O mito do ouro na cidade de Cuité Velho, no Vale do Rio Doce
Com muita coisa para contar, o distrito de Cuité Velho tenta atrair o turismo para reviver o passado
CONSELHEIRO PENA – As páginas da história do Brasil não relatam grandes achados de ouro no povoado de Cuité Velho, em Conselheiro Pena, no Vale do Rio Doce, mas os moradores do lugar estão certos da riqueza que preservam. Além do ouro “enterrado” nas montanhas, uma mina, muralhas de pedras lavadas e uma gigantesca panela de ferro que alimentava escravos e índios explorados no garimpo são peças de um museu a céu aberto que querem divulgar.
No rastro do bandeirante paulista Antônio Rodrigues Arzão, que teria descoberto o primeiro ouro de Minas Gerais em Cuité Velho, em 1693, mas abandonado a região sem garimpá-lo por causa das dificuldades para enfrentar a mata e os índios Botocudos que habitavam a margem direita do rio Doce, restaram mitos e lendas. Mas também indícios de que a maior parte do ouro descoberto na região continua intocada no distrito com menos de mil habitantes.
É o que garante o tabelião Sinésio Duque, de 52 anos, que cresceu vendo o pai garimpar gramas de ouro em bateias às margens do rio nos fundos da casa, sem contudo, ter ficado rico. Ele quer transformar a casa de 1914 em pousada e virar guia turístico.
Além das muralhas feitas pelos índios e escravos com pedras lavradas no garimpo e do túnel fechado pelo Exército há mais de cem anos, Cuité Velho guarda objetos históricos.
Alguns pertenceram à primeira igreja erguida no local pelo padre Domingos da Silva Xavier, irmão de Tiradentes, como a pia batismal de cedro (1700) e missais romanos (bíblias) de 1818 e 1856. Duque também quer contar histórias. E para isso vai pedir a ajuda de outros cuitezanos. Entre eles está a aposentada Nely Carneiro Passigatt, de 79 anos, que viu muita gente enriquecer e abandonar Cuité Velho sem se despedir, e ouviu dos pais e avós histórias sobre os que empobreceram depois de terem “bamburrado”.
Segundo ela, o governo mandou confiscar o ouro de quem não recolhia os impostos, tempo que ficou conhecido como o de vigência da “lei do aperto”.
Para não entregar o ouro, muitos enterraram as pepitas em lugares diversos. “Meu avô era capataz de confiança e a mando de fazendeiros, enterrou muito ouro por esses pastos”, revelou, garantindo que ele morreu aos 86 anos sem contar onde cavou.
“Vez em quando aparece gente procurando ouro enterrado nestes pastos e acha”, afirmou a aposentada, contando que existem tachos cheios de ouro perdidos na região. “Há 12 anos encontraram um desses”, interfere Duque. O “sortudo” teria se mudado da região. O domador de cavalos Otávio Lélis Ramos, de 58 anos, teve um amigo que enricou da noite para o dia e também se mudou. O nome, ele não revela. “Ouro sempre deu e dá muita confusão. Por isso trabalho com o que eu vejo e apalpo”.
Encontrar um tacho cheio de pepitas é o sonho dos cuitezanos
Além do garimpo, encontrar um tacho de ouro é o sonho de muitos cuitezanos. O lavrador José Martins da Silva, de 56 anos, contou que se livraria logo do trabalho pesado na roça e ajudaria a família. “Fico atento a tudo que brilha. Nesta cidade o que reluz pode ser ouro, sim”, brincou.
Segundo a historiadora Sônia Torres de Oliveira, coordenadora pedagógica da Secretaria Municipal de Educação de Conselheiro Pena, lenda ou verdade, uma das versões aponta que o tacho era de um padre, Ângelo da Silva Peçanha (1697), que recebia dos escravos parte do ouro extraído na região e guardava no recipiente.
Porém, um militar da época descobriu e levou o padre para o alto de uma serra e o enterrou vivo, deixando só a cabeça para fora. O padre morreu sem revelar onde enterrou o ouro. Mais tarde, o nome dele foi dado a importante serra da região. Nos dias 29, 30 e 31 de maio a prefeitura realizará o II Festival Histórico do Cuité Colônia com a presença de historiadores e excursões a Cuité Velho.
“O objetivo é valorizar a história e fomentar o turismo. Ninguém ama o que não conhece”, disse Sônia Torres. A publicação de um livro escrito por André Luiz de Almeida, natural de Conselheiro Pena, está na lista de iniciativas que o Instituto Cuité, fundado ano passado por Neyval José Andrade, planeja para ajudar a preservar a história do antigo povoado.
Com o nome “Filhos do Cuité” o trabalho faz apontamentos, reúne documentos e conta uma história que, segundo o autor, ninguém produziu com objetividade. “Precisamos guardar esses registros para o futuro, para nossos descendentes”, afirmou Andrade, para quem Cuité Velho também é referência da primeira presença do homem branco em Minas.
Informada sobre a recente volta do garimpo na mina fechada pelo Exército há mais de 100 anos, a reportagem do Hoje em Dia foi ao local, onde encontrou no entorno um lago e paredões “arranhados” por máquinas pesadas. As marcas são recentes, embora a entrada principal continue lacrada.
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