sábado, 6 de fevereiro de 2016

A Pororoca do rio Araguari.



  A Pororoca do rio Araguari.


O explorador francês Jacques Cousteau não foi o primeiro a registrar a Pororoca, mas sem dúvida foi quem a tornou mundialmente famosa. Suas imagens aéreas, feitas de um helicóptero, mostraram a grandeza e magnitude desse fenômeno natural.


Vinte e cinco anos depois, nossa missão era captar essa mesma onda, esse mesmo fenômeno. E assim como poucas outras coisas na Amazônia, quase nada mudou. A dificuldade de chegar ao local continua a mesma. É claro que há hoje em dia muito mais conhecimento. Qualquer rápida busca na Internet permite encontrar uma infinidade de informações.

Foi buscando essas informações, quando ainda preparava a logística para essa expedição, que conheci o rio Araguari. Um rio importante da bacia amazônica que, ao contrário de quase todos os outros, tem sua foz no Oceano Atlântico e não no rio Amazonas. Ele nasce nas montanhas que fazem divisa com a Guiana Francesa e cruza boa parte do estado do Amapá de leste para oeste. É na “boca” do rio com o mar que nasce a Pororoca. Esse fenômeno também acontece em outros rios do Pará e do Maranhão.

Escolhemos a lua cheia do mês de abril para encontrar a onda. Na verdade, a Pororoca acontece durante as luas novas e cheias. No entanto, nos meses de março, abril e maio o fenômeno é mais intenso graças à proximidade com o equinócio, que é quando o sol está alinhado ao Equador. É também quando a variação entre as marés baixa e cheia está maior. A Pororoca é um fenômeno que definitivamente depende da maré.

O ponto de partida foi Macapá, capital do Amapá. A cidade tem aproximadamente 300 mil habitantes, é agradável e não tem muitos edifícios. Da orla da cidade se avista os transatlânticos entrando e saindo do Brasil. É também um bom lugar para se observar a variação da maré. Na cheia, a água salgada encosta no muro. Na baixa, formam-se praias de lama de centenas de metros de extensão.

Nossa equipe era formada por seis pessoas, entre o câmera, engenheiro de som, assistente, e fotógrafa. Como chegamos um dia antes do previsto, aproveitei para elaborar a logística da filmagem, levando em consideração uma tomada tanto do ar (de helicóptero) como da água (de voadeira). Quatro dos integrantes da equipe deixaram Macapá por volta das 18h e foram de carro até uma cidade chamada Cutias do Araguari, já no rio Araguari. De lá, desceriam o rio de barco até uma fazenda próxima do local onde acontece a Pororoca. Eles seriam guiados por seu Dinaldo, morador e proprietário da fazenda que nos serviu de base, além de sua família. O câmera e eu combinamos de os encontrar no dia seguinte, uma vez que saíriamos de helicóptero de Macapá.

A forte chuva que me acordou às 5h da manhã era sinal de que nosso vôo estaria comprometido. Mesmo assim, fomos ao aeroporto, onde encontramos o comandante do helicóptero. Decolamos, mas dez minutos depois retornamos por causa do mau tempo.

O quebra-cabeça da logística recomeçou. Às 9h da manhã, recebemos a chamada por um telefone via satélite informando que os integrantes que saíram no dia anterior não haviam chegado à fazenda. Ou seja, já tinham perdido a Pororoca do dia, que estava prevista para acontecer por volta das 8h da manhã. Só nos restava um dia para filmá-la e seria muito arriscado contar novamente com o helicóptero. Ter a equipe pronta no local, mas a câmera sentada num quarto de hotel em Macapá seria uma tragédia.

A decisão foi alugar um pequeno avião, um Cesnna 206, e aproveitar o bom tempo da hora do almoço para chegar até o rio Araguari. Da pista onde aterrizamos até a fazenda do Sr. Dinaldo eram outras quatro horas.

Aproveitamos o avião para sobrevoar a foz do rio e estudar as condições. Percorremos toda a extensão do caminho que a onda percorre. É praticamente uma linha reta. A onda acaba na primeira grande curva do rio. Uns 30 quilômetros depois.

Num rasante sobre a fazenda do Sr. Dinaldo, jogamos uma garrafa de 600ml vazia para nossa equipe. Dentro uma mensagem, que dizia que os encontraríamos lá, chegando numa voadeira. Essa estratégia de comunicação eu havia aprendido no livro “Surfando na selva”, de Serginho Laus. Funcionou super bem.

Como erramos a entrada do Igarapé Novo, que dá acesso à fazenda, demoramos o dobro do tempo previsto e já era de noite quando chegamos.

Essa região do rio Araguari lembra muito o Pantanal do Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul. Imensas áreas alagadas e uma enormidade de espécies de pássaros. A diferença é a influência do oceano próximo e os trechos de floresta amazônica. O Amapá é o estado que tem a cobertura florestal mais bem preservada do Brasil. São 17 unidades de conservação que ocupam cercar de 70% do território do estado.

No dia seguinte, por volta das 6:15h da manhã, consegui falar com o aeroporto em Macapá e o helicóptero já havia decolado. Três integrantes de nossa equipe saíram imediatamente de voadeira para a foz do Araguari e assim encontrar a Pororoca ainda em seu começo.

O helicóptero apareceu no momento exato. Foi emocionante quando o barulho quebrou o silêncio da manhã ensolarada.

Era pilotado pelo comandante Coimbra. Chico, o mecânico, o acompanhava trazendo 100 litros de querosene para o vôo de volta a Macapá. Já em solo, retiramos as duas portas da aeronave e instalamos os equipamentos de vídeo e de foto. Cada um apontado para um lado. Mark, nosso cameraman, sentado do lado direito, o mesmo do piloto. Carrie, nossa fotógrafa, do lado esquerdo. Fui na posição do co-piloto com o objetivo de traduzir as instruções que Mark me passava pelo rádio interno do helicóptero.

Amarramos os cintos e decolamos em direção a foz. O sol nascia no horizonte e atrapalhava nossa visão. Depois de 5 minutos já avistamos uma enorme linha que ia de margem à margem no rio Araguari. Era a Pororoca que há poucos minutos havia começado. A maré começava a subir até que num dado momento rompia o equilíbrio e as águas do mar avançavam rio acima formando a onda.

Mantivemos uma altura de 1000 pés, perto de 300 metros, para registrar a onda em toda a sua extensão. O sol batia bem na cara e atrapalhava bastante. Logo em seguida, avistamos a voadeira com o restante da nossa equipe literalmente fugindo da enorme massa d´água. Em seu começo a onda pode atingir uns três metros de altura dependendo da profundidade e formato da bancada de areia do leito do rio.

Uma vez registrado lá de cima, descemos quase ao nível do rio e acompanhamos a onda por uns 40 minutos. Algumas vezes tão próximos que a água movimentada pela força das hélices respingava em todos nós. Voávamos como “cowboys”. O barulho era enorme. A adrenalina a milhão. Nosso piloto habilmente dominava o helicóptero. Não economizava rasantes e manobras.

A experiência foi deslumbrante. A onda variava entre uma massa de espuma até uma parede lisinha de dois metros de face. Suficiente para “fazer a cabeça” de qualquer surfista que por lá se aventurar.

Já com pouco querosene voltamos para a fazenda deixando a onda para trás. Ela ainda percorreria outros 15 quilômetros.

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