Coromandel – Quarenta e quatro quilates de
diamantes extraídos do rico subsolo de Coromandel, município de 27 mil
habitantes localizado no Alto Paranaíba, desembarcaram em Antuérpia, na
Bélgica, em meados do mês passado, vendidos por US$ 350 mil. O volume e o
valor podem parecer insignificantes – e são, num mercado mundial que
movimenta US$ 120 bilhões anuais –, mas o negócio, em si, carrega um
significado que extrapola a simples negociação comercial.
Motivo:
foi a primeira vez que uma cooperativa de garimpeiros de Minas Gerais –
no caso, a Cooperativa de Garimpeiros de Coromandel (Coopergac) –
exportou diamantes de forma absolutamente legal, cumprindo normas
fiscais e ambientais e seguindo o Certificado Kimberley, documento
exigido pela Organização das Nações Unidas (ONU) para evitar que pedras
contrabandeadas ou extraídos em áreas de conflito, como África
(principalmente em Serra Leoa, onde as atrocidades cometidas pela
guerrilha chegou às telas de Hollywood no filme Diamantes de Sangue, com
o galã Leonardo di Caprio), sejam negociadas nas principais bolsas de
joias do mundo. Ou seja, para serem vendidos nesse mercado, os diamantes
têm que ter rastreabilidade e pedigree comprovado. Além da Coopergac,
apenas a cooperativa de Juína, no Mato Grosso, detém o certificado,
emitido pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), autarquia
do Ministério de Minas e Energia (MME)
Ok, mas e daí? Daí que a
partir de agora os garimpeiros de Coromandel, cidade registrada como a
capital nacional dos diamantes, estão também – e talvez este seja o dado
mais importante – abrindo uma porta para se livrar dos atravessadores,
que, desde as primeiras descobertas de diamantes no município, no início
do século 19, compram (ou “tomam”, no jargão local) as pedras dos
trabalhadores por um preço ínfimo e as revendem por valores bem mais
gordos, geralmente de forma ilegal, para empresas de mineração ou
comercialização de joias. A porta de saída para essa cilada é exatamente
a cooperativa, que adquire diamantes de seus cooperados por um valor
considerado justo e dentro dos parâmetros legais. Os 130 garimpeiros da
Coopergac pagam à cooperativa 2% sobre o valor do negócio.
“Não
queremos liquidar os atravessadores, mas agora os nossos cooperados têm
uma opção de venda de forma legal e com preço maior”, diz Darío Machado
Rocha (com acento no i, já que tem irmão gêmeo chamado Dario), filho de
garimpeiros, fundador da cooperativa, ex-secretário-geral da entidade e
vereador na cidade. Antes da cooperativa, os garimpeiros que tentavam
vender as pedras sem passar pelos atravessadores eram jurados de morte.
Muitos, de fato, foram assassinados – o próprio Darío chegou a ser
ameaçado. Mas os tempos de diamantes de sangue em Coromandel parecem ter
ficado para trás.
Existem dois exemplos clássicos da ação dos
atravessadores. O mais conhecido é o diamante Getulio Vargas, uma pedra
de 726 quilates descoberta em 1938 pelo garimpeiro Manoel Domingos. A
joia, que hoje teria um preço equivalente a R$ 100 milhões, foi vendida
pelo garimpeiro por 2,3 mil contos de réis ao comerciante Osvaldo Dantes
dos Reis, de Belo Horizonte. Reis revendeu-a a outro comerciante do
Rio, J. Polak, por 5 mil contos de réis – e, Polak, por sua vez,
passou-a a um grupo suíço-alemão por 9 mil contos de réis, mais de três
vezes o valor pago a Domingos. Hoje, das três partes em que a pedra foi
dividida, duas estão desaparecidas e uma está incrustada na coroa da
rainha Elizabeth II, da Inglaterra.
O outro exemplo é mais
recente. O garimpeiro Sinval Isoldino, hoje com 57 anos e no batente
desde os 16, levou três décadas para encontrar uma pedra de valor – um
diamante de 44 quilates, que poderia garantir-lhe uma aposentadoria
tranquila. Sem opção para negociar, Isoldino foi obrigado a vender a
joia aos atravessadores de Coromandel por R$ 360 mil. A pedra foi
revendida por R$ 1,1 milhão – um lucro de mais de 300%. “Eles me
tomaram. Mas se o garimpeiro tiver força e puder registrar os diamantes,
fica melhor”, diz. É o que a cooperativa pretende fazer.
Mas,
afinal, quem compra as pedras? Em Coromandel, os compradores mais
conhecidos são os irmãos Gilmar e Geraldo Campos, de Patos de Minas,
donos da Gia Campos Mineração, conhecidos como os reis do diamante e já
investigados pela Polícia Federal (PF) por extração de pedras de forma
ilegal em reservas indígenas na Amazônia. Gilmar, por sinal, acaba de
comprar uma ampla área em Coromandel, que será utilizada para garimpo.
Os garimpeiros estão ansiosos para conhecer seus próximos passos.
Outro
comprador é a GAR Mineração Comércio Importação e Exportação Ltda. – e
há ainda o comerciante Hassan Ahmad, nascido em Serra Leoa, registrado
no Líbano e dono de um passaporte belga, também investigado pela PF na
Operação Carbono, em 2006. Na época, Ahmad foi acusado de formação de
quadrilha e falsificação do Certificado Kimberley com a ajuda de
funcionários do DNPM (o então chefe da autarquia em Minas na época, Luiz
Eduardo Machado de Castro, foi demitido do cargo). O comerciante chegou
a ser flagrado no aeroporto de Confins negociando pedras e o MME
suspendeu a emissão dos certificados, que só foi retomada um ano depois.
Darío, da Coopergac, garante que Ahmad não foi mais visto em
Coromandel, mas garimpeiros locais afirmam que ele continua atuando nas
sombras. Seu nome é falado com frequência por eles. “Estamos nos
movimentando num jogo de xadrez violento”, resume o vereador. Verdade.
Diamantes são eternos, mas garimpeiros não.
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