renovada sede mineradora. As leis que regem a atividade no país são
várias, mas não têm dado conta de proteger garimpeiros, meio ambiente e
sociedade. (foto: Dieter Hawlan/ iStockphoto)
A saga do garimpeiro já foi enredo de contos, cobiça e violência. De
conflitos de terra a pecados ambientais, histórias de garimpagem têm
quase sempre um coadjuvante em comum: o mercúrio – um dos metais pesados
mais tóxicos para a saúde humana.
Para o cientista, é um elemento químico de 86 prótons. Mas, para o
garimpeiro, é mais do que isso: é o líquido prateado responsável pela
alquimia da sobrevivência. Explica-se: como agulhas em um palheiro, os
minúsculos fragmentos de ouro ficam aleatoriamente espalhados pelo
cascalho arenoso que o minerador retira do subsolo ou do leito dos rios.
A esse material bruto é adicionado mercúrio. Líquido à temperatura
ambiente – é o único metal conhecido com tal propriedade –, ele agrega
os pequeníssimos grãos dourados e forma uma liga metálica. Essa mistura é
então aquecida; o mercúrio evapora; e assim o ouro puro chega às mãos
do minerador. Tecnologia deveras rudimentar.
Mas, onipresente na mineração artesanal de ouro, o mercúrio tem
preocupado a comunidade científica desde fins da década de 1960, quando
se intensificaram os estudos sobre a toxicologia desse metal. “Danos
irreversíveis ao sistema nervoso, inclusive o comprometimento de áreas
do cerebelo associadas a funções motoras, auditivas e visuais, são
alguns dos males que o mercúrio costuma causar em seres humanos”, diz o
biólogo Wanderley Bastos, da Universidade Federal de Rondônia (Unir).
“Uma vez lançado no ecossistema, o mercúrio foge totalmente de nosso
controle; e ainda não temos tecnologias para frear os processos
biogeoquímicos de sua disseminação.”

- O mercúrio é um dos
metais pesados mais tóxicos para a saúde humana. No garimpo do ouro, ele
é usado para agregar os grãos dourados que ficam espalhados pelo
cascalho arenoso retirado do subsolo ou do leito dos rios. (foto:
Flickr/ p.Gordon – CC BY 2.0)
Garimpo revisitado
A relação entre mercúrio e garimpo é tema clássico para polêmicas
ambientais. E a última delas – que reavivou um debate adormecido – veio à
tona em maio de 2012, quando a Secretaria de Desenvolvimento
Sustentável do Amazonas (SDS) publicou uma resolução que causou celeuma entre cientistas e legisladores.
Trata-se da
Resolução 11/2012.
Na contramão da história, o documento regulamenta o uso de mercúrio no
garimpo artesanal – quando o mundo todo se movimenta para banir ou impor
restrições severas no emprego desse perigoso elemento químico.
Delicado impasse. Pois há na iniciativa da SDS uma boa intenção – pôr
ordem na casa e disciplinar o garimpo no estado. Pelos rincões da
Amazônia, afinal, a lavra do ouro é uma labuta que historicamente flerta
com a clandestinidade. Há gerações o valioso metal dourado é via de
sobrevivência para famílias que habitam as remotas paragens da planície
amazônica. Mesmo assim, os estados da região jamais se engajaram na
tarefa de legislar sobre a atividade. “O garimpo, portanto, acontece há
décadas sem qualquer tipo de controle legal ou critério”, contextualiza o
procurador da República Leonardo Macedo, do Ministério Público Federal
(MPF).
Macedo: “O garimpo, portanto, acontece há décadas sem qualquer tipo de controle legal ou critério”
Eis que entra em cena a Resolução 11/2012. Com ela, o Amazonas
tornou-se o primeiro estado do país a rezar uma legislação específica
sobre garimpo. Nada mal, em princípio. Mas o texto desagradou a muitos. A
comunidade científica não tardou a se manifestar; a sociedade civil
fez-se ouvir; e o próprio MPF não deixou barato.
Lei manca
“Regularizar a atividade garimpeira e retirá-la da clandestinidade é
algo louvável, mas isso não pode acontecer à custa da liberação do
despejo de mercúrio nos rios e no ambiente”, lê-se na carta aberta
assinada pelo físico Ennio Candotti, diretor do Museu da Amazônia
(Musa), em Manaus (AM), e vice-presidente da Sociedade Brasileira para o
Progresso da Ciência. “Desejamos alertá-lo, senhor governador, que o
mercúrio é um metal extremamente tóxico, fato que não é mencionado na
resolução.”
O documento foi acusado de ser permissivo – além de sugerir
procedimentos de segurança pouco específicos e de duvidosa eficácia. Em
linhas gerais, ele afirma que as regiões de garimpo devem ser
previamente sujeitas a estudos de impacto ambiental; a origem do
mercúrio deve ser comprovada; as áreas de lavra devem ser monitoradas
por técnicos do estado; os rejeitos do mercúrio devem ser encaminhados à
sede municipal, onde serão devidamente acondicionados; e o garimpeiro
deve, obrigatoriamente, usar um equipamento chamado retorta (ou
cadinho).
Candotti: “Regularizar a atividade garimpeira e retirá-la da clandestinidade é
algo louvável, mas isso não pode acontecer à custa da liberação do
despejo de mercúrio nos rios e no ambiente”
É um aparato metálico assemelhado a um forno, que aquece o amálgama e
separa o ouro de forma segura, pois, sendo um sistema fechado, evita
que o vapor de mercúrio seja emitido à atmosfera ou inalado pelo
trabalhador. A retorta permite ainda reaproveitar o mercúrio que seria
despejado no solo ou nas águas.
À primeira vista, a resolução soa bem razoável. Mas o preocupante não
é o que o texto diz; e sim o que ele não diz. “Pois estão ausentes os
mecanismos adequados de controle ambiental”, critica Macedo. Um exemplo:
“Apesar de obrigar o garimpeiro a utilizar retorta, o texto ignora o
processo de certificação necessário para garantir a eficiência do
equipamento”, alerta o procurador.
Além disso, a resolução não proíbe o garimpo em áreas já degradadas
ou em territórios onde a presença de mercúrio é naturalmente alta (ver
‘Natural ou antrópico’). “Diante das críticas, o estado do Amazonas
abriu-se para o diálogo”, conta o procurador. Semestre agitado para os
amazonenses: foram organizados debates, encontros e palestras para
discutir o polêmico texto. “Assim conseguimos alterar a Resolução
11/2012 e substituí-la pela
Resolução 14/2012”, atualmente em vigor.
Natural ou antrópico
Nos
solos e rios amazônicos, que parcela do mercúrio é oriunda de
atividades antrópicas e que parcela advém de condições naturais? Questão
em aberto. Por suas características físicas, nossa floresta equatorial
estoca quantidades naturalmente elevadas do metal – quatro vezes mais do
que solos de regiões temperadas, segundo Wanderley Bastos, mesmo em
áreas distantes de garimpo ou indústria. Erupções vulcânicas várias, ao
longo da história geológica, emitiram mercúrio à atmosfera. Esse
material foi se depositando nos solos. E a floresta amazônica, se
intacta, estoca enorme quantidade mercurial. Se destruída, porém, o
mercúrio ali armazenado é fatalmente carreado aos cursos d’água. “Uma
vez no sistema aquático, não mais importa se ele é de origem antrópica
ou natural”, diz Bastos. Nos rios ele passará da forma inorgânica para a
forma orgânica, contaminando a cadeia alimentar. Sabe-se que, nos
últimos 150 anos, a quantidade de mercúrio na atmosfera aumentou em mais
de 300%, devido sobretudo às atividades industriais relacionadas à
produção de carvão mineral.
Menos pior
O novo texto proíbe garimpo em regiões com altas concentrações de
matéria orgânica – caso das áreas banhadas pelo rio Negro, por exemplo.
Pois ambientes assim favorecem a reação que transforma o mercúrio
metálico (Hg) em metilmercúrio (CH
3Hg+) – a forma química
mais tóxica do elemento. Uma vez transformado, o mercúrio é rapidamente
absorvido pelos organismos vivos e incorporado à cadeia alimentar.
“Acumula-se nos tecidos dos peixes e, cedo ou tarde, chega ao homem”,
explica Bastos.
O novo texto prevê rigoroso controle do comércio de mercúrio
metálico. E exige a certificação das retortas pelo Instituto de Pesos e
Medidas (Ipem). Mas há aí um singelo entrave: “Não adianta o garimpeiro
simplesmente ter a retorta, ainda que certificada; ele precisa usá-la”,
enfatiza Macedo. “Em visitas a regiões de garimpo no Amazonas,
averiguamos que várias balsas tinham, sim, esse equipamento. Mas estavam
novos, isto é, jamais tinham sido utilizados.”
Forsberg: “A resolução é relativamente boa. Minha dúvida: sua
implementação poderá mesmo ser fiscalizada?”
Se os pessimistas estiverem certos, a Resolução 14/2012 tem tudo para
ser uma lei para amazonense ver. Exatamente por isso ela passará por um
período de testes. “Serão três anos de avaliação”, prevê Macedo. “Se,
ao longo desse período, o MPF entender que danos irreversíveis continuam
sendo causados aos ecossistemas, nada impede que trabalhemos para
impugnar a resolução.”
Por outro lado, se o novo texto funcionar a contento – o que requer
otimismo panglossiano – ele será um marco histórico para o garimpo
amazônico. “Pois será a primeira vez que o Brasil logrará êxito na
regulamentação de uma atividade historicamente exercida à margem da
lei”, diz Macedo, com ceticismo no tom de voz.
“A resolução é relativamente boa”, comenta o ecólogo Bruce Forsberg,
do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), que participou
das discussões e da reelaboração do texto. “Minha dúvida: sua
implementação poderá mesmo ser fiscalizada?”
Garimpo na lei?
Enquanto
cientistas e legisladores duelam, os afeiçoados pelos aspectos
burocráticos do imbróglio certamente se interessarão pelo cenário
jurídico em que se insere o debate. Além da legislação estadual
recentemente aprovada no Amazonas, o Brasil tem, engavetado, um eclético
cardápio de leis sobre garimpo e mineração. Eis as três principais:
São documentos de abrangência federal que estabelecem diretrizes gerais
sobre o trabalho da garimpagem. “Mas a legislação federal é ‘genérica’ e
requer regulamentações específicas em âmbito estadual”, explica o
procurador da República Leonardo Macedo. Segundo o Decreto 97.507/1989,
“é vedado o uso de mercúrio na atividade de extração de ouro, exceto em
atividade licenciada pelo órgão ambiental competente”. Em outras
palavras, usar mercúrio é proibido – a não ser que o estado defina suas
próprias regras. Daí a importância da nova resolução do Amazonas: ela
traz especificidades e detalhamentos para complementar o conjunto de
leis federais em vigor.
Dados aterradores
Enquanto leis e burocracias duelam, muitas regiões da Amazônia já
apresentam quadros preocupantes de contaminação por mercúrio. Ao longo
do rio Madeira, que passa por Porto Velho (RO) e deságua no rio
Amazonas, a presença desse metal pesado no organismo dos ribeirinhos vem
sendo monitorada há décadas.
Os habitantes de São Sebastião do Tapuru (AM) têm em média 62 mg/g de
metilmercúrio no organismo – quando o limite recomendado pela
Organização Mundial da Saúde (OMS) é de apenas 7 mg/g. De municípios ao
longo do curso das mesmas águas não vieram melhores notícias. Em Três
Casas (AM), são 33,07 mg/g; Vista Nova (AM), 25,69 mg/g; Carará (AM),
18,13 mg/g; Santa Rosa (RO), 13,99 mg/g; Santo Antônio do Pau Queimado
(RO), 14,69 mg/g; e por aí vai.
“A média de concentração mercurial nas populações isoladas do rio
Madeira é de 15 partes por milhão, isto é, o dobro do valor considerado
normal pela OMS”, preocupa-se Bastos.
Veja os dados completos no mapa interativo
‘Contaminação por mercúrio’
Mercúrio e saúde
Existem duas maneiras de se medir a quantidade de mercúrio no
organismo humano. Se o vapor do metal é inalado, sua presença será
detectada na urina. Mas, se ingerido a partir de peixes ou demais
alimentos contaminados, será aferido em amostras de fio de cabelo.
“São quadros toxicológicos diferentes”, detalha Bastos. O mercúrio
inorgânico – isto é, o vapor do metal inalado durante a queima do
amálgama para separar o ouro – provoca danos aos rins e ao sistema
respiratório. “Apesar de garimpeiros ainda sofrerem desses problemas,
eles já foram muito mais comuns nas décadas passadas”, lembra o
pesquisador da Unir.
“Na Amazônia, quanto mais isolada a população, maior seu consumo de peixe”
Hoje, pesquisadores preocupam-se especialmente com a forma orgânica, o
metilmercúrio, que praticamente não é excretada. É um processo lento e
cumulativo: o elemento permanece no organismo pelo resto da vida. “Por
isso a contaminação por mercúrio é um grave problema de saúde pública há
mais de 50 anos”, escreve a bióloga Sandra Hacon, da Fundação Oswaldo
Cruz (Fiocruz). “Retardo mental, paralisia cerebral, surdez, cegueira e
disartria em indivíduos expostos ainda no útero materno; e danos
sensoriais e motores graves em indivíduos expostos na idade adulta” são
alguns exemplos de males elencados pela bióloga da Fiocruz.
“Na Amazônia, quanto mais isolada a população, maior seu consumo de
peixe”, diz Bastos. No Brasil, a média nacional é de 60 a 90 g diárias.
Mas cálculos da equipe da Unir constataram que, em algumas regiões
amazônicas, o consumo de pescados
per capita chega a 406 g ao dia. “Desconheço alguma população no mundo que apresente uma média tão elevada”, surpreende-se o pesquisador.

- O mercúrio ingerido a
partir de peixes, consumidos em grande quantidade pelas comunidades
amazônicas, permanece no organismo pelo resto da vida, podendo acarretar
danos sensoriais e motores graves em indivíduos expostos. (Angela
Peres, Secom-Acre/ Flickr – CC BY 2.0)
“Mas há aqui uma interrogação”, comenta Bastos. “Mesmo sendo o
mercúrio um elemento neurotóxico, algumas populações não apresentam os
efeitos clássicos da toxicologia mercurial”. Pesquisadores acreditam que
outros componentes da dieta dos ribeirinhos possam atenuar os danos
esperados. “Uma hipótese é que o selênio, presente na castanha-do-pará e
frutas locais, evite quadros de contaminação por mercúrio”, arrisca o
biólogo da Unir, lembrando que essa é ainda uma questão em aberto.
Mapa da mina
No Brasil, a produção industrial de ouro – a extração em minas de
grande porte – concentra-se nos estados de Minas Gerais, Goiás e Bahia.
Mas, ao falarmos da extração artesanal, a geografia é outra. Mato
Grosso, Pará e Rondônia são os principais estados onde se concentra o
garimpo de ouro. Destaque para as bacias dos rios Tapajós e Madeira.
Importante: nas grandes indústrias, a obtenção do ouro não utiliza
mercúrio. Mas sim cianeto. Esse composto químico – formado por ligações
entre átomos de carbono e nitrogênio – é diluído em uma solução aquosa,
que, despejada sobre o minério bruto, provoca reações químicas capazes
de diluir os fragmentos de ouro. O metal é então incorporado à solução
líquida, e, em seguida, separado por um processo eletrolítico.
Há quem cogite o uso de cianeto – como alternativa ao mercúrio –
também no garimpo artesanal. Substituição questionável. “É um processo
bastante complexo que, além de exigir cálculos apurados, requer muitos
cuidados; e o cianeto também é altamente tóxico”, comenta o cientista
político Armin Mathis, da Universidade Federal do Pará (UFPA), que há
tempos dedica-se ao estudo das relações sociais no garimpo. Cenário que
nos remete a uma legítima dúvida: quantas pessoas, atualmente, trabalham
no garimpo de ouro?
“Não existem dados oficiais sobre o número de pessoas ligadas à
mineração de ouro”, informou o Departamento Nacional de Produção Mineral
(DNPM). “E os números extraoficiais são bastante divergentes.” O que se
sabe é que existem, hoje, 853 registros de Permissão de Lavra
Garimpeira (PLG) – documento que permite a extração de ouro em garimpo.
E, no momento, o DNPM analisa mais de 16 mil pedidos de permissões desse
tipo – solicitadas por empresas ou indivíduos desejosos de tentar a
sorte, ou a sobrevivência, na lavra do ouro.

- Queima do ouro. De acordo
com o Departamento Nacional de Produção Mineral, não existem dados
oficiais sobre o número de pessoas ligadas à mineração de ouro no
Brasil. Pesquisador da UFPA estima que haja atualmente cerca de 20 mil
pessoas trabalhando diretamente no garimpo. (foto: Marieke Heemskerk)
“Imagino que existam, hoje, algo em torno de 20 a 30 mil pessoas
trabalhando diretamente com o garimpo”, estima Mathis. Sejam quais forem
os números, é certo que estão aumentando. A recente e assombrosa alta
no preço do ouro parece motivar uma sede mineradora sem precedentes na
última década.
Alternativas
“Sou favorável à não utilização de mercúrio em qualquer processo,
seja industrial ou artesanal”, defende Wanderley Bastos. “Quanto menos
emissões de mercúrio, menos riscos para o ecossistema e os seres
humanos.” Para alguns, entretanto, não há alternativas para substituir
esse metal. Será? “Alternativas nós temos; mas nenhuma delas é de fácil
implementação”, comenta o procurador Leonardo Macedo.
Macedo: “Alternativas nós temos; mas nenhuma delas é de fácil implementação”
“Existem técnicas gravimétricas”, lembra Bastos. São métodos que
permitem ao garimpeiro separar o ouro do sedimento em uma espécie de
mesa vibratória, que ao vibrar separa o cascalho, que é leve, do ouro,
mais pesado. Impasse: essas mesas funcionam melhor em terrenos estáveis,
e não nas balsas usadas para dragar o leito dos rios.
Apesar disso, há casos de sucesso. Em Humaitá (AM), a Cooperativa dos
Garimpeiros da Amazônia (Coogam) já usa essa tecnologia em algumas
balsas. “Os riscos ambientais são minimizados por se tratar de uma
separação mecânica, e não química”, diz Geomário Leitão, gerente da
cooperativa. “O governo poderia estimular estudos nessa direção”, sugere
o biólogo da Unir. Mas, mesmo assim, problemas como erosão podem
continuar.
Mercado e conspiração
A
Organização das Nações Unidas (ONU) vem coordenando esforços para
reduzir ou até restringir as vendas de mercúrio metálico no mundo. “Mas esses esforços vêm sendo frustrados, em parte, por um
lobby
bastante forte dos países em desenvolvimento; e o Brasil é um dos que
lideram essa pressão”, alfineta Bruce Forsberg, do Inpa. “Mas, como sou
gringo, não posso opinar muito”, brinca ele, que é estadunidense.
Forsberg diz que os maiores interessados em restringir uso e produção
de mercúrio são os próprios Estados Unidos – que têm um belo estoque
desse metal, estratégico para fins militares. “Se as minas de mercúrio
ainda em operação, na China, na Rússia e na Espanha, encerrarem suas
atividades, será um ótimo negócio para os norte-americanos, que terão
domínio sobre esse mercado”, matuta o ecólogo do Inpa. Seriam, pois, os
debates sobre mercúrio uma conspiratória estratégia geopolítica?
“Depende do quão desconfiado você é”, ri Forsberg.
No território da diplomacia, entretanto, otimistas veem promissoras
notícias. “O Brasil vem participando da preparação de um instrumento
global juridicamente vinculante sobre mercúrio”, disse Letícia Reis de
Carvalho, diretora do Departamento de Qualidade Ambiental, do Ministério
do Meio Ambiente (MMA). Em janeiro passado, representantes de 140
países se reuniram em Genebra (Suíça) para finalizar um documento que
orientará políticas internacionais acerca da utilização de mercúrio em
garimpo. Estamos falando da Convenção de Minamata – que entrará em vigor
em outubro deste ano –, da qual o Brasil será provável signatário.
Carvalho: O governo acredita que formalizar a atividade, diminuir drasticamente a
emissão e buscar alternativas propiciará resultados contra o uso
indiscriminado do mercúrio no garimpo
A convenção fala em “taxas de redução”. Carvalho destaca alguns
itens: o texto recomenda ações para eliminar processos de amalgamação de
minério e queima a céu aberto; prevê formalização da atividade
garimpeira e adoção de estratégias para reduzir a exposição ao mercúrio;
e, é claro, incentiva estudos sobre alternativas aos métodos
tradicionais da lavra garimpeira.
“Controlar o uso do mercúrio no garimpo artesanal de ouro é um
desafio para o Brasil”, afirma Carvalho. “O governo acredita que
formalizar a atividade, diminuir drasticamente a emissão e buscar
alternativas propiciará resultados contra o uso indiscriminado desse
metal no garimpo.” Mas, um momento... O que dizem, afinal, os próprios
garimpeiros? “Algum dia o senhor imagina trabalhar sem mercúrio?”,
perguntou Leonardo Macedo a um deles. “Não”, respondeu o velho homem.
“Sou garimpeiro há 30 anos, e tanto meu pai quanto meu avô sempre usaram
mercúrio. Foi sempre assim”