Em consonância com o nome, Vila da Ressaca é o que sobrou dos tempos em
que havia ouro abundante no local. Essa comunidade de garimpeiros fica
na chamada Volta Grande do rio Xingu, uma grande curva
em formato de ‘U’ que começa logo abaixo de Altamira. Esse trecho do
rio está condenado pela hidrelétrica de Belo Monte, que vai secá-lo com a
construção de um canal de 100 quilômetros, o qual criará um atalho reto
entre uma ponta e a outra da Volta Grande, até chegar à boca da usina.
As comunidades ribeirinhas que vivem à sua margem, deixarão de sê-lo:
não serão mais banhadas pelas águas do Xingu.
A construção de Belo Monte fez Altamira borbulhar de crescimento. Da construção civil
ao transporte aquático, o preço de tudo subiu. A passagem de uma
voadeira da cidade até Vila da Ressaca triplicou, de R$15 para até R$50.
Chegar lá toma uma viagem de 2 horas rio abaixo.
Uma
curiosidade sobre a Ressaca: ela fica dentro do município de Senador
José Porfírio, porém a cidade de Altamira está entre metade e um terço
da distância da Vila até a sede de Senador Porfírio. Estamos no Pará, em
plena Amazônia, onde municípios podem ter a área de países.
Nos áureos tempos, a Ressaca chegou a abrigar 6 mil habitantes. Hoje, o
número caiu para cerca de 200 famílias, que somam algo como 800 pessoas.
Metade se dedica à extração de ouro, dividido em 6 garimpos: do Galo,
Itatá, Morro dos Araras, Grota Seca, Ouro Verde e Curimã.
Ao
contrário do Galo, onde os túneis atingem 380 metros de profundidade, no
garimpo Morro dos Araras, a exploração é rasa, feita em buracos de até
10 metros de profundida por 20 de largura. O nome vem dos índios que ali
habitaram até 1930, quando foram expulsos pela chegada da mineração.
Eles lutaram, matando e afundando os barcos dos recém-chegados, que
também morriam de malária. O pico da produção de ouro na região foi na década de 1960 e 70, quando a exploração era feita por empresas do ramo.
Elas foram embora quando acabou o ouro fácil, próximo da superfície.
Hoje, a exploração é rude, feita por garimpeiros precariamente
equipados.
No Morro dos Araras, a rotina da busca do ouro é
desmatar e cavar buracos com água de mangueiras de alta pressão. Um
buraco é aberto a cada 2 dias. A medida que é liquifeita, a terra é
retirada por uma máquina apelidada de "chupadeira", que a joga em uma
rampa. A lama desce pela rampa de madeira de alguns metros de comprimento
até o seu fim, quando é filtrada por uma caixa que contém uma peneira e
mercúrio. A peneira segura os resíduos que podem conter ouro, o
mercúrio aglutina o metal. O líquido enlameado que passa, já contaminado
por mercúrio, enche um outro buraco. Uma vez exploradas, as crateras
são abandonadas.
Quando o material é composto por pedregulhos,
passa pelos chamados "moinhos", máquinas que trituram a rocha. Após essa
etapa, também seguem para o mesmo tipo de rampa que termina no tanque
fechado com mercúrio.
O segundo método de mineração – e o mais
usado agora que o ouro é escasso –é através de galerias dentro de túneis
profundos. Eles são abertos com explosivos. E de explosão em explosão,
de galeria em galeria, podem chegar a Descida de arrepiar
A descida até lá dura 20
minutos e é feita através de um sistema tosco de cordas e roldanas,
operadas pelos companheiros da superfície, que acompanham o processo por
rádio. Os garimpeiros brincam que muitos se acovardam a descer. Pudera,
acidentes fatais são costumeiros, a temperatura lembra a de uma sauna e
a única luz da descida é uma lanterna de pilha, segura na mão e presa
ao peito do garimpeiro por um cabinho. Durante o percurso, o túnel pode
ter larguras de até 10 metros ou passagens estreitas de 1 metro. O
destino final é uma galeria de cerca 10 metros de largura por 7 de
altura, mal iluminada por lâmpadas
Para os gerentes do garimpo, o dinheiro pode ser bom. Eles ganham até
R$10 mil por semana, pagos em ouro, que aqui ainda é moeda. Nada é
feito de acordo com a lei. As licenças de mineração expiraram e os
explosivos – que exigem permissão do exército - são usados ilegalmente. O
trabalho é informal e o trabalho infantil, comum. Filho de garimpeiro
entra logo para o garimpo, aprende a trabalhar, nem que seja para
carregar pedras de um lado para o outro, com um carrinho de mão.
Qualquer que seja a técnica usada no garimpo, o mercúrio é onipresente.
Ele é tóxico, difícil de degradar e envenena fauna, flora e gente. Os
garimpeiros correm o risco de inalá-lo durante o processo de separação
do ouro, uma forma grave de contaminação. O rejeito contaminado é
despejado próximo aos moinho, até terminar no Xingu ou penetrar o lençol
freático.
Porque o mercúrio é usado na mineração de ouro
Entre as propriedades do mercúrio, está a capacidade da forma orgânica
desse elemento se acumular ao longo da cadeia alimentar, causando a
contaminação de peixes e o risco de envenenamento de quem deles se
alimenta , inclusive seres humanos. A intoxicação por mercúrio pode
provocar danos ao sistema neurológico. As consequências podem variar
desde dores no esófago e diarreia a sintomas de demência. Depressão,
ansiedade, dentes moles por inflamação e falhas de memória também estão
entre os sintomas. Um perigo ofuscado pelo brilho do ouro.
Para
o garimpeiro, o que importa são outras propriedades do mercúrio.
Primeiro, a capacidade de se unir a outros metais e formar amálgamas, o
que é fundamental em garimpos, onde os minúsculos grãos de ouro precisam
ser separados dos sedimentos dragados de leitos de rios ou da terra
escavada. Após esse cascalho passar um período em esteiras, para que os
metais se assentem e sejam separados de sedimentos mais leves, o
material concentrado é jogado em betoneiras onde é misturado à agua e ao
mercúrio.
Os pequenos grãos se agregam com ajuda do mercúrio e
podem ser separados com mais facilidade. Em garimpos onde é usado
maquinário mais pesado, como balsas, os sedimentos são dragados para
dentro de misturadores, chamados pelos garimpeiros de cobra-fumando,
onde se costuma também utilizar o mercúrio para evitar que partículas de
ouro sejam desperdiçadas. No final, os restos contaminados são
despejados no solo ou no rio.de 60 watts. Lá, o garimpeiro enche
uma grande esfera oca, de borracha grossa, capaz de suportar uma carga
de pedregulhos que podem conter ouro. Essa bola é içada à superfície, e
se tudo der certo, o garimpeiro volta também. Os acidentes mortais são
encarados como destino divino.
400 metros de profundidade.
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