O Parto da Montanha
No dia 18 de setembro é aniversário de uma querida amiga que reside na
California. Nesta mesma data uma outra criatura, nem tão querida, completa 3
meses, atendendo pelo nome de Marco Regulatório da Mineração.
Foi dada à luz com pompa e circunstância após um longo período de gestação, que
durou vários anos. Concebida inicialmente como trigêmeos, houve uma mágica fusão
em um único feto, resultado da biologia burocrática do governo, com resultados
desastrosos. Nascida sob o signo de Gêmeos, isto talvez explique sua natureza
ambígua, contraditória entre os propósitos explicitados na exposição de motivos
e o texto do projeto de lei. Não sabemos seu ascendente, mas possivelmente seja
Escorpião, conferindo-lhe um caráter traiçoeiro, agressivo e pouco confiável.
No mesmo dia o recém-nascido foi encaminhado para o Congresso Nacional, em
regime de urgência constitucional. Também, depois de tanto tempo fermentando nas
escuras adegas governamentais, para que mais delongas discutindo o futuro do
setor mineral brasileiro, não é verdade?
Chegada à Câmara dos Deputados, recebeu logo um apelido: PL 5.807/2013 e
iniciou-se o rito parlamentar. Acometidos de uma fúria laboral, os deputados
apresentaram em tempo recorde, 372 emendas ao projeto original. Foi constituída
uma Comissão Especial para discuti-las, agregando contribuições de várias
entidades representativas do setor mineral através da realização de audiências
públicas e encontros regionais nos estados mais expressivos em termos de
produção mineral. Embora não tenha sido retirado o regime de urgência, o relator
da Comissão estabeleceu o prazo de 15 de outubro para entrega do seu relatório,
o que parece indicar que seu voto deve estar bastante alinhado com a posição do
governo de “tratorar” o projeto e aprová-lo sem muitas modificações na Comissão
e posteriormente no plenário, para depois seguir para o Senado. Mantido o regime
de urgência, existe a possibilidade do projeto ser aprovado ainda este ano, num
verdadeiro parto da montanha, que além de prematuro, carregará deformidades
congênitas que muito prejudicarão o setor mineral brasileiro.
Temos acompanhado os vários depoimentos e apresentações dos representantes do
governo, seja em encontros técnicos, seja nas audiências públicas na Câmara e
Senado, que por sinal vem tratando o assunto com muita seriedade, tendo
produzido uma excelente análise do projeto, com uma visão crítica bastante
acurada. Vamos abordar apenas dois aspectos do PL, que consideramos cruciais ao
trabalho das empresas de exploração mineral e, consequentemente, à alimentação
do ciclo gerador de jazidas.
O primeiro deles é a drástica mudança no regime de outorga, com a substituição
do direito de prioridade por licitações de áreas previamente selecionadas e
pesquisadas pela CPRM ou chamadas públicas para as áreas já requeridas ou a
requerer e as colocadas em disponibilidade pelo governo. Sabemos que o atual
sistema apresenta distorções, muito mais pelas deficiências do órgão
fiscalizador, do que pelas alegadas práticas de retenção de áreas para fins
especulativos. A intenção do governo seria aumentar a concorrência e estimular a
competitividade entre as empresas, mas os efeitos tem sido exatamente o oposto:
desinvestimento, demissão de equipes técnicas, desarticulação de empresas
prestadoras de serviço, especialmente de sondagem, com uma virtual paralisação
do setor. O argumento constitucional para adoção das licitações não se sustenta,
conforme demonstrado amplamente no trabalho da Consultoria Legislativa do
Senado, além do próprio texto do projeto isentar deste regime as substâncias não
metálicas, como se elas fossem de menor importância (respondem por metade da
Produção Mineral Brasileira). Aliás, esta preocupação atávica do governo com a
exploração dos metais fica evidente com a suspensão das outorgas de alvarás de
pesquisa e portarias de lavra, como se fosse uma questão de segurança nacional.
Ouvi de uma autoridade a afirmação de que 80% da atividade das empresas juniores
seriam voltadas para ouro, como se isto fosse contrário aos interesses do país,
que há anos tem sua produção estagnada na faixa das 50-60 toneladas anuais,
perdendo várias posições no ranking dos produtores mundiais. Mais grave que a
questão das licitações, que já foram praticadas em áreas pesquisadas pela CPRM
em passado recente, é o advento da chamada pública, pois esta será acionada
sempre que houver manifestação de interesse em pesquisar determinada área,
inclusive para as já requeridas e ainda sem alvará, o que obviamente vai inibir
a iniciativa das empresas.
Quem vai colocar capital de risco em programas de seleção de prospectos sem um
mínimo de garantia legal para proteger seus investimentos?
Como a nova Agência Nacional de Mineração vai gerenciar as dezenas de milhares
de contratos que resultarão destas licitações e chamadas públicas? O governo
poderia licitar logo as jazidas que a CPRM tem em carteira e manter o regime de
prioridade para o restante do país independente de se tratar de substância
metálica ou não, já que do ponto de vista constitucional não existe tal
distinção.
O outro ponto a ser abordado é justamente o papel reservado à CPRM no novo
marco. Embora nos pronunciamentos públicos os dirigentes da empresa e
autoridades governamentais afirmem que ela não vai fazer pesquisa mineral, não é
isto que está explicitado no inciso V do artigo 22 (atribuições do Conselho
Nacional de Política Mineral), nem no inciso I do artigo 23 (atribuições do
Poder Concedente), que claramente estabelecem diretrizes para a realização de
pesquisa mineral pela CPRM. É interessante notar que a legislação atual já
confere este direito à empresa (artigo 5 da lei 8.970), desde que autorizada
pelo MME , em casos de interesse nacional. Exerceu este direito à larga nas
décadas de 70 e 80, tendo seu ápice no Programa de Mobilização Energética, onde
foram investidos cerca de 150 milhões de dólares na pesquisa de carvão, que teve
suas reservas quadruplicadas. Depois de 1994 a CPRM abandonou esta linha de
trabalho, dedicando-se aos levantamentos geológicos básicos, aero geofísica,
recursos hídricos e gestão territorial, atividades típicas de um serviço
geológico. Pela proposta atual, retornamos ao passado. Sem entrar no mérito da
qualificação técnica para desenvolver programas de exploração mineral depois de
tão longo afastamento, quanto o governo pretende investir em tais programas? De
onde virá o dinheiro? Dos levantamentos básicos que serão paralisados? Ou do
Tesouro Nacional, da mesma fonte que nega aumento de despesa na transformação do
DNPM em Agência?
Estas e muitas outras questões estão pendentes, enquanto nosso infante projeto
permanece no berçário da Câmara. Talvez um novo milagre biológico possa ocorrer,
por obra dos nossos deputados, e possamos reestabelecer a ordem natural , com o
surgimento dos três filhotes originais, paridos de forma tranqüila e no devido
tempo para que nasçam bem constituídos e de fato ajudem a construir um setor
mineral mais forte e justo para o Brasil.
Juarez Milmann,
Secretário Executivo da ABPM
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