OURO DO TAPAJÓS: 782,9 TONELADAS E UM SAQUE PLANETÁRIO!
Em pouco mais de meio século de
atividade, o total estimado de ouro retirado do Oeste paraense é de
782,9 toneladas, das quais apenas 313,2 toneladas saíram legalmente. O
restante, correspondente a 60% da produção, foi descaminhado, como dizem
os estudiosos, que evitam falar apenas em contrabando. Cotado a preço
de hoje, 96 reais o grama, esse monumental volume de ouro estaria
valendo algo em torno de 76 bilhões de reais. Com o descaminho, ficam
cerca de 30 bilhões de reais que, pagando impostos e circulando
legalmente na região e no País, quanto benefício poderiam ter causado à
população em geral e à economia local e estadual?
A província garimpeira do Tapajós/Jamanxim e afluentes, a maior do
Brasil com mais de 28 mil quilômetros quadrados, produziu entre os anos
de 1980 e 1989 um total de 256,9 toneladas de ouro, sendo 76,9 toneladas
comercializadas oficialmente, com notas fiscais, e 180 toneladas
descaminhadas, ou pelo contrabando ou por negócios de pequeno e médio
porte não contabilizados pelo fisco. O tamanho dessa área é o oficial,
autorizado por lei federal, no entanto, a garimpagem se estende por
cerca de 100 mil quilômetros quadrados, à revelia da lei, segundo
estimativas confiáveis.
Itaituba, a Cidade Pepita, ficou dependente dos resíduos de uma economia predatória, que pode ser modernizada e introduzir tecnologias não destrutivas ao meio ambiente natural e humano (Foto: MD) |
EVASÃO
Estes negócios compreendem a evasão pura e simples, assim como a troca
de poucas gramas por mercadorias, realizadas pelos trabalhadores
garimpeiros, até a aquisição de objetos mais caros efetuados, em geral
com volumes de ouro não muito significativos no varejo, mas
representativos no volume geral do descaminho.
Tanto o contrabando como estes negócios laterais desviaram mais da
metade de todo o ouro produzido a região sob influência do Rio Tapajós.
Esta estimativa faz parte de pesquisa do Departamento Nacional de
Produção Mineral, o DNPM, referente àquele período. Do total produzido
nas grotas, barrancos e nos leitos dos rios e igarapés naquela década,
percebe-se que a produção anual foi de cerca de 26 toneladas.
Com a queda acentuada dos preços do metal no mercado mundial, ao lado de
medidas econômicas do governo brasileiro daquele período, os garimpos
desta região amazônica tiveram uma redução drástica de suas atividades,
que recomeçaram vorazmente de 2010 para cá, justamente na trila do
aumento também acentuado da cotação do ouro, cujo grama está hoje (20
maio 2013) a 96 reais.
De janeiro de 2010 e agosto de 2012, a cotação do ouro no mercado
internacional saltou de 900 dólares para 1.800 dólares a onça (uma
onça/ouro equivale a 31 gramas). Aí está uma das explicações da entrada
maciça da garimpagem industrial nas águas do Tapajós e seus afluentes.
SAÚDE PÚBLICA
O geólogo Alberto Rogério da Silva, com larga experiência em consultoria
de mineração, prestando serviços ao Instituto Brasileiro de Mineração, o
IBRAM, ao Sindicato das Indústrias Minerais do Pará e à Reinarda
Mineração Ltda., informa que, na região do Tapajós, existem atualmente
2.200 pontos de extração de ouro, 500 pistas de pouso para aviões e
produção de cerca de 12 toneladas do minério por ano, sendo que a
atividade garimpeira já é realizada no local desde 1958. No final do ano
passado Alberto Rogério lançou um excelente livro, “A Indústria Mineral
no Pará”, em que oferece um panorama do setor na região, do ponto de
vista empresarial, ambiental, inclusive quanto à questão do emprego do
mercúrio na lavra aurífera e as suas implicações para a saúde pública.
Esses números são atualizações de observações empíricas que vêm do período do boom
verificado mais ou menos entre 1980 e 1990. Muitos campos de pouso
estão presentemente desativados ou muito pouco utilizados, assim como o
total de pontos de garimpagem não significa que a atividade tipicamente
artesanal ou semimecanizada esteja tão alastrada quanto naquela década.
Mas a atividade retorna com muita força, com a introdução da garimpagem
industrial que dispensa milhares de trabalhadores, os chamados peões de
grota. A tecnologia avançou e os braços necessários para a lavra
diminuem exponencialmente.
PRODUÇÃO ESTIMADA EM 54 ANOS DE ATIVIDADE GARIMPEIRA
De 1958 a 1969 – cálculo empírico – 80 t = 7,2 t por ano
De 1970 a 1979 – cálculo empírico – 200 t = 20 t por ano
De 1980 a 1989 - 256,9 toneladas = 25,7 t por ano (estimativa do
Departamento Nacional de Produção Mineral - DNPM). Obs: Neste período, a
produção oficial foi de 76,9 toneladas apenas. O descaminho por
contrabando e outros negócios menores, foi de 180 toneladas na década).
De 1990 a 1999 – 120 t = 12 t por ano
De 2000 a 2009 – 90 t = 9 t por ano
2010 a 2012 – 36 t = 12 t por ano
Total em 54 anos – 782,9 toneladas
Estes dados aqui expostos estão sujeitos a contestação e estimativas
mais técnicas de correção, havendo muita possibilidade de alterações
para mais ou para menos. A suposição, aqui, é que seja para quantias
mais elevadas.
Os dados partem de vertentes diversas: a estimativa do próprio
Departamento Nacional de Produção Mineral referente à década 1980-1989 e
da presente estimativa do geólogo e um dos mais dedicados estudiosos do
setor mineral do Pará, o paraense de Juruti, Alberto Rogério da Silva,
consultor do Instituto Brasileiro de Mineração, o IBRAM.
OBSERVAÇÕES
Há também as observações do autor desta reportagem referentes aos
períodos em que acompanhou a atividade, como repórter de O Liberal, de
Belém, e como correspondente do jornal O Estado de São Paulo, na cidade
de Santarém. Durante longas conversas com empresários do ramo e com
diversos pilotos de pequenos aviões que faziam e fazem a rota dos
garimpos do Tapajós, quase sempre as estimativas de produção giram em
torno de 500 a 700 toneladas de ouro neste mais de meio século.
Na primeira fase, final dos anos 1950 a 1969, a penetração rumo aos
mananciais auríferos se fazia de barco, com semanas de viagem e,
obviamente, resultando numa produção muito incipiente mas que, já no
meado dos 1960, começava a deslanchar, atraindo aventureiros de várias
partes do País e compradores locais de empresas paulistas, sobretudo.
Começava a ser introduzido o garimpo semimecanizado e, obviamente,
gerando produção cada vez mais elevada.
Na década seguinte, entre 1970 e 1979, a produção se acelera e um dos
indicadores mais visíveis foi a penetração maciça de centenas de
empresas de pequena aviação na região, o que transformou o aeroporto da
cidade de Itaituba no mais movimentado do mundo nesse tipo de transporte
aéreo. O boom estava instalado e se estenderia intenso por cerca de 20 anos.
Esse boom chegou ao seu auge na década seguinte, com a introdução
maciça de balsas dotadas de dragas escariantes altamente agressivas ao
leito dos rios. Aliado a esse processo deu-se início acelerado ao
desmonte de centenas de quilômetros de barrancos às margens dos
tributários do Tapajós, resultando no maior derrame de barro dentro do
leito principal de um rio brasileiro. O imenso Tapajós, com seus 850
quilômetros de extensão desde a junção do Juruena e o Teles Pires, e que
na foz tem 16 quilômetros de largura, mudou de cor – passando de
verde-esmeralda a barrento. A poluição física, pelo barro, e o emprego
maciço de mercúrio nas águas da região transformaram a natureza de
vários rios e igarapés do coração da Amazônia. O medo das doenças
provenientes do mercúrio se alastrou e algumas pesquisas foram
realizadas pelo Núcleo de Medicina Tropical da Universidade Federal do
Pará, comprovando as hipóteses, em diversas amostras colhidas pelos
pesquisadores, de que havia espécies de peixes, abundantes na região e
alimento básico de largas faixas da população, impregnados com teores de
mercúrio, transformado quimicamente, acima do que pode resistir o ser
humano, segundo parâmetros da Organização Mundial de Saúde, a OMS.
PESQUISAS
Pesquisas sobre a contaminação mercurial existem, mas os diversos
relatórios e artigos existentes estão pedindo uma consolidação e mais
investimentos, já que as iniciativas, mesmo louváveis, ainda são mais
pessoais ou de grupos sem recursos para aprofundar os estudos.
Ressalve-se os esforços de pesquisadores do Instituto Evandro Chagas do
Núcleo de Medicina Tropical da Universidade Federal do Pará.
Dos anos 1990 em diante houve um decréscimo acentuado na produção pelas
razões expostas, como a queda dos preços do ouro no mercado
internacional ao lado de medidas econômicas num período de elevada
inflação no Brasil.
De 2010 para cá, no entanto, a atividade retorna com força, já com o
emprego de tecnologias bem mais avançadas, como o emprego de dragas que
custam até 2 milhões de reais, e que já seriam em número de 70 na bacia
do Tapajós.
Há muitas questões a serem levantadas: ao revirar o leito do Tapajós e
afluentes, essas dragas poderosas repetirão o desastre ambiental dos
anos 1980/1990? Aquele processo foi estancado não por qualquer medida de
prevenção ou repressão oficial, mas apenas em consequência do preço
ouro, que despencou e por dificuldades econômicas do País naquele
momento, retraindo os investidores.
QUESTÃO CENTRAL
Outra questão, esta central: O que a região do Tapajós ganhou, neste
mais de meio século de avanço ensandecido sobre suas reservas auríferas?
O Estado Pará, que proveito tirou dessa monumental agressão ambiental? E
uma conclusão: isto pode se repetir, com consequências ainda mais
danosas à própria economia regional, especialmente ao Oeste do Pará,
onde se implanta, ainda incipiente, uma indústria do turismo que tem
Alter do Chão como ícone desta fase, com investimentos em hotéis,
pousadas, lanchas, turismo receptivo de até 35 transatlânticos por
temporada (novembro a março), afetando o emprego de milhares de pessoas
nos municípios de Santarém, Aveiro (Fordlândia) e Itaituba. Quilômetros
de praias e lagos podem voltar a ser enlameados como naquele período
citado. E o pecado escassear.
É claro que resíduos dessa economia do saque ficaram na região.
Itaituba, que ficou conhecida como a Cidade Pepita, e Santarém,
obtiveram proveitos na circulação de uma riqueza que dinamizou o
comércio local, porém uma riqueza infinitamente menos significativa
diante das montanhas do ouro descaminhado. Aliás, esses benefícios foram
largamente neutralizados pela avalanche da massa migratória, trazendo
para a região milhares de trabalhadores para os quais, quando muito,
ficaram ralos gramas do metal tão precioso.
Para a maioria desses trabalhadores ficaram a malária, o risco da
contaminação pelo mercúrio, o mais venenoso metal líquido existente na
natureza, e peixes contaminados para os ribeirinhos. Foram encher as
periferias das duas cidades e engrossar as grotas de onde muitos nem
mais saíram, seja pelas doenças ou vitimados pela criminalidade que, nos
anos de boom, ceifou milhares de vidas de garimpeiros. Na frente
de Itaituba está uma grande favela, às margens do rio que tanto ouro
pariu neste meio século, a demonstrar a lógica dessa economia de terra e
águas arrasadas.
Quando os empresários do ouro ouvem estas conversas, de imediato alegam
que qualquer medida visando ao combate à agressão ambiental e humana
resultará na queda da produção de ouro e redução dos empregos nas
grotas. Ocorre que ao longo do Tapajós, abaixo das zonas agredidas,
muito mais gente, inclusive os 78 mil ribeirinhos que vivem da pesca,
podem ficar sem trabalho. Uma questão: ninguém quer que o ouro deixe de
ser retirado do Tapajós, o que se pleiteia é a introdução de tecnologias
não poluentes, já existentes.
O que precisa ter um basta é a atividade ilegal, aventureira,
imediatista, como, aliás, é praxe na Amazônia, onde se chega para
enriquecer rápido e cair fora, sem nenhum compromisso com o desastre
deixado para trás. E isso vale tanto para o garimpo quando para as
médias e grandes empresas mineradoras.
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