Mineração avança na Amazônia
Novo eldorado Região do Tapajós é atrativo para as maiores mineradoras do mundo
Itaituba
Depois de uma hora e meia sobrevoando a floresta amazônica a bordo de um monomotor, entre a sede do município de Itaituba e o distrito de Moraes Almeida, às margens da rodovia Transgarimpeira, a sensação ao pousar na pista da mineradora Serabi, construída próxima ao extinto garimpo Palito, é de alívio e surpresa. Alivio por reencontrar a dita civilização após um vôo cheio de turbulências; surpresa por constatar a presença de alta tecnologia para exploração mineral implantada no meio da selva e justamente no coração da maior reserva garimpeira do Brasil.
No lugar do garimpo, tomado durante anos por rústicas barracas cobertas de lona preta, onde os barrancos de terra eram derrubados com jatos de água e larga utilização de mercúrio na coleta de ouro, reina agora o projeto da mineradora Serabi, que este ano deve produzir algo em torno de uma tonelada de ouro. Produzindo ouro e concentrado de cobre no meio da reserva garimpeira do Tapajós - em atividade desde o final da década de 50 do século passado e disparada a maior produtora de ouro em garimpos do Brasil - a Serabi antecipa uma tendência que cada vez mais vai se consolidar no século XXI: o avanço das mineradoras sobre as áreas de garimpo na região tapajônica, considerada de forma quase unânime pelos geólogos ligados ao Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM) como o 'Eldorado da Amazônia'.
Ao longo do trajeto, de mais de 300 quilômetros, entre a sede do município de Itaituba e a mina Palito - um antigo garimpo - a floresta amazônica reina soberana, praticamente intacta, exibindo apenas pequenos desmatamentos nas estradas vicinais construídas ao longo da rodovia Santarém-Cuiabá (BR-163), que, sem asfalto, permanece praticamente sem tráfego durante meses.
A reserva garimpeira do Tapajós tem 28 mil quilômetros quadrados - uma área do tamanho do Estado de Alagoas - e foi criada oficialmente em 1983, no governo do general João Baptista Figueiredo, durante a gestão do ministro César Cals à frente do Ministério das Minas e Energia.
O mapa da mina para que as pequenas mineradoras investissem em antigas áreas de garimpo no Vale do Tapajós foi dado - ou melhor dizendo, vendido - por uma das maiores companhias de mineração do planeta, a Rio Tinto Zinco (RTZ), que durante anos realizou pesquisa geológica, com furos de sondagem, em vastas áreas da reserva garimpeira do Tapajós, com autorização dos garimpeiros, e descobriu dezenas de ocorrências minerais de médio porte, nenhuma delas caracterizando uma jazida classe A - com mais de 100 toneladas de ouro, por exemplo. A RTZ investiu US$ 5 milhões em pesquisas na região.
A Serabi, que tem ações na Bolsa de Valores de Londres, na Inglaterra, apostou alto. Além de já estar produzindo ouro e concentrado de cobre, gerou mais de 500 empregos na região, muitos dos quais ocupados por ex-garimpeiros. As negociações com os 'donos' do garimpo demoraram meses. Ninguém fala quanto custou, mas experientes compradores de ouro de Itaituba calculam que a 'venda' do garimpo Palito para a Serabi não saiu por menos de um milhão de dólares.
Outra mineradora de porte, a Brasouro, de capital canadense, também vem realizando furos de sondagem em áreas que abrigaram antigos garimpos em Itaituba. O projeto que está sendo gestado pela empresa prevê a exploração de três milhões de onças troy de ouro. Segundo Ivo Lubrina de Castro, o popular Ivo Preto, presidente da Associação dos Mineradores de Ouro do Tapajós, com quatro mil associados, a Brasouro já cubou (mediu) mais de 100 toneladas de ouro em suas pesquisas. A Mineração Tapajós teria cubado outras 45 toneladas, enquanto a mineração Vila Porto Rico teria encontrado depósitos auríferos com 32 toneladas, embora suas pesquisas ainda estejam longe do alvo principal.
TECNOLOGIA
O geólogo australiano Ruari Mcknight, diretor da Serabi no Brasil, não esconde o entusiasmo com o projeto da Mina Palito. 'Estamos utilizando o que há de mais avançado em tecnologia, evitando danos à natureza', afirma, lembrando que a empresa trabalha com licença ambiental concedida pela Secretaria Executiva de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente (Sectam). A mina Palito fica localizada a 35 km da sede de Moraes Almeida, um distrito de Itaituba fundado às margens da rodovia Transgarimpeira.
'Recuperamos 94% do ouro que entra na planta industrial', revela Ruari Mcknigth. 'Essa área aqui é impressionante. Não existe nada semelhante no mundo', garante. O também geólogo australiano William Clough chegou ao Tapajós em 1999 e foi o responsável pela escolha do garimpo Palito para se fazerem os primeiros investimentos na região. 'Escolhemos Palito pela grande oferta de rejeitos do garimpo e também pela facilidade de acesso', revela. Na área do garimpo, a Rio Tinto Zinco fez cinco furos de sondagem. 'Compramos o banco de dados da RTZ para orientar nossas pesquisas na área', acrescenta Clough, para concluir, profético: 'O futuro dessa região é a mineração mecanizada'.
'No Tapajós, nós temos duas centenas de Serras Peladas', arrisca um otimista Ivo Preto, convicto de que a reserva garimpeira do Tapajós abriga em seu subsolo as maiores reservas de ouro do Brasil. Segundo ele, o Tapajós tem a maior província aurífera em extensão do mundo. Por isso, Ivo Preto não esconde de ninguém sua preocupação com a criação de unidades de conservação pelo Ministério do Meio Ambiente dentro da reserva garimpeira do Tapajós. Para ele, o 'engessamento' das áreas por questões ambientais poderá causar sérios prejuízos à produção mineral brasileira.
Uso de mercúrio ainda é causa de polêmica Tamanho do Texto
'Pode comer peixe na Amazônia sossegado. Só não coma garimpeiro', brinca o bioquímico José Dórea, da UnB (Universidade de Brasília). O pesquisador e seus colegas dizem ter colhido dados suficientes para demonstrar que, ao menos nos níveis atuais, a presença de mercúrio no pescado amazônico não afeta a saúde. Dórea faz questão de frisar que o garimpo de ouro, no qual se usa o mercúrio, é um problema ambiental sério para a Amazônia. Também ressalta para o perigo da exposição direta a esse metal pesado, altamente tóxico ao sistema nervoso, para quem trabalha no garimpo (daí a brincadeira sobre o risco de 'consumir' um garimpeiro). No entanto, segundo o pesquisador, as pessoas que absorveram o elemento ao comer os vários tipos de peixe na região não estariam correndo riscos. A conclusão é o resultado final de 15 anos de estudo, que começaram com as preocupações ligadas à contaminação de rios como o Madeira e o Tapajós, ambos na bacia amazônica, pelo garimpo.
Como a principal fonte de proteína das populações da região são os peixes, temia-se que elas sofressem as conseqüências da concentração desse metal na dieta. As espécies do Madeira e do Tapajós pareciam ter níveis preocupantes de mercúrio em seu organismo. 'O problema é que havia níveis tão altos ou maiores de mercúrio nos peixes do rio Negro (outro dos principais afluentes do Amazonas), embora lá não tivesse havido garimpo de ouro', diz Dórea.
Para o pesquisador, a explicação vem da própria abundância natural de mercúrio nas rochas da região do rio Negro. Ao estudar as populações ribeirinhas que comiam esse pescado, constatou-se que o mercúrio se acumulava no cabelo das pessoas e acabava sendo eliminado, sem sinais aparentes dos problemas de saúde associados ao metal. E isso apesar de ele aparecer em concentrações de 0,5 ppm (partes por milhão) em peixes como as piranhas (por serem carnívoras, elas acumulam o mercúrio dos peixes que comem no organismo). Esse valor é considerado o limite do risco à saúde humana. 'Já no caso dos garimpeiros, o mercúrio estava presente na urina, com um impacto palpável na saúde, diz o pesquisador da UnB. Dórea e seus colegas também examinaram dois grupos indígenas, os caiabis e os mundurucus, que consomem boas quantidades de peixe e vivem em áreas onde houve atividade garimpeira. Além de não encontrar problemas associados ao mercúrio nas tribos, os pesquisadores ainda verificaram que os caiabis, os quais consomem, em média, cerca de quatro vezes mais peixe que os mundurucus, tinham menos incidência de doenças cardiovasculares entre a população idosa.
CAUTELA
Outros especialistas que estudam a contaminação por mercúrio pedem cautela diante das conclusões. 'É inaceitável, na minha opinião, não considerar a hipótese de contaminação de populações ribeirinhas devido ao consumo de peixes', diz Ciro Oliveira Ribeiro, da UFPR (Universidade Federal do Paraná). 'É sabido que existe um background (nível básico) de mercúrio na Amazônia, assim como existe no Canadá, mas lá isso não impediu o surgimento da 'doença dos peixes', encontrada nos índios que, em determinados períodos, eram forçados a se alimentar mais de peixes.'
Wanderley Bastos, do Laboratório de Biogeoquímica Ambiental da Universidade Federal de Rondônia, concorda que não há risco no consumo de peixe no rio Negro. Mas ainda restam perguntas, segundo ele. Por exemplo: 'poderiam ocorrer efeitos neurológicos que necessitariam de avaliações mais específicas para serem observados?'. Para Dórea, a ação incessante de microrganismos da Amazônia sobre o mercúrio ajudaria a modificá-lo de forma a evitar sua ação negativa. Além disso, a inexistência de outros metais pesados e poluentes diminuiria o risco. 'Para perder essa proteção, só acabando com a floresta', conclui.
BALANÇO
Os garimpos do Tapajós são responsáveis por mais de 50% do ouro produzido no Brasil extraído com o suor dos garimpeiros. No final da década de 70, os próprios garimpeiros - financiados pelos 'donos' dos garimpos, foram os responsáveis pela construção da rodovia Transgarimpeira, um colosso de 190 quilômetros de extensão, que se inicia em Moraes de Almeida e termina no garimpo Creporizão. (R. B.)
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