sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Bamburro!

Bamburro!

É isso que Itzhak Ben-David mais quer ouvir. No interior do Brasil, ele procura uma das maiores minas de diamantes do mundo


Bamburro! Esse grito, que no dialeto dos garimpeiros significa encontrar uma grande fortuna, não tem data marcada para ser emitido. Mas, quando soltá-lo, Itzhak Ben-David, 50 anos, estará comemorando um achado de pelo menos 4 bilhões de dólares em diamantes. Ben-David não é um faiscador. Ele não lava o cascalho em prosaicas peneiras. Seu negócio é a mineração que usa máquinas de raio X, satélites e magnetômetros. Com esses e outros instrumentos, Ben-David está procurando por um kimberlito em Juína, cidade 800 quilômetros a norte de Cuiabá. (O primeiro kimberlito foi achado na fazenda Kimberley, na África do Sul, no século passado. Kimberlito deriva desse nome e hoje é sinônimo de mina de diamantes.) Ben-David é o sócio majoritário da Mineração e Comércio de Diamantes Juína, a CDJ. Sua empresa está associada à Diagem International Resource Co., do Canadá, empresa que tem ações cotadas na Bolsa de Vancouver e da qual ele também é acionista. Juntos, Ben-David e a Diagem já investiram 10 milhões de dólares na procura de minas de diamantes no interior do Mato Grosso. É possível que muito mais dinheiro seja colocado no negócio. É possível também que o kimberlito jamais seja encontrado, embora Ben-David descarte essa possibilidade. "Quando acharmos o kimberlito, minha fortuna, que é de algumas dezenas de milhões de dólares, passará a centenas de milhões", diz ele. Por sua origem e modo de viver, Ben-David é uma figura improvável num cenário como o interior do Brasil. Sua história tem início no século 17, quando quatro famílias judias foram da Rússia para a Pérsia, atual Irã. O xá Nader as colocou sob a sua proteção e nomeou um dos chefes familiares ministro das Finanças. Ao longo dos anos, descendentes dos quatro clãs casaram-se entre si e formaram a família Kelati. (Nada a ver com quilate. Kelati designa quem é originário de um antigo povoado do Mediterrâneo.) Hoje há vários Kelatis espalhados pelo mundo: "Tenho cerca de 4 000 primos", diz Ben-David, o quinto de oito irmãos. O pai deles, David, era rico. "Tínhamos até avião particular", diz Ben-David. Durante a Segunda Guerra Mundial, Ben-David e um irmão revendiam pneus Dunlop, um artigo que na época valia ouro. Com o dinheiro, a família comprava proteção. Influenciado por um consultor alemão, David decidiu explorar uma jazida de mica. O consultor era péssimo engenheiro de minas. Mas tinha boa lábia e sempre convencia David a prosseguir na pesquisa. "Só mais 100 metros e a gente acha o veio", dizia. A mica jamais foi encontrada. "De 100 em 100 metros meu pai quebrou. Tivemos de fugir para Israel em 1961", diz Ben-David. "Chegamos sem nenhum tostão." Na escola, em Tel Aviv, Ben-David tornou-se poliglota. (Fala cerca de dez línguas. Mas ainda escorrega nas sutilezas do português. Falando para um homem, diz: "Por que menina estar preocupado com minha dinheiro?") Em Israel, Ben-David, aos 18 anos, montou uma fábrica de suéteres. Um ano depois, ele já faria seu primeiro milhão de dólares. Depois deixaria a fábrica com a família para tentar a sorte em Londres. Já no final dos anos 60, Ben-David receberia uma carta de um tio-avô, dono de uma joalheria na Itália. Dizia que gostaria de se mudar para Israel e propunha uma associação na fábrica de suéteres. Ben-David disse sim, mas impôs a condição de se tornar sócio no negócio de jóias. O tio-avô lhe ensinou tudo sobre as jóias. Hoje a família tem uma rede de lojas em Israel e na Inglaterra, a SBD. Mas Ben-David queria lucros maiores. Aos 28 anos, ele foi arriscar a sorte em Ciudad Bolivar, Venezuela, um cenário de faroeste em pleno século 20. Comprava e vendia pedras preciosas. Ben-David - que não usa cordões de ouro, anéis ou qualquer outra jóia - utilizou com os índios locais a mesma estratégia dos colonizadores portugueses no Brasil. "Eu trocava espelhos por pedras preciosas", diz ele. "Mas havia muitos concorrentes. Eu queria um lugar para dividir com poucos." Foi então que decidiu vir para o Brasil. Chegou em 1982 e foi morar no Rio de Janeiro, onde se meteu num negócio com ouro e ouviu falar de Juína. Alguém o informou que a sul-africana De Beers, maior mineradora de diamantes do mundo, fizera pesquisas no município. "Pensei que se a De Beers rondou a área era porque lá havia diamantes", diz Ben-David. Em 1986 ele se mudou para Juína, onde se tornou uma espécie de lenda. Ben-David é um homem de pequena estatura: cerca de 1,60 metro. Míope, usa óculos de 8 graus. Não faz cirurgia para redução da miopia e nem coloca lentes de contato por nada deste mundo. "Itzhak sem óculos não é Itzhak. É minha marca registrada", diz. Invariavelmente veste calça azul-marinho e camisa de linho branca, compradas em Londres por 15 dólares. Segundo ele, não há peças coloridas em seu guarda-roupa. "Vestir-se assim é prático. Não preciso perder tempo escolhendo roupas ou combinando cores." Fuma desbragadamente. (Segundo ele, isso já lhe custou uma diretoria na Diagem: as restrições ao fumo nos vôos e no Canadá fizeram-no abrir mão do cargo.) E dorme pouco. "Faz 40 anos que durmo apenas 4 horas por dia." Ben-David troca a noite pelo dia devido aos fusos horários dos mais importantes mercados de diamantes do mundo - Israel, Índia, Bélgica e também o de Diagem, na Costa Oeste do Canadá. Por isso, em Juína ele dorme entre as 13 e as 17 horas. (Para matar o tempo e se distrair, Ben-David joga xadrez contra um computador que não repete aberturas, o que torna o jogo mais instigante. E ocupa 2 horas diárias no estudo da Torá.) Outro de seus hábitos é, ao acordar, sentar-se à calçada para degustar um uísque, olhar o pouco movimento de Juína e namorar as moças de Mato Grosso. Uma serviçal mantém o copo sempre cheio. Não de um scotch importado qualquer. Ben-David bebe o legítimo e brasileiríssimo Natu Nobilis. "É o melhor que existe", afirma com convicção. "E não é falsificado. Nunca tenho dor de cabeça com ele." O uísque não é incompatível com seus costumes ortodoxos. Ben-David e o irmão, Amir, formam a comunidade judaica de uma cidade onde não há sinagogas. Os irmãos penam em Juína: não existe um restaurante que possam freqüentar, pois consomem apenas pratos kosher, preparados de acordo com os preceitos judaicos. "A comida dele é trazida de São Paulo", diz Isaías Fonseca, o Shaia, funcionário e braço direito de Ben-David. Amir é casado e sua mulher também vive em Juína. Ben-David é divorciado de uma francesa, com quem teve dois filhos. Por isso sua vida é um bocado reclusa, monótona e solitária. "Houve um ano em que ele atravessou a rua uma só vez", diz Shaia. Foi olhar, da outra calçada, a decoração de Natal do prédio que mandou erigir para abrigar uma escola de lapidação. São três andares e cerca de 5 000 metros quadrados de área. Custou cerca de 10 milhões de dólares. A meta era competir com a Índia na lapidação de pequenos diamantes. Para ensinar os aprendizes, Ben-David gastou 1,5 milhão de dólares em equipamentos e dilapidou uma fortuna em diamantes. "Ninguém aprende sem estragar gemas", diz ele. Deu tudo errado e hoje a construção é um semi-elefante branco. É que, para baratear os custos, Ben-David fez um acordo com o Senai de Mato Grosso. A entidade ficou responsável pelos encargos sociais. Na eleição de 1994, um candidato a deputado estadual, morador de Juína e ligado à Federação das Indústrias do estado, pediu-lhe dinheiro para a campanha. Ben-David não deu. O candidato retaliou e o convênio foi rompido por fax. No mesmo dia a escola de lapidação para 1 200 alunos fechou. "Se pagarem os custos sociais, eu volto a abrir a escola", diz Ben-David. O edifício também é um bunker. Vigiado por câmeras de vídeo, nele estão também os apartamentos de Ben-David e Gustavo Mendonça, 64 anos, sócio da CDJ e braço direito dos irmãos. No de Ben-David o teto da sala é preto. Objetos de culto judaico e tapetes persas compõem a decoração. No quarto, de 30 metros quadrados, as cortinas e a colcha, de cetim, são em tons de vinho. Há um banheiro imenso, cheio de espelhos e com uma enorme banheira. Uma televisão completa o conforto de que Ben-David dispõe naquele fim de mundo. "Morar em Juína é um sacrifício", diz ele. "Faço isso por minha família. Se encontrar o kimberlito, terei dinheiro para cuidar das futuras gerações. Entre os Kelatis, cada membro rico cuida da educação de 20 pobres." (Ninguém é de ferro: uma vez por ano Ben-David se desintoxica num spa. E periodicamente viaja ao Canadá, Israel e Inglaterra.) Tentar achar o kimberlito é o maior risco já assumido por Ben-David. É preciso pesquisar muito, o que leva tempo e custa um dinheirão. O grupo inglês RTZ, um dos maiores do mundo em mineração, investiu alguns milhões de dólares na região. Encontrou 26 kimberlitos, todos inviáveis. Qualquer mina, para ser viável, deve conter um mínimo de 4 bilhões de dólares em diamantes. São necessários 10% disso - 400 milhões de dólares - em investimentos apenas na fase de prospecção. "Nenhum particular, nem mesmo Bill Gates, arriscaria tanto", diz Ben-David. Por isso ele se associou à Diagem, que tem acesso a capitais baratos. Em 1996, a Diagem comprou um total de 11 000 hectares antes pertencentes a duas subsidiárias da De Beers. Ambas foram expulsas pelos garimpeiros. (Já houve 60 000 faiscadores em Juína. Com a queda dos preços dos diamantes, sobraram apenas 500. A cidade tem atualmente 35 000 habitantes. Com 26 350 quilômetros quadrados, Juína é um dos maiores municípios do país. A maioria das terras pertence aos índios da tribo dos Cinta Larga.) Nem com toda a sorte do mundo um garimpeiro acharia um kimberlito. A pesquisa requer dinheiro e sofisticação tecnológica. Um levantamento aerofotográfico localiza os sítios mais favoráveis. No caso, procura-se por pequenos vulcões extintos. Neles são feitos furos de até 250 metros de profundidade. Cada metro perfurado custa 100 dólares. "Dentro dos vulcões estão os kimberlitos", diz o geólogo Paulo Andreazza, funcionário da Diagem. "Um kimberlito é uma rocha. É preciso quebrá-la para achar os diamantes." O problema é que as crateras dos vulcões, fechadas pela erosão acumulada em milhões de anos, estão invisíveis a olho nu. Andreazza foi o responsável por 7 dos 26 kimberlitos descobertos pelo RTZ e por uma mina de ouro em Paracatu, Minas Gerais. Recentemente, ele se transformou em acionista da Diagem. Recebeu 250 000 ações da empresa. Cada uma delas foi lançada a 2,8 dólares canadenses. Hoje, vale cerca de 10 centavos. Para financiar as pesquisas, a Diagem conta com a venda de diamantes de aluvião. De 1996 para cá a empresa comercializou mais de 7 milhões de dólares. O faturamento deve crescer a partir de agora, pois a empresa espera extrair 20 000 quilates por mês em Juína, contra 9 000 em 1997. "Nenhum lugar já produziu tantos diamantes quanto Juína", garante Ben-David. Em média, no mundo, se acha 0,3 quilate por tonelada de cascalho processado. Em Juína, são 2,8 quilates. Quase dez vezes mais. Ben-David, que nos anos 80 chegou a comprar e vender 500 000 quilates por mês, avalia que foram extraídos 10 milhões de quilates no município. "Isso não corresponde nem a um terço do total que a nossa área contém", diz Andreazza. A empresa calcula a existência de pelo menos 35 milhões de quilates de aluvião. Mas as gemas de qualidade são apenas 15% disso. Num cálculo superficial, a reserva valeria pelo menos 300 milhões de dólares. Extrair esses diamantes custa caro. Numa das áreas de pesquisa da Diagem estão instaladas uma "lavanderia" e duas máquinas Sortex. O cascalho da beira e dos leitos dos rios é levado de caminhão até a lavanderia, que custou cerca de 2 milhões de dólares. (Por enquanto sua enorme capacidade produtiva está subaproveitada, pois não processa nem 10% das 100 toneladas diárias de que é capaz. Mesmo assim andou degradando o meio ambiente. A Diagem já se comprometeu a consertar os estragos.) Da lavanderia, o cascalho vai para as Sortex, máquinas que emitem raio X de forma contínua e custam 500 000 dólares. Cerca de 4 000 pedras estão lá. A separação final é feita a olho nu. "Na média, quatro são diamantes. Não fosse assim eles não seriam raros e nem caros", diz Andreazza. Tão grande quanto a longevidade dos diamantes é a esperança de Ben-David em achar o kimberlito. No começo da segunda quinzena de março, suas expectativas foram reforçadas por um acordo firmado pela Diagem e a Rio Tinto, anunciado no Canadá. Pelo acordo, a Diagem investirá numa área de 20 000 hectares em Juína pertencente à Rio Tinto. Do que for encontrado, 40% caberão à Diagem. Os restantes 60% ficarão com a Rio Tinto. "Fizemos o acordo porque a Diagem tem porte suficiente para bancá-lo", diz Elpídio Reis, diretor de exploração da subsidiária brasileira da Rio Tinto. Bend-David diz que vai gastar o que for preciso para encontrar o kimberlito. Ilusão de fortuna? Itzhak Ben-David garante que não repetirá a história de David, seu pai. Por contrato, cabe a ele decidir qual o tamanho dos 100 metros, isto é, o limite dos gastos. É um assunto sobre o qual Ben-David não quer pensar no momento. "Eu tenho certeza de que acabaremos encontrando o kimberlito", diz ele.

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