segunda-feira, 12 de outubro de 2015

As leis do garimpo

As leis do garimpo

É público e notório que a sociedade do garimpo não segue as leis convencionais seja a da cidade ou do campo; tem a sua própria lei que a despeito de suas qualidades e problemas está regendo a vida de centenas de milhares de homens e mulheres da Amazônia.
          Lei, ou melhor, código foi criado pela prática, pela necessidade de sobrevivência em condições adversas dos homens que vivem o fenômeno do ouro brasileiro. Nasceu este código ético sem ser imposto por nenhuma autoridade, ou seja, naturalmente. Só é comparada a velha lei da costa oeste da América do Norte tão decantada pelos inúmeros filmes e livros, retratando essa época de pioneirismo.

          A lei não é escrita, divulga-se oralmente. As cláusulas principais desta lei ou código de vida são:
1.     – Direito de propriedade:
- É dono o cidadão que descobriu, comprou ou construiu a seu custo e está assumindo a propriedade em questão. Comprar e não assumir não implica em propriedade; a propriedade da descoberta vale na medida em que o descobridor tem condições de assumir o empreendimento implícito;
- não é necessário usar guarda-costas, segurança, sistema de alarme no garimpo todo mundo porta cordões de ouro e pepitas bem á vista, pois por tradição não há ladrões. O preço deste crime é o justiçamento primário;
- a demarcação do território é valida, sendo respeitada, mas a condição de que a dimensão da área assinalada corresponde à capacidade de trabalho do pretendente. Se esta for muito maior, a pressão dos vizinhos será forte demais e o demarcador deverá ceder parcelas ou sua área será redimensionada.
- o fenômeno de relacionamentos, amizade, boa vizinhança é a melhor garantia do direito de propriedade. O garimpeiro – descobridor procura resguardar seu quinhão, associando com amigos dividindo o bolo, visando consolidar forças para garantir suas áreas de atuação.
Tenta se com a penetração da Lei brasileira nos garimpos, utilizar outros meios para delimitar propriedades, como requerimentos de PLG e Terra Legal e abertura de campos de capim, violando outras leis, as de meio ambiente.
Quando a lona de um barraco é desmontada  nos garimpos de fofoca, o barraco não é mais do seu construtor, mas de qualquer um que o cobrir de novo.
Curimã de terra firme é do garimpeiro que o produziu, o curimã de balsa ou draga é de todos, mas só se a balsa ou draga já tiver saído do local.

2.     – Da relação entre as pessoas:
- O homem que necessitar da companhia de uma mulher, vai à currutela e lá estabelece as bases de seu relacionamento sendo o acordo fielmente mantido pelas partes envolvidas.
- O homem pode levar uma mulher para o seu barraco no “baixão”, transformando-a assim em sua companheira ocasional por alguns dias ou semanas e deverá recompensá-la no final da estadia com uma parcela substancial dos seus ganhos em ouro, mas devera negociar com o dono do cabaré.
- A mulher que dançar e beber com um homem na boate do garimpo, não poderá trocar de parceiro, salvo se o primeiro desistir dela, caso contrário a pena é de uma multa a ser paga ao primeiro homem; Essa regra criada para evitar tiroteios é controlada pelo cabereizeiro que indemnizara o primeiro parceiro da mulher com bebidas e outra mulher,  tudo descontado na conta da mulher infiel.
Mulher é propriedade do dono do cabaré, já que ele pagou para ela entrar de avião e mais outras despesas; ela poderá se liberar se pagar o seu próprio passo, senão ela será vendida a quem pagar o peso em ouro exigido por ele; o dono do cabaré determina o valor em função dos dotes da mulher, somados com as despesas de viagem e eventual consumo de medicamentos. Muitos donos de cabarés são donas, mulheres. O fato de ser vendida por um bom ouro é uma honra para a mulher,
Mulher pode sair da boate se pagar a multa por dia ou noite; essa multa foi instituída para evitar o desvio do uso da mulher.
Se a mulher conseguir com a saída dela, trouxer um cliente bamburrado até a boate, a multa será perdoada;
- Os jogos a dinheiro implicam em sérios compromissos. O não pagamento de uma divida de jogo leva à morte;
- Não se mata um homem pelas costas, salvo se o mesmo é um assassino e está sendo justiçado.
Algumas regras, em relação à mulher caíram em desuso nos locais de fácil acesso;

      3.  – Do dia a dia:
         - Avisar quando chega ao barraco: bater palmas ou gritar um Olá bem alto, é
                 suficiente;
-O Reco do fundo da canoa é da cozinheira;
- As regras de hospitalidade do resto do Brasil são mantidas; sempre há café e feijão para os visitantes
- A cozinheira do barraco é objeto de respeito, salvo se ela não se der respeito.

4– Dos negócios:
- Tudo no garimpo se resume a água, espaço e ouro; tais elementos regem a atividade garimpeira invariavelmente;
- Não existe recibo em garimpo. O acerto oral com ou sem testemunhas tem força de lei;
- Financiamentos realizados à semelhança dos bancos, não utilizam juros; pagamentos são feitos em ouro e o recebimento também. O interesse do financista consiste na necessidade em conseguir ouro para o seu negócio.
- O sistema financeiro posto em prática no garimpo não utiliza prazos; o pagamento é feito quando o tomador do empréstimo conseguiu extrair o seu ouro;
- Quando um tomador de empréstimo não consegue devolver o capital devido, graças a uma adversidade, pode receber um novo empréstimo. Se persistir a adversidade, seus bens tais como pista, barrancos, direitos, entre outros, serão entregues ao financiador.
As divisões dos ganhos (percentagens de produção) segue pontualmente o acertado
          A pena de desobediência a um acordo oral é a mais terrível do garimpo, resulta no desprezo geral que leva invariavelmente o acusado à falência lenta que é pior do que a morte.

5. – Os velórios:

Os velórios são importantes, pois são cerimônias que mantem o homem do garimpo afastado da condição mais primitiva e também tem regras:
O morto tem dono, e o dono é o patrão dele que será obrigado a pagar as despesas do velório que são basicamente uma grande quantidade de cachaça e velas além de pagar os trabalhadores para o transporte e o enterro.
Com a pressão das autoridades policiais, enterros passaram a ser feito nas cidades circundando o garimpo, o que obrigou os donos dos mortos a pagar por frete de avião.
  
6. – Dos justiçamentos:

          O tribunal só tem um juiz, o dono do serviço, e geralmente o carrasco é o próprio juiz, já que mandar fazer é considerado ato de covardia.
A sentença é pública, pois mantem a coesão do garimpo e a noção de cumplicidade ou co-autoria.
          Diversas cláusulas deste código natural estão em contradição flagrante com a lei oficial da nação e aparentemente necessita para se manter de um isolamento geográfico.
           Na realidade, não existe nenhuma “república livre” na Amazônia, em toda essa vasta região, segue-se mais ou menos a lei do garimpo com o beneplácito das autoridades governamentais que se integraram emocionalmente à vida do ouro.
        Existe desde a penetração das estradas, um abrandamento deste código e uma mistura com a Lei brasileira, cada qual usando a que melhor lhe convier.
        A demora conhecida da justiça oficial é um entrave para a migração completa de uma lei para a outra.

        Outra dificuldade é o total desconhecimento por parte dos juízes locais da lei mineraria (Código de mineração) que é a lei que mais penetrou nos garimpos.

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