domingo, 14 de fevereiro de 2016

Produção e coloração de quartzos fortalece o setor de pedras preciosas em Minas Gerais

Nem tudo que reluz é ouro 

Produção e coloração de quartzos fortalece o setor de pedras preciosas em Minas Gerais


Cristais de quartzo dopados com minerais como Cobalto e Ferro adquirem cores azuladas e amareladas
Desde os tempos mais remotos as joias fascinam o homem. As primeiras de que se têm notícia datam de 3.500 a.C., quando materiais considerados belos ou preciosos eram utilizados na confecção de adornos na antiga cidade de Ur, localizada onde é atualmente o Iraque. E se ainda hoje é notável o papel simbólico das joias nas diversas culturas do homem contemporâneo, a importância para a economia brasileira e mineira, por sua vez, é inegável. Só o Brasil é responsável por 1/3 da produção mundial de pedras preciosas e Minas Gerais se destaca como uma das mais importantes regiões produtoras do mundo, com 25% do mercado mundial. 

Reconhecendo a importância do setor no país e no estado, foi elaborado pelo Centro Tecnológico de Minas Gerais (Cetec) o projeto Singema, que visa ao desenvolvimento de tecnologias de produção e tratamento de gemas de quartzo. Segundo o coordenador do projeto, o pesquisador Luiz Carlos Barbosa de Miranda Pinto, a escolha do quartzo deve-se à abundância do material e ao consequente potencial lucrativo da aplicação das técnicas em Minas Gerais. “Hoje, o Brasil é o maior exportador mundial de quartzo, possuindo 95% das reservas mundiais e Minas Gerais detém grande parte das maiores jazidas do país”.  
A matéria-prima, depois de beneficiada, pode aumentar seu valor em mais de quarenta vezes em relação ao produto inicial. Para se ter uma ideia, o quartzo transparente cultivado (produzido em laboratório) está disponível no mercado a preços em torno de US$ 6,00/Kg, enquanto o quartzo citrino cultivado é encontrado por aproximadamente US$ 250,00/kg. A única diferença de um material em relação ao outro é o dopante - impureza mineral, no caso o ferro - que confere a cor amarelo-alaranjada ao quartzo citrino, relativamente rara na natureza.

O projeto Singema é, portanto, uma opção para tornar mais competitiva a participação mineira no mercado e mesmo para aumentá-la. Dentro do projeto, além da produção de quartzo colorido como ametista (violeta), citrino (amarelo-alaranjado), quartzo rosa e outras cores de valor comercial, visa-se também ao estudo científico sobre as causas da cor nos cristais produzidos. Esse estudo é importante para a compreensão dos mecanismos de coloração em gemas naturais e, consequentemente, para o desenvolvimento de novas formas de tratamento. De acordo com o pesquisador, através de técnicas como absorção óptica no visível e no infravermelho e ressonância paramagnética eletrônica é possível avaliar as propriedades gemológicas e dominar, com maior regularidade, o processo para a obtenção de determinada cor.
Como explica o coordenador do projeto, já são conhecidas quais as impurezas minerais que conferem cor à pedra cultivada, mas não se conhece a quantidade nem a forma - se na forma metálica, de sais ou na forma de óxido. “Para a obtenção de determinadas cores é preciso um estudo criterioso. E existe ainda o caso de cores que não existem na natureza, em que se tem apenas ideia do dopante ou impureza. Nesse aspecto, o estudo permite o desenvolvimento de uma pesquisa de nível mais elevado para a aplicação de tecnologias na indústria joalheira”.  \r\n
O processo
O projeto teve início em 2000. O primeiro passo foi efetuar as adaptações na infraestrutura física dos laboratórios existentes. Foram feitas inspeções de segurança, renovação do sistema elétrico, recuperação e modernização de equipamentos. De acordo com o coordenador, uma das principais conquistas do projeto foi, também, a reativação e operacionalização das autoclaves do Cetec, que é a única instituição de pesquisa do Brasil que possui uma planta-piloto de Síntese Hidrotérmica de Cristais equipada com autoclaves para altas pressões, além de experiência na área. “Praticamente paradas nas últimas duas décadas, as seis autoclaves de médio e grande porte entraram em ação novamente”, diz.  

Autoclave de alta pressão do Cetec, onde é realizado o preocesso de síntese hidrotérmica
O pesquisador explica que a síntese ou produção hidrotérmica, utilizada na pesquisa para obtenção de quartzo e aplicação de várias cores, é simples. O processo que o mineral levaria milhares de anos para percorrer na natureza até finalmente se tornar um cristal de quartzo pode ser reproduzido em laboratório com o auxílio de altas temperaturas e pressões em uma autoclave específica. “A técnica consiste em dissolver lascas de quartzo em uma autoclave, com  temperaturas de 350°C a 400°C e pressões de 1500 a 2000 atm. O quartzo dissolvido, então, vai se depositando em lâminas bem finas e em 30 dias já se tem formado um cristal relativamente grande”, diz. Ele conta que, com a adição controlada de dopantes (impurezas como ferro e alumínio), é possível obter quartzos coloridos. Em alguns casos, utilizando-se irradiação e tratamento térmico, podem-se obter outras cores.  

O projeto teve ainda a proposta de fazer a caracterização gemológica completa das pedras produzidas a fim de avaliar os resultados e obter parâmetros de coloração. Foram realizados estudos sobre a estrutura microscópica dos centros de cor – defeitos na rede cristalina que absorvem a luz , também causadores de cor no  cristal. Para Barbosa, a pesquisa com os centros de cor tem a vantagem de sempre proporcionar novidades no estudo do material. “Sempre que se estuda o centro de cor aparece algo diferente. Alguns quartzos naturais aquecidos, por exemplo, podem adquirir uma coloração esverdeada que, até então, só era obtida através do tratamento térmico de determinadas ametistas”.

Outra linha do projeto foi o desenvolvimento de métodos de caracterização para distinguir uma gema natural de uma gema sintética ou tratada. Segundo o pesquisador, o principal benefício dessa proposta é o suporte ao mercado, invadido nos últimos anos por gemas sintéticas. “Já ouvi casos em que colocaram ametistas e esmeraldas sintéticas na boca da mina, misturadas entre as pedras naturais. O preço no mercado é completamente diferente, por isso é muito importante diferenciar uma gema cultivada de uma gema natural”.

As gemas sintética ou cultivada possuem as mesmas características da correspondente natural. A coloração é a mesma, assim como as propriedades físicas: absorção óptica, transparência, índice de refração. As propriedades químicas também são iguais, pois todas são de (S) sílica (SiO2). Essa semelhança nas características torna praticamente impossível a diferenciação de uma e outra sem nenhuma técnica ou com pouca aparelhagem. “Através da espectroscopia do infravermelho, por estriamento da pedra (produção de diferenças ou pequenas nuances de coloração na pedra), e ressonância paramagnética eletrônica podem-se desenvolver métodos que ainda não são utilizados para caracterização de quartzo no mercado e de outros materiais além do quartzo”. A preocupação de identificar e classificar as gemas em naturais, tratadas ou sintéticas é importante para garantir o lugar do produto no mercado internacional.
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Mercado
O projeto foi encerrado em 2004, mas desdobrou-se em outras investigações. Uma delas diz respeito a colorações que não existem na natureza. Dentre os quartzos coloridos, o de maior ocorrência natural é o quartzo enfumaçado (marrom ou cinza), mas sua grande oferta acaba por diminuir seu valor no mercado joalheiro. No entanto, através do tratamento térmico e irradiação adequada, o quartzo enfumaçado pode ser completamente descolorido ou ainda adquirir cores altamente valorizadas no mercado como o verde-oliva, o amarelo-esverdeado, o laranja e o marrom. Os tratamentos de clareamento do quartzo enfumaçado e de produção de quartzos corados a partir do quartzo enfumaçado são amplamente empregados no mercado internacional. Algumas variedades não encontradas na natureza, como o quartzo rosa transparente (muito raro), o azul cobalto e o azul claro foram recentemente produzidos artificialmente em outros países. De acordo com o professor, um caso interessante que pode ser desvendado é a origem da cor azul. “Existem três suposições sobre a coloração  do quartzo azul e nós estamos tentando comprovar uma dessas suposições, através de outro projeto de continuidade do Singema”.
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Barbosa compara o quartzo ao látex: a exemplo deste último, que foi muito utilizado no Brasil na primeira década do século XX e hoje encontra substituto em suas variedades sintéticas, o mercado vem gradativamente substituindo o quartzo natural por similares sintéticos ou cultivados. Isso porque o valor do material é também valorizado na medida em que apresente menos defeitos, o que nem sempre ocorre com gemas naturais. Como explica o pesquisador, é raro encontrar quartzos de boa qualidade na natureza para aplicação na indústria joalheira. “Os quartzos citrinos (amarelos) e os quartzos verdes de boa qualidade estão cada vez mais raros. Faz-se necessária então a produção de quartzos cultivados”. 

O trabalho, viabilizado pela FAPEMIG, é fruto de parceria entre o Cetec, os Departamentos de Física das universidades federais de Minas Gerais (UFMG) e de Ouro Preto (Ufop) e o Centro de Desenvolvimento de Tecnologia Nuclear (CDTN). A pesquisa possibilitou a concretização de uma verdadeira rede de cooperação técnico-científica entre as instituições, pois o CDTN, a UFMG e a Ufop já possuíam experiência com a coloração de gemas através de técnicas e processos de coloração de gemas naturais e sintéticas, inclusive da família do quartzo.

De acordo com o professor, a colaboração mútua permitiu ainda mais a ampliação do conhecimento científico e tecnológico nos processos de produção e tratamento de gemas sintéticas. “Com base nos frutos desse projeto foram dados subsídios a trabalhos subsequentes com outras gemas, os quais poderão ser executados pelos participantes desta rede. Nós inclusive já temos um trabalho, proveniente do projeto, que iremos apresentar posteriormente, sobre a influência dos parâmetros de produção na coloração do quartzo”.

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