segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Lá vem o progresso

Lá vem o progresso

No oeste do Pará, a cidade de Itaituba concentra obras estratégicas para o governo federal, mas seus moradores temem ficar fora da bonança do desenvolvimento



Itaituba
Itaituba é o principal pólo urbano do médio Tapajós, região que concentra projetos estratégicos para o agronegócio

Uma rua de terra divide as comunidades Vila Nova e Vila Caçula, sustentadas em cima de palafitas à beira do rio Tapajós, que banha a orla do município de Itaituba, no oeste do Pará. A reportagem da Pública se aproxima de duas casas para entrevistar seus moradores. Do alto das escadarias de madeira, eles negam. “A gente dá entrevista e nossa situação aqui não muda. Não vou falar”, diz um senhor de pele morena, cabelos brancos e óculos acompanhado da esposa, que também responde com um sonoro “não”.
O bairro de estrutura precária não tem água encanada e o esgoto, despejado no rio, corre por baixo das casas. Mas a situação não é exclusiva de Vila Nova e Vila Caçula. Não existe rede de tratamento de esgoto na cidade. Nas ruas do centro, as calçadas desreguladas fazem com que seja mais fácil caminhar pela rua. Ali, são raras as vezes em que se consegue completar uma ligação de celular. Em busca do prédio da prefeitura, a equipe de reportagem passou por quatro edifícios até descobrir que o órgão não possui uma sede.
Itaituba é a maior cidade da região do médio Tapajós, que deve receber nos próximos anos um conjunto de obras estratégicas para a economia nacional. Com a construção de estações de transbordo (que recebem os grãos de soja e milho para enviá-los aos portos em balsas), uma hidrovia e o asfaltamento de rodovias federais, o oeste do Pará se tornou um importante foco de atenção da indústria agropecuária. Ali se forma um dos corredores estratégicos para escoamento de grãos produzidos no Mato Grosso.
A essas obras soma-se o projeto de um complexo de sete hidrelétricas na região. Três no rio Tapajós, duas delas ligadas diretamente a Itaituba, e quatro no seu afluente Jamanxim. A mais avançada delas é São Luiz do Tapajós, com capacidade de 8.040 megawatts, prevista para ser construída a 65 km de Itaituba. Se os estudos de impacto da hidrelétrica forem aprovados pelo Ibama, órgão licenciador do projeto, o leilão da usina deve ocorrer ainda este ano. A previsão é que São Luiz custe R$ 30 bilhões. A segunda usina prevista para o Tapajós, a de Jatobá, também está em processo de licenciamento ambiental.
Mas enquanto os projetos avançam, o receio é que os benefícios do desenvolvimento passem à margem da cidade. Se construída, a hidrelétrica de São Luiz será a terceira maior do Brasil em potência. E, com pouca infraestrutura, Itaituba corre o risco de passar pela mesma situação que Altamira, onde está sendo construída a usina hidrelétrica de Belo Monte. Lá, a cidade vive o impacto das obras com o crescimento desordenado que provoca especulação imobiliária, problemas no atendimento à saúde e crescente violência.
“É uma situação que pra nós não sabemos se vai ser benéfica. Pro sul do Brasil vai. Pro centro-oeste vai. Mas e pra nós que aqui estamos?”, questiona Davi Menezes, 44 anos, presidente do Fórum de Entidades de Itaituba, órgão que reúne 22 instituições, como OAB, Associação Comercial, o Rotary Club e a Maçonaria. O Fórum surgiu com o objetivo de representar a classe empresarial de Itaituba frente à implantação dos projetos. Até agora a realidade não alcançou as expectativas. “Tem um empresário aqui que comprou quase 200 mil EPIs [Equipamentos de Proteção Individual]. Sabe o que ele vendeu? Nenhuma luva”, se indigna Menezes. “Ele preparou-se, com estoque, para vender para construção dos portos e não vendeu nada. Trouxeram tudo de fora”. Para ele, os interesses das grandes empresas que chegam à cidade se sobrepõem aos dos empresários locais.
Belo Monte mora ao lado
A preocupação que ronda a cidade não é infundada. Altamira, distante 500 km, é um exemplo recorrente na fala dos moradores do Tapajós. Para Eva Bonfim, maranhense radicada no Pará, a cidade “se acabou”: “Tenho quatro irmãos em Altamira e fui lá visitar. O inchaço populacional é um absurdo, muita morte, acidente, assalto”. Para ela, Itaituba não será exceção com a construção da hidrelétrica de São Luiz do Tapajós.
A chegada do projeto da usina de Belo Monte somada a uma estrutura precária de políticas públicas contribui para o agravamento de situações de violência em Altamira. A cidade vive uma onda de crescimento de exploração sexual de mulheres, crianças, adolescentes e indígenas desde o início da construção da usina de Belo Monte. A alta nos preços dos alugueis e venda de imóveis chega a afetar instituições que trabalham no combate à exploração sexual na cidade, já que não há recursos disponíveis para arcar com a alta dos custos. As informações foram reveladas por uma pesquisa da Universidade Federal do Pará (UFPA), feita durante os anos de 2013 e 2014. 
Além dos impactos, a aplicação das compensações por parte da concessionária de Belo Monte, a Norte Energia, não tem sido feita de maneira adequada. Famílias atingidas pelas obras em Altamira enfrentam atrasos na entrega das casas e indenizações insuficientes.De acordo com a agência Amazônia Real, o caderno de preços das indenizações às perdas das casas desconsidera o aumento no custo de vida em Altamira, reflexo do próprio projeto.
Em março de 2013, a previsão de trabalhadores no canteiro de obras chegou a 28 mil pessoas – 10 mil a mais do que o número autorizado pelo Ibama, órgão licenciador da usina. Mesmo assim, as ações para reduzir os impactos na região de Altamira e dos outros quatro municípios atingidos não foram readequadas.
Sob os olhos do bispo Dom Erwin Kräutler, que está há 50 anos na região do rio Xingu e é presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a cidade se tornou irreconhecível. “Era uma cidade do interior que o pessoal na boca da noite sentava na calçada e trocava umas prosas. Hoje você não pode sentar mais em canto nenhum. Todo mundo está criando trincheira. Barreiras. Se você entra em Altamira agora tem muro em tudo quanto é canto, a gente não enxerga mais as casas”.
De acordo com o estudo de impacto ambiental da usina de São Luiz, além dos 13 mil trabalhadores, cerca de 12.500 pessoas devem chegar à região do médio Tapajós em busca de emprego e negócios. Mas a exemplo do que ocorreu em Belo Monte, os números podem ser maiores.
Eva
Eva Bonfim, diretora do maior colégio particular de Itaituba, teme pelos impactos do projeto hidrelétrico de São Luiz do Tapajós
Em Itaituba, Eva Bonfim é diretora do maior colégio privado da cidade e é uma das pessoas que pode lucrar com a chegada de novas famílias. Ainda assim, ela mantém um olhar crítico sobre o projeto. Por meio de aulas e palestras, tenta alertar seus alunos sobre os impactos que a barragem de São Luiz do Tapajós pode causar. “Acho que falta esclarecimento para a população, do que vai trazer de bom e de ruim. Deveria ser bem explicado”, acredita. “Hoje nossos filhos brincam na frente de casa, saem, vão no mercado. Logo vão perder essa liberdade pelo inchaço populacional que vai chegar no município. O pessoal diz ‘mas não é bom o desenvolvimento?’ Será que é bom? Eu não acho que vai ser bom”.
Abrindo caminho
Na rasteira dos empreendimentos que chegam ao médio Tapajós, o governo federal e as prefeituras traçam planos para buscar orientar o crescimento da região.
Em setembro de 2014, o Ministério do Planejamento divulgou o Plano Plurianual Territorial Participativo da região do Tapajós. O plano foi elaborado junto ao consórcio de municípios que, além de Itaituba, inclui as cidades de Novo Progresso, Jacareacanga, Rurópolis, Trairão e Aveiro. São previstos investimentos de R$ 1,9 bilhão até 2017 na região, em setores que vão da infraestrutura, cultura e turismo, à saúde e educação.
Mapa
Enquanto o plano ainda está no papel, na orla oposta a Itaituba, no distrito de Miritituba, a estação de transbordo da multinacional Bunge opera desde abril do ano passado para escoar a produção de soja vinda do Mato Grosso até o porto de Vila do Conde, em Barcarena (PA). Além dessa, outras três estações das empresas Cargill, Cianport e Hidrovias do Brasil já estão em processo de licenciamento ambiental. A rota é estratégica para o setor agropecuário porque hoje representa uma redução de 34% no custo do transporte dos grãos para a safra de 2015/2016, em relação à safra de 2013/2014, então destinada aos portos de Santos (SP) e Paranaguá (PR).
As obras se somam ao projeto da usina de São Luiz do Tapajós, o mais sensível no momento. Sua construção conflita com a demarcação da Terra Indígena Sawré Muybu, que poderá ser alagada assim como comunidades ribeirinhas da região, como a vila de Pimental. O alagamento de terras indígenas para construção de barragens não é permitido por lei. Até agora, a usina já acumula oito ações movidas pelo Ministério Público Federal, que tenta garantir o cumprimento dos direitos das populações locais. (Leia mais aquiaqui)
Na tentativa de reduzir os impactos do projeto de São Luiz à região, a Secretaria-Geral da Presidência engatinha na discussão do Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável (PDRS) para o Tapajós. Essa mesma política está sendo aplicada na região do Xingu, “para prover uma região historicamente caracterizada pela presença frágil do Estado de políticas públicas necessárias para seu desenvolvimento”, segundo o texto do site do PDRS Xingu.
Com os estudos de impacto entregues, o projeto da usina agora precisa da aprovação do Ibama para se tornar realidade. Enquanto aguarda o resultado, a prefeitura de Itaituba montou uma equipe técnica multidisciplinar para analisar o estudo de impacto ambiental da hidrelétrica e exigir do Ibama as condicionantes necessárias à cidade. É por meio dessa análise que a administração pretende estudar maneiras de mitigar os impactos da usina.
De agosto a novembro, os técnicos observaram uma série de lacunas na elaboração do estudo de impacto ambiental, em um parecer preliminar que ainda não foi finalizado. Um dos problemas apontados por Hilário Rocha, engenheiro ambiental e secretário do Meio Ambiente de Itaituba, é o número da população considerada, que se baseia em dados incorretos do IBGE, segundo ele. De acordo com os dados do IBGE, a população da cidade passou de 118 mil, em 2007, para 97,4 mil pessoas, no censo de 2010. Isso aconteceu porque, segundo a prefeitura da cidade, a pesquisa não visitou toda a extensão do município, que possui distritos com 30 km de distância e localidades da zona rural e garimpeira onde só se chega de avião.
O fato motivou uma ação judicial da representação de Itaituba contra a União e o IBGE, para pedir a recontagem da população. A prefeitura conseguiu que o repasse do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) fosse restituído para os valores correspondentes a uma cidade com mais de 100 mil habitantes. Mas a recontagem estatística pelo IBGE não foi feita. De acordo com o município, a população de Itaituba chega a 120 mil habitantes.
Orla
Na orla de Itaituba, moradores vivem em palafitas para evitar a inundação de enchentes; sem asfalto, água encanada ou tratamento de esgoto, a situação das famílias é de alta vulnerabilidade
O caso se reflete em impasse porque com o número de habitantes considerado pelo estudo de impacto ambiental, Itaituba é sinônimo de um município modelo. De acordo com o estudo, existem leitos hospitalares de sobra na cidade (4,48 leitos por mil habitantes, enquanto a recomendação do Ministério da Saúde é de 2,5 a 3 leitos por mil habitantes) e 100% das crianças entre 7 e 14 anos atendidas pelo ensino fundamental. São dados diferentes da realidade, contesta a administração municipal. Baseado neles, as condicionantes a serem sugeridas para mitigar os impactos da construção da hidrelétrica podem não ser suficientes.
De acordo com os números fornecidos pela prefeitura, Itaituba conta com 145 leitos entre o Hospital Municipal (45 leitos) e hospitais particulares que tem convênio com o município (100 leitos). Mesmo com o dado considerado no estudo de impacto ambiental, de aproximadamente 97 mil habitantes, a porcentagem de leitos fica bem abaixo do recomendado pelo Ministério da Saúde: 1,4 leito por mil pessoas. “Todo o estudo do EIA-Rima [Estudo de Impacto Ambiental] da hidrelétrica foi feito em cima de um dado que não existe”, contesta Rocha.
Em outubro de 2014, a CNEC WorleyParsons, empresa responsável pela elaboração do estudo de impacto ambiental, apresentou o trabalho e ouviu as considerações dos representantes municipais. “Eles apenas entenderam que nossa participação é de fundamental importância para que o processo seja feito da maneira correta, mas não deram pra nós nenhum posicionamento”, conta Rocha. O ideal, segundo o secretário de Meio Ambiente, é que os estudos fossem refeitos para readequar as projeções de impactos sociais. Assim, o projeto da hidrelétrica poderia propor ações de compensação mais afinadas com a realidade do município.
Se os impactos já preocupam a administração da cidade e seus moradores, do ponto de vista econômico a chegada dos projetos à região ainda não movimenta a incipiente indústria da cidade. “Indústria forte, de produção, de manufatura, de pegar um produto bruto e transformar, praticamente Itaituba não tem ainda”, revela Eugenio Viana, secretário de Desenvolvimento Econômico.
As perspectivas são de que os empreendimentos das hidrelétricas, por conta da produção de energia, e das estações de transbordo aqueçam a indústria de derivados da soja na cidade, como a produção de ração para animais. Mas não existe nada concreto sobre os setores industriais que podem se desenvolver. “É difícil você falar que vai ser nesse ou naquele segmento”, diz Viana. “Provavelmente vão abrir os leques, a gente tem expectativa nisso”.
Mapa
Cidade Pepita
O ouro continua sendo a principal fonte econômica que movimenta Itaituba. De acordo com Viana, secretário do Desenvolvimento Econômico, 60% da economia gira em torno da exploração mineral. Serviços públicos representam em torno de 20% a 25%. O restante, de 15% a 20%, é representado pelo comércio. O Produto Interno Bruto da cidade é de R$ 650,3 mil.
Nessa cadeia de produção, o ouro que sai de Itaituba é majoritariamente ilegal. “Para cada quilo legal, 10 saem ilegais”, explica o secretário Viana. Assim como o diamante. Ainda sem certificado internacional (o chamado selo Kimberley, criado para evitar que diamantes ilegais possam financiar conflitos como os ocorridos na África), o diamante é explorado em garimpo ilegal, com 300 trabalhadores inseridos em terra indígena.
Para Jubal Cabral Filho, geólogo e vice-diretor da Associação de Mineradores de Ouro do Tapajós (Amot), o alto índice de ilegalidade é reflexo da má gestão do governo federal sobre a região. Ele defende que o pequeno garimpeiro deveria receber assistência para se legalizar. “Se o governo tivesse vindo aqui, como faz no sul do país a ensinar o garimpeiro a cuidar da terra, todos nós teríamos um benefício muito maior. Mas ao invés de vir primeiro orientar, ele vem primeiro punir e punição nem sempre é efetiva”, acredita.
Entre os reflexos da ilegalidade está o sério risco à conservação ambiental da região. A mudança na coloração de cursos do Tapajós nos últimos anos motivou uma petição públicaque pede a realização de uma pesquisa para investigar a qualidade da água do rio. A suspeita é que as dragas que revolvem o leito do Tapajós em busca de ouro também estejam despejando mercúrio e cianeto em suas águas, comprometendo a saúde de moradores.
Além dos garimpeiros manuais, maioria na região, o ouro de Itaituba atrai mineradoras de médio porte de capital estrangeiro. Entre as que requisitaram autorização de pesquisa junto ao Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) estão a inglesa Serabi Gold, as canadenses Eldorado Corp, Magellan Minerals e Mineração Regent, e a americana Brazilian Resources. A Eldorado Corp é responsável pelo empreendimento de exploração aurífera Tocantinzinho, a 200 km de Itaituba, que já teve licença prévia emitida em 2012 e aguarda revisão de estudos econômicos. Até agora, ainda não foi solicitada a Licença de Instalação. O projeto consiste em uma mina de ouro a céu aberto, com reservas estimadas em 60 toneladas de ouro e vida útil de 11 anos. Os investimentos alcançam US$ 12 milhões.
Mineração
A principal atividade econômica que movimenta a cidade de Itaituba é a mineração do ouro
Diferente dos pequenos mineradores, que muitas vezes exploram a superfície e beiras de rio, as empresas visam a implantação de minas de ouro. “O projeto de implantação de uma mina é bem bolado, ela [a empresa] vai pesquisar. É diferente do garimpo, onde a prospecção é feita pelo próprio garimpeiro, que vai cavando e vê se tem ouro”, informa o chefe do gabinete do DNPM em Itaituba, Marcos Antônio Cordeiro, entusiasta da mudança de perfil da mineração. “A empresa de pesquisa faz uma inspeção no local, faz um trabalho geofísico e geoquímico, uma estimativa do bem mineral e vai quantificar para ver se vale a pena [explorar o ouro]”. Nessa conta, a infraestrutura é de suma importância. Sem estradas boas para transporte ou disponibilidade de energia elétrica para manter a mina funcionando, não existe grande investimento que se sustente. Com a rede de obras previstas na região, esse panorama vai mudar.
O problema é que junto à mineração de larga escala, que escava minas em profundidade, estão os impactos ligados à cadeia produtiva da extração de minérios. Além do desmatamento e geração de pilhas de dejetos, a mineração de ouro acarreta um grande consumo de água e energia; os produtos químicos usados podem contaminar os lençóis freáticos do território explorado e as bacias de rios, dependendo da localização da mina. O projeto Tocantinzinho, por exemplo, prevê o uso de explosivos e de reagentes químicos, como cianeto, soda cáustica e ácido clorídrico e fica localizado a 1,5 km do rio que dá nome ao empreendimento.
A demanda por pesquisa e lavra na região do Tapajós por parte de empresas consolidadas só cresceu nos últimos anos. Apenas no município de Itaituba, foram 255 pedidos em 2014 e 560 em 2013 feitos ao Departamento Nacional de Produção Mineral. De 2010 a 2014, foram 1445 pedidos no município, mais de cinco vezes o total dos requerimentos feitos entre 2005 e 2009. De acordo com a Associação de Mineradores de Ouro do Tapajós (Amot) e com a secretaria de Desenvolvimento Econômico, o crescimento da exploração do ouro na cidade tem mais relação com a aquisição de maquinários do que com a chegada dos grandes projetos de infraestrutura ali. As PCs, espécie de retroescavadeiras usadas na mineração, podem encurtar o processo de um mês para dez dias na retirada do ouro.
Requerimento
Em Itaituba, o número de requerimentos ultrapassa, com folga, o de municípios vizinhos que também são cortados pelo Tapajós. Enquanto a cidade pepita teve 1717 pedidos nos últimos 10 anos – 90% dos requerimentos foram para extração de ouro –, Jacareacanga teve 353 requerimentos registrados no DNPM. Já Trairão teve 262.
Lá fora, a floresta
Com extensão territorial de aproximadamente 62 mil km² (duas vezes o tamanho da Bélgica), o município de Itaituba é formado em grande parte por um conjunto de áreas de proteção ambiental. Na periferia da cidade, duas terras indígenas onde vivem os Munduruku, a Praia do Índio e a Praia do Mangue, estão esmagadas em meio aos bairros residenciais. Para além do núcleo urbano, diversas áreas de preservação entram em conflito com os interesses econômicos na região.
Em 2012, a presidenta Dilma Rousseff alterou as áreas de sete unidades por meio de uma medida provisória, convertida em lei. Todas as alterações estão relacionadas a aproveitamentos hidrelétricos.
De acordo com nota lançada à época pelo Instituto Chico Mendes (ICMBio), o Parque Nacional da Amazônia foi reduzido em 6,7%. Destes, 2,5% do território protegido foi subtraído por se sobrepor ao lago da usina de São Luiz do Tapajós. As Florestas Nacionais de Itaituba I (2,5% de área excluída) e II (7,9%), a Floresta Nacional do Crepori (0,2%) e a Área de Proteção Ambiental do Tapajós (1,3%), também tiveram seus territórios reduzidos por conta das usinas de São Luiz do Tapajós e Jatobá. Somadas, as áreas reduzidas por sobreposição a empreendimentos hidrelétricos totalizam pouco mais que o território da cidade de Salvador.
Em meio à política de proteção ambiental, Itaituba também faz parte do programa Municípios Verdes, cujo objetivo é combater o desmatamento no Pará. “Como controlar o desmatamento ilegal na região se essa região está sendo visada internacionalmente?”, pergunta Hilário Rocha, secretário de Meio Ambiente de Itaituba, ao se referir aos projetos hidrelétricos e de infraestrutura que chegam à cidade. “É muito difícil cobrar do município metas, dados, sendo que o próprio governo federal tem interesse na região”, ressalta.
A equação dessa soma de interesses não tem solução fácil. Enquanto a cidade corre contra o relógio para lidar com as mudanças que se aproximam, os moradores continuam se alimentando das promessas de progresso
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Garimpos do rio Xingu podem acabar com usina de Belo Monte

USINA DE BELO MONTE PODERÁ DECRETAR O FIM DO GARIMPO NO XINGU


Garimpos do rio Xingu podem acabar com usina de Belo Monte



Dois quilos de ouro puro por mês. A produção no Garimpo do Galo já foi melhor, mas é ainda a única atividade que sustenta 60 famílias daquela localidade. Uma vila isolada entre a floresta Amazônica e o rio Xingu, a cerca de 70 quilômetros de Altamira, no Pará.

Ali, a preocupação é a usina Belo Monte. Pelo projeto, a barragem ficará a cerca de 10 quilômetros rio acima, comprometendo a logística de abastecimento do garimpo, seja de comida e de remédio, seja de equipamentos e de combustível para tocar a produção, o que não é pouco: 10 mil litros por mês.

“O governo acha que atingido por barragem é só quem fica no alagamento. Aqui em baixo vai ficar seco e isso ninguém diz nada. Como se navega com o rio seco? Aliás, como se produz ouro sem água?”, questiona Josué de Sousa Pinto, um ex-garimpeiro e vereador de Altamira que ainda acompanha a atividade.

É mais um setor de atividade econômica que apresentará suas reivindicações aos empreendedores quando a obra começar. Por enquanto, a rotina dura e arriscada segue no Garimpo do Galo, assim como nos demais. Apesar de ainda existir a caça ao ouro de aluvião (aquele misturado ao cascalho no leito de rio), o tipo de exploração ali é diferente.

O ouro fica dentro da rocha, que é dinamitada formando um buraco que avança chão adentro. A 150 metros de profundidade do solo, alguns a 300 metros, num ambiente úmido, escuro e arriscado é que grupos de garimpeiros extraem a rocha após dinamitá-la. Um guincho iça o bornal gigante lotado de pedra para ser britada e processada para a extração do pó de ouro.

“É trabalho duro”, diz Misca, apelido de Aldacir Ribeiro, 46 anos, há 20 anos na lida do garimpo. “Já passei por garimpos em Tucumã, Maria Bonita, Redenção [todos no Pará] e Macapá [AP]. Se fraquejar aqui, parto para outro. Trabalhar na obra de Belo Monte é que não vou”, diz.

A distância da cidade, o trabalho duro e mesmo a falta de esclarecimento sobre o impacto real da barragem e da obra da usina tornam essa gente alheia ao seu futuro. Trabalham hoje para ter o ouro a partir do qual se sustentam amanhã. É simples a rotina, sem muitas elaborações.

José Gama dos Santos Filho, o Zé Filho, feição austera, manobra o guincho usado para o acesso à área de produção, lá embaixo. Em suas mãos, a vida dos companheiros que se arriscam a descer em busca do ouro. Um erro ali, é o fim.

Zé Filho sabe tanto quanto qualquer um sobre o destino de todos a partir do início da construção da usina Belo Monte. Sabe, por exemplo, que a redução da vazão no rio (a ser drenado por canais a serem construídos antes da barragem) vai reduzir o volume de água que corre por ali. Sabe também que sem água não há como lavar a pedra triturada e pinçar com o uso de produtos químicos a riqueza trazida à luz.

Na vila do Galo, onde mulheres passam o tempo jogando bingo, Pexada, nome de Jair Alves Né, 47 anos, índio da etnia Xipaia, acha que o futuro agora ficou mais imprevisível em relação ao que era até agora. Pexada é um dos compradores do ouro extraído no garimpo, além de ter um armazém-boteco onde grupos de garimpeiros se reúnem para ouvir música em volumes hostis aos tímpanos e discutir em voz alta o projeto Belo Monte, assunto recorrente.

“O problema é o transporte das coisas para cá. Estrada não tem, e sem o rio vai todo mundo ficar ilhado”, diz. A produção de ouro tem caído nos últimos tempos, mas é a única moeda da região. Ao pesar o ouro comprado há pouco, Pexada diz: “Esse é o nosso dinheiro. Sem ouro, isso aqui vai acabar”. (Fonte: Agnaldo Brito/ Folha Online)

Garimpos de cassiterita

Garimpos de cassiterita

 Tá interessado em mudar seu ramo para a extração mineral de cassiterita? Vou te explicar como funciona, então.
Primeiro a PC, essa prima da retroescavadeira aí na foto, faz um buracão; ela retira a
terra que está por cima da camada de cascalho que contem cassiterita, e dá uma boa
adiantada no trabalho, que levaria semanas se fosse feito no muque.
Depois, enquanto a PC vai ali pro lado cavar um novo buracão, dois ou três homens
lavam a terra, ou o cascalho, com fortes jatos de água.
Nesse processo vai-se formando uma lama, que é absorvida por uma mangueirona grossa, tocada a bomba, claro, que leva essa lama prá um máquinha chamada Dig, se não me falha a memória.
Dig está um buraco mais acima, o último que foi explorado. Através de vibração e pela
diferença de peso, essa máquina separa a cassiterita de um outro metal, que eles
chamam de ferro, e o excesso de água é jorrado no buraco recém explorado e que daqui
a pouco vai virar um lago.
O “ferro” (acima, no monte e na minha mão) sai por uma torneirinha e a cassiterita, mais pesada, vai se acumulando no fundo da DIG. Depois abre-se a segunda torneirinha e a
cassiterita sai. Esse último processo eu não vi. Não sei como drenam o resto de água
que está misturado ao minério. Mas drenam, e depois a ensacam e vendem.
Ganham dinheiro, uns o investem, outros o gastam até ele acabar, e vão pro buracão mais de cima, começar tudo de novo. E os lagos vão se formand0.
Recentemente eu soube que há um outro tipo de processo em Campo Novo, que é subaquático. Os garimpeiros mergulham e extraem, com grossas mangueiras, a areia do fundo do rio. Do lado de cima essa areia é lavada e o metal, separado. Esse garimpeiros mergulhadores ficam 4 horas debaixo d’água, se não me engano. Aí são substituídos por outros. Não tenho fotos dos garimpos que trabalham assim.
Abaixo algumas fotos das acomodações. Muitos dos garimpeiros dormem aí, alguns com barracas de camping modernas dentro dos barracos, e cada local tem a sua cozinha e cozinheira.

Enfim, esse processo de extração mineral me parece bem prejudicial ao meio-ambiente. Eles só podem escavar em áreas de pasto, já desmatadas, e as lagoas têm que ser bem represadas prá não contaminar os rios, mas é claro que nem sempre essas duas coisas acontecem. Mas eles não são bandidos, pelo menos em sua maioria. São pessoas de bem que estão trabalhando naquilo que sabem, que lhes rende dinheiro, justamente porque existe mercado prá isso. O estanho serve prá muitas coisas, entra no processo industrial de quase tudo, além daquelas ricas e lindas taças de vinho que a gente compra em São João Del’Rey.
Na foto acima procurei reunir duas coisas que existem em abundância por aqui, e não
têm valor nenhum. O “ferro”, esse sub-produto da extração da cassiterita, e o babaçu,
que tem demais em Rondônia inteira, produz um coco que faz um bom carvão e uma
polpa que pode ser usada prá fabricar biodiesel. Eu não compreendo porque ainda não
agregaram valor financeiro ao babaçu. Muitas das queimadas são prá eliminar
justamente essas árvores do pasto, que são tidas como praga pelos criadores de gado. É
certo que rondoniense não combina bem com extrativismo vegetal, mas combina com
lucros. Por que ninguém encontra uma viabilidade econômica para o babaçu é o que
sempre me pergunto. Quanto ao “ferro”, disseram-me que já foram feitos estudos
diversos, e que não há mesmo viabilidade econômica prá ele.
Até aqui vocês viram fotos de dois ou três garimpos em Campo Novo. Deve haver mais uma centena desses lá. Abaixo são fotos de outros dois garimpos, que visitei em julho de 2010. Ficam na Floresta Nacional do Jamari (FLONA Jamari), em Itapõa do Oeste. São plantas enormes, de empresas que exploram a região há décadas, com maquinário pesado. As fotos não são todas minhas, mas infelizmente é impossível dar o crédito devido. Éramos muitas pessoas, e as fotos se misturaram num mesmo arquivo.
O primeiro deles só vi de longe.  Se não me falha a memória, foi antigamente da BRASCAN, multinacional Brasil-Canadá, e hoje é operado pela ERSA – Estanho de Rondônia. Eu visitei a área de recuperação ambiental que a BRASCAN desenvolve ao lado, onde antes explorou o minério. Eles fazem um trabalho super difícil e interessante de recuperação ambiental. Trabalho lento, profissional, e com boas consequencias a longo prazo para a natureza.
O próximo é o Garimpo Cachoeirinha, que em julho estava interditado pelo IBAMA, mas hoje já deve estar liberado. Após a Licença do IBAMA, será (ou está sendo) operado pela Metalmig. Quando fomos havia vestígios de pessoas trabalhando manualmente lá, mas se esconderam, pois estávamos com a Polícia Militar.
Pense na consistência do chão em que a gente pisa!
Abaixo, uma cena muito bonita, mas triste, porque mostra um leito de rio quase morto, sem água, numa época em que os grandes rios da região ainda estavam bem cheios (a foto foi tirada em julho de 2010). A garimpagem desordenada vai assoreando os rios e matando-os, aos poucos, mas rio morto na Amazônia é o fim da rosca, não é?
Alguns outros clicks do Garimpo Cachoeirinha

Garimpo: começa corrida pela cassiterita

Garimpo: começa corrida pela cassiterita



A recuperação do preço do estanho no mercado internacional, acompanhando a tendência de alta das commodities minerais observada nos últimos tempos, está fazendo ressurgir com força no Pará o garimpo de cassiterita, como é mais conhecido o minério de estanho. Em São Félix do Xingu, berço daquele que foi, na primeira metade da década de 1980, um dos maiores garimpos de cassiterita do Brasil, a garimpagem, retomada no primeiro semestre deste ano, já ocupa hoje perto de 1.500 pessoas, incluídas aquelas que desenvolvem atividades de apoio. O estanho tem como principal aplicação industrial a produção de soldas para a indústria eletroeletrônica.
O garimpo está localizado na mesma área onde foi explorada, há quase três décadas, a antiga mina de cassiterita, na hoje vila de São Raimundo, um próspero distrito de São Félix do Xingu localizado a cerca de 28 km de distância da sede do município. A comunidade local, que já havia se acostumado à rotina da atividade agropastoril, voltou a experimentar a febre do garimpo entre abril e maio deste ano, quando começaram a chegar ali as primeiras levas de garimpeiros procedentes de Ariquemes, berço histórico da exploração garimpeira de cassiterita no Brasil.
Acionada na época pela Prefeitura Municipal de São Félix do Xingu, preocupada com os impactos sociais e ambientais que se prenunciavam com a retomada da atividade garimpeira, a Superintendência do Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM) no Pará deslocou para aquele município, em julho deste ano, uma primeira equipe técnica. À frente do grupo, o superintendente João Bosco Pereira Braga implantou ali, em caráter pioneiro, um projeto que já vinha sendo maturado pela administração central do DNPM em Brasília. O projeto está hoje se ampliando no Pará e deverá futuramente ser estendido a todo o país.
A previsão é do geólogo Paulo Brandão, que representa a Diretoria de Gestão de Títulos Minerários do DNPM no projeto Coordenação de Ordenamento Mineral (Cordem). “Este é um projeto piloto que vai ser levado às demais superintendências do DNPM em todo o Brasil”, disse ele na quinta-feira, ao participar, em Belém, da entrega dos dois primeiros títulos de Permissão de Lavra Garimpeira (PLG) em São Félix do Xingu. A beneficiada foi a Cooperativa dos Garimpeiros de Ariquemes, entidade que congrega, principalmente, os trabalhadores responsáveis pela retomada da exploração mineral no município.
Outras duas cooperativas – a Coomix e a Coogata – já estão organizadas e deverão em breve receber também os seus títulos de lavra. Conforme esclareceu o superintendente João Bosco Braga, o DNPM optou por estimular o associativismo e o cooperativismo no ordenamento da atividade. “É muito mais fácil você dialogar e encaminhar a solução de problemas com uma entidade do que se entender individualmente com centenas ou milhares de trabalhadores”, enfatizou.
João Bosco informou que o garimpo de Vila São Raimundo está em áreas tituladas no século passado em nome de três grandes mineradoras – Vale (na época, a estatal Companhia Vale do Rio Doce), a Metalmig, de São Paulo, e a Mineração Planície Amazônica, uma subsidiária da Paranapanema. Ele disse que o preço do estanho, como de toda commodity mineral, costuma oscilar bastante. Na década de 1980, por exemplo, uma brusca queda de preço, da ordem de 70%, provocou a paralisação das atividades no Pará. Atualmente, a cassiterita está cotada a US$ 15,4 mil a tonelada e o estanho em torno de US$ 22 mil.
Desafio é legalizar a pequena mineração
Tendo como principais parceiros as prefeituras e o Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam), o DNPM pretende levar o projeto Coordenação de Ordenamento Mineral (Cordem/Pará) a 47 municípios paraenses. O primeiro foi São Félix do Xingu; o segundo, o polo oleiro-cerâmico de São Miguel do Guamá e Irituia. “A grande mineração está resolvida no Pará. O nosso desafio será ordenar e legalizar a pequena mineração”, afirmou o superintendente João Bosco Braga.
O superintendente do DNPM observou que a cadeia mineral, mantida pelas indústrias extrativa e de transformação, responde hoje por 45 mil empregos. Só o polo oleiro-cerâmico de São Miguel do Guamá e Irituia, segundo ele, garante ocupação e renda para cerca de 30 mil pessoas, enquanto os garimpos remanescentes do Tapajós empregam hoje em torno de 40 mil trabalhadores. “Eu não ponho em dúvida a enorme importância da grande mineração para a economia brasileira nem estou discutindo a qualidade do emprego. O que eu quero mostrar é que a pequena mineração precisa também ser valorizada”, acrescentou.
João Bosco Braga disse que o Cordem será desenvolvido no Pará tendo em mira três grandes alvos. O primeiro, as regiões de garimpos – de ouro, cassiterita e gemas. O segundo, os minerais empregados em larga escala na construção civil, especialmente areia, brita e seixo, mapeados e dispersos por três grandes por três grandes áreas – a região metropolitana, o polo Santarém e o polo Marabá/Carajás. Como terceiro alvo o DNPM aponta os polos oleiro-cerâmicos, que no Pará são dois, hoje claramente identificados: o de São Miguel/Irituia e o de Santarém.
Também dispersa é a distribuição de garimpos, conforme destacou João Lobo Braga. Os de ouro estão localizados principalmente nos vales do Tapajós e do Gurupi – abrangendo os municípios de Viseu, Cachoeira e Nova Esperança do Piriá, além de pequenas ocorrências esparsas e sazonais na região de Rio Maria e Redenção. De acordo com o DNPM, são três as áreas garimpeiras que até hoje produzem gemas no Pará – a de ametista em Marabá, a de opala e diamantes em São Geraldo do Araguaia e a de diamantes do rio Cupari, em Itaituba.
João Bosco Braga destacou que o garimpo de ametista do alto Bonito, entre Marabá e Paruapebas, ainda em operação, foi talvez o maior produtor do Brasil. Se não em volume, certamente no tocante à pureza e à qualidade. “A ametista do Pau d’Arco (como ela era conhecida na época e que nada tem a ver com o atual município do mesmo nome) era a melhor do Brasil”, enfatizou.