sexta-feira, 11 de julho de 2014

A Maldição da Mineração

A Maldição da Mineração
A Espanha sofreu nas mãos da Holanda, mas uma coisa que a nação ibérica não tem é a doença holandesa, como é conhecida a maldição da mineração. Mas o pior mesmo é a versão política dessa praga, para a qual o Brasil serve de (mau) exemplo.
A moléstia holandesa, em inglês, Dutch Disease, foi um termo cunhado pela revista The Economist, lá nos fins da década de setenta, para descrever um período em que a indústria holandesa minguou por causa da fartura de divisas, atraída pelos campos de gás natural descobertos quase 20 anos antes.
Demorou cinco anos até que alguns economistas teorizassem um pouco mais sobre o assunto. Eles chegaram à conclusão que qualquer país em que há um súbito e rápido fluxo de entrada de divisas (moeda estrangeira) pode sofrer desse distúrbio. Não faz muita diferença no que motivou o fluxo, seja investimento externo direto ou, como no caso da Holanda, a descoberta de hidrocarbonetos. Como uma coisa tão boa pode ser tão ruim? Segundo os economistas, o motivo está no desequilíbrio cambial. A entrada em massa de moeda estrangeira torna a moeda local mais forte e aumenta os preços relativos nesse país. Isso faz com que as demais exportações fiquem mais caras. Assim a produção local é desestimulada. Alguns teóricos relacionam a doença holandesa com economias subdesenvolvidas, ou emergentes, contudo, os exemplos mais notáveis são no lado desenvolvido do mundo. Canadá e Austrália protagonizaram alguns dos mais surpreendentes casos, todos nos últimos dez anos. Isso foi resultado da alta histórica do preço das commodities. A Austrália, por exemplo, não terá uma montadora de carros sequer no país a partir de 2017. A Toyota seguiu a decisão de outras montadoras que reclamam da taxa de câmbio e custo da mão de obra local. O Chile também chegou a ser diagnosticado com a tal doença por conta da alta do preço do cobre. Outros países que sofreram ou sofrem com isso são a Nigéria, por conta da abundância de petróleo; o mesmo caso da Venezuela e da Rússia nos anos 2000. Duas décadas depois de a doença holandesa ter sido diagnosticada, uma outra moléstia relacionada ao mesmo assunto apareceu. As enormes receitas geradas por recursos naturais, além de bagunçar câmbio e economia, levam turbulência às instituições políticas da região que deveria se beneficiar de tanta riqueza. O fato é que países ou regiões beneficiadas com a entrada de divisas padecem com a piora da qualidade dos candidatos a eleições (de olho no orçamento futuro) e na capacidade das instituições políticas em lidar com esse novo cenário. Como mero observador, posso dizer que isso não é lá grande novidade. Arrebatar a prefeitura de uma cidade que tem milhões em receitas de royalties garantido, é um investimento e não um risco político. O assunto foi tratado pelos pesquisadores Fernanda Brollo, Tommaso Nannicini, Roberto Perotti, e Guido Tabellini, em 2010, no artigo The Political Resource Curse: A maldição política da mineração. Esses italianos, da Universidade de Bocconi, estudaram o que aconteceu em alguns municípios do litoral fluminense, subitamente enriquecidos com o petróleo do pré-sal, para explicar que há três motivos para o novo fluxo de riqueza minar os pilares da democracia. O primeiro é a corrupção. O efeito do risco moral vem com o irreprimível desejo do governante que está no poder em se manter lá a qualquer custo, contando que não saia do bolso dele. Isso faz com que usem a máquina estatal a serviço da eleição ou reeleição. O segundo, chamado de efeito seletivo, mostra que o aumento do gabarito publicitário para ganhar algumas prefeituras endinheiradas sobe tanto que restringe a entrada de novos candidatos. Em outras palavras, tem tanto dinheiro em jogo que os grupos interessados investem pesado para não ter o risco de perder o imenso orçamento da prefeitura. O terceiro efeito é uma combinação dos dois anteriores. Com oponentes menos hábeis, candidatos corruptos são capazes se apropriar de dividendos políticos e de se perpetuar por meio de reeleição e indicações futuras. É claro que conhecemos muitos casos desse tipo que nada tem a ver com royalties. A conclusão dos estudiosos é numérica. Com alguns dados e muita econometria eles afirmam que, para cada aumento de 10% nas transferências do governo federal para governos locais, a corrupção sobe no mínimo 17%. Se for isso mesmo, é fácil debelar a corrupção, basta cortar os repasses do governo federal em 50%. Além dessa má notícia, o artigo corrobora as conclusões de trabalhos anteriores de que serviços públicos, como educação, saneamento e saúde, não melhoram proporcionalmente em relação ao volume de aumento das receitas. A equação final é desanimadora: mais royalties > corrupção > mandato de maus políticos > deterioração dos serviços.

Nenhum comentário:

Postar um comentário