Há quem se arrisque na terra do diamante
Diamante
à ufa. Garimpeiros por todos os lados. Chão de cabarés lavados com
cerveja. Mulheres lindas recrutadas a dedo em Goiânia. Tresoitão
Smith&Wesson na cinta dos donos de garimpos. Cheque nem pensar.
Pagamento somente em cash. Aviões comerciais pousando e decolando com
capangueiros. Poxoréu burbulhava. Tesouro e Guiratinga, também. O ciclo
da garimpagem passou. Melhor, quase passou, porque ainda restam velhos
aventureiros sonhadores que não se entregam. Batalham pesado nos
monchões e grupiaras em busca da pedra boa que teima em se escafeder
deixando todos blefados, de picuá vazio e sem o gosto do bamburro.
Localizada
numa área acidentada, espremida entre morros e o rio Poxoréu, a cidade é
uma sequência de ruas sinuosas e permeadas por ladeiras. Por meio
século ostentou o título de “Capital do Diamante”, realeza que murchou
em meados da década de 1970, quando a extração entrou em declínio e
levas de garimpeiros migraram para outras frentes em Nova Marilândia,
Alto Paraguai, Arenápolis e Juína.
A
Poxoréu do apogeu do garimpo morreu. Renasceu em outra cidade, pacata,
exportadora de jovens para o mercado de trabalho e as faculdades, com a
economia calcada no agronegócio. Perdeu as correntes migratórias que
cruzavam o Brasil de cabeça para baixo e para cima em busca da fortuna
fácil nos garimpos. O mesmo destino estava reservado à Tesouro,
Guiratinga e Itiquira, na região.
Do
mesmo modo que começou, terminou a opulência do ciclo da garimpagem.
Poucos fizeram fortuna. Ganhou dinheiro quem comprou o cerrado que, à
época, tinha preço de banana. Os milhares de garimpeiros desfrutaram
apenas da aventura, da farra. Quem bamburrava gastava para se
auto-afirmar junto aos companheiros e às mulheres. Pode ser que alguém
tenha acendido charuto com a nota de cem da época, mas também pode ser
lenda que isso tenha acontecido. Porém, era tradição lavar chão de
cabaré com Brahma, a cerveja que Artêmio Capelotto vendia na região.
Poucos tinham automóvel. Era raridade, mas com os bolsos cheios os novos
e temporários ricos alugavam os famosos carros de praça – táxi – que
normalmente eram Jeep, Toyota Bandeirantes, Rural ou a velha e boa
Kombi. Alguns endinheirados se davam ao luxo de viagens de ostentação
refestelados nas poltronas vermelho-aveludado dos bimotores DC-3 da Real
Companhia Aérea, que fazia rota de Belo Horizonte para os pólos do
garimpo na então região leste mato-grossense.
Sem
o garimpo a cidade perdeu o quê de aventura que foi sua grande marca na
época em que o farmacêutico Amarílio de Britto tinha, sempre em mãos,
uma fórmula homeopática para curar malária, gonorréia, asma e até mesmo
ressaca implacável. O som do serviço de alto-falante “A Voz de Poxoréu”
silenciou-se. Os ônibus da Transportes Baleia sumiram na curva da
estrada, que também levou para Cuiabá um velho conhecido de todos,
Prisco Menezes, um milionário que socorria – bem remunerado, é claro – o
gerente do Banco do Brasil, quando não havia numerário na tesouraria
para grandes saques. Ficou o passivo ambiental. Montanhas de rabo de
bica. Assoreamento dos rios e riachos. Resta um gosto amargo de saudade.
O
garimpo manual cedeu lugar às dragas. À escala comercial com enormes
retroescavadeiras, caminhões basculantes, intervenção nos cursos d’água,
GPS, equipamentos de última geração e gerenciamento profissional. Mesmo
assim o faturamento do gigantismo das empresas mineradoras, nem de
longe lembra o barulho dos garimpeiros anônimos que se espalhavam por
Alto Coité, Raizinha e por onde mais se possa imaginar.
Profissão não dá segunda safra
Saturnino
José do Nascimento, baiano de 84 anos, é nome estranho em Alto Coité,
distrito de Poxoréu. Porém, se alguém perguntar por ‘seo’ Satu, o
povoado inteiro sabe quem é. Afinal, ele garimpa naquelas bandas há 40
anos, todos os dias; todos os dias, não, porque guarda o sábado santo do
Senhor, em obediência aos ensinamentos bíblicos pregados pela Igreja
Adventista do Sétimo Dia.
Satu
é um poço de saúde. Trabalha o dia inteiro. Pega no pesado com a mesma
disposição da juventude. Conversa pouco e escuta com dificuldade. Não
toma medicamento. Usa roupas surradas e sandálias de couro costuradas
por suas mãos calejadas. É casado, mas a patroa dona Severina Campos do
Nascimento, septuagenária, mora em Anápolis (GO), “vende roupas”,
revela. Matrimônio para ele é coisa sagrada, mas não faz segredo que
mantém uma namorada de trinta e poucos anos na vila, “eu banco ela.
Homem não pode ficar sem mulher”, mostra verbalmente uma virilidade que a
faixa octogenária não derruba e que os 11 filhos que tem atestam.
O
Garimpo da Onça, onde Satu trabalha, fica perto da margem do córrego do
Coité – que dá nome ao lugar - mas ele paga renda de 10% ao dono da
área, muito embora o mesmo não tenha titularidade no subsolo. Garimpeiro
que é garimpeiro não discute questão legal, direito. Simplesmente paga o
que deve e ponto final.
Pedra
boa mesmo, Satu pegou somente cinco; uma com 12 quilates. Ajuizado não
fez esbórnia com a mulherada nem bebeu. Comprou uma casa em Alto Coité e
outra em Anápolis, onde sua mulher mora com a filharada.
Cansado
sim, porém sempre disposto. Esse é o estado de espírito de Satu, que
não aceita outra vida senão a que leva. Distante do mundo, o velho
garimpeiro não sabe quase nada do que se passa ao seu redor. O nome do
governador de Mato Grosso desafia sua memória. “Já ouvi; acho que é
‘Maurio’ ou qualquer coisa assim...” - mostra seu distanciamento.
Há
10 anos o governo federal em parceria com Mato Grosso montou dois
projetos Casulo em Poxoréu, para assentar em parcelas próximas à cidade
ex-garimpeiros. Satu foi sondado por assistentes sociais e técnicos, se
gostaria de receber uma parcela. Refugou. “Profissão de garimpeiro não
dá segunda safra, tenho que continuar onde estou”, disse aos que o
procuraram.
Ex-garimpeiros aposentados entre aspas que aceitaram a proposta dos Casulo
quebraram a cara. O projeto foi por água abaixo com sua meta de
produzir maracujá que seria destinado à indústria de sucos e
concentrados Maguary, em Araguari, Minas Gerais.
A
balbúrdia nos Casulo foi grande. Nunca o pessoal, oriundo do garimpo,
colheu um maracujá sequer. Para salvar as aparências, quando o
governador Dante de Oliveira visitava o projeto, técnicos providenciavam
o fruto em supermercados na vizinha Rondonópolis, para que fossem
mostrados como safra do lugar.
Satu
não foi o único garimpeiro a virar as costas aos Casulo. Outros também
tiveram a mesma reação. Alguns deles foram vencidos pela idade e
doenças. Saíram do batente. Foram empurrados pela circunstância para o
Abrigo da Associação dos Garimpeiros de Poxoréu.
Mês
passado, 29 garimpeiros sem força para o trabalho e minados por
doenças, sobretudo respiratórias, ocupavam as enfermarias do abrigo, que
é dirigido pela filha de garimpeiro Maria Aparecida dos Santos, mais
conhecida por Cida Caburé – apelido que aceita com naturalidade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário