PROVÍNCIA
DIAMANTÍFERA DA SERRA DA CANASTRA E O KIMBERLITO CANASTRA-1: PRIMEIRA
FONTE PRIMÁRIA DE DIAMANTES ECONOMICAMENTE VIÁVEL DO PAÍS
The
Canastra Range Diamondiferous Province and the Canastra-1 kimberlite:
first primary economic source of diamonds in the country
RESUMO:
A
Província da Serra da Canastra constitui uma das quatro grandes
províncias diamantíferas de Minas Gerais, que foi subdividida em dois
distritos minerais, designados de Alto São Francisco e Médio Rio Grande.
Rochas kimberlíticas e parentais, com idades estimadas em torno de 120
Ma, intrudem principalmente metassedimentos mesoproterozóicos(?)
atribuídos ao Grupo Canastra, no Distrito do Alto São Francisco. No
Distrito do Médio Rio Grande, a principal fonte distribuidora do
mineral, secundária, está em rochas conglomeráticas do Cretáceo Superior
da borda norte da Bacia do Paraná (Grupo Bauru), cuja área-fonte de
sedimentação inclui a zona da Canastra. O kimberlito Canastra-1 integra
um cluster com quase 40 corpos, aflorando a sul do grande
escarpamento da Serra da Canastra, na zona de cabeceiras do Rio São
Francisco. A intrusão se dá em forma dois blows alinhados segundo NW-SE, direção que define o trend estrutural da região, impresso nos metassedimentos do Grupo Canastra. O blow
menor (NW) possui teores desprezíveis em diamantes, enquanto o outro
(SE) é mineralizado a um teor médio de 12-18 ct/100 t de rocha.
Variações importantes são verificadas ainda em relação às fácies
petrográficas do kimberlito, que é homogênea no blowNW, enquanto o blow
SE é heterogêneo constituindo uma mistura de diversas fácies. A química
mineral do piropo, ilmenita e diopsídio, revelou alguma semelhança com
determinados kimberlitos diamantíferos da África, principalmente aqueles
do Cráton do Oeste Africano. Dados obtidos em lavra experimental
efetuada pela SAMSUL Mineração indicaram uma qualidade excelente para os
diamantes do corpo, estimando-se um valor médio em torno de US$ 180-
200/ct, o que constitui um dos maiores de todo mundo.
Palavras-chave: Diamante; Minas Gerais; Província da Serra da Canastra; Kimberlito Canastra-1.
ABSTRACT
The
Serra da Canastra Province integrates one of the four great
diamondiferous provinces of Minas Gerais State, and can be divided into
two districts, named as Alto São Francisco and Médio Rio Grande
districts. Kimberlitic and parental rocks mainly cut mesoproterozoic(?)
metasedimentary rocks of the Canastra Group, in the Alto São Francisco
District. In the case of the Canastra-1 diamond-bearing intrusion, the
ages are around 120 Ma. In the Médio Rio Grande district, the main
(secondary) source of the diamonds is the Lower Cretaceous conglomeratic
rock occurring in the north side of the Paraná basin (Bauru Group). The
sedimentary source area for these sediments included the Canastra Range
zone. The Canastra-1 body is part of a cluster with approximately 40
pipes outcropping on the south side of the Canastra Range, near the
sources of the São Francisco River. The intrusion is made up of two
blows aligned along NE-SE, which is the region's structural trend
defined on the metasedimentary rocks of the Canastra Group. The smaller
blow has only negligible diamond content, while the SE blow is
mineralized with an average content of 12 to 18 ct/100 tonnes of rock.
There are also significant differences in the petrographic facies of the
two bodies, which is homogeneous in the NW blow while the SE blow is
heterogeneous, with the occurrence of a mixture of several facies. The
mineral chemistry of the pyrope, ilmenite and diopside showed some
resemblance with some diamondiferous African kimberlites, mainly those
of the West African Craton. Data from experimental mining activities of
SAMSUL Mining Company indicated an excellent quality for this
kimberlite's diamonds, with US$180-200/ct estimated average value;
certainly, this is one of the highest values worldwide.
Keywords: Diamond; Minas Gerais; Canastra Range province; Canastra-1 kimberlite.
INTRODUÇÃO
O
Estado de Minas Gerais constitui um dos mais importantes centros
produtores de diamantes do Brasil e onde, notadamente, o maior número de
estudos e discussões foi efetuado com relação ao mineral e seus
depósitos. No entanto, tais estudos se concentraram de modo principal na
faixa de abrangência da Serra do Espinhaço Meridional, onde o mineral
foi encontrado no país (século 18), no centro-norte do Estado e, em
menor parte, na região do Alto Rio Paranaíba, a oeste do mesmo. Já a
região da Serra da Canastra se apresenta como uma das mais recentes
zonas produtoras de diamantes de Minas Gerais, sendo descoberta somente
na década de 1930 a partir de depósitos aluvionares. Assim como a região
diamantífera do Alto Paranaíba, a Serra da Canastra se notabiliza não
somente por constituir uma província diamantífera, como também uma
província kimberlítica. Desse modo, ambas foram os principais alvos de
prospecção e pesquisa de diamantes nos últimos 40 anos. As campanhas
prospectoras efetuadas principalmente por empresas multinacionais
levaram ao encontro de centenas de corpos intrusivos (kimberlíticos ou
não), somente alguns poucos dos quais mineralizados e cujas informações a
respeito sempre foram mantidas em sigilo (quase) absoluto.
A
Província Diamantífera da Serra da Canastra, ora caracterizada neste
trabalho, está localizada no SSW de Minas Gerais, incorporando ainda
pequena porção areal no noroeste do Estado de São Paulo. Tal província
obteve maior relevância quando, em finais do século 20, "vazou" para o
meio geológico a informação que uma subsidiária grupo De Beers (SAMSUL),
estaria em fase de lavra experimental de um kimberlito altamente
diamantífero, o pipe Canastra-1. Esse período, no entanto,
coincidiu com a época que a megaempresa estava desmobilizando, a nível
mundial seus trabalhos de pesquisa, prospecção e lavra, tendo em vista
uma nova estratégia de ação que visava principalmente os setores finais
da linha econômica da indústria do diamante. As suas principais áreas no
Brasil foram então negociadas a empresas júniores, principalmente de
capitais canadenses e australianos, como foi o caso da canadense
Brazilian Diamonds que adquiriu o controle da SAMSUL e, por conseguinte,
do kimberlito Canastra-1. Sobre tal contexto, o objetivo do presente
trabalho é o de descrever a província diamantífera em seus aspectos
geológicos e das características de seus diamantes e, particularmente,
enfocar o principal corpo mineralizado no que tange o seu controle
geológico e à mineraloquímica dos minerais indicadores mais importantes
(piropo, ilmenita e diopsídio), bem como comparações com outros corpos
do Brasil e do exterior.
SÍNTESE GEOLÓGICA REGIONAL
A
localização e geologia da região da Serra da Canastra e adjacências, no
sul-sudoeste de Minas Gerais, incluindo pequena porção do noroeste de
São Paulo, é representada na Figura 1.
Nessa região, configura-se um arranjo estrutural complexo, de modo que o
comportamento estratigráfico entre as diversas unidades pré-cambrianas
presentes ainda não se encontra perfeitamente estabelecido.
Relacionam-se a seguir tais unidades com base no mapa geológico de Minas
Gerais, efetuado pelo convênio COMIG/CPRM (Heineck et al., 2003),
integrado ao setor contíguo de São Paulo (Silva et al., 1978). As rochas
mais antigas pertencem ao Grupo Pium-hi, uma seqüência xistosa
vulcano-sedimentar arqueana do tipo greenstone belt que aflora
nas proximidades da cidade homônima, a sudeste da área. Essa seqüência é
sobreposta pelos grupos Canastra (Mesoproterozóico?), Ibiá e Araxá
(Neoproterozóico?), de idades e relacionamentos alvos de controvérsias, e
ainda pelo Grupo Bambuí (Neoproterozóico). Tais unidades representam o
arcabouço geológico pré-cambriano regional.
A
Serra da Canastra e suas bordas constituem os principais domínios onde
ocorreram as intrusões de kimberlitos. Em sua maior parte, a serra é
sustentada por metassedimentos do Grupo Canastra, unidade primeiramente
reconhecida por Lamego (1935), que identificou quartzitos estruturados
em amplas anticlinais cobrindo "schistos phylladeanos", ambos
relacionados à Série Minas. Barbosa (1955) denominou tal seqüência de
Formação Canastra, posteriormente elevando-a à categoria de grupo
(Barbosa et al., 1967; 1970). Os quartzitos são predominantes, de
coloração branca e granulação fina, com intercalações métricas locais de
filitos sericíticos. A presença conspícua de mica (sericita) confere
aos quartzitos um aspecto geral placóide, realçado pela erosão
diferencial. Os xistos são pouco variados em termos composicionais,
incluindo sericita-quartzoxistos, quartzoxistos e, localmente,
grafitaxistos. No Grupo Araxá, os xistos são mais variados, constituídos
(além de quartzo e mica) de granada, biotita, clorita, estaurolita,
hornblenda e feldspato. A faixa de domínio dos grupos Canastra-Araxá tem
estrutura marcada por forte tectônica de cavalgamentos com transporte
de SW para NE, bem como dobramentos apertados, ambos mostrando
vergências para o interior do cráton e justapondo seqüências mais jovens
sobre as mais antigas. A zona de empurrões possui direção entre N45°-65°W,
assinalada por drenagens bem encaixadas e escarpamentos. O Grupo Ibiá é
constituído por metadiamictitos na base, sobrepostos por calcifilitos e
calcixistos. Metapelitos e rochas carbonáticas do Grupo Bambuí
complementam a sucessão regional de rochas pré-cambrianas, aflorando
notadamente a leste da área. Intrusões kimberlíticas provavelmente
ocorreram no Cretáceo Inferior, a julgar pela idade de 120 ±10 Ma (K/Ar
em flogopita) do kimberlito Canastra-1 (Pereira & Fuck, 2005).
O Distrito do Médio Rio Grande tem seu domínio de abrangência a oeste e sudoeste da província (Figura 1).
A região onde se verificam as principais atividades mineradoras de
diamantes, entre Franca, Patrocínio Paulista (SP) e Claraval (MG), é
abrangida por unidades fanerozóicas da Bacia do Paraná e, em menor
extensão, por rochas metassedimentares do embasamento pré-cambriano
(grupos Canastra e Araxá, nessa área indivisos) (Silva et al., 1978;
Perdoncini, 2003). As unidades da Bacia do Paraná incluem arenitos e
diamictitos da Formação Aquidauana (Permiano), arenitos finos da
Formação Botucatu (Triássico), basaltos da Formação Serra Geral
(Jurássico-Cretáceo Inferior), além de arenitos, arenitos
conglomeráticos e conglomerados do Grupo Bauru (Cretáceo Superior); as
duas primeiras unidades não são mapeáveis na escala utilizada. É
importante salientar que a sedimentação pósbasáltica relacionada ao
Grupo Bauru se processou como decorrência da atuação do Soerguimento do
Alto Paranaíba (p. ex., Hasui et al., 1975; Hasui & Haralyi, 1991),
em sistemas de rios anastomosados com direção sudoeste originando leques
aluviais coalescentes, com raros depósitos interleques, e ainda leques
individuais localizados em porções mais distais. O Grupo Bauru se
apresenta como a mais provável fonte dos diamantes para os sedimentos
recentes e subrecentes em lavra nesse distrito, não descartando-se porém
outras proveniências, ou mesmo fontes múltiplas (discussões a respeito
no próximo item).
A PROVÍNCIA DIAMANTÍFERA DA SERRA DA CANASTRA
O
conceito de província mineral em termos de metalogenia envolve regiões
extensas, em geral da ordem de dezenas de milhares de quilômetros
quadrados, onde um determinado bem mineral pode ser encontrado, tendo em
vista que seus depósitos possuam afinidades geográficas, temporais e de
ambiência tectônica (Kun, 1963; Petrascheck, 1965; Clifford, 1966). No
caso do diamante, outra característica fundamental para a constituição
geográfica de uma província, é a que relaciona os aspectos mineralógicos
ou a "assinatura mineralógica" (conforme Chaves & Benitez, 2006)
das populações de diamantes, integralmente ou em parte, encontradas
sobre tal contexto. Uma província mineral comporta ainda subdivisões em
partes menores, constituindo os distritos minerais, com extensões da
ordem de milhares de quilômetros quadrados, e os campos minerais, com
extensões de centenas de quilômetros quadrados. Em Minas Gerais são
reconhecidas quatro províncias diamantíferas, a saber: (1) Serra do
Espinhaço, (2) Oeste São Francisco, (3) Alto Paranaíba e (4) Serra da
Canastra (Figura 2).
A subdivisão dessas províncias em distritos e campos diamantíferos
resulta do conhecimento geológico acumulado sobre uma determinada
região, devendo ser ressaltado que tal conhecimento ainda é deficiente
para todas as províncias à exceção da Província da Serra do Espinhaço.
A
Província Diamantífera da Serra da Canastra abrange a porção terminal
sul da Faixa de Dobramento Brasília, circundante a oeste e sudoeste o
Cráton do São Francisco, nas proximidades da sua junção com a Faixa de
Dobramento Alto Rio Grande, que baliza o cráton a sul e sudeste
(conforme limites admitidos em Alkmim et al., 1993). Essa terminologia
vem substituir a definida por Penha et al. (2000), quando foram
reconhecidas duas províncias distintas na região, "Serra da Canastra" e
"Franca", por estas serem consideradas de dimensões muito reduzidas e
extremamente próximas, além de situarem-se em contexto
geológicogeotectônico similar, não justificando assim suas existências
com significado metalogenético. Entretanto, propõe-se que a Província da
Serra da Canastra seja integrada por dois distritos diamantíferos,
designados de Alto São Francisco e Médio Rio Grande, com significados
geográficos semelhantes aos das províncias de Penha et al. (2000). A
região foi palco, no Cretáceo Inferior, de importante evento magmático
alcalino-ultrabásico, ao qual se associam numerosas intrusões
kimberlíticas e de rochas parentais, formando um cluster com
cerca de 40 corpos. Tal província se ressalta ainda no contexto
geoeconômico do diamante no Brasil, por abranger a primeira reserva
comprovadamente dimensionada em uma rocha-fonte primária, no kimberlito
Canastra-1 (município de São Roque de Minas), bem como um outro corpo
próximo, o kimberlito Canastra-8 (município de Delfinópolis), com grande
potencial de aproveitamento econômico imediato, ambos no Distrito do
Alto São Francisco. Essa importância tem estimulado diversos novos
estudos, efetuados no presente século depois do anúncio de tais
descobertas (eg., Garcia, 2004; Cookemboo, 2005; Pereira &
Fuck, 2005; Bologna et al., 2006; Benitez & Chaves, 2007; Chaves
& Benitez, 2007; Menezes & Garcia, 2007).
DISTRITO DIAMANTÍFERO DO ALTO SÃO FRANCISCO
O
Distrito Diamantífero do Alto São Francisco equivale, quase sem
restrições, à "Região Diamantífera Serra da Canastra" conforme
designação de Penha et al. (2000), que a reconheceram com significado
geográfico-geológico de uma província metalogenética. A designação "Alto
São Francisco" já havia sido anteriormente alcunhada, embora somente
com uma conotação geográfica, por Barbosa et al. (1970), ao descrever os
depósitos diamantíferos da região. Nesse distrito, são identificadas
diversas áreas diamantíferas onde a produção foi sempre baseada em
depósitos aluvionares, destacando-se as de Vargem Bonita, do Rio Santo
Antônio e do Rio Samburá (São Roque de Minas), na própria bacia do São
Francisco, bem como três outras, no Rio Santo Antônio de Delfinópolis,
bacia do Rio Grande, no alto Rio Quebra-Anzol e seus afluentes rios
Misericórdia e Santa Tereza e no alto Rio Araguari, pertencente à bacia
do Rio Paranaíba. Essas três, embora não situem-se fisicamente na bacia
do Rio São Francisco, são diretamente relacionadas ao conjunto serrano
da Canastra, daí suas inclusões no contexto do distrito (Figura 1).
O
Rio São Francisco nasce em cotas próximas a 1.350 m de altitude, na
Serra da Canastra, formando uma extensa bacia hidrográfica que abrange
grande parte do oeste do Estado de Minas Gerais. No local denominado
Casca d'Anta, a cerca de 20 km de sua nascente, uma cachoeira com 200 m
de altura constitui o maior desnível do rio, que a partir de tal ponto
desenvolve o seu curso médio (Prancha 1-A).
A existência de diamantes nessa área foi assinalada em 1920 por um
garimpeiro baiano (conforme Miranda, 1953), atribuindo-se a Oliveira
(1936) a informação mais antiga sobre a ocorrência. Miranda (1953, 1955,
1956) efetuou os primeiros estudos de campo no local, descrevendo os
serviços de Vargem Bonita, Garimpo dos Bentos e Boqueirão, além do
Conglomerado Samburá (Grupo Bambuí) no leito do rio homônimo (Figura 1). Branco (1956) descreveu com maior detalhe tal conglomerado, e o relacionou à fonte dos diamantes naquela localidade (Prancha 1-B).
Depósitos Diamantíferos
Existem
depósitos aluvionares com diamantes no Alto São Francisco sobre uma
extensão de pelo menos 60 km. Embora em menor escala, ocorreram também
atividades de garimpagem acima da cachoeira da Casca d'Anta, o que foi
depois impossibilitado com a implantação do Parque Nacional da Serra da
Canastra, em 1972. De modo característico, porém, foi a jusante dessa
cachoeira onde ocorreram serviços regulares, como os documentados pelo
primeiro autor em 1999 nas vizinhanças de São José do Barreiro (Chaves,
1999) (Pranchas 1-C e 1-D).
No entanto, a partir de inícios do século atual, inclusive garimpos ou
pequenas mineradoras localizadas nos entornos da área do parque têm sido
fortemente restringidos pelos órgãos de licenciamento ambiental. As
atividades de mineração mais importantes visaram sempre os terraços
aluvionares altos, conhecidos na área como "monchões". Segundo Nishimura
et al. (1984), existem pelo menos três níveis distintos desses terraços
no Alto São Francisco e praticamente todos eles têm fornecido
diamantes. Os terraços se situam entre 5 a 30 m acima do nível atual do
rio, tornando-se gradativamente menos elevados conforme se aproximam da
Casca d'Anta. A lavra desses depósitos compreende na retirada de pelo
menos 5 m de solo estéril e, sob este, ocorre o cascalho diamantífero
com espessuras variáveis entre 1,5 e 3,0 m. O cascalho é formado por
seixos, blocos e matacões, notadamente de quartzitos milonitizados e
quartzoxistos do Grupo Canastra, originados da serra homônima e, em
menor parte, de seixos de quartzo de veio.
Significado Econômico e Mineralogia do Diamante
A
prospecção e lavra do diamante sempre constituiu uma das principais
fontes econômicas do Distrito do Alto São Francisco. Com o
desenvolvimento de tais atividades a partir de 1936-37, chegaram a
trabalhar cerca de 5.000 garimpeiros nesse distrito (Barbosa et al.,
1970), levando à formação das localidades de Vargem Bonita, alçada à
categoria de município em 1953, e São José do Barreiro, pertencente a
São Roque de Minas (na época Guia Lopes). Segundo os últimos autores, a
queda constante nos preços do diamante fez com que na década de 1950
apenas uns poucos garimpeiros resistissem na área. A produção anual, no
final da década de 1960, girava em torno de 800 ct, quando ali
trabalhavam cerca de 200 garimpeiros e, no início da década de 1980,
haveria na região aproximadamente 100 garimpeiros, com uma produção
anual da ordem de 400-500 ct (Barbosa, 1991). Em 1999, diversos garimpos
com maquinários pesados ainda empregavam cerca de 150 pessoas, e uma
produção de pelo menos 1.000 ct/ano foi então estimada (Chaves, 1999).
Depois disso, com o embargo determinado pelos órgãos ambientais, o
mercado tem a expectativa de entrada em atividade das minas sobre os
corpos kimberlíticos Canastra-1 (São Roque de Minas) e Canastra-8
(Delfinópolis) pela SAMSUL Mineração, detentora de seus direitos
minerários, para que a produção deste distrito volte a representar
significância econômica, bem como passe a ter destaque no cenário
geoeconômico nacional.
Os
minerais acompanhantes do diamante no Alto São Francisco são:
turmalina, cianita, hematita, limonita, rutilo, almandina, "favas"
fosfatadas e quartzo jaspe (Barbosa et al., 1970; Chaves, 1999), sendo
característica uma aparente ausência de minerais indicadores
kimberlíticos (Chaves, 1999). Barbosa et al. (1970) fazem menção de que o
maior diamante nesses depósitos foi encontrado 3 km abaixo da Casca
d'Anta, pesando 110 ct, e a cerca de 12 km rio abaixo foi achada outra
pedra significante com 76 ct. Esses autores referenciam também diamantes
com 40 ct e 23 ct nos arredores de Vargem Bonita e determinaram uma
classificação comercial aproximada em 20% de "primeira", quase sempre
octaedros e de excelente qualidade, 20% de "segunda" e 60%
"industriais". Reis (1959) descreve o achado de uma pedra invulgar, com
28,22 ct, pura, límpida e absolutamente incolor (extra absolutely white), com habitus octaédrico bastante deformado pelo excessivo desenvolvimento em paralelo de duas de suas faces (Prancha 2-A).
Os
teores em geral são baixos, conforme estimativas feitas nos garimpos de
Vargem Bonita por Barbosa et al. (1970), e apresentaram valores entre
0,04 e 0,10 ct/m3 de cascalho. Estudos mais detalhados
efetuados por pequenas mineradoras em dois locais distintos demonstraram
números algo semelhantes. A montante, nas proximidades de São José do
Barreiro, calculou-se um teor médio de 0,013 ct/m3 no leito
do Rio São Francisco (Castro Filho, 1984). No outro local, nas
imediações de Vargem Bonita (a jusante), obtevese dados do leito do rio e
do terraço alçado (Barros, 1993): no primeiro, 0,057 ct/m3
com 73,45% de diamantes gemológicos contra 26,55% de indutriais (valor
médio de 224,97 US$/ct) e nos terraços um teor quase idêntico de 0,060
ct/m3, porém uma relação gema/indústria bastante distinta, de
~37%/63% respectivamente (valor médio de 78,39 US$/ct), deixando
transparecer que os dados de Barbosa et al. (1970) provavelmente se
referiam aos depósitos de terraços.
Atualmente,
está sendo conduzida pelos autores uma análise mineralógica detalhada e
sistemática geral das pedras produzidas no campo de Vargem Bonita e os
resultados até então disponíveis indicam valores semelhantes às médias
dos anteriores (e diferentes dos de Barbosa et al., 1970), com 60% de
diamantes gemológicos (Prancha 2-B e 2-C), 24% de industriais e 16% de chips,
além das seguintes formas: octaedros (48%), irregulares, 26%, agregados
cristalinos e borts (10%), rombododecaedros (6%), geminados (6%) e
transições octa-rombododecaedros (1%). Diamantes coloridos (fancies)
nunca foram observados. Embora não se conte com dados estatísticos a
respeito (somente observações visuais rápidas), o predomínio de cristais
octaédricos e a forte semelhança em outros aspectos como tamanho e cor
também caracterizam as populações que ocorrem nos rios Misericórdia e
Santa Tereza (Ibiá), e no Rio Santo Antônio (Delfinópolis), sugerindo
assim uma possível rocha fonte comum. De modo distinto, os diamantes do
Rio Samburá são pequenos (<0,20 ct) e com forte presença de
rombododecaedros; no Rio Santo Antônio (de São Roque de Minas) ocorrem
diamantes coloridos e, no Rio Quebra-Anzol, a maior parte dos diamantes
são rombododecaedros irregulares, com alto grau de dissolução,
semelhantes aos que predominam na região de Coromandel.
DISTRITO DIAMANTÍFERO DO MÉDIO RIO GRANDE
Segundo
Oliveira (1936), os primeiros achados de diamantes na região de Franca
(São Paulo), aqui relacionados ao Distrito do Médio Rio Grande,
ocorreram em 1884, informando ainda esse autor que os terrenos
diamantíferos se estendiam continuamente desde essa cidade até a divisa
com o Estado de Minas Gerais. Embora seja um dos centros produtores mais
antigos do Brasil, são poucas as referências feitas ao distrito na
literatura. Não obstante, a cidade de Franca consolidou-se ao longo do
século 20 como um importante pólo de lapidação e de comércio de
diamantes, que chegam a tal centro provenientes de muitas outras áreas
produtoras do país. Em Minas Gerais, em sua faixa fronteiriça com o
Estado de São Paulo, são também conhecidas diversas ocorrências
diamantíferas relacionadas ao mesmo distrito (Figura 1).
Depósitos Diamantíferos
Em
São Paulo, Etchbehere et al. (1991) descreveram os trabalhos de
garimpagem de diamantes no distrito se estendendo por 11 municípios no
total, destacando-se Patrocínio Paulista, Franca e Cristais Paulista e,
em menor monta, Pedregulho, Jeriquara e Restinga. Nesse estudo, tais
autores cadastraram através de fotointerpretação de detalhe seguida de
trabalhos de campo, cerca de 400 ocorrências ou vestígios de garimpagem.
Os principais trechos trabalhados compreendem o Rio das Canoas, próximo
a Claraval (MG), e os rios Sapucaizinho e Santa Bárbara, esses ao longo
de todo os seus cursos. Embora em menor número, ocorrem também
vestígios de serviços de garimpagem no reverso do Planalto de Franca (a
oeste), inclusive dentro do sítio urbano da cidade homônima. Já em Minas
Gerais, os depósitos, aparentemente mais escassos e menos conhecidos,
distribuem-se principalmente por pequenos córregos nos municípios de
Claraval, Capetinga, Ibiraci, São Tomaz de Aquino e Cássia.
Na
parte mineira, inexistem quaisquer dados a respeito da tipologia dos
depósitos ou dados de produção, embora grandes diamantes tenham já sido
reportados, como o "Estrela da Capetinga" com 27,2 ct, descrito em
detalhes por Haralyi & Svisero (1984). Na parte paulista, Etchbehere
et al. (1991) constataram que os garimpos de maior porte estão situados
nas várzeas, valendo destacar dois aspectos no que se refere à
intensidade de explotação, a saber: i) as amplas várzeas do Rio Santa
Bárbara mostram numerosas lagoas de contornos angulosos, provavelmente
derivadas de antigos garimpos; ii) as planícies aluvionares do Rio das
Canoas, a jusante de Claraval, mostram-se por sua vez pouco trabalhadas,
predominando as catas em terraços; iii) o Rio Sapucaizinho apresenta
pequenos bolsões que vêm sendo intensamente garimpados. Além disso, no
que se refere aos terraços, constata-se um predomínio de cavas nos
depósitos mais próximos das drenagens, balizados, tanto na região de
Patrocínio Paulista quanto na de Claraval, pela cota aproximada de 710
m. Acima dessa cota, mais distante dos cursos d'água, a garimpagem
praticamente inexiste.
Significado Econômico e Mineralogia do Diamante
Através
de cadastramento de campo, Etchbehere et al. (1991) presenciaram
algumas dezenas de garimpeiros em atividade na região. A produção anual
de diamantes em território paulista foi então estimada da ordem de 1.000
ct. Entretanto, a se considerar a produção garimpeira do lado mineiro
(não incluída no estudo), este número poderia, ainda segundo tais
autores, ascender a 3.000 ct/ano, valor que se considerado médio para
toda a produção histórica da área, permite admitir um montante extraído
superior a 400.000 ct. Entretanto, visita recente ao local encontrou as
atividades garimpeiras praticamente paralisadas. Existem poucas
informações acerca das características dos diamantes de Franca, embora
pareça ocorrer um predomínio de diamantes pequenos e de boa qualidade
gemológica geral (Etchbehere et al., 1991). Conforme esses autores, a
fração gemológica é composta por cerca de 40% de pedras com média de
~0,10 ct, 30% de pedras de ~0,30 ct e 30% de pedras com porte maior.
Entre a fração industrial, Perdoncini (2003) descreve ainda a presença
de cubos, carbonados e borts, os dois primeiros presentes, em toda
província, somente nesse local.
De
acordo com Etchbehere et al. (1991) e Perdoncini (2003), entre os
principais minerais acompanhantes do diamante nos depósitos da região de
Franca, destacam-se minerais típicos de rochas xistosas e graníticas,
como almandina, anatásio, calcedônia (e sílex), cianita, coríndon
(incluindo suas variedades gemológicas rubi e safira), crisoberilo,
epídoto, estaurolita, goethita (com quartzo), gorceixita, granada,
ilmenita, limonita, magnetita, monazita, rutilo, turmalina (e
turmalinito) e zircão. Esses dados indicam que minerais indicadores de
fontes primárias parecem estar ausentes. Entretanto, considerando-se que
longos trechos de terraços e aluviões recentes permanecem intactos, com
teores entre 0,02-0,18 ct/m3 e relação média gema/indústria
oscilando em torno de 70%/30% (Etchbehere et al., 1991), a prospecção e
pesquisa de diamantes na região não deve ser subestimada, o que
permitiria também agregar a mão-de-obra de garimpeiros e ex-garimpeiros
locais.
Discussões a Respeito da Proveniência dos Diamantes
Se
existem poucas dúvidas quanto à fonte primária dos diamantes no
Distrito do Alto São Francisco, tendo em vista as inúmeras intrusões
kimberlíticas conhecidas e onde duas delas possuem mineralização já
comprovada, o mesmo não acontece quanto ao Distrito do Médio Rio Grande.
Nesse último, não há qualquer consenso entre os diversos autores que
trabalharam na região quanto à origem dos diamantes presentes nos
depósitos aluvionares.
Arid
& Barcha (1974) consideraram tais fontes como já secundárias, a
partir das unidades eocretácicas Bauru (SP) e Uberaba (MG), defendendo
uma correlação entre as mesmas. De outro modo, Svisero et al. (1983)
assumiram que "diversas informações de natureza geológica sugerem a
existência de kimberlitos na região de Franca". Uma terceira linha de
pensamentos (Leite et al., 1984), ainda que admitindo os conglomerados
Bauru como diamantíferos, relacionou sua(s) fonte(s) primária(s) a um
evento anterior aos diamictitos da Formação Aquidauana (que também
seriam diamantíferos), ou "ainda mais antigos, que forneceriam os
diamantes para os metassedimentos do Grupo Araxá", isto é, para esses
autores, os kimberlitos provavelmente seriam de idade pré-cambriana.
Os
projetos desenvolvidos pelo IPT de São Paulo especificamente para o
diamante da região de Franca no final da década de 1980, conforme
resultados em Etchebehere et al. (1991) e Ponçano et al. (1992), também
não chegaram a resultados inteiramente conclusivos. De tal modo, foi
sugerido que os diamantes aluviais foram concentrados a partir do Grupo
Bauru, "embora outras fontes localizadas não possam ser descartadas
(diamictitos da Formação Aquidauana e o conglomerado basal da Formação
Botucatu)" e que, além disso, "o contexto tectônico é favorável à
existência de kimberlitos na área pesquisada, bem como nas áreas-fontes
das formações previamente mencionadas" (Ponçano et al., 1992).
Recentemente,
Perdoncini (2003) objetivou em seu estudo não só a geologia e os
depósitos diamantíferos da região, como também a mineralogia dos
diamantes, sugerindo sua procedência a partir de diferentes origens. As
fontes secundárias do mineral foram relacionadas ao Grupo Bauru e à
Formação Franca (Pleistoceno) e a principal área de suprimento estaria
na faixa do Soerguimento do Alto Paranaíba, a nordeste, em Minas Gerais.
Esse modelo concorda com os principais estudos de proveniência dos
sedimentos Bauru a partir da mencionada região (Figura 3)
e, mesmo se aceitando a possibilidade de fontes distintas alimentadoras
dos sedimentos Bauru/Franca, a existência de pelo menos uma população
de diamantes originada da região da Canastra coaduna com a inserção do
Distrito do Médio Rio Grande na Província Diamantífera da Serra da
Canastra.
KIMBERLITO CANASTRA-1
No
final da década de 1960, com a criação da SOPEMI pelo ex-órgão estatal
francês de mineração, BRGM, iniciou-se a pesquisa sistemática de fontes
diamantíferas primárias no país. Em 1969, foram descobertos os primeiros
corpos kimberlíticos em Coromandel (MG), e depois disso a SOPEMI,
incorporada na década de 1980 ao grupo sul-africano De Beers, descobriu e
pesquisou mais de uma centena de corpos na mesma região, nenhum deles,
porém, aparentemente tendo revelado importância econômica. Na região da
Serra da Canastra, localizada cerca de 200 km a S-SE de Coromandel, a
pesquisa de kimberlitos iniciou-se na mesma época, tendo como alvo
principal a zona das cabeceiras do Rio São Francisco, onde eram lavrados
depósitos detríticos nos arredores de Vargem Bonita. Prospecção
aluvionar com rastreamento de minerais indicadores levou à descoberta,
em 1974, do kimberlito Canastra-1 pelo BRGM. Entretanto, a pesquisa
nessa época se limitou a um dos setores do corpo (NW), justamente o que
possuía teores insignificantes de diamantes. Passaram-se cerca de quinze
anos até que uma nova fase de pesquisas voltasse a ser efetuada, agora
pela SAMSUL (subsidiária do grupo De Beers). Assim, em 1989 foram
escavados seis poços de pesquisa em ambos os setores do corpo (NW e SE),
revelando grande quantidade de microdiamantes no setor SE.
É
interessante ressaltar que, por questões de prioridades da citada
companhia, a amostragem desses poços somente foi processada dois anos
após sua coleta; em conseqüência a mineralização foi efetivamente
reconhecida em 1991. A pesquisa de detalhe efetuada com amostragem de
grande volume (bulk sample) no período entre 1992-98 permitiu
que, em 2001, fosse protocolado no DNPM o Relatório de Pesquisa com a
definição das reservas diamantíferas do corpo Canastra-1; tal relatório
concluía pela viabilidade técnica e econômica para a lavra de diamantes.
No ano seguinte a SAMSUL foi adquirida pelo grupo canadense Black Swan
Resources, criando-se então a empresa Brazilian Diamonds (BDY), que
atualmente tenta junto aos órgãos nacionais competentes a liberação das
atividades de lavra. Durante esse longo período entre prospecção,
pesquisa e viabilidade técnica-econômica do depósito,
compreensivelmente, todas as informações a respeito foram mantidas sob
sigilo pelas empresas detentoras dos direitos minerários. Entretanto, a
atual detentora (SAMSUL-BDY) tem procurado facilitar a atuação de
pesquisadores dos departamentos de Geologia e de Engenharia de Minas da
UFMG, os quais realizam estudos científicos envolvendo este e outros
corpos kimberlíticos nas províncias da Serra da Canastra e do Alto
Paranaíba.
LOCALIZAÇÃO E ASPECTOS GEOLÓGICOS
O
kimberlito Canastra-1 situa-se na parte externa, próxima ao grande
escarpamento da Serra da Canastra, a cerca de 7 km a oeste do vilarejo
de São José do Barreiro, município de São Roque de Minas (Prancha 3 A).
Esta região serrana, em termos geotectônicos faz parte da porção
terminal sul da Faixa de Dobramento Brasília, que limita a oeste e
sudoeste o Cráton do São Francisco. Além da tectônica de cavalgamentos
com vergências para o interior do cráton (abordada no item sobre a
geologia regional), na área da intrusão ocorre uma tectônica de
cisalhamento transcorrente que reativou antigas zonas de empurrões,
imprimindo a estruturação final dessa faixa, complementada por um
fraturamento rúptil que gerou três famílias locais de fraturas e juntas
subverticais, com direções principais em N20°-35°E, N100°-115°E e N20°- 35°W (SAMSUL, 2007). O kimberlito Canastra-1 é intrusivo no Grupo Canastra segundo o trend regional de fraturamento N60°W, compreendendo dois setores (NW e SE), ou blows
(significa "sopros", no jargão da geologia de kimberlitos), separados
um do outro por cerca de 40 m. O intemperismo fortemente atuante só
permite estudos petrográficos/petrológicos de maior detalhe através dos
testemunhos de sondagens, efetuadas na época da SOPEMI-De Beers.
O blow NW, com teores desprezíveis em diamantes, possui forma semicircular com área aproximada de 8.000 m2, sendo em termos texturais homogêneo e constituído de uma brecha kimberlítica macrocrística. O blow SE, diamantífero, é alongado segundo E-W e tem superfície algo superior (10.000 m2).
Neste, ocorre uma associação de diferentes fácies petrográficas,
destacando-se (a) uma brecha kimberlítica macrocrística de contato, de
coloração avermelhada e com macrocristais de ilmenita predominantes, (b)
uma brecha kimberlítica macrocrística de coloração verdeescura, com
macrocristais de olivina (Prancha 3 B/C/D), e (c) um outro tipo de kimberlito macrocrístico, porém com cristais (ilmenita e olivina) de tamanho menor (Prancha 3-E).
A NW, as fácies presentes parecem indicar características abissais à
rocha (zona de raiz), enquanto a SE ocorre a mistura de fácies abissais
com fácies de zona de diatrema (mais rasas). A curta distância entre os blows
pressupõe que ambos possam se juntar em profundidade e constituiriam
grandes apófises de um mesmo corpo. A presença de fácies tão distintas e
a forma "anormal" do pipe permite conjecturar-se que o blow NW seja um braço abortado da intrusão que, no seu conduto principal (o blow SE), teria atingido porções superiores da crosta (conforme esquema da Figura 4-A).
Aliás, modelo semelhante pode ser observado em maior profundidade no
kimberlito diamantífero Wesselton, na República Sul- Africana, ilustrado
na Figura 4-B
(Mitchell, 1986). Na cava de pesquisa aberta a sudeste, observouse
depósitos superficiais que recobrem praticamente todo o corpo, excluindo
um pequeno afloramento natural na margem direita do Córrego Cachoeira.
Tal cobertura varia entre 2-4 m de espessura, formada principalmente por
seixos, blocos e matacões angulosos de quartzitos Canastra, deslocados
dos altos serranos. Logo abaixo desta, a zona intemperizada da intrusão,
com 16-18 m de espessura, constitui um típico yellowground à semelhança da maioria das intrusões kimberlíticas sulafricanas.
MINERALOQUÍMICA DOS PRINCIPAIS INDICADORES DE DIAMANTE
Em campanhas de prospecção aluvionar para kimberlitos, os principais minerais indicadores do diamante são: piropo [Mg3Al2(SiO4)3] rico em cromo, ilmenita [Fe2+TiO3] rica em magnésio ou picroilmenita, e diopsídio [CaMgSi2O6],
em ordem decrescente de importância em decorrência da respectiva
diminuição de resistência desses minerais durante o transporte fluvial.
Tratando-se da prospecção de lamproítos, a esses três minerais pode ser
acrescido o Cr-espinélio. A partir de material amostrado no perfil de
transição entre o yellowground e o blueground, o qual agora constitui a seção de topo do blow
mineralizado (SE) depois da fase de lavra experimental, cerca de 30
litros de solo "corrido" (minidrenagens secas deixadas pelas enxurradas)
foram coletados na parte central do corpo visando os três citados
minerais. Em laboratório, eles foram inicialmente separados em diversas
frações granulométricas menores que 2 mm, tendo em vista obter-se a
abundância relativa de cada um nas mesmas. Por fim, análises
mineraloquímicas preliminares por MEV/EDS foram efetuadas, para
certificação do mineral e definição dos principais elementos presentes,
depois complementadas com análises por microssonda eletrônica (WDS) para
análises quantitativas, tendo como objetivo comparações desses minerais
com os que ocorrem em depósitos de outros corpos kimberlíticos do
Brasil e do mundo (Tabelas 1 e 2).
Em
relação às granadas presentes, exames a olhonu indicaram a ocorrência
de indivíduos com três colorações típicas: laranja, vermelha e violeta.
Sob lupa binocular, porém, observações sobre um grande número de grãos
demonstraram a existência de todas as variações de matizes entre os
tipos vermelhos e os alaranjados, pressupondo que ambos poderiam
representar um mesmo tipo mineraloquímico. Em geral, as granadas
laranjas são de menor tamanho (e só elas ocorrem nas frações menores que
1 mm), parecendo constituir lascas das bordas de granadas vermelhas,
onde a concentração de cor foi menor. Os indivíduos vermelhos se
encontram ainda como macrocristais na massa kimberlítica, podendo
atingir até 2 cm de diâmetro, sendo quase sempre anédricos ou raramente
subédricos apresentando, no yellowground, adiantado estado de
alteração por oxidação. O terceiro tipo, ao contrário, está contido
quase exclusivamente nas frações menores que 1 mm, e apresenta uma
coloração característica violeta com matizes púrpuras, designada na
literatura como grapefruit (Mitchell, 1986). Além de somente
ocorrerem nas frações mais finas, essas granadas aparecem com formas
arredondadas (fragmentos de esferas também são comuns), provavelmente
constituindo produtos de dissolução de cristais euédricos com forma
original hexaoctaédrica, segundo observações detalhadas no microscópio
eletrônico de varredura.
Análises
com microssonda eletrônica nas três citadas variedades demonstraram que
realmente inexistem diferenças significativas entre os piropos
vermelhos e os alaranjados (Tabela 1). Os conteúdos mais altos em ferro os aproximam da composição almandina [Fe3Al2(SiO4)3] na série isomórfica, enquanto os teores de cromo são muito baixos (menor que 1% de Cr2O3
em geral), verificando-se ainda nos alaranjados uma acentuada tendência
à depleção nesse óxido (médias de 0,28% nas alaranjadas contra 1,52%
nas vermelhas). De outro modo, os piropos de cor violeta são típicos
Cr-piropos (média de 5,03% em 30 grãos), e os valores superiores em MgO e
menores em FeO indicam a forte concentração da fase piropo na mesma
série (Tabela 2).
Chaves & Benitez (2007) em análises preliminares com número
reduzido de indivíduos, procuraram situar o posicionamento dessas
granadas nos esquemas classificatórios de Dawson & Stephens (1975) e
Grütter et al. (2004), onde o mineral é quimicamente identificado de
G-1 a G-12, bem como se determinam suas importâncias em relação à
prospecção diamantífera. De acordo com esses dados, as granadas
estudadas se posicionaram respectivamente nos campos G-1 (as vermelhas e
alaranjadas) e G-9 (as violetas) de tais autores (Chaves & Benitez,
2007); nenhuma delas porém situando-se no campo das G-10, com alto Cr2O3
e baixo CaO, as quais são estreitamente ligadas a kimberlitos férteis.
As análises ora fornecidas, basearam-se em amostragem abrangendo número
maior de indivíduos (Tabela 2), e caracterizaram uma população de Cr-piropos dominada por um trend
fortemente lherzolítico, e novamente não revelou nenhum piropo no campo
G-10. De fato, tais granadas devem ser muito raras no kimberlito
Canastra-1. Em Cookemboo (2005), apresenta-se um gráfico onde aparece
somente uma reduzidíssima parcela de piropos G-10 neste corpo, mas deve
ser ressaltado que tal estudo, baseado no banco de dados da De Beers,
provavelmente relacionou análises de alguns milhares de indivíduos.
A
ilmenita ocorre como indivíduos irregulares, desde megacristais com
cerca de 3 cm de diâmetro até grãos submilimétricos, sendo largamente o
mineral indicador mais comum no kimberlito. Muitas vezes esse mineral
apresenta-se encapado por uma crosta verde clara, heterogênea, resultado
de sua alteração para perovskita conforme demonstrado em análises por
MEV/EDS. Em termos químicos (Tabela 3),
o mineral pode ser considerado como uma ilmenita magnesiana
(picroilmenita), apresentando duas tendências nítidas na concentração de
MgO: uma (mais comum) em torno de 9% e outra (rara) levemente superior a
14%. Embora a maioria dos espécimes seja relativamente depletado em MgO
em relação a diversos kimberlitos diamantíferos sul-africanos, onde
esse óxido pode alcançar médias próximas de 20% (Mitchell, 1986), são
valores que se assemelham às ilmenitas de outras localidades de Minas
Gerais, como o kimberlito Vargem (Coromandel) e o conglomerado tufáceo
de Romaria (Svisero et al., 1977; Svisero & Meyer, 1981).
Entretanto, os dados de Cr2O3 são inferiores aos
desses últimos locais, onde alcançam até mais que 2%, e bem mais
próximos dos kimberlitos diamantíferos africanos, onde tais valores em
geral também não são superiores a 1% (Mitchell, 1986).
O
diopsídio rico em cromo é um dos minerais indicadores do diamante,
porém ocorre preferencialmente no sedimento eluvionar ou nas
proximidades de suas fontes primárias (Mitchell, 1986). No concentrado,
ele apresenta cor verde-oliva típica, reconhecendo-se macrocristais
prismáticos de até 1 cm de comprimento, embora mais comumente apareça na
fração inferior a 1 mm. Comparando-se com o kimberlito Vargem, as
análises revelaram médias relativamente superiores de magnésio e cálcio (Tabela 3). Entretanto, a principal característica química desse mineral é a depleção em Cr2O3 (cerca de 1% nas amostras analisadas), já que tal valor pode alcançar mais que 2% no pipe Vargem (Svisero et al., 1977). Interessante observar que valores baixos em Cr2O3
são também encontrados em diopsídios inclusos em diamantes brasileiros
(Svisero, 1983), bem como em diversos outros kimberlitos mundiais, a
exemplo dos pipes diamantíferos sul-africanos Letseng-la-terae, Kao, Monastery e Koffiefontein (Mitchell, 1986).
ATRIBUTOS ECONÔMICOS
Dos
seis poços de pesquisa abertos nas margens do Córrego Cachoeira, que
levaram à descoberta da mineralização em 1991, cinco destes se deram
sobre ou nas proximidades do blow NW, do lado esquerdo do córrego, onde de um total de 63 m3
de rocha somente 0,012 ct totais de microdiamantes foram extraídos
(SAMSUL, 2007). Ainda segundo este trabalho, no sexto poço (que atingiu o
blow SE), maior e situado do lado direito do córrego, foram escavados
62 m3 de rocha e recuperados 765 pedras, entre micro e macrodiamantes, perfazendo 19,079 ct. Com o prosseguimento da pesquisa neste blow,
a avaliação do total das reservas em diamante do kimberlito Canastra-1
apoiouse principalmente em sondagem rotativa diamantada e amostragem de
grande volume, bem como modelamento geológico. Na pesquisa detalhada de
kimberlitos, considerando-se a distribuição dos diamantes como
completamente aleatória, a confiabilidade dos resultados será função do
volume de rocha amostrado.
Na planta experimental da lavra operada pela SAMSUL, para processar um grande volume do corpo mineralizado, cerca de 15.000 m3
de kimberlito foram tratados para obtenção da parte principal das
reservas. Estas totalizaram 2.300.000 t de rocha a um teor médio de 16
ct/100 t de diamantes até 140 m de profundidade, estimando-se em 260.000
ct contidos (SAMSUL, 2007). Entretanto, na avaliação econômica de um
depósito diamantífero um outro fator fundamental é a quantificação do
seu valor médio (dado em US$/ct) e, nesse sentido, o diamante do
Distrito do Alto São Francisco é considerado como um dos mais
valorizados do Brasil, atingindo cifras da ordem de US$150-200/ct
(Barros, 1993), números que provavelmente também correspondam ao do
corpo em questão (C. Plestschette, inf. verbal, 2007). Considerando-se a
qualificação comercial aproximada do diamante desse distrito variando
em torno de 76% de cristais gemológicos e chips, contra 24% de
industriais, sendo típicas as pedras de forma octaédrica com elevados
graus de pureza e cores altamente gemológicas (D até I, conforme a
classificação do Gemmological Institute of America – Gaal, 1977),
designadas no mercado como diamantes "tipo-Canastra". Tais dados fazem,
sem dúvida, do kimberlito Canastra-1 um dos mais ricos de toda Terra em
termos de valores/peso.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pelo
menos cinco populações distintas de diamantes são verificadas na
Província da Serra da Canastra. A população mais característica e de
maior valor agregado, presente nos kimberlitos Canastra-1, Canastra-8, e
na zona do Rio São Francisco até as imediações de Vargem Bonita, bem
como nos depósitos dos rios Santo Antônio (Delfinópolis) e Misericórdia-
Santa Tereza (Ibiá), é a que tipifica o diamante do "tipo- Canastra".
No Rio Santo Antônio (São Roque de Minas), no entanto, a ocorrência de
diamantes coloridos (fancies) como os da região do Rio Abaeté,
inexistentes na área anterior, indica que o(s) corpo(s) kimberlítico(s)
amostrou(aram) sítios diferenciados do manto superior. No Rio
Quebra-Anzol, a norte, a tipologia dos diamantes é muito semelhante à da
região de Coromandel, isto é, diamantes rombododecaédricos altamente
dissolvidos constituem mais que 80% dos lotes. Uma quarta população
refere-se à do Rio Samburá; nesse local ocorre o predomínio absoluto de
diamantes pequenos (<0,20 ct) e de forma rombododecaédrica
moderadamente dissolvida, de grande semelhança com a da Serra do
Espinhaço, região de Diamantina, no norte de Minas Gerais, onde os
diamantes foram reciclados em vários ciclos geológicos (Chaves, 1997).
Por fim, a população do Distrito do Médio Rio Grande corresponde a uma
grande diversidade de tipos e tamanhos, provavelmente porque se originou
dessas (e talvez ainda outras) das regiões anteriormente descritas.
A mudança de status
da Província Diamantífera da Serra da Canastra, de uma pequena e
localizada área produtora de diamantes para um pólo de alto potencial
prospectivo ao encontro de fontes primárias, revela-se sem dúvida como
um novo marco na história da mineração desse mineral no país. Embora
constitua uma rara exceção a nível mundial, primeiramente pelos
expressivos teores presentes em uma zona de raiz da intrusão, e também
por uma inusitada relação gema/ indústria para um corpo primário, a
constatação de reservas diamantíferas economicamente lavráveis no
kimberlito Canastra-1 (os dados de 260.000 ct contidos relatados pela
mineradora responsável, são valores considerados extremamente moderados
pelos autores), bem como o grande potencial do kimberlito Canastra- 8 na
mesma região e a ocorrência de dezenas de outros corpos ainda mal
conhecidos, realçam tal importância. Além disso, essas descobertas
representam ainda uma mudança radical na própria geologia econômica do
país. De fato, caem por terra as hipóteses que consideravam estéreis os
kimberlitos da porção sudoeste de Minas Gerais (p.ex., Tompkins &
Gonzaga, 1989; Gonzaga et al., 1994), ou de que a totalidade desses
corpos poderia estar erodida até níveis críticos de teores, com a parte
economicamente minerável tendo sido distribuída para depósitos
detríticos, antigos ou recentes (p. ex., Chaves, 1991).
A
assinatura dos minerais indicadores de kimberlitos diamantíferos na
Faixa Brasília contrasta com a da maioria das outras áreas produtoras de
diamantes, devido a ocorrência muito restrita de granadas G-10,
subcálcicas e ricas em cromo. Embora incomuns, tais assinaturas de
piropo são encontradas em algumas outras províncias diamantíferas, como
nos clusters de Banankoro e Bouro, no Mali, Oeste Africano
(Skinner et al., 2004). Trabalhos futuros são ainda necessários para
determinar se esses aspectos, presentes em certos locais da faixa de
dobramento, podem ser aplicados para o Cráton do São Francisco de modo
geral. Tais considerações abrem novas perspectivas à prospecção de
outros corpos na Província da Serra da Canastra, bem como a pesquisas
adicionais em corpos já conhecidos, muitas vezes ainda não bem
caracterizados. As tecnologias introduzidas nos últimos 20 anos desde a
descoberta e desenvolvimento do pipe lamproítico de Argyle
(Austrália), em região de faixa de dobramentos acrescida a um cráton,
contexto semelhante ao da região em foco, podem servir como modelo para
uma nova fase de pesquisas. A citada descoberta na Austrália mudou o
panorama econômico do diamante no mundo, com este país tornando-se seu
maior produtor nas últimas três décadas. Com a explotação do kimberlito
Canastra-1, deve-se também possibilitar e incentivar a pesquisa
científica em relação ao manto superior sob o Brasil, praticamente
desconhecido e de grande importância para o conhecimento da evolução
global.
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