sábado, 2 de julho de 2016

Um X a menos na equação dos diamantes do Tapajós

Um X a menos na equação dos diamantes do Tapajós

Fonte: Jornal do ouro

Após a quilha mantélica diamantifeira apresentada por INACIO NARDI, JOSÉ ELOI GUIMARÃES CAMPOS & GUILHERME MODESTO GONZAGA mostram os estudos e experimentos que colocam em xeque a teoria sul africana do transporte dos diamantes por centenas e milhares de km, no Brasil e inclusive na própria Africa do sul. Isto muda a equação ate hoje contraditória a respeito dos diamantes não rolados observados no Tapajós.


ABSTRACT THE TRANSPORT OF DIAMOND BY FLUVIAL SYSTEMS FOR LONG DISTANCE: A CRITICAI VIEW Many authors believe in the possibility of diamond transport for hundreds of kilometers by fluvial sedimentary processes. This work attempts to show by the integration of alluvial placer observations, experimental data analysis and case study that diamonds cannot be transported for long distances by tractive processes. The presence of diamond in a large geographical area (hundreds of square kilometers) implies in the necessity of the presence of multiple well distributed sources, including primary (kimberlite and lamproite) or secondary (sedimentary rocks) sources. The coarse facies related to the glaciogenic sediments are the most important sources among the secondary host rocks. The case studies exemplified in this paper show clearly that the wide dispersion of diamonds is mainly explained by the presence of secondary sources with regional distribution. 


Vários autores acreditam na possibilidade de transporte de diamantes por centenas de quilómetros através de ambientes fluviais. Esta crença influencia diretamente nas hipóteses dos geólogos brasileiros nas suas pesquisas para diamante, pois os diamantes da África dominaram o mundo por muito tempo e os geólogos sul africanos são geralmente consultores ou chefes das equipes brasileiras; esses autores sul africanos consideram que os diamantes presentes na costa atlântica da Namibia foram transportados pelo Rio Orange desde a região de Kimberley na África do Sul, a uma distância superior a 1000 km no interior do continente.
Este trabalho tenta mostrar a partir da integração da observação de placeres aluvionares, de dados experimentais, que diamantes não podem ser transportados por processos tracionais a longas distâncias. A presença de diamantes em uma extensa região (milhares de quilómetros quadrados) implica na necessidade da presença de numerosas fontes distribuídas por toda a bacia, podendo ser representadas por fontes primárias (kimberlitos ou lamproítos), secundárias (rochas sedimentares) ou ambas. Entre os hospedeiros secundários, as fácies rudíticas relacionadas aos sedimentos glacio gênicos são destacados pelos autores. O estudo dos casos exemplificados neste trabalho mostra claramente que a grande dispersão de diamantes é devida principalmente a presença de fontes secundárias com ampla distribuição regional.
A análise dos processos fluviais integrados a partir de: observações de campo, análise dos principais condicionantes para origem de placeres, resultados experimentais de laboratório, mostra que os minerais pesados de forma geral e os diamantes em particular apresentam curto transporte em ambiente fluvial e uma tendência à rápida deposição. O objetivo deste trabalho é rediscutir a questão, geralmente aceita, a respeito da distribuição de diamantes a centenas de quilómetros de sua fonte, por sistemas fluviais. Também objetiva mostrar como se processa o transporte de elementos pesados por sistemas fluviais, para contribuir aos aspectos práticos a respeito da geração de placeres e/ou paleoplaceres e para a prospecção de depósitos primários e secundários de diamante;
Os ambientes, onde são encontrados depósitos diamantíferos, incluem os sistemas fluviais de leques aluviais, de rios entrelaçados, de rios meandrantes e os depósitos resultantes da interação destes sistemas. Ambientes fluvio glaciais e canais sub glaciais (zona basal de geleiras), também apresentam elevado potencial para acumulação de minerais pesados, sendo as fácies sedimentares de maior regime de fluxo conhecidas;
Contudo, como observado por Miall (1977), as características dos vários tipos de fácies fluviais podem se superpor no tempo e no espaço. Dessa forma, os depósitos tipo placeres observados em cursos de rios meandrantes atuais, foram na realidade gerados em um intervalo de tempo anterior, quando o rio apresentava um canal mais retilíneo do tipo entrelaçado, com importante transporte e deposição de cascalho (atualmente observados na base dos canais).
DADOS EXPERIMENTAIS Os trabalhos experimentais convergem para os mesmos resultados, indicando que os minerais pesados tendem a se concentrar em uma camada basal (heavy infralayer) enquanto os leves acumulam-se posteriormente (light supralayer). Hattingh & Rust (1993) realizaram um trabalho experimental, onde 40 toneladas de areia de praia rica em ilmenita, granada, perovskita e limonita foram acumuladas a montante de uma sinuosidade do curso do os minerais pesados acumularam-se na porção interna da curva do rio e não sofreram transporte superior a algumas centenas de metros. Sutherland (1982) propôs uma "curva de seleção" para o diamante transportado por processos fluviais, objetivando descrever a variação de tamanho dos diamantes com a distância da área fonte. A curva que descreve a equação tem a forma geral de uma exponencial:
y = a. e {- b x(1º/2)]
onde y é o tamanho médio da pedra a uma distância x da área fonte, x a distância medida em quilómetros e a e b são parâmetros determinados pelo método dos mínimos quadrados (respectivamente tamanho médio das pedras na área fonte e constante de desintegração que varia de 0,10 a 0,20 nos sistemas naturais). A análise numérica da equação mostra que com um transporte fluvial de cerca de 500 km uma pedra originalmente de 10 quilates teria cerca de 0,035 quilates (3,5 pontos - tamanho aproximado de um grão de areia grossa) e que uma pedra de cerca de 3,7 quilates (em um aluvião) deveria apresentar 100 quilates na área fonte após um transporte de 400 km. Este fato mostra que mesmo uma equação teórica obtida através de análises empíricas, não sustenta a ideia de um longo transporte pelos sistemas fluviais, pois diamantes de dezenas de quilates são relativamente comuns em vários depósitos secundários.
Mesmo considerando a atuação de sucessivos ciclos de transporte fluvial, e não o transporte em um instante de tempo, como até então estabelecido, não se deve esperar a transferência de diamantes por centenas de quilómetros em uma bacia sedimentar, uma vez que o contraste de densidade entre o diamante (ρ = 3,5) e os materiais componentes dos cascalhes fluviais (média de ρ = 2,75) é significativo, resultando em uma tendência geral para a deposição destes minerais. O único ambiente deposicional capaz de transportar diamantes por distâncias consideráveis é o sistema glacial, que através do transporte de grande volume de massa pela expansão das capas de gelo, pode ser responsável pela transferência de material por até centenas de quilômetros.
ANÁLISE DE CASOS: Objetivando exemplificar as ideias discutidas nesta contribuição foram escolhidos dois exemplos de depósitos diamantíferos associados a sistemas fluviais bastante difundidos na literatura. Os exemplos escolhidos são representados pelos depósitos diamantíferos da região da Serra do Espinhaço Meridional, incluindo os aluviões do Rio Jequitinhonha, no estado de Minas Gerais, e pelos depósitos diamantíferos do Rio Orange, na África do Sul e na Namíbia, bem como pelos placeres diamantíferos da costa atlântica destes países.
Rio Jequitinhonha (Brasil) O Rio Jequitinhonha está localizado no nordeste do Estado de Minas Gerais, em uma região que durante o século XVIII foi responsável pela maior produção mundial de diamantes. As ocorrências diamantíferas estão distribuídas por cerca de 400 quilómetros ao longo do curso fluvial. Neste trecho do rio existe uma marcante variação do tamanho médio das pedras recuperadas dos aluviões e paleoaluviões cenozóicos.
O Rio Jequitinhonha é diamantífero desde sua nascente, onde drena metaconglomerados da Formação Sopa-Brumadinho, sendo as ocorrências de diamantes distribuídas onde o curso fluvial intercepta as rochas do Supergrupo Espinhaço e do Grupo Macaúbas (e.g. região da Mineração Rio Novo). No momento em que o rio flui sobre as fácies distais do Grupo Macaúbas, a presença de diamantes diminui sensivelmente, desaparecendo completamente nos trechos sobre as rochas granito-gnáissicas do embasamento cristalino. As ocorrências diamantíferas são apenas observadas nas regiões proximais aos hospedeiros secundários, sendo sua ampla distribuição relacionada à grande dispersão das fontes secundárias.
A simples observação dos dados de variação de peso médio dos diamantes ao longo de mais de 250 quilómetros do Rio Jequitinhonha (Haralyi et al. 1991) permite concluir que o sistema fluvial foi responsável por um transporte reduzido.
A partir da análise anterior, foi possível mostrar que o Rio Jequitinhonha é mais um exemplo de um sistema natural que demonstra claramente o transporte de diamantes a pequenas distâncias por sistemas fluviais. O mesmo raciocínio pode ser desenvolvido para as ocorrências secundárias oriundas dos kimberlitos da região de Juína/MT, onde os placeres via de regra, se distribuem no máximo a dezenas de quilómetros das fontes primárias.
Inúmeros autores acreditam que a origem dos diamantes do Rio Orange, na África do Sul, e dos depósitos diamantíferos na costa atlântica da África do Sul e Namíbia, esteja ligada a fontes primárias localizadas no Cráton de Kapvaal, distantes a cerca de 1200 quilómetros. Rouffaer (1988) e Marshall & Baxter-Brown (1995), ao contrário, afirmam que os diamantes são derivados de rochas sedimentares.glaciogênicas permo-carboníferas relacionados à Formação Dwyka. O teor geral de diamantes nos sedimentos Dwyka é bastante baixo. Porém, assumindo a presença de menos de um quilate por milhões de toneladas de sedimento, depósitos resultantes da erosão e reconcentração de bilhões de toneladas destes sedimentos poderiam explicar os depósitos secundários do Rio Orange, como também da costa atlântica (Marshall & Baxter-Brown 1995). Na realidade, os diamantes do Rio Orange são oriundos de diversos afloramentos de sedimentos Dwyka (fontes secundárias) e foram transportados por alguns quilómetros, sendo retidos por diversos tipos de armadilhas fluviais. É muito importante citar que a região da foz do Rio Orange apresenta uma mediana de peso dos diamantes superior àquela observada no seu alto curso (Rombouts 1995). Tal fato não é compatível com a distribuição de tamanhos de diamantes transportados em regimes fluviais e vem reforçar a presença de várias fontes secundárias ao longo do curso fluvial.
Este exemplo, juntamente com o do Rio Jequitinhonha no Brasil, reforça significativamente dois pontos de vista que ainda se encontram pouco difundidos na literatura geológica:
- os processos glaciais são poderosos agentes de transporte e, em alguns casos, de concentração de diamantes e outros minerais pesados;
- os sistemas fluviais não são agentes capazes de transportar diamantes a centenas de quilómetros de distância das fontes.
CONCLUSÕES O diamante, por ser um mineral pesado, cujas características físicas e químicas lhe conferem extrema resistência e estabilidade durante o transporte, pode ser retrabalhado a partir de suas fontes através de sucessivos ciclos deposicionais.
- os sistemas deposicionais do tipo rios entrelaçados, com pre-domínio de transporte de cascalhes juntamente com fácies fluvio-glaciais e canais subglaciais, são os agentes mais eficientes na concentração de minerais pesados.
- os sistemas fluviais transportam minerais pesados a distâncias reduzidas, geralmente não compatíveis com centenas de quilómetros da fonte, como usualmente é sugerido na literatura. A tendência natural do diamante é a rápida deposição nas fácies proximais nos ambientes de maior energia.
- quando ocorrências diamantíferas são distribuídas por uma grande região, deve-se esperar a presença de várias fontes (primárias ou hospedeiros secundários) ao longo de todo o sistema fluvial, já que de uma forma geral, os minerais pesados não são transportados por longas distâncias em regimes fluviais. Estes minerais ficarão retidos nas várias modalidades de armadilhas nas regiões proximais das fontes. As fontes primárias diamantíferas apresentam uma dispersão de pequena magnitude, enquanto os hospedeiros secundários podem apresentar uma distribuição geográfica muito ampla.
- Dentre os possíveis hospedeiros secundários, que podem ser de diversos tipos, destaca-se os sedimentos glaciogênicos, que apresentam uma capacidade de transporte de centenas de quilómetros e em alguns casos apresentam condições de concentrar diamantes e outros minerais pesados.

Este trabalho mostrou, a partir da integração de características do transporte fluvial, condicionantes de geração de placeres, dados experimentais e estudo de casos que os diamantes não são transportados por sistemas fluviais a longas distâncias, conforme usualmente descrito na literatura geológica. Este fato deve ser levado em consideração durante as campanhas exploratórias, pois a sua inobservância tem levado a equívocos de sérias consequencias

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