quinta-feira, 3 de março de 2016

Diamantes mineiros

Diamantes mineiros

Pesquisa do IGC/UFMG estuda as rochas que dão origem aos diamantes

Passeando pelas ruas de algumas cidades do interior de Minas Gerais, visi-tando igrejas e praças, percebe-se a presença de um de seus elementos históricos mais marcantes: o diamante. Ele já motivou tropeiros e comendadores e tornou famosa a escrava Xica da Silva. Ao lado da importância histórico-cultural e econômica, a pedra preciosa desperta também o interesse da geologia. Mais do que o próprio diamante, o que tem motivado pesquisas nas universidades mineiras é a rocha que encerra o mesmo: o kimberlito. 

O kimberlito é um conduto vulcânico, ou seja, uma estrutura que conecta a superfície da Terra ao seu interior e por onde o magma (material expelido pela parte visível do vulcão) flui, a partir das partes mais profundas, onde ele se forma. Para visualizar seu formato, basta lembrar que, em inglês, conduto significa neck, ou seja, pescoço.

Kimberlitos são objetos de estudos de pesquisadores do Departamento de Geologia do Instituto de Geociências (IGC) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), sob a coordenação do professor Geraldo Norberto Chaves Sgarbi. Com o apoio da FAPEMIG, o projeto denominado “Identificação de kimberlitos nas regiões Oeste e Central de Minas Gerais” teve início no ano passado e começou abrangendo as cidades da região do Alto Paranaíba, como Carmo do Paranaíba, Patos de Minas, Arapuá, Coromandel, Patrocínio, Lagoa Formosa e Tiros. A segunda fase do projeto, aprovada pela Fundação no final do ano passado, vai aprofundar as pesquisas já realizadas e abranger também a região central do Estado. 


A vegetação indica a presença de rochas vulcânicas
Diamantes mineiros 
O diamante forma-se no interior da Terra, em profundidades de cerca de 150 km, sob altas pressões e temperatu-ras, por átomos de carbono. Segundo o professor Geraldo, o conduto vulcânico atua como uma espécie de “táxi” para a pedra preciosa, visto que o magma, ao subir em direção à superfície, a uma velocidade de aproximadamente 800 km/h, transporta a pedra, que se encontra em estado bruto. Alguns geólo-gos fazem uma analogia desse magma, que sobe em altíssima velocidade, com uma “perfuradeira química”, que dissolve as rochas encontradas durante sua ascensão. 

Todo esse material é submetido a uma pressão muito alta no interior da Terra, a qual é liberada ao atingir a superfície. Nesse momento, o magma kimberlítico geralmente explode, devido à súbita redução da pressão, e se solidifica em uma rocha denominada kimberlito. Quanto aos diamantes, apenas uma ínfima fração resiste a esse transporte até a superfície. 

O processo de formação de kimberlitos ocorreu, no oeste mineiro, há cerca de 85 milhões de anos e, hoje, os pesquisadores se deparam com um “enigma geológico”: no Brasil, temos muitos kimberlitos estéreis, ou seja, sem diamantes. Entretanto, a pedra pode ser encontrada em alguns leitos dos rios dessas regiões. Curiosamente, alguns países de dimensões continentais como a Austrália, África do Sul, Canadá e Rússia produzem diamantes não somente através dos leitos dos rios, como no Brasil, mas direto da fonte, ou seja, através dos kimberlitos. Isso fez com que esses países sejam grandes produtores, ultrapassando o Brasil, que foi o maior produtor mundial no século XIX. 

Por que não fazemos o mesmo? Porque, pelo que se sabe até então, não temos kimberlitos mineralizados em diamantes. É justamente esse o contexto do enigma: não temos kimberlitos mineralizados, mas temos aluviões com diamantes nas mesmas regiões onde se encontram esses kimberlitos. Então, a pergunta correta é: qual a origem dos diamantes mineiros? Um fator que ajuda a compreender a dificuldade na realização dessas pesquisas é o clima brasileiro, pois, em climas tropicais úmidos, a água aumenta consideravelmente a velocidade das reações químicas. Assim, como os minerais que formam a massa principal do kimberlito não são muito resistentes à degradação química, este se transforma e se confunde com outras rochas. 


Prof. Geraldo Norberto Sgarbi, da UFMG
A pesquisa desenvolvida pela UFMG é pioneira no Estado. Além da importância econômica, que não pode ser desconsiderada quando se trata de diamantes, sobretudo em um país de tradição diamantífera, a pesquisa cons-titui uma base para a geologia, para o conhecimento da terra e dos recursos de que dispomos. 

O que os olhos vêem, o coração senteTodas as transformações que ocorrem nas camadas internas da Terra, assim como os elementos que ali se formam, produzem efeitos visíveis na superfície do Planeta. Sendo assim, para descobrir kimberlitos, é possível utilizar alguns critérios físicos que funcionam como indicadores. Segundo o pesquisador, a partir dos estudos teóricos, a equipe, composta de um biólogo e três geólogos, foi a campo em busca dos elementos que pudessem dar indícios da presença de kimberlitos. 

Ele destaca o critério geobotâ- nico, que diz respeito à presença das espécies arbóreas Terminalia argentea (capitão), Pseudobombax sp (paineira) e Myrcine sp (pororoca), pois elas utilizam em sua dieta elementos constitutivos do kimberlito. Quanto aos critérios geológicos, tem-se, por exemplo, a presença de uma depressão de formato circular no terreno. Esta pode ter se originado da alteração do conduto vulcânico, considerando-se que, na medida em que essa rocha sobe em direção à superfície, ao longo do tempo, torna-se menos resistente e, portanto, mais suscetível a alterações. Em certos locais, como na África do Sul, a depressão é tão acentuada que o acúmulo de água permite a formação de um lago. Ela é conhecida como cratera “Maar”. 

A água também fornece outro indicativo. As chuvas enfrentam dificuldade para erodir as rochas kimberlíticas, pois as mesmas possuem consistência argilosa. Por isso, é comum a formação de rios ou cursos d’água na zona de contato entre o kimberlito e a rocha não-mineralizada que estiver em contato, chamada de rocha encaixante. Dessa maneira, muitos kimberlitos são, a priori, identificados em função de uma diferença física entre as duas rochas. É preciso considerar que essa zona de contato já vem recebendo um fluxo de água há milhões de anos, o que propicia uma espécie de abertura prévia, um canal natural. Assim, o rio evolui, causando erosão em ambas as rochas.

Outro critério de campo é a ocorrência de uma “capa de canga”, rocha rica em ferro. Essa formação, que possui cor avermelhada, ocorre apenas sobre o kimberlito, porque o mesmo é composto de minerais ricos em ferro, como magnetita e hematita (produto de alteração da magnetita). A existência de ferro condiciona também a presença de cupinzeiros de cor vermelha, ao passo que os cupinzeiros de cor clara são aqueles que se instalam sobre alguns tipos de rochas encaixantes.

A vegetação natural, assim como a agricultura, também pode ser usada para identificar kimberlitos. É que o solo composto por rochas kimberlíticas é mais fértil devido à forte presença de elementos como potássio, cálcio e magnésio. Por isso, as espécies vegetais encontradas sobre o kimberlito são mais saudáveis que aquelas encontradas no entorno. As rochas encaixantes são relativamente estéreis, em decorrência da forte presença de alumínio e sílica. Como pode ser visto na fotografia acima, referente ao kimberlito batizado pelos pesquisadores de “Larissa”, a cor e a textura fazem a diferenciação entre o kimberlito (verde-escuro) e a rocha encaixante (verde mais claro). Ao fundo, existe o vale de um córrego que flui no contato entre o kimberlito e sua encaixante. Essa estrutura encontra-se na cidade de Carmo do Paranaíba. 


Amostra de Kimberlitos, rochas associadas à presença de diamantes
Do campo para o laboratórioUma vez identificados visualmente esses aspectos, os pesquisadores partem para a procuraefetiva do kimberlito, cavando a terra. De acordo com os conhecimentos teóricos sobre a rocha intrusiva, os pesquisadores coletam o material desejado e levam para o peneiramento. Para facilitar a busca, considera-se a presença de pequenos minerais coloridos, como piropo, ilmenita, diopsídio e espinélio, minerais satélites ou indicadores de diamantes que, por sua vez, apontam para a existência de kimberlitos, pois desenvolvem-se junto aos diamantes e são resistentes ao clima tropical úmido. Se o resultado observado na peneira apresentar um aspecto de gradação do claro (borda) para o escuro (centro), com a presença desses minerais indicadores, significa que temos um kimberlito.

Os estudos não param por aí. Com o intuito de refinar a pesquisa, os mine-rais encontrados são levados para análises mineralógicas e químicas na UFMG. A análise mineralógica é feita através de um método denominado Espectroscopia Raman, que visa a identificar o tipo de mineral. Cada amostra é levada até uma sonda, que emite um feixe de laser, fazendo com que o mineral emane energia de acordo com seu sistema cristalino. Cada mineral possui seu espectro próprio, como uma impressão digital, que permite distingui-lo entre os demais. Essa técnica é utilizada para checagem de jóias, a fim de atestar se a mesma é verdadeira ou falsa, natural ou sintética. O próximo passo é a análise química, realizada por meio de uma microssonda eletrônica. Esse aparelho permite determinar os componentes químicos dos minerais. Numa análise direcionada aos kimberlitos, o resultado que indica a possibilidade de se obter diamantes expressa altos teores de cromo e magnésio, e baixos de cálcio. Todos esses equipamentos foram adquiridos com os recursos da FAPEMIG.

Subindo o leito do rioA pesquisa desenvolvida vem investigando a existência de diamantes nas crateras kimberlíticas, ou seja, direto da fonte. Mas, como saber se os diamantes encontrados nos leitos dos rios são de fato originados dessas rochas ou vieram transportados de outros locais? De acordo com o professor Geraldo, a próxima etapa da pesquisa é fazer o caminho inverso, ou seja, partir do leito do rio em direção às possíveis fontes kimberlíticas. O objetivo é verificar qual a localização do kimberlito erodido que fez com que os minerais fossem encontrados em determinado rio. O pesquisador conta que, em função dos minerais satélites – pois o diamante em si é muito difícil de ser encontrado –, os pesquisadores começam a subir o rio em direção contrária ao seu escoamento, que é sempre em função da gravidade. Assim, tem-se a rocha fonte dos minerais indicadores e, portanto, do diamante.

Outro aspecto teórico da segunda parte da pesquisa é o cálculo da distância de transporte do mineral, através do formato do grão. Quanto mais longa a distância em que foi transportado por um rio, mais arredondado é o fragmento, pois o atrito ocasiona a perda dos cantos. Além da pesquisa de campo, os geólogos utilizarão um equipamento importado, semelhante a um tambor giratório, que simula a erosão de um rio, para a realização desse cálculo.

O geólogo ressalta, ainda, o interesse que a pesquisa despertou nos garimpeiros, através de divulgação na mídia eletrônica especializada. Muitos entraram em contato com ele através de e-mail para adquirir mais informações sobre o assunto, além de procurá-lo no próprio campo. Ele lamenta, porém, a falta de iniciativas governamentais, como cursos de capacitação, no sentido de preparar melhor esses trabalhadores e conscientizar sobre a preservação do meio ambiente. Para o professor Geraldo, os garimpeiros são pessoas inteligentes e intuitivas, mas que não tiveram oportunidade de estudar. “Se eles tivessem oportunidade de conhe-cer a Geologia, porque, no final das contas, eles estão trabalhando como geólogos, acho que o trabalho seria mais produtivo e traria menos impactos ao meio ambiente”, completa.

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