sábado, 16 de janeiro de 2016

50 anos de garimpagem -ouro



50 anos de garimpagem -ouro

Relato sobre as quase cinco décadas de labuta nos garimpos do Tapajós, José Carneiro da Silva (José Come Vivo) contou como começou a extração do ouro na região. Ele encerrou falando da viagem que resolveu fazer a Belém para rever a família. Nesta segunda parte ele revela muito mais.
“Quando eu saí do garimpo para Belém já estava com malária. Foi a primeira vez que ela me pegou. Me tratei, ficando uns 15 dias em Belém. Depois disso peguei um avião da Panair do Brasil, até Santarém. Lá esperei o dia da saída do barco do velho Frasão e vim com ele até São Luis.
Nessa época em São Luis, o Suta e o Anacleto estavam com o movimento de compra de couro de gato selvagem e de jacaré e eu subi com o Suta até o São Martins, onde peguei um 10/12, que já havia por lá nesse tempo, o qual me levou até São José. Quando cheguei ao garimpo o Araújo já tinha brigado com o Inocêncio e já estava tocando serviço no Canta Galo.
A essa altura a gente já tinha muito serviço para tocar, pois já havia 22 grotas exploradas. No rancho a gente tinha muita farinha, muita munição, mas faltava muita coisa. Como já tinha 850 gramas de ouro eu falei que iria a Jacareacanga fazer compras. Mas, a mercadoria que eu encontrei lá só deu umas 350 gramas de ouro, já que não tinha tudo que a gente precisava. Assim mesmo voltei. A gente tinha o ouro, mas faltavam as coisas básicas para a gente comprar. Teve um camarada de Forlândia que começou a levar carne para o garimpo. Ele matava os bois, salgava, enchia latas de 20 quilos e vendia o quilo por três gramas de ouro. Tudo chegava muito caro. Uma caixa de óleo de cozinha, de 36 latas custava 180 gramas de ouro, ou 5 gramas de ouro a lata.
Nesse período tinham entrado uns japoneses com a disposição de tirar ouro do Tapajós. Tava um fole só no José com aquele monte de japoneses da família Okada, de Santarém e mais um bocado de japoneses que vieram de Tomé-Açu.
Foi nesse tempo que começou a exploração de ouro com maquinário, coisa que já era conhecida nos garimpos de Minas Gerais. Quem comprou o primeiro motor para mim, em São Paulo, foi o velho Zé Calegari, pois eu não entendia nada disso. Era um motor M
Mercedes e foi o primeiro a funcionar no garimpo do Tapajós. Foi construída uma balsinha de madeira, tipo duas canoas, para poder transportar o motor, as bombas, mangueiros e tudo mais até o Igarapé do Canta Galo.
Era muito difícil trabalhar com aquele equipamento; tudo era pesado demais; só o revestimento era enorme; um bocal daqueles pesava mais de 50 quilos; para trocar era muito complicado. Não exista o bico jato. A gente fazia tipo um barreiro e arrastava aquela terra com enxada.
O garimpo do Marupá (que tinha sido descoberto pelos Sudário em 1958) estourou nesse período com exploração de ouro na base do mergulho, modalidade que também começou nessa época no Tapajós. Esse ouro foi descoberto por um professor francês, conhecido por Mário Francês, de Macapá. Descendo o Rio Marupá ele viu muito ouro na areia. Ele botou uma lontona e fez 900 gramas, não sei em quantos dias. Com isso foi descoberto o ouro do leito do Marupá. Havia uma tal de madame Salomé, que gastou muito dinheiro mandando fazer uma planta no Rio de Janeiro, com a finalidade de achar o ouro com maior facilidade; existia, também, o Jacinto Pessoa, que sempre mexeu com mergulho. Como ele conhecia esse serviço e onde encontrar gente para trabalhar nele, foi até Roraima onde contratou um bocado de mergulhadores. Eles ficaram um tempo. Não deu certo porque uns começaram a roubar os outros e muitos foram embora. Isso tudo estava acontecendo na década de 1970.
A gente continuava trabalhando com aquele tipo de equipamento do qual eu já falei, quando passou um goiano conhecido por Maciel, que ao ver aquilo disse: é meu patrão, tudo vale, mas já existe bomba de sucção, pequena, com bico-jato, melhor do que isso, que dá muito mais resultado. Serviço que você gasta uma semana com isso aí, você faz num dia com o outro. Como que a gente pode fazer isso aqui, Maciel, perguntei. Ele disse que se houvesse um bom torneiro e a gente desse dinheiro para ele ir buscar umas duas carcaças velhas de bomba em Roraima, o problema estaria resolvido. O dinheiro foi dado pelo meu irmão João.
O Maciel viajou e fez o que prometeu. Voltou por Santarém, onde encomendou as adaptações ao mestre Chico, um torneiro que tinha aberto uma tornearia lá. E a bomba realmente funcionou muito bem, pegando o nome do torneiro. Ela ficou conhecida como Bomba Mestre Chico, espalhando-se por muitos garimpos. Mas, tinha um problema: depois de três ou quatro dias de trabalho a gente tinha que carregar de volta para revestir a carcaça. Foi quando entraram os engenheiros da Frankel e da Hidrojet que fizeram um estudo do material que tinha que ser processado, o que resultou em bombas resistentes. Surgiu logo depois o motor Agrale, que o Paulo da Imatec vendeu com vendeu como folha de pau. Foi nesse momento que estourou de novo, com grande intensidade, o ouro do Tapajós, no ano de 1978.
Eu passei quatro anos afastado do Canta Galo. Eu já era separado de minha mulher (Ivanilda Tavares da Silva, conhecida por Preta). Eu tinha as pistas de pouso do Matraca, da Nova Brasília, da Forquilha do Canta Galo e a mais antiga que era a do Canta Galo. Eu contava com a família para tocar um e outro, mas, ninguém quis nada. Minha ex-mulher começou a encrencar querendo ficar lá dentro (no Canta Galo). Eu tinha um filão, num local que a gente chamava Inferno Verde onde eu fiz uma nova base que eu fiquei usando. Mas, ela continuou arengando. Se eu arrumava um cozinheira, ela dizia que era minha mulher.
A implicância foi grande. Até que eu resolvi que iria dar uma volta nas Guianas. Se me acostumasse lá talvez nem voltasse mais. Mas, se não gostasse, nada podia me impedir de voltar. A essa altura eu já tinha feito uma pesquisa no Ouro Roxo, já tinha feito um contrato com a RTZ. Acho que foi em 1986. Algum tempo depois a RTZ saiu. Como eu queria sair eu chamei o geólogo Nelson Bueno, de Manaus, que tinha intermediado o negócio com a RTZ. Perguntei se ele queria cuidar do garimpo, oferecendo a ele 20% de qualquer negócio que ele viesse a arrumar.
Passei uma procuração para o Nelson, pessoa física, mas ele passou para o nome da empresa dele, a Matapi. Um dia ele me ligou para Paramaribo, dizendo que tinha feito negócio. Disse que ia me repassar um dinheiro. Nisso, se passaram quatro anos que eu estava lá fora, sempre mexendo com garimpo, rodando pela Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana Francesa, nessa última o lugar mais complicado de todos. Depois fui para Roraima, para onde me ligaram dizendo que tinham invadido o Ouro Roxo. Invadiram o local onde a RTZ tinha pesquisado e encontrado uma mina com 36 toneladas de ouro há 400 metros de profundidade. Eu vim para Manaus para me encontrar com o Nelson, a quem disse que a gente devia ir até o garimpo, pois se eu estava pagando vigias lá, não podia ter acontecido a invasão. O Nelson tremeu nas bases e não quis ir, dizendo que tinha medo de garimpeiros o matassem. Depois disse que iria.
Passamos primeiro em Jacareacanga, onde me encontrei com o Eduardo Azevedo, que me disse que eu teria que indenizar o pessoal, se quisesse que os garimpeiros saíssem da minha área. Eu falei para ele que era muito bonito se uns invasores entrassem na fazenda dele, comessem os bois dele e ele ainda tivesse que indenizar. Dessa balada foi até Belém procurar o DNPM onde falei com o diretor, Dr. Sebastião, que me recebeu bem. Ele prometeu mandar um técnico na área e mandou para fazer um levantamento; os garimpeiros foram intimados. Havia muito ouro na área, mas infelizmente não demorou para o Dr. Sebastião ser transferido, entrando o Dr. Every Aquino no seu lugar e um outro diretor, que eu não sei se participava de umas decisões estranhas. Toda vez que era para a Polícia Federal entrar na área, saía um alvará. Não eram eles que erravam; quem errava era sempre o computador. Com alvará de um pedaço da área, de 50 hectares, de 100 hectares, a Polícia Federal não podia entrar. Isso levou dois anos e meio. Foi quando o grupo RTZ, que tinha direito de pesquisa da área concedido por mim, resolveu voltar para a mesma para retomar os trabalhos, mas, tendo que ceder um pedaço para a cooperativa. Essa é a situação atual. De acordo com o contrato, se a empresa concluir que deve explorar a área terá que me indenizar primeiro. É um contrato de risco. Por isso, embora eu não esteja lá dentro, continuo ligado ao garimpo Canta Galo até hoje.
Eu quero voltar lá atrás para não ficar nenhuma dúvida sobre quais foram os primeiros exploradores dos garimpos do Tapajós. Começou com o Nilçon, que não foi nem ele quem descobriu bastante ouro, mas o seringueiro que vendeu a área para ele, porém, quase ao mesmo tempo os Sudário descobriram o Marupá, em 1958. Eu e meus companheiros fomos a terceira turma a entrar nos garimpos do Tapajós.
Os Sudário (Bebé, Antônio, Elias e Raimundinho) eram seringueiros nas Tropas numa colocação chamada Laranjal. De lá, com a notícia de que o Nilçon estava fazendo muito ouro foi que eles vararam para o Marupá, onde encontraram ouro. Depois do Marupá veio o Porto Rico, explorado pelo Fulgêncio. A primeira pista de lá foi construída pelo comandante Camargo. Mas, do meu conhecimento, a primeira pista da região de garimpo do Tapajós foi a do Murupá, que se não me engano, foi feita em 1964, feita no braço.
Com os sinceros agradecimentos à Ouro Minas, que acreditou neste projeto e empresta sua marca consagrada como empresa parceira do mesmo, o Jornal do Comércio dará prosseguimento ao resgate da memória dos 50 anos da garimpagem de ouro no Tapajós, contando outros episódios dessa saga, trabalho que só terminará na última edição deste ano.

Nenhum comentário:

Postar um comentário