RESUMO
Desde o século XVIII o Brasil tem sido o principal produtor mundial de euclásio, proveniente das jazidas situadas nos arredores de Ouro Preto, Minas Gerais. Recentemente, três novos depósitos deste mineral foram descobertos no mesmo Estado: (1) Em 1979-80, garimpeiros explotaram cerca de 10 kg de material gemológico e de coleção. A situação geográfica deste depósito permaneceu desconhecida na literatura geológica; ele está localizado próximo do vilarejo de Olhos d'Água, município de Bocaiúva, noroeste de Minas Gerais. (2) Pouco tempo após, uma outra ocorrência foi descoberta na mesma região, a cerca de 25 km NNW da cidade de Itacambira, de onde foram extraídos 3 kg de euclásio, a maior parte para coleção. (3) As ocorrências de Gouveia foram detectadas pelos autores, durante prospecção aluvionar sistemática visando o conhecimento de minerais "satélites" do diamante na região, mas os espécimens encontrados têm somente importância mineralógica. Em todas as situações descritas, o mineral ocorre disseminado e/ou concentrado em bolsões relacionados a uma estreita zona feldspática de veios de quartzo pegmatóides, cortando quartzitos do Supergrupo Espinhaço (Bocaiúva e Itacambira), ou xistos e rochas graníticas do Complexo Pré-Espinhaço (Gouveia).
Palavras-chave: euclásio, mineralogia, gemologia, aluviões diamantíferos.
ABSTRACT
Since the 18th century euclase in Brazil has been mined mainly in the reknowed mineralogical district of Ouro Preto, Minas Gerais. Three new deposits were more recently discovered in the same state: (1) In 1979-80garimpeiros exploited about 10 kg of yellow gem-quality material and specimens for collectors, but the location of the source remained unknown in the geologic literature. It is situated near the small village of Olhos D'Água, in Bocaiúva district, northwestern Minas Gerais; (2) Soon after the first exploitation, another euclase occurrence was discovered in the same region, some 25 km NNW of Itacambira. About 3 kg de grey-blue euclase, mostly collection specimens, have been produced. (3) Occurrences in the Gouveia district were detected by the authors during alluvial diamond prospecting. In this area the specimens have only mineralogical importance. In all localities, the mineral occurs disseminated and/or concentrated in pockets in the small feldspathic zone of pegmatoid quartz veins truncating quartzites of the Espinhaço Supergroup (Bocaiúva and Itacambira deposits) or schist and granitic rocks of the pre-Espinhaço Complex (Gouveia occurrences).
INTRODUÇÃO
O euclásio [BeAl(SiO4)0H] é um mineral bastante raro na natureza, apresentando com freqüência propriedades gemológicas. Desde o século XVIII, o Brasil destaca-se como o principal produtor mundial de euclásio. Em Minas Gerais, as jazidas clássicas deste mineral estão associadas às jazidas de topázio imperial na região de Ouro Preto. Euclásio de origem pegmatítica ocorre principalmente próximo de São Sebastião do Maranhão, na Fazenda Santana do Encoberto.
Recentemente os autores, pesquisando a natureza dos minerais pesados que acompanham o diamante na região centro-norte de Minas Gerais, descobriram três novas ocorrências de euclásio, localizadas em áreas dos municípios de Bocaiúva, Itacambira e Gouveia. Vários espécimens encontrados nas duas primeiras ocorrências apresentaram características gemológicas.
O presente estudo objetiva a descrição geológica e mineralógica destes três depósitos, assim como discutir sobre a presença desse mineral em áreas de contexto estratigráfico bastante diferentes, demonstrando assim o ainda limitado conhecimento acerca da metalogenia regional.
EUCLÁSIO NO BRASIL
Os depósitos de topázio imperial, incluindo provavelmente os de euclásio, foram descobertos na região de Ouro Preto por volta de 1760. O célebre mineralogista Haüy descreveu primeiramente o euclásio em 1792 a partir de amostras da região, mas apenas Echwege (1822) localizou a proveniência do mineral ao identificá-lo em meio a um lote de topázios oriundos daquela área. Na atualidade são conhecidas oito áreas produtoras de euclásio no Brasil, algumas delas com várias ocorrências distintas. A maioria dos depósitos está situada no Estado de Minas Gerais (Fig. 1)
As ocorrências clássicas e melhor conhecidas do Brasil e do mundo são aquelas localizadas em uma faixa linear de aproximadamente 10 km a oeste da cidade de Ouro Preto (MG). Nesta região o euclásio é recuperado como subproduto da garimpagem de topázio imperial em pelo menos sete lavras: Boa Vista, Trino, Ranchador, Capão do Lana, Fundão, Morro do Gabriel e Cachambu. O mineral ocorre em cristais isolados, transparentes a levemente azulados ou esverdeados, quase sempre de comprimento inferior a 1 cm. Saldanha (1939) descreveu um espécime pesando 128 g (10 cm de comprimento) achado em 1922, provavelmente o maior cristal já conhecido. Descrições geológicas e mineralógicas sobre o euclásio de Ouro Preto foram apresentadas por Cassedanne (1970, 1991), mas sua gênese, assim como a do topázio, é objeto de amplas discussões.
Euclásio de origem pegmatítica ocorre em três principais localidades. Na região de São Sebastião do Maranhão (Fazenda Santana do Encoberto), também em Minas Gerais, o mineral se encontra em pequenos bolsões ricos em mica, perto do contato com o núcleo quartzoso do pegmatito (Cassedanne & Cassedanne, 1974). Os cristais, com freqüência biterminados, são incolores ou amarelados, transparentes a translúcidos, alcançando vários centímetros de comprimento. Este depósito já forneceu excelentes espécimes de qualidade-gema, descritos mineralogicamente por Bank (1974) e Graziani & Guidi (1980). Proveniente de Cachoeiro de Santa Leopoldina, Estado do Espírito Santo, Saldanha (1941) relatou um cristal de euclásio, hialino e perfeitamente formado, mas sua jazida nunca foi descrita.
Pertencendo à Província Pegmatítica Nordestina do Brasil, são conhecidas ocorrências de euclásio associadas a quatro corpos pegmatíticos da região de Equador, Estado do Rio Grande do Norte. A presença de euclásio nesta área foi primeiramente referida por Silva & Santos (1961), no denominado Alto dos Mamões. Outros corpos pegmatíticos mineralizados são os "altos" do Giz, Santino e Jacu, onde ele ocorre com berilo junto ao núcleo de quartzo (Cassedanne, 1970). É característico dos cristais de euclásio de Equador uma listra azul escura central, paralela ao eixo c, permitindo belas amostras para coleção.
Hussak (1917) descreve ainda a presença de euclásio nos cascalhos diamantíferos de Santa Izabel do Paraguassu, atual Mucugê (Estado da Bahia). Os espécimes, de interesse apenas mineralógico, eram cristais incolores e fragmentos de comprimento não superior a 3 mm.
DESCRIÇÃO DOS DEPÓSITOS
Bank (1980), em pequena nota, descreveu um euclásio gema "declarado" ser da região de Diamantina, e Cassedanne (1991) citou que "pequenos cristais de euclásio bege a cinza foram recentemente extraídos na região de Buenópolis". Durante pesquisas incluindo o estudo de minerais pesados de cascalhos diamantíferos a leste de Bocaiúva, os autores foram informados de uma jazida desativada de euclásio na região, localizando assim o depósito que pelas amostras obtidas parece ser o mesmo relatado por H.Bank e J.Cassedanne. A partir de informações locais, chegou-se ao depósito de euclásio de Itacambira, explorado pelos mesmos garimpeiros descobridores da jazida anteriormente mencionada. Já as ocorrências de euclásio situadas próximo de Barão de Guaicuí, Gouveia, foram achadas diretamente pelos autores, durante prospecção aluvionar sistemática voltada para os minerais "satélites" do diamante; os depósitos primários estão sendo ainda pesquisados.
Contexto geológico regional
As três ocorrências de euclásio ora descritas estão relacionadas geologicamente à Serra do Espinhaço, onde este mineral nunca havia sido antes reportado. A serra é sustentada por quartzitos e filitos do Supergrupo Espinhaço, do Mesoproterozóico, localmente aflorando xistos e rochas granitóides de idade mais antiga (Complexo Pré-Espinhaço). A Faixa Móvel Espinhaço é uma entidade geotectônica evoluída durante o Meso e Neoproterozóico, com o clímax dos dobramentos, incluindo a intrusão de inúmeros veios de quartzo, tendo ocorrido no Ciclo Brasiliano (Dossin et al., 1990).
Jazida do Buriti das Porteiras
Situada a cerca de 12 km a SW do povoado de Olhos d'Água, Município de Bocaiúva (Fig. 2), a jazida do Buriti das Porteiras foi descoberta casualmente em 1979, durante a exploração de um veio de quartzo hialino, do tipo "coleção". Foi explorada em dois períodos (1979-80 e 1983) pelo garimpeiro Marcolino Pereira da Silva (vulgo "Pingo"), de Bocaiúva.
Ocorrem na área quartzitos avermelhados, fortemente recristalizados e silicificados, atribuídos à Formação Galho do Miguel, do Supergrupo Espinhaço (Schmidt, 1970). O euclásio está associado à zona de borda, caolinizada, de um veio de quartzo com hematita, de cerca de 10 m de comprimento por 2 m de largura, cortando os quartzitos. O mineral ocorre disseminado e/ou concentrado em pequenos bolsões. O material secundário, elúvio-coluvionar, foi também objeto de exploração.
O euclásio aparece em cristais euédricos a subédricos, de coloração amarelada clara a média, raramente terminados. Espécimens de qualidade gema são comuns, tendo Bank (1980) destacado que o depósito forneceu uma pedra com 50 ct, depois de lapidada O maior cristal observado media b cm de comprimento ao longo do eixo c (55,6 g). A clivagem (010) perfeita é característica de todas as amostras estudadas. O peso específico, medido em 8 amostras, é de 3,095±0,010 g/cm3, e os índices de refração menor e maior são 1,651 e 1,671±0.001 com uma birrefringência de 0,020±0,001.
Ainda não está bem caracterizada a gênese da jazida do Buriti das Porteiras. A presença de feldspatos caolinizados junto ao veio de quartzo sugere atividade pegmatítica, muito embora esta seja bastante incomum ao longo da Serra do Espinhaço. Nenhum outro mineral pegmatítico foi observado. O potencial do depósito é também pouco conhecido, já que as escavações não ultrapassaram 1,5 m de profundidade. Informações obtidas do garimpeiro "Pingo" indicaram uma produção total de 12 kg (9 kg em 1979-80 e 3 kg em 1983, estes em parte recuperados a partir dos rejeitos anteriores).
Jazida de Itacambira
Este depósito está situado a cerca de 25 km norte-noroeste da pequena cidade de Itacambira, próximo às cabeceiras do Rio Congonhas. Em 1980, o mesmo decobridor da jazida do Buriti das Porteiras chegou a este local partindo da informação de um companheiro de garimpo, dizendo ter conhecido material "semelhante" ao lhe mostrado, enquanto procurava quartzo naquela porção da Serra do Espinhaço.
Geologicamente a região é conhecida como Espinhaço Central, tendo sido mapeada por Karfunkel & Karfimkel (1976). Predominam na área quartzitos brancos, finos e bem selecionados, atribuídos à Formação Resplandecente. O euclásio ocorre em uma cascalheira coluvionar de espessura inferior a 1 m, junto com quartzo e hematita.
Dados mineralógicos de amostras aparentemente "limpas" são os seguintes: peso específico (5 amostras) de 3,065±0,02 g/cm3 e índices de refração 1,650 e 1,670±0,001 com uma birrefringência de 0,020±0,001. A coloração é sempre cinza-azulada, ao que parece como resultado de micro-inclusões de turmalina preta (D.Hoover, 1993, comunic. verbal). E comum a presença de "bandas" preenchidas com quartzo segundo o plano (100); nestes casos o peso específico decai para 2,937±0,05 g/cm3.
Os cristais são sempre prismas euédricos tabulares, com 0,5-1,0 cm e sem terminação, possivelmente devido a um pequeno rolamento sofrido com ruptura na clivagem proeminente (010).
Estudos adicionais tornaram-se impossíveis, pois ao final da década de 80 a área de ocorrência foi recoberta com o plantio de eucaliptos para reflorestamento.
Ocorrência de Barão de Guaicuí
Durante prospecção aluvionar sistemática, desenvolvida na região de Diamantina com a finalidade de pesquisar minerais "satélites" do diamante (como parte da Tese de Doutoramento de um dos autores - M.L.S.C.C.), cristais de euclásio foram descobertos em dois locais: no Córrego do Capão e no Rio Pardo Pequeno. Eles estão situados a norte da cidade de Gouveia, nas proximidades do lugarejo de Barão de Guaicuí. Posteriormente à descoberta, entrevistas com garimpeiros locais permitiram constatar que o mineral é freqüente nestes aluviões diamantíferos, mas são confundidos com quartzo, apesar da densidade muito diferente. Alguns compradores de pedras admitiram mesmo terem comprado euclásio rolado como diamante, provavelmente devido ao forte brilho daquele mineral.
Nesta região afloram rochas pertencentes ao Complexo Pré-Espinhaço (sericita xistos e granitóides), além de metassedimentos da base do Supergrupo Espinhaço (formações São João da Chapada e Sopa Brumadinho). O Córrego do Capão, diamantífero, nasce na própria área, sendo por isso escolhido para a pesquisa de minerais pesados. A partir da detecção de euclásio no local, pesquisa suplementar efetuada na drenagem maior, Rio Pardo Pequeno, que já corre em terrenos da Formação Galho do Miguel (estratigraficamente superior), mostrou que a mineralização é persistente e que o maior aluvionamento permitiu também uma maior concentração do mineral (Fig. 3).
No aluvião estreito do Córrego do Capão, não ultrapassando 10 m de largura, o euclásio aparece em prismas relativamente bem preservados do desgaste mecânico, ainda exibindo com nitidez o estriamento paralelo ao eixo c. O maior exemplar observado mediu 0,8 cm, sendo hialino como todos os cristais observados no local. Outros minerais presentes no depósito são mostrados na Tabela 1.
No Rio Pardo Pequeno, os flats com larguras de 50 a 100 m permitiram a maior concentração de pesados. Os grãos de euclásio são mediana a totalmente rolados, mostrando sempre um achatamento característico segundo o plano principal de clivagem (010). O maior cristal observado mediu 1,2 cm de comprimento. Em geral eles são incolores, transparentes e macroscopicamente "limpos"; em apenas um grão muito rolado observou-se uma tonalidade rosada.
O peso específico, obtido de 5 amostras do Córrego do Capão, mostrou valores em torno de 3,09±0,02 g/cm3. Dados ópticos determinados com refratômetro mostraram valores limites de 1,650 e 1,671, com uma dupla refração de 0,021. Os índices de refração superiores àqueles do quartzo, associado ao brilho perláceo nas proximidades dos planos de clivagem (open cleavage), é a razão do mineral já ter sido confundido com diamante. Amostras roladas de euclásio do Rio Pardo Pequeno foram também confirmadas por difratometria de raios X.
Os euclásios das duas localidades descritas demonstraram uma associação de características que permitem considerá-los de mesma origem. No Córrego do Capão, as amostras muito pouco roladas evidenciam sua fonte próxima, o contrário acontecendo no Rio Pardo Pequeno. Pesquisas procurando a possível rocha fonte na área do Córrego do Capão, indicaram a existência de veios pegmatóides de porte inferior a 1 m, cortando principalmente micaxistos do Complexo Pré-Espinhaço. Amostragem efetuada na massa caolinizada dos veios revelou apenas a presença de quartzo, mica e turmalina preta. Porém, o pequeno volume amostrado, associado à raridade do euclásio e às semelhanças com os depósitos de Bocaiúva (aqui descrito) e o de Santana do Encoberto (Cassedanne & Cassedanne, 1974), permitem associar a gênese dos depósitos aos veios pegmatóides encaixados no Complexo Pré-Espinhaço.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presença de euclásio de origem pegmatítica em áreas com pouca ou nenhuma referência da presença desse tipo de atividade magmática, demonstra o ainda limitado conhecimento acerca da metalogenia regional. As pesquisas até então desenvolvidas permitem que sejam reconhecidos três tipos de depósitos primários de euclásio no Brasil:
(1) Na designada "litomarga" do distrito de Ouro Preto, uma argila marrom escura, de origem controvertida, associado ao topázio imperial,
(2) Em pegmatitos heterogêneos, bem zonados e relacionados a uma fase de magmatismo bem conhecida, datada no final do Brasiliano (550-450 Ma), como nos casos de Santana do Encoberto (MG), Cachoeiro de Santa Leopoldina (ES) e nos depósitos do Rio Grande do Norte, e
(3) Em veios pegmatóides, relacionados a processos magmáticos ainda pouco estudados na região da Serra do Espinhaço, dos quais são exemplos os depósitos de Bocaiúva, Itacambira e Gouveia, Minas Gerais, além de, provavelmente, as pouco conhecidas ocorrências da Chapada Diamantina, no centro-norte baiano.
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