O Garimpeiro da Amazônia
Os garimpos de ouro na Amazônia paraense, concentram-se principalmente na região do rio Tapajós e seus afluentes. Um famoso garimpo é o Cuiú-Cuiú, que pegou o nome emprestado do igarapé, cujas grotas eram exploradas por centenas de garimpeiros. Havia uma história que afirmava que o Cuiú-Cuiú tinha 3 cemitérios. Um deles de gente falecida de velha, neste não tinha ninguém. No segundo só enterravam gente morta pela malária e outras pragas, havia muita gente mesmo. No terceiro só estavam os cabras mortos de morte matada. Era uma enormidade, uma verdadeira jazida de chumbo. Alguns foram desta para uma melhor através da peixeira, mas a esmagadora maioria foi despachada com certeiros tiros de espingarda 16. Mas tirando o evidente folclore, no garimpo as rixas são resolvidas de maneira drástica mesmo, e os motivos principais são disputas por prostitutas ou furto. Ladrão não se cria em garimpo.
É uma região de difícil acesso, alcançada pela navegação de uma parte do igarapé, depois através de picadas abertas na mata. Na “corrutela” do Cuiú-Cuiú, no coração da floresta, há uma pista de pouso precaríssima e muita curta, onde operam pequenos monomotores, trazendo pessoas, mercadorias, e levando os bamburrados para Itaituba ou Jacaré-Acanga, com suas latas repletas de ouro em pó. A maioria esmagadora dos garimpeiros passa a vida toda naquela busca insana, sem entretanto nada encontrar que mude suas vidas. Porém alguns poucos sortudos chegam a ajuntar até alguns quilos do sonho dourado, em muitos e muitos meses, até anos, de trabalho duro, nas piores condições, acometidos por várias doenças, principalmente a malária. O precioso metal amarelo será vendido nas casas compradoras e todo o dinheiro gasto regiamente nos lupanares e bares. O garimpeiro abastado passará algumas semanas vivendo o sonho da efêmera riqueza, arranjará muitos amigos e amantes, financiará a todos eles, sem limite. Com o término da riqueza, o milionário torna-se caboclo novamente, os companheiros de orgia e as mulheres desaparecem, e ele então vai em busca de favores do dono do armazém, que lhe adiantará os mantimentos a prazo, a preços exorbitantes, e do piloto que poderá levá-lo de volta ao garimpo. Salvo algumas pouquíssimas exceções, este é o ciclo usual.
Trabalhei com muitos peões ex-garimpeiros, do Cuiú-Cuiú, do Cumaru, do Patrocínio, do Porto Alegre, do rio das Tropas, na maioria excelentes pessoas. Alguns deles foram potencialmente ricos, mas passada a fase de ouro, nunca conseguiram levantar-se novamente, malgrado inúmeras tentativas.
Conheci um ex-garimpeiro destes, mateiro nato, muito inteligente e espirituoso, dono do sugestivo apelido Palitó. Trabalhamos juntos principalmente no Amazonas e no Pará, e ele bom conhecedor do manuseio da bússola Brunton, e dono de um senso de direção incrível, foi designado por mim como marcador de picada. As picadas quase sempre originavam-se das margens de rios e igarapés e tinham uma direção fixa pré-definida. Eu plotava a picada pretendida no mapa elaborado por mim, de forma a atingir um ponto interessante do terreno para prospecção, anteriormente escolhido através de fotografias aéreas e imagens de radar, e no campo marcava onde deveria ser seu início. A partir daí o marcador de posse da bússola ia traçando o caminho na mata, obedecida a direção indicada pela agulha. No seu encalço vinha o restante da equipe abrindo a picada, sempre seguindo as marcas deixadas pelo líder. Estas marcas a terçado, eram feitas nos troncos em profundos sulcos, uma palma cortada aqui, outra acolá.
Pois bem, o meu amigo e companheiro de jornada era tão safo, que eu não mais me preocupava em marcar a boca da picada, ele próprio marcava. E invariavelmente acertava. Cabra bom e competente, além de gozador e conversador. Fazia da adversidade uma festa. Com ele presente a equipe de campo estava sempre de moral elevado. Fumava um caporal-porronca fedorento num cachimbo encardido, o dia todo, e dizia para o pessoal que o dotô era muito manso na pesca e na caça. Como eu ficava dia-sim, dia-não, sozinho no acampamento, quando a equipe ia cortar mais um segmento de picada, aproveitava para caçar de esbarro ou pescar em algum igarapé. E sempre havia algum resultado, principalmente bicho de pena, ou algum porco desavisado. Peixe não faltava nunca, principamente o jeju, dito como peixe menstruador, o que positivamente não é verdade. O que acontece é que quando o jeju expele a ova, junto vem algum sangue, e aí ficou a fama de peixe menstruador.
A história do Palitó inicia-se em Roraima, no garimpo de diamantes da serra do Tapequém. Ainda novo tocou para aquele garimpo, onde estão os diamantes azulados mais valorizados do mundo. Ali trabalhou durante um bom tempo, lavando cascalho diamantífero, mas sem muito sucesso. Mal dava para o rancho. Coisa pouca, alguns pequeninos chibius com poucos pontos. Foi empregado durante uma boa quadra, até que resolveu explorar um barranco por conta própria. Com o pouco que tinha comprou ferramentas, mantimentos e danou a trabalhar. Todos os dias, de sol a sol, sem domingo ou feriado. Foram meses de muito cansaço, de muita esperança. Pois finalmente o Palitó acabou por merecidamente bamburrar, numa pedra dita muito linda e valiosa. Como ele mesmo disse, “azulinha da cor do céu”. Pronto, os problemas tinham terminado, ou começado?
O intrépito Palitó viajou para Boa Vista, onde vendeu a pedra para um capangueiro, e de posse de uma pequena fortuna, pagou a conta no armazém, comprou uma Rural Willys nova e um terno de linho. O resto é conhecido. Muitos amigos tomaram dinheiro emprestado, que nunca foi pago. As amantes reciclaram seus guarda-roupas, além de receberem presentes sem fim. Bebida grátis para todos os freqüentadores do prostíbulo. Festa dia e noite. E a Rural cheia de gente rodava pra lá e pra cá, dirigida pelo novo amigo mecânico, e com o Palitó na boléia, braço na janela, parecendo gente. O Palitó era uma personalidade no local. Foi muito estimado enquanto durou o dinheiro. Um dia um pneu da Rural furou e ele e os “amigos” bêbados não conseguiram trocar o tal pneu. Tentaram de todo jeito e nada. O Palitó simplesmente tocou fogo no carro, que queimou totalmente, entre os gritos de júbilo da torcida alcoolizada. O dinheiro começou a rarear, acabou mesmo. O ex-milionário foi expulso da pensão e os companheiros sumiram. Só sobrou o paletó de linho amarrotado, que ele não tirava de jeito nenhum. Daí o apelido Palitó. A história se repetiu. Foi em busca de crédito no armazém e no campo de aviação. Voltou para o garimpo do Tapequém, de onde saiu muito tempo depois para trabalhar como empregado, na função de mateiro, e foi assim que conheci o Palitó, que hoje deve estar com uns 70 anos.
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