quinta-feira, 5 de maio de 2016

Os símbolos ligados ao ouro

Os símbolos ligados ao ouro



Considerado na tradição como o mais precioso dos metais, o ouro é o metal per­feito. Em chinês, o mesmo caracter kin de­signa ouro e metal. Tem o brilho da luz; o ouro, diz-se na índia, é a luz mineral. Tem o caráter ígneo, solar e real, até mes­mo divino. Em certos países a carne dos deuses é feita de ouro, o que também se verifica com os Faraós egípcios. Os ícones de Buda são dourados, signo da iluminação e da perfeição absoluta. O fundo dos íco­nes bizantinos — às vezes também o das imagens budistas — é dourado, reflexo da luz celeste.
Em diversas regiões e especialmente no Extremo-Oriente, acredita-se que o ouro nasça da terra. O caracter kin primitivo evoca pepitas subterrâneas. Seria o produto da gestação lenta de um embrião, ou da trans­formação, do aperfeiçoamento de metal» vulgares. É o filho dos desejos da natureza. A alquimia se contenta em acabar, acelerar a transmutação natural; ela não cria a ma­téria original. Não é preciso dizer que a obtenção do metal precioso não é o objetivo buscado pelos verdadeiros alquimistas, porque, se a argila pode ser, segundo Nagarjuna, transmutada em ouro, Shri Ramakrishna sabe perfeitamente que o ouro e a argila são uma coisa só. A cor simbólica chinesa do ouro é o branco, e não o ama­relo, que corresponde, por sua vez, à terra. A transmutação é uma redenção; a do chumbo em ouro, diria Silesius, é a transformação do homem, por meio de Deus, em Deus. Esse é o alvo místico da alqui­mia espiritual.
O ouro-luz é, em geral, o símbolo do conhecimento, é o yang essencial. O ouro, dizem os brâmanes, é a imortalidade. Outro literalismo em conseqüência disso: tanto na China como na índia, preparam-se drogas de imortalidade à base de ouro. Os cabelos voltam a ser negros e os dentes crescem de novo... mas, sobretudo, o homem que segue esse regime torna-se che-jen (ho­mem verdadeiro). É, pois, pelo conheci­mento — e não pela droga, que não passa de seu símbolo ativo —, que ele atinge a imortalidade terrestre.
A propósito de perfeição, é preciso lem­brar, além disso, a primordialidade da Idade de ouro tradicional, ao passo que ai idades seguintes (de prata, bronze e ferro) marcam as etapas descendentes do ciclo,
Entre os astecas, o ouro é associado à pele nova da terra, no começo da estação das chuvas, antes que ela volte a verdejar. É um símbolo da renovação periódica da natureza. Por esta razão, Xipe Totec, Nosso Senhor Esfolado, divindade, da chuva, da primavera e da renovação, é igualmente o deus dos ourives. As vítimas oferecidas a esse deus sanguinário eram esfoladas, e os sacerdotes cobriam-se com sua pele, tingida de amarelo como a folha de ouro.
Segundo a crônica de Guarnan Poma de Ayala, os habitantes de Chincha-Suyu, a parte noroeste do Império dos Inçai, colocavam na boca de seus mortos folhas de coca, de prata e de ouro. Sem dúvida, reencontram-se aí os valores simbólicos Yin c Yang do ouro e da prata.
Uma associação ouro-serpente mítica re­vela-se no Ural. A Grande Serpente da Terra, o Grande Rastejador, é o senhor do ouro. Aparece às vezes sob a forma de um ofídio coroado de ouro, às vezes sob a de um homem com olhos e cabelos pretos, de pele bem morena e vestido de amarelo. Diz-se que, por onde passa, o ouro se deposita; que se ele se zanga, pode levá-lo para outro lugar. Tudo gela à sua passagem, até o fogo, a não ser no inverno, quando ameniza o tempo e faz a neve derreter. Essa associação, de caráter ctônico, ilustra a crença muito difundida, segundo a qual o ouro, metal precioso por excelência, constitui o segredo mais íntimo da terra.
Em toda a África ocidental, o ouro é o metal régio, um dos mitos de base. . . muito antes de lhe ser atribuído um valor monetário. Diversos provérbios indicam as razões para isso: ele não enferruja, não fica manchado; o único metal que se torna como o algodão, sem deixar de ser ferro; com um grama de ouro pode-se jazer um fio fino como um cabelo para cercar toda uma aldeia; o ouro é o pedestal do saber, o trono da sabedoria; mas se confundis o pedestal com o saber, ele cai sobre vós e vos esmaga; sede o cavaleiro da fortuna, não o seu cavalo; metal esotérico por excelência, por causa de sua pureza e de sua inalterabilidade. É encontrado sob onze* camadas de terras e minerais diferentes. Ele propicia a felicidade, se bem utilizado, isto é, se empregado para a busca do saber; caso contrário, acelera a perdição de seu proprietário. Metal ambíguo, comportando o dualismo original: chave que pode abrir muitas portas, massa ou fardo que pode quebrar os ossos e o pescoço. É tão difícil fazer bom uso dele quando obtê-lo.
Para os dogons e os bambaras, o ouro é a quintessência do cobre vermelho, a vi­bração original materializada do Espírito de Deus, palavra e água, verbo fecundante.
Esta significação espiritual, de princípio c cosmológica do metal amarelo, reaparece e se explicita com o mito da serpente-arco-íris. Com efeito, a serpente* que morde a própria cauda, símbolo de continuidade, enrolada ao redor da terra para que esta não se desintegre, Dan, que é espiral* e primeiro movimento da criação, geradora dos astros, vem a ser também o senhor do ouro e o próprio ouro. É a Serpente-Arco-Íris-Sol, este servidor universal, para reto­mar a expressão de Paul Mercier, que nada faz por si próprio, mas sem o qual nada se faz. Aqui o pensamento dos fons volta a se encontrar com o dos dogons, e Dan espiral de ouro, movimento do Sol e dos astros, torna-se um alter ego da espiral de cobre vermelho, expressão da primeira vi­bração, enrolada ao redor do Sol dos dogons. Mas, como quintessência do cobre vermelho, o ouro torna-se o princípio ori­ginal da construção cósmica, da solidez, da segurança humana e, por extensão, o prin­cípio da felicidade. É nessa qualificação, por seu valor espiritual e solar, que Damballa se torna, no Haiti, o Deus da riqueza, e o ouro passa a ser o símbolo da riqueza material, que é, por sua vez, o princípio simbólico da riqueza espiritual. Reaparece, assim, no meio do pensamento dos povos africanos, o sentido alquímico e esotérico do ouro, tal como é concebido no pensa­mento tradicional europeu e asiático.
Para os bambaras, o ouro simboliza tam­bém o fogo purificador, a iluminação. A palavra sanuya, que se pode traduzir por pureza, é construída sobre sanu, que signi­fica ouro. Ainda entre os bam­baras, o monitor Faro, divindade essencial, organizador do mundo e senhor do verbo, é representado com dois colares, um de cobre vermelho, o outro de ouro; eles o mantêm informado de todas as palavras humanas) o colar de cobre lhe transmite as conversações correntes, o colar de ouro, as palavras secretas e poderosas. Esta função noturna do ouro, símbolo do co­nhecimento esotérico, liga-se à significação alquímica deste metal, produto da digestão dos valores diurnos ou aparentes, e resume a ambivalência da noção de sagrado, ao consagrar os resíduos da digestão, os ex­crementos* , e as imundícies. Sublinhemos, a esse respeito, que os iniciados bambaras da classe dos Koré Dugaw (sociedade Koré) ou abutres, que se entregam publicamente a demonstrações de coprofagia, são tidos como os possuidores do ouro verdadeiro, os homens mais ricos do mundo. Radioestesistas julgam que o ouro e os excrementos determinam as mesmas oscilações pendulares.
Na tradição grega, o ouro evoca o Sol e toda a sua simbólica fecundidade-riqueza-dominação, centro de calor-amor-dom, fo­co de luz-conhecimento-brilho. O tosão ou velocino de ouro acrescenta um coeficiente desse simbolismo solar ao animal que o possui; ao carneiro*, por exemplo, que re­presenta já por si a força geradora de ordem corporal e, por transposição simbólica, de ordem espiritual. O tosão de ouro torna-se a insígnia do mestre e do inicia­dor.
O ouro é uma arma de luz. Usavam-se unicamente facas de ouro para os sacrifí­cios às divindades uranianas. Da mesma forma, os druidas só cortavam o visgo com uma pequena foice de ouro. Apoio, deus-sol, era coberto e armado com ouro: tú­nica, fivelas, lira, arco, aljava, borzeguins.
Hermes, o iniciado, o condutor de almas, o mensageiro divino e o deus do comércio, é também o deus dos ladrões, significando assim a ambivalência do ouro. Mas os anti­gos viam neste último título do deus um símbolo dos mistérios subtraídos ao conhe­cimento do vulgo: os sacerdotes furtavam o ouro, símbolo da luz, ao olhar dos profanos.
Entre os egípcios, como já se observou. o ouro era a carne do Sol e, por extensão, dos deuses e dos faraós. A deusa Hator era o ouro encarnado. .. O ouro conferia uma sobrevida divina. . . como conseqüência, o amarelo tornou-se primordial no sim­bolismo funerário.
Enfim, sempre em virtude dessa identi­ficação com a luz solar, o ouro foi um dos símbolos de Jesus, Luz, Sol, Oriente. Deve-se compreender por que artistas cris­tãos deram a Jesus Cristo cabelos louros dourados como os de Apoio e colocaram uma auréola sobre sua cabeça.
Mas o ouro é um tesouro ambivalente. Se o ouro-cor e o ouro-metal puro são sím­bolos solares, o ouro-moeda é um símbolo de perversão e de exaltação impura dos desejos, uma materialização do espiritual   e   do estético,   uma degradação do imortal em mortal.

 

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