domingo, 13 de setembro de 2015

Pesquisadores usam laser para produzir diamantes de grafite

Pesquisadores usam laser para produzir diamantes de grafite


A formação de diamantes na natureza depende, essencialmente, da presença de carbono em condições de alta pressão (da ordem de 15 gigapascal, que é um pouco mais do que 148 mil atmosferas) e alta temperatura (da ordem de 2.500 graus Celsius).
Essas condições, presentes no interior da Terra, podem ser obtidas também em laboratório. Uma forma bem conhecida para sintetizar diamante é pressionar certa quantidade de grafite (gerando alta pressão) e fazer passar por ela uma corrente elétrica (gerando alta temperatura). Os átomos de carbono de grafite são então rearranjados em uma diferente estrutura cristalina, constituindo o diamante convencional.
Outra forma de diamante, composta por nanocristais, já foi produzida em laboratório, também em condições de pressão e temperatura elevadas. Apesar de altamente desejada, devido à dureza e à resistência ainda maiores do que as dos diamantes naturais, sua produção envolveu um processo custoso, por conta dos equipamentos necessários.
Uma alternativa viável foi obtida por pesquisadores brasileiros. Neste caso, os mesmos patamares de pressão e temperatura foram alcançados mediante uma onda de choque gerada por laser de pulsos ultracurtos. Artigo descrevendo o experimento acaba de ser publicado no boletim on-line Scientific Reports, do grupo Nature: “Synthesis of diamond-like phase from graphite by ultrafast laser driven dynamical compression”.
“Além de gerar pulsos muito energéticos, o laser utilizado os emitia em intervalos extremamente curtos [de 25 femtossegundos, isto é, 25×10-15 segundos] e os concentrava em uma área extremamente reduzida [com raio de 65 micrômetros, isto é, de 65×10-6 metros]. Todos esses fatores convergiram para que pudéssemos alcançar os patamares necessários de pressão e temperatura da onda de choque”, disse à Agência FAPESP o físico Narcizo Marques de Souza Neto, pesquisador no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) e idealizador do experimento, no contexto de projetos apoiados pela FAPESP.
“Conseguimos um nanomaterial final altamente desejável para várias aplicações [como potencial participante em componentes eletrônicos, em revestimento de próteses articulares, em marcadores celulares, em vetores de fármacos etc.] com recursos relativamente modestos”, sintetizou o físico Francisco Carlos Barbosa Maia, pós-doutorando no LNLS e principal autor do trabalho.

Técnica D-Scan

O trabalho também se destacou por sua simplicidade. A grafite empregada estava na fase policristalina, a mais comum, em vez da forma altamente ordenada e bastante cara conhecida como HOPG, que é usada em outros estudos. O laser utilizado, apesar de produzir pulsos ultracurtos com alta potência, também é acessível a laboratórios de médio porte, no país e no exterior.
“O procedimento foi movimentar o bloco de grafite na frente do feixe de laser focalizado [ver a foto], de modo que vários pulsos do laser se sobrepusessem em cada posição da grafite, de forma quantificada por uma técnica desenvolvida por nós, chamada D-Scan”, afirmou Ricardo Elgul Samad, pesquisador do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) e especialista em lasers de pulsos ultracurtos de alta intensidade, também participante de projetos apoiados pela FAPESP.
Como resultado da irradiação, foram formados vários cristais, na escala de 50 micrômetros. E, nesse conjunto, cristalitos nanométricos de um alótropo de carbono semelhante ao diamante.
Os cristais micrométricos foram estudados por meio de microespectroscopia Raman (RM), microscopia eletrônica de varredura (SEM) e microscopia eletrônica de transmissão de alta resolução (HRTEM). “Além dos cristalitos nanométricos de tipo diamante, constatamos a presença de outra notável formação de carbono, na qual os átomos aparecem arranjados em uma estrutura semelhante à da cebola”, informou o pesquisador Jefferson Bettini, do Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano), especialista em microscopia.
Com base nessa descoberta, os pesquisadores propuseram um mecanismo para a transformação de grafite no alótropo semelhante ao diamante. Trata-se de uma via indireta que depende da morfologia do material inicial, dos eventos termodinâmicos específicos produzidos pelos pulsos ultracurtos de laser e da formação de catalisadores naturais, como as estruturas semelhantes à cebola e grânulos de grafite de tamanho nanométrico.

Nova fonte de luz síncrotron

Por interessante que tenha sido o resultado, os pesquisadores o consideram apenas um primeiro passo rumo a realizações ainda mais ousadas. “Quando iniciarmos, em 2018, a operação da nova fonte de luz síncrotron, Sirius, teremos condições de alcançar, em experimentos de ondas de choque, pressões e temperaturas mais altas do que 1 terapascal (equivalente a 10 milhões de atmosferas) e 50 mil graus Celsius”, enfatizou Souza Neto.
A atual fonte de luz síncrotron do LNLS é de segunda geração. O Sirius, que, segundo o cronograma, emitirá seu primeiro feixe de luz em 2018, deverá ser, juntamente com o Max 4, em construção na Suécia, uma das primeiras fontes de luz síncrotron de quarta geração no mundo. Numerosos experimentos hoje impossíveis de serem feitos no país poderão ser realizados com o Sirius.
Segundo Souza Neto, o atual experimento foi idealizado como uma prova de conceito da geração de onda de choque por meio de um laser ultracurto de alta intensidade, com vista a futuros desdobramentos por meio do Sirius. “A síntese e o estudo de novas fases da matéria em altíssimas pressões e temperaturas podem levar à descoberta de materiais com propriedades extraordinárias para aplicação cotidiana”, afirmou.
“Nesse sentido, lasers são instrumentos fundamentais para atingir condições extremas, possibilitando alcançar campos eletromagnéticos, pressões e temperaturas nunca antes acessíveis ao homem”, complementou Nilson Dias Vieira Junior, pesquisador do Ipen.
Assinaram o artigo publicado por Scientific Reports os pesquisadores Francisco Carlos Barbosa Maia (LNLS), Ricardo Elgul Samad (Ipen), Jefferson Bettini (LNNano), Raul de Oliveira Freitas (LNLS), Nilson Dias Vieira Junior (Ipen) e Narcizo Marques de Souza Neto (LNLS). Mais um fato positivo a destacar na realização do experimento foi a sinergia entre as três instituições envolvidas.
O LNLS e o LNNano são dois laboratórios nacionais – abertos a pesquisadores de todo o país e do exterior – instalados no mesmo campus, no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em Campinas, São Paulo. O Ipen está localizado na Cidade Universitária, em São Paulo.

Esmeraldas são retiradas de minas que chegam a 150 metros.

Subsolo do sertão nordestino guarda esmeraldas e vestígios do passado

Esmeraldas são retiradas de minas que chegam a 150 metros.
Nas cavernas naturais, onde pesquisadores encontraram fósseis.


O subsolo do sertão nordestino guarda muitos tesouros. Entre eles, estão as esmeraldas que são retiradas de minas que chegam a 150 metros de profundidade. Há também as cavernas naturais, onde pesquisadores encontraram fósseis de animais pré-históricos e vestígios dos antigos habitantes do Brasil.
Os labirintos subterrâneos dos sertões se estendem por centenas de quilômetros. O estado da Bahia tem o maior número de cavernas do país. São túneis imensos, com formações de arenito e fósseis de animais pré-históricos.
Os moradores da gruta, os morcegos, descansam no teto, em um local onde estão bem protegidos. Em alguns pontos, a caverna parece um templo, pela beleza surpreendente. “Tem 28 quilômetros topografados, mas já se conhece bem mais que isso e provavelmente nossa geração não alcance o final dessa caverna, que ela é muito extensa", afirma o pesquisador Rangel Carvalho.
Os pesquisadores encontram no chão, fósseis de animais pré-históricos. "Aqui nós temos um fóssil de um cervo. É um animal já extinto, que foi identificado. É um animal que viveu em torno de dez mil anos atrás”, explica o espeleólogo Bruno João.
Em Sergipe, na margem do Rio São Francisco, um museu guarda relíquias de grandes descobertas arqueológicas nos sertões. O Museu de Xingó tem painéis e cenários com ilustrações dos primeiros habitantes da região, pintando as paredes das cavernas, fazendo as inscrições rupestres.
“O que pôde ser resgatado, foi resgatado. Foram 36 sítios arqueológicos localizados. O que foi resgatado já dá um significado, uma ideia da importância dessa região para o contexto pré-histórico”, diz Railda Nascimento Silva, coordenadora do museu.
Objetos de cerâmica, urnas funerárias e esqueletos humanos muito antigos também foram resgatados e estão sendo analisados no Museu de Xingó. “Entre os esqueletos identificados durante o projeto de resgate, provavelmente o de maior antiguidade tem cerca de 9.600 anos", afirma José Roberto Pelini, professor da Universidade Federal de Sergipe.
O subsolo dos sertões nordestinos também é rico em minério e pedras preciosas. Descendo por um buraco, escavado na rocha bruta, com uma altura de um edifício de 50 andares, se chega a um elevador, que mais parece um chuveiro, onde não para de cair água.
O túnel tem iluminação elétrica e uma bomba retira a água que nasce entre as rochas. "Nós fazemos uma galeria, com um metro de altura por dois metros de largura, madeirando tudo e entrando aqui. É aqui que produz as pedras. É aqui que tira as esmeraldas”, conta um minerador, que retirou milhões de dólares em esmeraldas, e uma de 30 kilos bruta de pura beleza verde grama, foi vendida para um museu da Inglaterra por 2 milhões de dólares.
Usando martelos, os mineiros procuram as pedras preciosas, mas não é fácil encontrá-las. Muita gente depende desses garimpos. Mesmo fora das minas, procurando nas pedras já exploradas, uma esmeralda esquecida. "Nós temos 9,8 mil pessoas da Serra da Carnaíba que vivem desse garimpo. Nove mil e oitocentas pessoas diretamente e, indiretamente, vai para 60 mil pessoas”
A beleza subterrânea dos nossos sertões é a joia mais preciosa. Mesmo nos subterrâneos da área mais seca do Brasil, há um tesouro esculpido em cada rocha.

Diamantina deixa sua marca na história com a produção de diamantes

Diamantina deixa sua marca na história com a produção de diamantes

Pedras mais valiosas do mundo fazem parte do imaginário popular até hoje. Veja como é um garimpo artesanal.


Diamantina deixou a sua marca na Estrada Real e na história com a produção das pedras mais valiosas do mundo. Os diamantes fazem parte do imaginário popular até hoje. “O caminho hoje faz parte da Estrada Real, é o marco zero da Estrada Real, a parte do caminho dos escravos aqui em Diamantina. O caminho dos escravos é o único local no qual as pessoas colocaram esse nome uma forma de homenageá-los porque aqui muitos escravos morreram de tanto trabalhar”, explica Paulo Antônio de Almeida, historiador.
“O calçamento foi construído, a idéia foi de Manoel Ferreira Câmara. Ele construiu com o intuito de facilitar o acesso das pessoas escravas que trabalhavam nos garimpos, com o intuito de chegarem com mais facilidade às minas diamantíferas em Mendanha, distrito de Diamantina localizado aproximadamente a 30 quilômetros. O período foi o final do século dezoito, início do século dezenove. Período de aproximadamente quinze anos”, diz o historiador.
“O sonho deles era a alforria, então muitos deles conseguiam ali desviar alguns diamantes. Quando eles tinham oportunidade, eles escondiam diamantes. Existem muitas lendas, causos de pessoas contando que os escravos escondiam diamantes, tesouro, debaixo dessas pedras. Muitas pessoas vinham aqui, começavam a desmanchar o calçamento, não encontravam nada”, completa.
“Há três séculos atrás estiveram aqui cerca de dez, doze mil escravos, todos tirando diamantes, milhares e milhares de quilates que abasteceram Portugal, Holanda e Inglaterra, até hoje eles são encontrados e olha a preservação desse lugar”, comenta o garimpeiro, Belmiro dos Santos.
“Quem tinha autorização para minerar eram os escravos, eles estavam aí sob comando da coroa, mas sempre tinham aqueles homens que buscavam esse mineral de uma maneira ilegal, então, quando eles estavam aí nos cursos d’água procurando essas pedras maravilhosas, eram flagrados pela polícia.”
“O diamante é encontrado em toda a região de Diamantina. Todas essas formações que vocês estão vendo aí são formações de quartzito. Isso vem sofrendo erosão pelo tempo, há milhares de anos.”
“Nós acreditamos que em todo o rio rico de Diamantina tem uma lavra de massa na cabeceira, ou seja, essa massa é um material vulcânico que deu origem aos diamantes aqui da região”, completa o garimpeiro.
“Esse rio tem formações muito curiosas, que chamamos de caldeirões, alguns aqui tem quatro metros de profundidade. A correnteza chega, traz o material diamantífero, a força da água movimenta esse material, tira do caldeirão a parte leve e mantém lá no fundo o que é mais pesado. Por isso a chance de encontrar diamantes em lugares como esse.”
“Esse sistema aqui é o que a gente chama de peneirada, bater peneira. Isso faz com que o que é mais pesado vá para o centro e para o fundo da peneira, aí a gente tem possibilidades de encontrar o diamante.”
“Aqui é preciso fé, paciência e persistência... E além de tudo, sonho. Porque isso daqui não deixa de ser um jogo. E eu sempre digo o seguinte. Que a diferença desse jogo nosso para o jogo tradicional é que lá se usa ficha. E aqui é o nosso tempo. É a nossa vida que está em jogo. Eu não sou de hoje. Se eu continuo aqui é porque eu encontro diamantes de vez em quando.”

"A Chapada Diamantina tem muito o que mostrar", diz José Raimundo

"A Chapada Diamantina tem muito o que mostrar", diz José Raimundo

Jornalista conta detalhes dos lugares que visitou junto com a equipe do Globo Repórter na segunda viagem do programa ao Pantanal Nordestino.

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Fotos revelam os bastidores do programa 'Pantanal nordestino'   (Foto: TV Globo)

PANTANAL DO SERTÃO
Impossível não gostar de voltar à Chapada Diamantina. Ainda mais quem não rejeita uma aventura, como é o meu caso. Já tinha vivido isso no ano passado quando revelamos para o Brasil o extraordinário Vale do Pati e sua trilha considerada a mais bonita do país. E cá estamos nós, de novo, para mais uma empreitada. É que a Chapada baiana, de tão grande e espetacular, tem muito o que mostrar, além dos milhões de kilates de diamantes que sairam daqui no século passado.

Fotos revelam os bastidores do programa 'Pantanal nordestino' (Foto: TV Globo)
Desta vez fomos visitar regiões que justificam qualquer esforço para conhece-las. Alguém duvida que em pleno sertão, espremido por montanhas grandiosas, há um pantanal cheio de vida? Marimbus é o nome do lugar. Só não vimos jacarés e onças. Mas de falta de mamíferos, aves e peixes não podemos reclamar. A vegetação é uma atração especial. Tapetes de vitórias-régias se espalham pelos labirintos aquáticos; corredores de papiros - a planta que deu origem ao papel, da mesma família que existe no rio Nilo - surgem no caminho inundado em grande quantidade e altura.
É de canoa que se percorre o pantanal da Bahia. " Barco a motor, nem em sonho ", diz Nilmário, Nil como é conhecido, guia experiente que conhece cada palmo do Marimbus. Ele nos levou a recantos de onde se vê o azul infinito do céu refletido em cristalinos espelhos d´água. Pescadores nunca voltam pra casa sem a comida da família. "Tem bastante peixe aqui, garantem eles. Pra comer e para vender. " E pescados no anzol, que é mais gostoso ainda", diz seu Edvaldo que faz do pantanal sertanejo seu ambiente de trabalho.    
CAPÃO
Sabe aquele lugar que a gente ouve falar que é parado no tempo? Esta é a impressão que se tem quando se pega a estrada do Capão. Mas não é o que se comprova ao chegar e conhecer o vilarejo do município de Palmeiras. Menos de 1.000 moradores, sossegado e cercado de belas montanhas, o Capão, ao contrário, está acima do tempo que se imagina. Para começo de conversa, a vida nesse recanto da Chapada é cercada de boas energias e grande interesse por tudo o que é saudável.
Foi com a chegada do Dr Áureo Augusto Caribé, médico clínico, que a rotina dos moradores começou a mudar. Exausto da agonia do trânsito, dos plantões e noites perdidas nas emergências dos hospitais de Salvador, onde nasceu, cresceu e se formou, o médico escolheu o Capão para morar e ser feliz. E bastam alguns instantes de conversa e logo se descobre que o Dr. Áureo é mesmo a cara da felicidade. Lá ele não deixou de exercer a medicina. Continua estudando, se atualizando e é o médico da comunidade. E tão respeitado, que todas as famílias se orgulham em dizer que são pacientes do Dr. Áureo.
Mas a admiração vai além dos serviços prestados no único posto de saúde, sem falar dos atendimentos domiciliares sempre que é chamado. Segundo ele, felizmente, a demanda não é grande por um único motivo: "O povo do Capão não adoece com facilidade, graças à mudança de hábitos que ajudei a implantar assim que cheguei aqui, há 30 anos." É só visitar os quintais das casas para comprovar. Plantar horta, comer legumes, verduras, frutas, pouca carne vermelha, além de cultivar a paz e a alegria, são receita que o médico não se cansa de recomendar, e que os moradores adotaram quase como uma obrigação diária. 
Filosofia semelhante é seguida pelos habitantes de Mucugê, cidade que fica ao norte da Chapada e que, na minha opinião, é umas das mais interessantes da região. Arquitetura colonial, bucólica, Mucugê, que fica a mais de 1.000 metros de altitude, tem clima ameno quase que o ano inteiro. Isso se deve à Serra do Sincorá que corta o município. Não é raridade a temperatura descer dos 10 graus nas noites de inverno. Durante o dia, sol escaldante.
Pantanal nordestino (Foto: TV Globo)
Mas são os mortos uma das principais atrações de Mucugê. No auge do diamante, quando os coronéis e sortudos garimpeiros não economizavam poder, as famílias endinheiradas mandavam construir verdadeiras obras de arte para enterrar seus mortos. Chegavam ao ponto de contratar na Itália arquitetos famosos para construir os túmulos. Hoje, quem passa por Mucugê não resiste à curiosidade de conhecer o cemitério da cidade, batizado de cemitério bizantino. E se a visita for na hora do almoço, recomendo experimentar a comidinha caseira da casa de dona Nena. Não funciona todo dia, mas, com sorte, se saboreia a "galinha caipira com godó", prato típico da região que me faz lamber os beiços só em lembrar.
BURACÃO
A Chapada Diamantina é um paraíso que espalha cachoeiras por todos os lados. Mas não é exagero dizer: o buracão é a mais bonita de todas. Não é o volume de água que a faz merecedora do título, mas a arquitetura caprichosa que a natureza reservou para aquele lugar. Imaginem o que é entrar em um cânion inundado de uns 200 metros mais ou menos e no final se deparar com uma queda d´água majestosa num buraco de 50 metro de profundidade e 800 de diâmetro? É tão surpreendente que não há como não se emocionar com tamanha beleza.
Pantanal nordestino (Foto: TV Globo)
Chegar ao buracão é menos complicado do que se pode imaginar. O caminho começa na cidade de Ibicoara. É recomendável a contratação de guias, em caso de grupo, ou pelo menos um, se estiver sozinho. De carro, 40 km de estrada de barro até uma fazenda, com um pequeno estacionamento, onde começa a trilha a pé. Uma hora depois se chega à cachoeira. O difícil nesse lugar é controlar o tempo. De tão impactante, a vontade de ficar, muitas vezes, nos leva a sair nos últimos raios de sol.  
Mais uma aventura - desta vez por dentro do leito de um rio com pedras enormes - nos levou à cachoeira encantada, no município de Itaetê. Depois de 12 quilômetros a pé, subindo e descendo rochas muito escorregadias, avistamos a queda
d´água de 250 metros de altura. A paisagem impressiona pela dimensão. O banho embaixo da cachoeira e suas duchas regeneradoras é obrigatório. A água é gelada, mas depois de entrar no lago e nadar até a primeira ducha a temperatura fica suportável.
Pantanal nordestino (Foto: TV Globo)
Poço Azul e Poço Encantado são atrações que deixam qualquer visitante atônito de tão surpreendentes. Também ficam no município de Itaetê. São duas cavernas inundadas com características diferentes. No Poço Azul o banho é permitido. E que banho! No Poço Encantado não. É um cenário que faz a festa dos olhos. O melhor período para se visitar é entre os meses de junho e setembro. É quando os raios do sol entram por uma fresta da caverna e produz um efeito único. Um facho de luz impressionante cortando o lago de 90 metros de profundidade.
Qualquer viagem, mesmo a trabalho, só é interessante e produtiva quando se tem boas companhias. E disso eu não posso me queixar, pelo contrário. Ter o repórter cinematográfico Alex Carvalho na captação de imagens, Rildo de Jesus no áudio e a produção de Luiz Costa Jr já é um presente. E me sinto duplamente privilegiado por contar com duas profissionais e amigas que, da redação e ilha de edição, foram fundamentais para o bom resultado do trabalho: Lilian Cavalheiro, na edição de imagens e Meg Cunha, que mesmo à distância, dirigiu o programa com o talento e competência de sempre. É um orgulho fazer parte de tão valorosa equipe comandada brilhantemente por Silvia Sayão.

Fantástico revela vida de garimpeiros ilegais na Guiana Francesa

Fantástico revela vida de garimpeiros ilegais na Guiana Francesa

Brasileiros cruzam fronteira atrás de ouro. Exploração já retirou quase R$ 1 bilhão, e deixa rastro de desmatamento e poluição na Floresta Amazônica.

Uma corrida do ouro na Floresta Amazônica. A reportagem especial do Fantástico deste domingo (28) mostra como milhares brasileiros cruzam a fronteira com a Guiana Francesa atrás de ouro.
Os garimpos ilegais retiram quase R$ 1 bilhão do meio da floresta, e deixam um rastro de desmatamento e poluição. Atrás dos garimpeiros formam-se cidades do crime: preços abusivos, tráfico de drogas, prostituição. De todo o ouro que eles tiram do solo, no final não sobra quase nada.
O repórter Pedro Bassan acompanhou com exclusividade a maior ação conjunta das forças policiais e militares da França e do Brasil para combater essa máfia do ouro.
Estradas e trilhas que não estão no mapa. Comboios que não podem falhar. Viagens clandestinas pelos igarapés. Um mundo escondido no coração da Amazônia. São os garimpos ilegais da Guiana Francesa.
“E aí Jardielzão agora você vai para a Globo, meu amigo. Diga alguma coisa.”, diz um garimpeiro ao filmar outros garimpeiros.
No garimpo ninguém fala muito. Primeiro, porque está todo mundo ocupado. “Olha o feijão está mexendo com ouro ali dentro da bateia. Chega a estar jogando é de saco”, diz um garimpeiro ao filmar outro colega trabalhando.
Depois, falar para que se um gesto já é suficiente? “Feijão pegou ‘a parada’. Mais de um quilo de ouro aí”.
E garimpeiro também fala pouco porque aqui um sorriso diz tudo. “Jardiel está segurando a bateia de ouro”, diz o garimpeiro em um outro vídeo.

Em busca da promessa do Eldorado
Histórias como a de Feijão e Jardiel fazem a fama dos garimpos da Guiana Francesa. De boca em boca correm lendas de riqueza. De celular em celular correm fotos reluzentes, ostentando um brilho que parece fácil de ganhar. Línguas de ouro a céu aberto, metal precioso rolando montanha abaixo.
Em busca dessa promessa do Eldorado, cerca de 10 mil garimpeiros foram do Brasil até lá e se espalharam por 479 garimpos clandestinos. Um rio em que as duas margens parecem iguais, os olhos não reconhecem fronteira. Mas é uma linha bem conhecida do mapa, um lugar de que todo brasileiro já ouviu falar: Oiapoque. O monumento diz: o Brasil começa aqui.
E do outro lado do rio, as placas dizem que a Europa começa ali. A Guiana Francesa é território francês, o único pedaço da América do Sul que não se tornou um país independente. A ponte sobre o Rio Oiapoque está pronta há três anos, mas o Brasil até hoje não inaugurou as instalações da Receita e nem da Polícia Federal.
Apenas 400 metros separam o Brasil da França. Do lado de lá estão o euro e o ouro, mas esta é uma fronteira que ninguém cruza em linha reta. Milhares de brasileiros já entraram na Guiana Francesa arriscando a vida em pequenas canoas, conhecidas como voadeiras. Elas não só cruzam o rio, como vão até Caiena, a capital da Guiana, em uma viagem de 12 horas pelo mar, dividindo espaço com embarcações muito maiores. No local, circulam histórias de naufrágios e mortes. “História de gente que vai e não chega”, conta um homem.
A Polícia Civil do Amapá tenta combater esse transporte ilegal. Cai a noite e essa é a hora preferida pelos coiotes para cruzar o rio. A polícia está no local, a embarcação vai sair com seis policiais e o Fantástico foi com eles atrás das voadeiras.
As águas são violentas. Muitos coiotes recebem os policiais a tiros. Depois de uma noite inteira vasculhando a escuridão, nenhum sinal das embarcações.
Poucas horas depois, a polícia descobre que um coiote vai partir à luz do dia. Léo Gomes Oliveira cobra R$ 200 de cada passageiro que vai transportar, e recebe adiantado. Ele parte de Oiapoque tentando não chamar atenção, mas já foi descoberto. A lancha da polícia é bem mais rápida, mas é preciso alcançar o barco antes que ele entre em território francês. O barco já foi identificado, e a lancha da polícia faz o acompanhamento à distância esperando o melhor momento para fazer a abordagem.
O sol vai caindo. Se a noite chegar, o coiote vence. O barco se escondeu atrás de uma ilhota, provavelmente eles perceberam a aproximação, e agora vai ser feita a abordagem.
“Vai, acelera, acelera, acelera”, diz um policial para o piloto da lancha da Polícia Civil.
Mãos ao alto. A resposta revela um barco superlotado, com mercadorias espalhadas, passageiros amontoados e olhares indefesos.
Policial: Tão indo para onde? Para Caiena? Para Caiena?
Passageiros do barco: É, é. Para Caiena.
Policial: Para quê? Trabalhar com quê?
Passageiros do barco: Obra.
Policial: Garimpo?
Passageiros do barco: Não.
Policial: Quem é o piloto, você?
Piloto do barco: É.
Policial: Você sabe que tá transportando pessoas em excesso aqui, excesso de carga. Você é habilitado? Você tem habilitação?
Piloto do barco: Tem não.
Policial: Carta marítima?
Piloto do barco: Estou tirando.
Policial: O senhor está preso, atentado contra a segurança fluvial. O senhor está preso.
Passageiros detidos dificilmente desistem da viagem

O assistente do barqueiro também. Eles levavam a bordo sete toneladas de equipamentos e 15 passageiros. A princípio todos negam que estivessem a caminho de um garimpo. Mas, quando a carga é revelada, fica impossível esconder.
“Como você viu, ali tem copo de bomba, mangueira de pressão, então isso a gente não pode dizer que não vai para dentro do garimpo, isso está na cara que vai para o garimpo”, diz o carpinteiro Ivanildo Farias dos Anjos.
O piloto do barco confirma. “O sustento da cidade é do garimpo, se acabar o garimpo aqui não tem nada”, diz o barqueiro Léo Gomes de Oliveira.
Os passageiros são liberados, mas dificilmente vão desistir da viagem. “O passageiro é uma vítima desses aliciadores, porque envolve coisas muito maiores, tráfico de pessoas, tráfico de mulheres para fins de exploração sexual”, afirma o delegado da Polícia Civil do Amapá Charles Corrêa.
Quem não pode ir de barco encontra muitos outros caminhos. As viagens estão gravadas em vídeos que a polícia encontrou nos celulares e câmeras abandonados pelos garimpeiros no meio da floresta. Algumas pessoas passam até uma semana andando na mata.
No fim da jornada, o que espera por eles é a vida dura da floresta. As barracas são precárias, sem paredes. O acampamento ideal para os garimpeiros é totalmente encoberto pelas árvores. Do alto, parece que eles não existem.
“Sem palavras, não pode conversar muito. Olha só o buraco, vou mostrar onde eles descem por essa corda”, revela um garimpeiro ao gravar vídeo.
Poços de 30 metros sem nenhuma segurança. Mulheres também mergulham nessa escuridão. “Bom, gente, eu estou descendo aqui dentro de um poço. Olha só a profundidade desse um poço. Está cada vez ficando mais longe, mais longe”, mostra uma mulher.
Pela cordinha também chegam água e comida, porque o turno de trabalho é de 24 horas. “Aqui é o ouro, só o ouro”.
Garimpeiros retiram da terra 10 toneladas de ouro por ano

Quem trabalha nos barrancos pelo menos vê a luz do sol, mas só ouve um motor que ensurdece. Anualmente, os garimpeiros tiram da terra 10 toneladas de ouro, que valem cerca de R$ 900 milhões. Os sonhos de riqueza são iguais aos de qualquer garimpo. A diferença é que, na Guiana Francesa, todo garimpeiro tem um olho na terra e outro no céu.
Quem combate o garimpo ilegal são os gendarmes, uma espécie de Polícia Militar da França. As operações de helicóptero partem de Caiena. São quatro helicópteros e 60 policiais. Do alto é mais evidente o contraste entre a beleza da Amazônia e a devastação provocada pela febre do ouro.
Um garimpo foi escolhido pelos policiais porque está crescendo demais. Os policiais muitas vezes são recebidos a tiros. Por isso, dois atiradores de elite descem na frente e vão abrindo caminho para os soldados do Exército que vêm apoiar a missão.
Comparado com outros na Guiana, o garimpo era pequeno, e agora deixou de existir. Mas a natureza vai levar muito tempo para se recuperar do imenso estrago que 15 pessoas fizeram no coração da floresta.
Os policiais destroem os equipamentos. O garimpo era dos mais bem equipados, com fogão, freezer e até parabólica. Itens que são um luxo na mata, ao lado do banheiro improvisado na beira do rio. Na barraca dormitório, as roupas no varal indicam uma fuga às pressas.
“Balbino, Branquinho, Gordinho, Preto, Pedro, Rosa, Rodrigo, Coroa e Demi: os moradores do garimpo”, diz o repórter ao identificar uma lista dentro do garimpo abandonado.
Eles saíram correndo, mas conseguiram salvar o item mais valioso do acampamento: a ponta do fio da antena do rádio que eles levaram com eles. Mas eles não foram muito longe. O rádio está no meio do caminho, e é bem pesado. Realmente ninguém consegue carregar isso muito tempo no meio do mato. E eles podem estar bem perto.
Operação da polícia encontra provas importantes

Em uma outra operação, a polícia capturou um vídeo. Sem medo, dois garimpeiros passam horas e horas a poucos metros dos policiais.
O pessoal do garimpo não parece tão tranquilo e deixou para trás provas importantes: números de telefone, contas bancárias e um registro da produção. Em dois meses, foram quase três quilos de ouro. Nos cadernos, ficou gravado também o sonho de um garimpeiro.
Nas horas de folga, o autor do desenho ia imaginando uma casa. Não era nenhuma mansão, mas tinha espaço, conforto, e piscina no quintal. No fim sobrou um pedaço de papel, mais uma ilusão desfeita pelo sistema cruel da garimpagem ilegal.
O ouro encontrado vai embora rápido: 70% fica com o dono do garimpo, que é quem investiu nas máquinas. Na cantina, vai ficando o que sobra. Um grama de ouro vale um pouco mais de R$ 90. Um quilo de farinha custa um grama de ouro. Uma garrafa de cachaça, 3 gramas.
“A única coisa vendida a preços baratos é a cocaína, cujo uso permite trabalhar em condições abomináveis: no escuro, sem oxigênio, a 100% de umidade, cavando a terra durante todo o dia. Nós nunca vimos um caso sequer de um garimpeiro que tenha voltado milionário para o Brasil”, explica o chefe de gabinete do governo da Guiana Francesa, Xavier Luque.
Em outro lugar onde os garimpeiros deixam muito dinheiro não existe tabela de preços. A exploração da prostituição e o tráfico de mulheres são alguns dos crimes mais comuns no garimpo. Quando a tão sonhada riqueza vai embora, outro crime entra em cena. “É um tipo de escravidão moderna, que eles ficam vezes à mercê daqueles patrões, do dono das máquinas. Acabam sumindo, morrendo ali mesmo, sem que até os familiares saibam”, afirma o delegado-geral da Polícia Civil do Amapá Tito Guimarães.
Junto com os sonhos desfeitos, a natureza também se desfaz. Ao todo, 200 quilômetros de rios já estão poluídos e 24 mil quilômetros quadrados já viraram manchas de deserto na Amazônia.
De vez em quando a melodia de um pássaro corta o ar, para lembrar que esta é a maior floresta do mundo. Mas esse canto é cada vez mais raro. Parece que até os pássaros já aprenderam que no garimpo, ninguém fala muito.