Minas de S. Domingos, Mértola
Síntese da Geologia Geral, Estratigrafia e Mineralogia da Mina de São Domingos
A mina de S. Domingos pertence à província metalogenética da Faixa Piritosa Ibérica (FPI), que se estende desde as províncias de Huelva e Sevilha em Espanha até ao Sul de Portugal onde inclui grande parte dos distritos de Beja e Setúbal. A sequência litoestratigráfica da FPI é geralmente dividida em três grandes unidades: Formação Filito-Quartzítica do Devónico Superior, Complexo Vulcano-Sedimentar (CVS) e o Grupo do Flysch do Baixo Alentejo datado do Carbónico Inferior.
O CVS é a formação onde se inserem as grandes massas de sulfuretos polimetálicos. Este complexo consta de três grandes impulsos de vulcanitos ácidos com manifestações explosivas, alternando sempre com xistos negros, nódulos carbonatados e quartzitos e, ainda, intrusões, ou derrames em fundo marinho com estruturas "pillow", de rochas básicas instaladas a vários níveis deste complexo vulcano-sedimentar e também, as já referidas, massas de sulfuretos polimetálicos, associadas ou não ao "stockwork". A estas sobrepõem-se, quase sempre, jaspes, carbonatos, argilas negras e alterações sericíticas ou cloríticas. Esta sucessão litoestratigráfica geral sofre delaminações e repetições, fora de sequência, devido à tectónica tangencial, mais activa quando se caminha no sentido da sutura ofiolítica de Beja-Acebuches, segundo alguns autores representativa da subducção ocorrida entre a Zona Sul Portuguesa (ZSP) e a Zona de Ossa Morena (ZOM) (Quesada et al, 1994).
Na Mina de S. Domingos é possível observar uma sequência vulcânica composta por riolitos, jaspes e diabases. Apesar de ocorrerem localmente disseminações menores de jaspe hematítico, óxidos de manganês e sulfuretos, apenas existe um único corpo mineral de sulfuretos maciços. Refira-se que esta situação é excepcional em toda a FPI já que os outros depósitos revelam sempre vários corpos mineralizados que se apresentavam interligados (Neves Corvo, por exemplo) ou separados (Lousal, por exemplo). Esta situação poderá dever-se à erosão dos outros corpos de sulfuretos maciços ou porque os corpos metalíferos adicionais ainda não foram descobertos (Barriga et al, 1997).
A zona de extracção de sulfuretos maciços de S. Domingos era formado por uma única massa vertical de pirite cuprífera, associada com sulfuretos de Zn e Pb, que se alongava na direcção E-W. Este depósito apresentava a zonação clássica idêntica à maior parte dos depósitos de sulfuretos maciços da FPI com enriquecimento em minério de Cu na base do corpo de sulfuretos maciços e stockwork e enriquecimento em Zn e Pb numa posição superior e estendendo-se lateralmente a partir da zona central do corpo metalífero (Webb, 1958). Segundo este autor as concentrações médias do minério explorado variavam de 1.25% a um máximo de 10% de Cu; para o Zn e Pb 2-3% (com teores máximos de 14%). As pirites maciças revelavam de 45 a 48% de enxofre. Juntamente com a pirite encontravam-se quantidades menores de calcopirite, galena, esfalerite e outros sulfuretos menos comuns. A preencher fissuras era frequente a presença de gesso fibroso.
Em mais de 100 anos de exploração moderna os minerais da Mina de S. Domingos nunca alcançaram um patamar de relevo junto das coleções naturalistas. Este facto é a comum, nos depósitos de sulfuretos maciços portugueses, em que as belas cristalizações são caso raro com excepção de certas falhas e fracturas como acontece com o depósito de Neves Corvo. A exploração intensiva dos gossans, em tempos recuados, também diminui a possibilidade de aí se recolherem minerais de qualidade.
Refira-se que em colecções antigas, como é o caso da que pertenceu a Oliveira Bello (1872-1935) e que, em parte, está depositada no Museu Nacional de História Natural de Lisboa, depois de ter estado em Harvard, é possível encontrar minerais provenientes de S. Domingos. Nesta colecção encontrariam-se vários exemplares de cobre nativo, calcopirite e hematite. Já no antigo trabalho de Amílcar de Jesus (1930) refere-se a ocorrência de anglesite, gesso, bornite massiva e pirite que, nos encostos, poderia aparecer em cristais cúbicos e dodecaédricos.
No entanto o lugar de destaque para S. Domingos, mineralogicamente bem entendido, é o facto de ser a localidade tipo da CLAUDETITE As2O3. Este mineral de neoformação foi descrito por Dana em 1868, honrando o nome do químico francês Frédéric Claudet que o descobriu. Especulo que este mineral terá tido origem, por sublimação, na combustão das pirites de S. Domingos o que não seria difícil de acontecer face aos métodos metalúrgicos aí praticados.
Nos dias de hoje é possível, por neoformação a partir da precipitação em águas contaminadas existentes nas imediações das instalações mineiras, a ocorrência de cobre nativo e sulfatos como alunógeneo, calcantite, copiapite/ferricopiapite, coquimbite/paracoquimbite, halotriquite, melanterite, gesso e jarosite. Note-se que é importante analisar com cuidado a calcantite dado que o elevado teor em cobre das pirites de S. Domingos deixa antever aos autores a possibilidade da ocorrência de melanterite “cuprífera” que se apresenta em tons de azul e que leva por vezes a identificações erróneas. No que respeita à jarosite a sua ocorrência é um caso típico dado que precipita a partir de águas muito ácidas ricas em ferro e que em S. Domingos chegam a ser de pH menor que 3 em muitos pontos, incluindo o lago da antiga exploração a céu aberto, e próximo de pH 1 nas águas existentes nas imediações da antigas instalações da Achada do Gamo (Canteiro, 1994 e IGM, 2000).
Perspectiva Histórica da Mina de São Domingos
Tal como outras regiões mineiras da Faixa Piritosa Ibérica S. Domingos revelou trabalhos de exploração mineira desde tempos pré-romanos. A exploração romana foi extensa e estimada em mais de 150 000 m3 de minério. Este povo terá explorado sobretudo o chapéu de ferro, para a obtenção do ouro, prata e cobre tendo os trabalhos subterrâneos deixado vestígios sob a forma de pequenas galerias que lhes são atribuídas. Estas galerias podem ser observadas no lado norte da extracção a céu aberto. Terá inclusivamente aparecido uma roda hidráulica de origem romana muito bem conservada em S. Domingos (Tarin, 1888 e Martiañez, 2000).
Seguindo a tendência da maioria das minas em território português, após o período de exploração romana, apenas existem registos da sua exploração a partir do séc. XIX.
A partir de artigos de João Maria Leitão (1819-1870), que estudou na Escola de Minas de Paris, publicados na Revista Minera entre 1850 e 1851, que aludiam às semelhanças entre as minas do sul de Portugal com as da província espanhola de Huelva, industriais franceses, em particular Ernest Deligny, interessaram-se por esta região de Portugal. Deste modo Ernest Deligny, director das minas de Tharsis e Calañas entre 1853 e 1859, enviou homens de sua confiança para pesquisar os locais da mina: Nicolas Biava e Juan Melbourrien. Em 1854 Nicolas Biava declarava ter descoberto a mina de S. Domingos, entregando a 16 de Junho um requerimento na Câmara de Mértola. Uma primeira concessão temporária, para a mina de S. Domingos, foi atribuída em 1858 a Ernest Déligny, Luis Decazes e Eugenio Leclere.
Em 1859 foi atribuída uma concessão permanente para exploração levada a cabo pela companhia Mason & Barry, Ltd. A 17 de Janeiro de 1861 esta companhia, Mason & Barry, obteve a aprovação do seu plano de trabalhos de lavra a executar na denominada Mina de cobre de S. Domingos. Segundo Cruz (2004) para esta aprovação foi fundamental o parecer dado, a 4 de Dezembro de 1860, pelo Conselho de Minas tendo como base um relatório, datado de 22 de Setembro de 1860, elaborado pelo agora Inspector Geral das Minas, João Maria Leitão, a pedido do próprio Conselho de Minas. Este relatório abordava três parâmetros: a importância do jazigo, os métodos de exploração e os processos de tratamento dos minérios com vistas à obtenção de substâncias úteis.
Os trabalhos de mineração começaram em 1863 tendo rapidamente a mina de S. Domingos atingido uma importância extraordinária no panorama mineiro nacional e mesmo internacional. Esta situação comprova-se a partir de dados referentes a 1866 existentes no Catalogue Spécial de la Section Portugaise a l’Exposition Universelle de Paris en 1867 em que das 170.900 toneladas de minério metálico produzidas em Portugal nesse ano, 167.000 eram provenientes da mina de S. Domingos. Segundo o mesmo documento nesse ano a produção de cobre, correspondente ao minério produzido em de S. Domingos, era equivalente a metade do total produzido por todas as minas da Grã-Bretanha e ultrapassara a produção das minas da província espanhola de Huelva que incluíam Rio Tinto e Tharsis (Cruz, 2004). Para mais refira-se a importância que a pirite tinha para a produção de ácido sulfúrico, desde 1833 aquando dos trabalhos do francês Perret.
Na sequência do desenvolvimento da exploração mineira foi construída em 1859 a linha ferroviária com cerca de 17 km, a segunda de Portugal, para transporte do minério desde a corta até ao porto fluvial de Pomarão situado no rio Guadiana, também construído pela concessionária, de onde o minério e concentrados eram enviados, por barco, para a Grã-bretanha (Alves, 1997). No início do funcionamento da ferrovia utilizava-se a tracção animal para puxar os vagões mas a partir de 1867 introduziu-se a locomotiva a vapor. Seguiu-se a construção, acerca de 3 km da zona de extracção, da fábrica de tratamento metalúrgico de Achada do Gamo no período de 1863-65. Em 1866-67 um novo planeamento de exploração foi feito levando ao começo da exploração a céu aberto (open pit) em 1868 que levaria a extracção até aos 122 m de profundidade. Nos anos de 1871-73 seriam construídas barragens para fornecimento de água à mina e população.
Já no início do séc. XX assiste-se, nesta mina, ao incremento da exploração de pirite aproveitando a embalagem da evolução da indústria do ácido sulfúrico e o esgotamento/suspensão de certos depósitos como por exemplo os sicilianos. De 1913 a 1932 S. Domingos produziu 3 445 533 t de minério de cobre. A partir dos anos 30 S. Domingos deixa de ser a maior mina nacional e é ultrapassada pelas Mina da Panasqueira e pelo couto mineiro de exploração de carvão da bacia do Douro (Guimarães, 2004). Em 1934 é construída uma fundição tipo Orkla, na Achada do Gamo, produzindo-se enxofre e ácido sulfúrico (Salkield, 1987 e Martiañez, 2000). Outra fábrica do mesmo tipo seria construída em 1943 sendo o enxofre, até ao final da década de 50, a maior fonte de receita da mina. Em 1945 os trabalhos subterrâneos tinham atingido a profundidade de 300m. Já nos anos 60, devido à forte concorrência do mercado, a produção voltou-se para a indústria nacional. O esgotamento dos recursos do depósito levaram ao seu encerramento em 1966 com a mina a atingir perto de 400 metros de profundidade e cerca de 25 milhões de toneladas de minério extraído em mais de um século de história (Gaspar, 1998).
O arranque da exploração mineira em São Domingos, por parte da Mason & Barry, levou a uma alteração profunda na paisagem natural da qual o mais visível é a corta de exploração a céu aberto permanentemente inundada de águas ácidas, à semelhança de Rio Tinto e Tharsis, as escombreiras e as enormes acumulações de escórias negras. No entanto a Mina de S. Domingos também causou grande impacto na paisagem humana da região quer pelas infraestruturas construídas quer pelas profundas transformações demográficas que induziu. Além das estruturas relacionadas com a exploração, tratamento e transporte do minério a empresa construiu casas, bairros operários, igrejas, hospital, quintas, esquadras de polícia e até cemitérios para diferentes confissões religiosas… uma nova povoação nasceu sobre a exploração da pirite cuprífera!
A evolução demográfica encontra-se muito bem caracterizada através dos estudos efectuados por Guimarães (2004). Segundo este autor entre 1878 e 1890 a responsabilidade pelo aumento demográfico no concelho de Mértola, deve-se às zonas relacionadas com a Mina de S. Domingos onde se registou um acréscimo de mais duas mil pessoas. Neste período, a exploração atinge os maiores picos de produção de sempre, ultrapassando em alguns anos a marca das 400 mil toneladas. Em 1900 registou-se um balanço negativo de mais de cinco centenas de pessoas, facto que acompanhou uma diminuição contínua na extracção, a qual diminuiu progressivamente, desde 1892, das 300 para as 100 mil toneladas. Na década seguinte a população nas regiões de influência da Mina cresceria de novo e assim se manteria em crescimento até à década de 1950. A partir daí a população diminuiria de forma dramática levando à situação de desertificação humana que ainda hoje se verifica.
Nos últimos anos foi traçado o caminho da reconversão turística para a Mina de São Domingos… veremos o que lhe reserva o futuro!
Os Trabalhos e Técnicas de Metalurgia em São Domingos um Paradigma da Revolução Industrial
No já referido relatório de 1860, do Inspector Geral das Minas, era abordada a questão do tratamento do minério concluindo que o processo de ustulação – lixiviação –cementação por precipitação com ferro era mais rentável, em São Domingos, do que a fundição.
Em São Domingos o minério de teor elevado seguia directamente para a Grã-Bretanha sem qualquer tratamento. Para o minério de baixo teor em cobre o engenheiro responsável, James Mason, idealizou o tratamento das pirites cupríferas através de ustulação (em fornos construídos para o efeito nas instalações de Achada do Gamo de forma a reduzir os efeitos poluentes da combustão ao ar livre) com os núcleos ricos em Cu assim obtidos a destinar-se à produção directa de cobre e o material menos rico à produção de cobre de cementação…este processo revelou-se economicamente inviável pelo que foi abandonado. Em 1871 houve ainda uma tentativa, também abandonada, da perigosa ustulação ao ar livre que tantos problemas causara em Rio Tinto. Em 1875 já a empresa optara definitivamente pela cementação natural.
Esta solução acabara por chegar inspirada em Ramón Rúa Figueroa, engenheiro pela Escola de Minas de Espanha em 1850, nomeado director das minas de Riotinto em 1859, e autor em 1868 do trabalho Minas de Rio-Tinto - Estudios sobre la explotación y benefício de sus minerales. A cementação natural consistia em regar, durante vários anos, pilhas de pirites de forma a transformar o cobre de sulfureto insolúvel a sulfato solúvel, para depois ser precipitado com ferro (Cruz, 2004). Este tratamento foi assim aplicado em larga escala, pela primeira vez, na mina de S. Domingos, no local da Achada do Gamo. Neste local, que começou a funcionar regularmente em 1870, entre esta data e 1889, movimentou-se 3.334.575 toneladas de minério para lixiviação, produziu-se anualmente, em média, 10.000 toneladas de cemento de cobre e exportou-se 378.320 toneladas de minério lixiviado, movimentando anualmente neste trabalho cerca de 550 pessoas.
Este processo de cementação natural envolvia as seguintes etapas: escolha e separação do estéril, trituração do minério, transporte e empilhamento, lixiviação, cementação, secagem, moagem e embarricamento.
Após a trituração do minério, até dimensões próximas dos 5 cm, formavam-se pilhas de minério, cuja altura chegava a atingir os vinte metros, que eram atravessados no interior e na base por canais (feitos com fragmentos maiores de pirite) para permitir a circulação de ar. Para controlar a temperatura deste processo altamente exotérmico, que não devia ultrapassar os 27º C, introduziam-se termómetros nas chaminés de grés existente nas pilhas de pirite permitindo, a operários altamente experientes, a regulação da operação de rega através de um eficiente sistema de canalização em ferro com torneiras às quais eram ligadas mangueiras de lona com agulhetas. Toda esta acção evitava a combustão espontânea do minério e a excessiva produção de ácido sulfúrico prejudicial ao processo de cementação do cobre (Gaspar, 1998).
As águas obtidas das lixiviações continham em média 14 % em cobre e seguiam para os repousadores, sendo daí decantadas de partículas, para tanques de cementação, onde permaneciam por períodos de nove a dez horas. Para a precipitação do cobre utilizava-se sucatas de ferro de qualquer tipo, carris velhos e principalmente lingotes de ferro bruto importados da Inglaterra que se empilhavam entrecruzados por cima de uma camada prévia de tacos de madeira.
A extracção do cemento era feita com frequência variável, ditada pelas necessidades do comércio e pelo tempo de deposição do cobre. A camada exterior do depósito, denominada cáscara porque descolava como casca de árvore, mais pura e rica que as outras, era exportada tal qual se extraía (continha regra geral entre 68 a 80% de Cu) sendo apenas sujeita à operação de secagem. Os cementos mais impuros (teor em cobre até 50%) eram também triturados. No final do processo tudo era acondicionado em barricas ou em sacos. Os cementos eram exportadas para as fundições de cobre da Grã-Bretanha, segundo Gaspar (1998) obtinha-se também Au e Ag. As pirites lixiviadas eram enviadas aos fabricantes de ácido sulfúrico ingleses a quem este recurso muito interessava desde a conquista, pela França, do monopólio do enxofre siciliano em 1838. As pirites cupríferas da mina de S. Domingos por serem muito permeáveis à água, revelaram-se adequadas a este método de tratamento.
Nenhum comentário:
Postar um comentário