sábado, 6 de fevereiro de 2016

Por cima da Floresta.

Por cima da Floresta.



Como a Amazônia funciona, representando um grande ambiente regional e qual a sua influência no clima global? Como as mudanças no uso da terra na Amazônia e as mudanças no clima afetam as funções biológicas, químicas e físicas da Amazônia, incluindo a sustentabilidade do desenvolvimento da região?

São respostas para essas duas perguntas que o maior projeto de cooperação científica internacional na Amazônia busca formular. Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia ou simplesmente LBA, como é conhecido, esse projeto foi iniciado em 1998 e tem mais de 120 pesquisas em andamento com a participação de mais de 1600 pesquisadores brasileiros e internacionais. Agências como a NASA e tantas outras da Europa estão envolvidas. Num país onde ciência e pesquisas são muitas vezes negligenciadas e colocadas em segundo plano, o LBA é sem dúvida um divisor de águas.

A idéia é mostrar a relação entre a Amazônia e os ciclos naturais da Terra, principalmente os que estão conectados diretamente ao clima. As conclusões mais preliminares mostraram que é em escala global e não somente regional que este enorme ecossistema se torna importante para a manutenção da saúde do planeta todo.

São 16 torres construídas por toda a Amazônia e munidas de aparato necessário para medir e entender a inter-relação entre floresta e atmosfera. A principal dessas torres e também a base para os pesquisadores e cientistas estão localizadas há apenas duas horas de Manaus: uma asfaltada e outra em estrada de terra. Mantida pelo Instituto de Nacional de Pesquisas da Amaziônia (INPA), essa base pode abrigar até 15 pessoas com relativo conforto. Com 52 metros de altura a torre é toda feita em alumínio e foi construída na Holanda em 1999.

A vista do topo é fantástica. A impressão que temos é a de estar flutuando sobre um enorme tapete de diferentes tons de verde. Papagaios e macacos são facilmente avistados contrastando com equipamentos de última geração em coleta e análise de gases, temperatura e mudanças atmosféricas.

Em minha primeira visita à torre fui guiado por Alexandre Santos, que na época era meu vizinho em Manaus. Passamos mais de duas horas juntos no topo da torre. Enquanto ele fazia sua coleta semanal dos dados acumulados com um pequeno laptop, me explicava as razões do projeto e as últimas descobertas científicas. Era 23 de Agosto de 2006. Poucas semanas depois, Alexandre se tornou um dos 155 passageiros do vôo da Gol que colidiu com outra aeronave entre Manaus e Brasília. De alguma maneira fica aqui minha homenagem ao jovem cientista.

Entre todos os pesquisadores do INPA, o norte-americano Philip Fearnside é em minha opinião o mais destacado e sem dúvida um dos mais ativos. Pesquisador do departamento de ecologia, Fearnside mora e estuda a Amazônia brasileira há mais de 30 anos. Já participou, na maioria das vezes como principal autor, de mais de 390 publicações que de alguma maneira relaciona as contradições entre desenvolvimento e meio ambiente. Utilizando modelos de computador, ele prevê o futuro da Amazônia baseado nos atuais níveis de desmatamento, migração humana, rodovias existentes e planejadas, e outros projetos de infra-estrutura em geral.

Magro, muito alto, com um grande par de óculos e um enorme bigode grisalho que esconde o movimento de sua boca enquanto fala, Fearnside foi entrevistado no topo da torre da LBA e suas respostas e explicações mostram um profundo conhecimento dos ciclos naturais desse fantástico ecossistema. Ele vem ocupando os últimos anos de sua vida profissional estudando a relação entre a Amazônia e o aquecimento global:

“A forma como medimos a quantidade de CO2 na atmosfera é em partes por milhão (ppm), sendo a média no mundo hoje 380 ppm. Muitos cientistas consideram 400 ppm como ´perigoso`. Com as atuais atividades industriais esse número está aumentando em 2,6 ppm todos os anos, nos aproximando de conseqüências muito sérias. Daí a urgência de diminuir drasticamente essas emissões.

A Amazônia tem um papel chave nesse processo, além é claro da redução drástica na queima de combustíveis fósseis. Então é necessário acabar com o desmatamento já! Pois trata-se de uma tremenda adição de gases que causam o aquecimento. No Brasil é a principal fonte de emissão e sua redução pode ser benéfica para o país, pois o que está sendo produzido pelas pastagens que substituem as florestas é mínimo comparado ao tamanho da economia brasileira.

Por outro lado os chamados ´serviços ambientais` que mantém a quantidade de chuvas e evitam uma série de impactos são muito mais valiosos. É uma questão de traduzir esse valor numa maneira que mude a forma como as decisões são tomadas. É uma tremenda oportunidade que ainda não foi realizada. A questão do carbono é só a primeira que dispõe de um mecanismo monetário associado, mas há muitas outras envolvidas como, por exemplo, água e biodiversidade.

Temos que acelerar o processo diplomático para que tenhamos esses mecanismos em prática antes que percamos mais florestas e consequentemente seus ciclos, tornando o processo de aquecimento global ainda mais difícil de se controlar.”

Ouvir esse ilustre cientista me dá a certeza de que aquilo que já sabemos a respeito da Amazônia é suficiente para formular as devidas políticas públicas, evitando seu colapso e consequentemente o colapso do clima no planeta.

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